Última carta (Cartas
do Mondego)*
Ludmila
Cerqueira Correia**
Coimbra, 31 de maio de 2016.
Quando organizava as coisas
para vir pras bandas de cá, iniciava uma bateção de panela no Brasil, que soava
como algo ridículo. Naquele momento, eu não podia imaginar que um golpe parlamentar
já estava sendo arquitetado por uma direita raivosa que não aceitava a
reeleição da Presidenta Dilma Roussef.
Nesse percurso de lá pra cá,
que durou um ano, os acontecimentos foram cada vez mais velozes, de tal modo
que nos últimos dias, em poucas horas de sono, uma decisão mudava horas depois
de tomada (refiro-me à decisão do Presidente interino da Câmara dos Deputados,
Waldir Maranhão, que anulou a votação do impeachment naquela casa legislativa,
e, logo em seguida, voltou atrás).
O bom mesmo, nesse período,
foi conhecer outros comunistas. Com eles compreendo cada vez mais que o caminho
de um outro mundo possível começou a ser construído faz tempo e que precisamos
aprender com os erros e os acertos, mas que jamais podemos retroceder.
E assim foi com António
Casimiro, Antonio Avelãs, Raquel Rigotto, César Gilolmo, Agustín Arbesú (Tino),
Manuel Desviat, Ciro Tarantino, Giovanna del Giudice, Peppe Dell’Acqua e tantos
outros e outras que encontrei nessa caminhada e que me fizeram reforçar a ideia
de que a saída é sempre pela esquerda.
Foi com essas pessoas que
confirmei o que aprendi com Isabel Lima, Edna Amado, Marcus Vinicius de
Oliveira, Ana Guedes, Diva Santana, Marília Lomanto, Clóvis Lima, Jairnilson
Paim, José Geraldo de Sousa Junior e tanta gente mais: é preciso ter paciência
histórica.
Basta olhar para trás e ver
o tanto de coisas construídas com as lutas de tanta gente e o quanto muitas
vidas mudaram nesses últimos anos.
Mas agora eu quero olhar para
frente, lá na frente, enfrentando o agora, que é todo dia e está bem aí na
nossa frente.
“Para nós, comunistas, não
era possível construir um outro mundo em que todas as pessoas não tivessem as
mesmas oportunidades.”, como me disse Tino, psicólogo espanhol, um dos
fundadores da primeira escola de educação especial de Madri na década de 1970.
É com os aprendizados daqui,
com os novos ares respirados e o coração marcado nesse período, que retorno para
continuar lutando por outro mundo possível, em que todas as pessoas tenham as
mesmas oportunidades.
*
Esta carta foi escrita no último dia do meu estágio doutoral em Coimbra, há
exatos três meses. À época não a publiquei, talvez na esperança de que o Golpe não
se consumasse. Hoje publico-a com a esperança de dias melhores, porque
continuaremos resistindo, apesar dos perigos.
** Ludmila Cerqueira
Correia é advogada popular, extensionista e pesquisadora. Doutoranda
em Direito, Estado e Constituição no Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade de Brasília, integrante do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na
Rua. Professora do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal
da Paraíba e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania. Integrante da RENAP e do
IPDMS.