O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta
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quinta-feira, 18 de agosto de 2016
Para um debate teórico-conceitual e político sobre os Direitos Humanos*
17/08/2016
Ludmila Cerqueira Correia
Em tempos de ameaças à democracia e aos direitos conquistados nas lutas e inseridos na Constituição de 1988, o livro dos professores Antonio Escrivão Filho e José Geraldo de Sousa Junior pode ser considerado uma análise sociojurídica da trajetória dos direitos humanos, na perspectiva de O Direito Achado na Rua. A obra é dividida em oito capítulos, que abordam os seguintes temas: Capítulo I – conceitos e categorias para uma compreensão dos direitos humanos; Capítulo II – panorama do cenário internacional dos direitos humanos; Capítulo III – o desenvolvimento histórico dos direitos humanos no Brasil; Capítulo IV – a conquista da democracia e o cenário atual dos direitos humanos; Capítulo V – América Latina, desenvolvimento e um Novo Constitucionalismo Achado na Rua; Capítulo VI – a luta pelos direitos humanos e a expansão política da justiça; Capítulo VII – a reforma do ensino jurídico e direitos humanos; Capítulo VIII – o Direito Achado na Rua e a Teoria Crítica dos Direitos Humanos no Brasil.
Problematizando as concepções abstratas de direitos humanos, os autores propõem a noção de “processos históricos de lutas por direitos” para avançar na compreensão sobre os direitos humanos. Assim, trazem para o debate os elementos ausentados tanto na “versão oficial da história”, como nas referidas teorias abstratas, as quais compreendem os direitos humanos como algo dissociado da dinâmica sócio-histórica. Além disso, destacam a importância da politização dos direitos humanos, ao reconhecer a sua dimensão combativa, libertadora e de luta popular, sugerindo como contraponto, as concepções contra-hegemônicas de direitos humanos. Para essa análise, apresentam algumas chaves conceituais: a concepção contra-hegemônica, a dialética social do direito e a teoria crítica dos direitos humanos, com destaque para as obras de Boaventura de Sousa Santos, Roberto Lyra Filho e Joaquín Herrera Flores.
Partindo dessa perspectiva, os autores aprofundam as questões relacionadas ao cenário internacional dos direitos humanos, ressaltando as novas agendas nesse debate na passagem do século XX para o XXI, como é o caso do desenvolvimento e da globalização. Destacam também os conceitos de exigibilidade e justiciabilidade no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, demarcando o cenário dos direitos humanos na América Latina.
Nesse percurso, tomam os conceitos de colonialismo e colonialidade para analisar a história dos direitos humanos no Brasil. Os autores afirmam a necessidade do resgate de uma “memória silenciada” para conhecer a verdade sobre acontecimentos políticos, sociais e econômicos que marcaram a sociedade brasileira, sobretudo durante a ditadura civil-militar com o golpe de 1964. Daí o destaque que é dado na obra à justiça de transição como processo necessário para a superação de regimes autoritários fundados sobre a prática de violações de direitos humanos.
O crescimento de uma agenda de direitos humanos no campo da reforma institucional dos sistemas de justiça e segurança pública também é debatido pelos autores, que ressaltam as demandas de grupos subalternizados. Ademais, ao abordarem o modelo de neodesenvolvimentismo latino-americano, no qual o Brasil está inserido, identificam e analisam três fatores da realidade brasileira cruciais para esse debate: o agronegócio; as lutas dos movimentos sociais, dos povos indígenas e das comunidades tradicionais; e a manifestação do seu subimperialismo com sua expansão para países centro-americanos e africanos.
Na sequência o “novo constitucionalismo latino-americano” é discutido pelos autores em diálogo com importantes eixos do pensamento crítico latino-americano, com destaque para o Constitucionalismo Achado na Rua, que reconhece a luta social como expressão cotidiana da soberania popular.
Em seguida, os autores problematizam o debate em torno da politização da justiça, apontando a condição política como manifestação ontológica do exercício da função judicial, o que consideram necessário para lidar com a tendência de expansão política da justiça no Estado democrático. Nesse cenário, o tema da judicialização dos direitos humanos é tratado a partir de uma concepção alargada de acesso à justiça e da atuação das organizações de direitos humanos e da assessoria jurídica e advocacia popular no Brasil. Os autores apontam o necessário deslocamento da agenda política de participação e controle social, historicamente centradas no Executivo e no Legislativo, para o Judiciário, visando a sua democratização.
Outro tema relevante na obra – reforma do ensino jurídico e direitos humanos – é abordado através da configuração do eixo de formação prática para o ensino jurídico, a partir dos debates realizados no âmbito do Conselho Federal da OAB. Em seguida, os autores assinalam as possibilidades de novas perspectivas em torno do significado do Direito e das soluções não judiciais e/ou comunitárias para resolução de conflitos.
Ao final, os autores retomam o percurso histórico e os pressupostos de O Direito Achado na Rua, focando na sua concepção do Direito e nas suas produções teóricas e práticas, como os projetos de extensão universitária através da assessoria jurídica popular junto a comunidades marginalizadas e movimento sociais, demonstrando o seu compromisso com a efetivação dos direitos humanos.
Assim, a obra revela o seu ineditismo com uma nova perspectiva no estudo dos direitos humanos, trazendo reflexões sobre as relações entre a justiça e a sociedade a partir do contexto sociopolítico e das construções teórico-práticas de O Direito Achado na Rua. Trata-se de uma leitura indispensável não somente a estudantes de graduação e pós-graduação, mas aos pesquisadores e pesquisadoras, profissionais e ativistas envolvidos no seu cotidiano com questões relacionadas aos direitos humanos.
*ESCRIVÃO FILHO, Antonio Escrivão Filho; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.
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