Nair Bicalho
Faleceu hoje o professor Roberto Aguiar, ex-reitor da UnB, um paladino da causa da Justiça, um amigo querido. Para homenageá-lo recupero o parecer que ofereci ao Consuni, em 2012, quando de sua indicação para o título de Professor Emérito da nossa Universidade, que lhe foi outorgado naquele mesmo ano, celebratório do Jubileu da UnB.
A Faculdade de Direito da UnB aprovou por unanimidade em reunião de seu Conselho, realizada em 26 de junho de 2012, proposta de outorga do título de Professor Emérito previsto no Estatuto da Universidade de Brasília ao professor aposentado Roberto Armando Ramos de Aguiar.
A proposição originária foi encaminhada pelo Programa de Educação Tutorial – PET, pelo Grupo de Pesquisa Movimento Direito e pelo professor Alexandre Bernardino Costa, todos da Faculdade de Direito e veio consubstanciada em mensagem e memorial adequadamente formulados.
Na mensagem, seus subscritores concluem por designar o professor indicado como “ilustre jurista brasileiro que nos apresenta um legado na área acadêmica, jurídica, filosófica, social, política e cultural de repercussão em todo o Brasil e em tantos outros países”.
O memorial distribui em 52 páginas, um sumário que compreende a história de vida, a filosofia do pensamento, a formação acadêmica, a experiência profissional, a produção científica, as publicações, as entidades a que pertence e a participação em congressos, encontros e simpósios. Trata-se de um amplo e denso percurso, respeitável no campo universitário e na esfera pública, com grande projeção em seus múltiplos aspectos.
O parecer que sintetiza o acolhimento pelo Conselho da Faculdade quando deliberou sobre a indicação, foi elaborado pelo professor Menelick de Carvalho Netto e oferece o núcleo essencial para o reconhecimento da concessão do título. Salienta esse parecer:
“Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1975), Pós-Doutor pela Yale University (1979), Professor Titular de Filosofia do Direito da Universidade Federal do Pará, com intensa atuação no ensino de graduação e de pós-graduação em Direito no Brasil, a alimentar a sua significativa produção teórica, o jus-filósofo Roberto Aguiar, a convite do Reitor Antônio Ibañez, assume em 1989 a Procuradoria Geral da UnB. Passa então a atuar concomitantemente como professor do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais, transferindo-se depois para a Faculdade de Direito como Professor Titular de Filosofia do Direito.
Como se vê do memorial apresentado, a destacada atuação do jusfilósofo nas searas do ensino, da pesquisa e da extensão, na Graduação e na Pós-Graduação, na UnB e mesmo fora dela, após a sua aposentadoria, precisamente por haver encarado a Filosofia do Direito como a exigência do compromisso de enfrentamento consistente e profundo dos desafios concretos postos pela complexidade do cotidiano, recomendou que a escolha do Conselho Universitário, no momento da maior crise vivenciada pela instituição e que culminou com a renúncia do então Reitor, recaísse sobre o seu nome para assumir a condução da Universidade na condição de Reitor pro-tempore.
O Prof. Roberto Aguiar é uma daquelas pessoas únicas, que conseguiram manter-se coerente com os seus ideais ao longo de toda a vida, perpassada de coragem para agir, permeada de sensibilidade para perceber o outro e atuar na defesa dos que dele necessitaram, sem jamais perder de vista o seu compromisso com a redução das desigualdades sociais”.
Conforme preceituam o Estatuto e o Regimento Geral da UnB, o título de Professor Emérito é concedido pela Universidade de Brasília ao docente, aposentado na Universidade, que tenha alcançado uma posição eminente em atividades universitárias. Restringindo apenas a esse âmbito a biografia do professor indicado, isto é, deixando de lado toda a sua trajetória política e social que lhe granjeou notabilidade e reconhecimento nacionais, a sua carreira universitária tem alto relevo e é marcada por registros anteriores e posteriores à sua carreira na UnB, assim como em outras instituições no país e no estrangeiro, como acadêmico, dirigente e pesquisador visitante, incluindo sua passagem pela Unesco quando, a partir de Paris, representou o organismo das Nações Unidas em países da África.
Na UnB, a culminância de sua atuação deu-se com a sua indicação, pelo Conselho Universitário, para exercer a função de reitor pro-tempore em 2008, cargo para o qual, em seguida à indicação, foi nomeado pelo Ministro da Educação. Só essa distinção, que lhe permite figurar na galeria de ex-reitores da Universidade, já bastaria para caracterizar o perfil, conforme a previsão estatutária para reconhecimento como professor emérito.
Na Universidade, antes disso, alcançou a mais alta posição na carreira, professor titular, em razão de concurso, mas também graças a um currículo no qual pontuam todos os requisitos do universo indissociável do ensino, da pesquisa e da extensão, sintetizados em produção relevantíssima, de grande acolhimento editorial, incluindo prêmios que consagraram alguns de seus títulos.
Com trajetória militante acadêmica, publicou em 1980 seu primeiro livro Direito, poder e opressão (São Paulo: Alfa-Ômega), onde apresenta uma nova concepção do direito “sempre parcial por conter a ideologia do poder legiferante” e elabora uma crítica da “simbiose oficial entre o saber teórico e o saber burocrático”. Em 1982 editou seu segundo livro O que é justiça: uma abordagem dialética (São Paulo: Alfa Ômega), onde denuncia o caráter opressor da justiça nas mãos das elites em relação às classes populares.
Em 1985 recebeu o prêmio Alceu Amoroso Lima da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo pelo ensaio publicado em 1983, LSN – a lei da insegurança popular. Em 1986 publica novo livro Os militares e a Constituinte (São Paulo: Alfa-Ômega), além de diversos ensaios e artigos sobre o tema.
Em 1991 lançou A crise da advocacia no Brasil (São Paulo, Alfa-Ômega), onde realiza uma reflexão entre direito, ciência e tecnologia e afirma que o “ Direito é uma expressão de um processo que faz do advogado um sujeito partícipe de sua criação, na medida em que ele representa interesses, expectativas e projetos de grupos sociais e de coletividades emergentes. O advogado é um explicitador de direitos”.
Nos anos seguintes, o professor Roberto Aguiar dedicou-se à publicação de ensaios e artigos sobre os temas da justiça, da ética, da bioética, da cidadania e dos direitos humanos. Em 2000, publica Os filhos da flecha do tempo: pertinência e rupturas (Brasília: Letraviva), um marco teórico fundamental na sua trajetória de jurista e filósofo. Além de refletir sobre a opressão, as repressões, as violências (“estranhamento do outro”) e desigualdades presentes no mundo contemporâneo, ele propõe a constituição de um ser integral : “Os entes sociais , para viver em liberdade, necessitam ser unos e plurais (...) Só as convivências da unidade na variedade, da totalidade com as diferenças poderá construir sistemas unos, porém dinâmicos e mutáveis, e manter seu sentido de complexidade e possibilidade de saltos para patamares mais avançados de ser”.
Como síntese de sua postura acadêmica comprometida com a história e a sociedade brasileira, cabe lembrar suas palavras em entrevista concedida à SECOM/UnB: “Sempre fui estimulado pela prática. A teoria para mim só tem significado se estou com o pé na história. Nós, intelectuais, devemos contribuir para a solução dos problemas do Brasil”.
Como gestor na UnB, além da direção da Procuradoria Jurídica, antes de essa se integrar ao sistema da advocacia pública, foi coordenador do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos – NEP (1992/1993) e diretor do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares – CEAM (1993/1994). Atualmente, integrava o Conselho Editorial da Editora da UnB e presidia a recém-criada Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB, para a qual trazia a sua experiência como ex-integrante da Comissão Nacional de Anistia.
Como gestor público, exerceu o cargo de dirigente da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro (2002), ano que recebeu o título de Cidadão do Estado do Rio de Janeiro e também dirigiu a Secretaria de Segurança Pública do DF de 1996 a 1998. Ao nível da sociedade civil, foi membro da Comissão de Ciência e Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil entre 1992 e 1994 e membro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça de 2003 a 2004.
A indicação, pela Faculdade de Direito, do professor Aguiar para receber a outorga do título de Professor Emérito, feita no ano do jubileu da Universidade, confere à distinção um modo singular de marcar também o cinqüentenário de uma unidade acadêmica, a cujos mestres incumbiu-se proferir as primeiras aulas maiores da nova instituição (Ministros Hermes Lima e Victor Nunes Leal).
Meu parecer é, assim, pela concessão do título de Professor Emérito ao professor Roberto Armando Ramos de Aguiar, e acrescento agora já sob o impacto da saudade, um paladino da causa da Justiça e da luta pela democracia.
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¹Nota de pesar
É com profunda tristeza que comunicamos o falecimento do ex-reitor e professor emérito da Universidade de Brasília Roberto Armando Ramos de Aguiar, na madrugada desta sexta-feira, 12 de julho.
Roberto Aguiar era professor titular da Faculdade de Direito e acumulava forte atuação na área. Ingressou na UnB em 1989 como procurador-chefe e professor do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais.
Em 2008, após indicação do Conselho Universitário (Consuni), foi nomeado reitor pro tempore da UnB. Jurista, atuou como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. Participou da criação da Universidade Estadual do Pará e da Universidade Metodista de Piracicaba e foi professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará. Ao longo da carreira, publicou mais de 40 obras, entre livros e artigos sobre Segurança e Direito.
A Universidade decreta luto oficial de três dias e solidariza-se com os familiares e amigos do professor, desejando que todos possam encontrar conforto neste difícil momento.
Informações sobre o velório serão repassadas posteriormente.
Márcia Abrahão
Reitora
Enrique Huelva
Vice-reitor
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