O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Prisão Acadêmica no século XXI? (Cartas do Mondego)

Ludmila Cerqueira Correia*

Coimbra, 29 de junho de 2015.

No percurso da Universidade de Coimbra, não só a Biblioteca Joanina me chamou a atenção, mas, sobretudo, o espaço chamado de Prisão Académica. Ao ler sobre a história do prédio da referida biblioteca, e especialmente sobre o piso situado mais abaixo, comecei a pensar nas origens da prisão especial para portadores de diploma de ensino superior no Brasil. Será?
A Prisão Académica, instalada em 1593 sob a Sala dos Capelos (onde, até hoje, as teses de Doutorado são defendidas) e transferida em 1773 para o piso inferior da Biblioteca, foi criada para receber os professores, funcionários e estudantes que cometiam crimes, uma vez que, à época, a Universidade detinha a condição privilegiada de corporação dotada de foro privativo. Conforme consta nos registros daquela Universidade, essa cadeia privativa tinha como objetivo proteger tais pessoas, com destaque para os estudantes, “do convívio com criminosos de delito comum”**. Além disso, também era utilizada como medida disciplinar.
No Brasil, segundo o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334, ajuizada contra o dispositivo do Código de Processo Penal que prevê a prisão especial, “a lei estabelece uma espécie de relevância cultural-social do indivíduo por circunstância de ordem privada, como o grau de instrução, amparando o suposto ‘direito’ desses cidadãos a não ‘se misturarem’ com presos ‘comuns’”***. E então, alguma relação da Prisão Académica de Coimbra com a prisão especial brasileira ou mera coincidência?
Foi assim que me lembrei imediatamente da prisão especial para portadores de diploma de ensino superior no Brasil. Afinal, estaria a referida Prisão Académica nas origens desse instituto previsto na legislação brasileira desde 1937? Não me recordo de nenhum registro sobre essa questão nos livros ou manuais de Direito Processual Penal. É possível que haja estudos de historiadores sobre o tema, o que requer uma pesquisa aprofundada. Longe de querer debater a constitucionalidade ou função desse tipo de prisão no Brasil, o que me faz compartilhar essa reflexão é simplesmente a possibilidade de pensarmos juntos as repercussões, ainda hoje, de determinados institutos europeus, em especial, os portugueses, na vida brasileira.
Quando comentei essa inquietação com alguns amigos brasileiros que também estão em Coimbra, nenhum deles havia pensado nessa questão antes, mesmo já tendo conhecido a tal Prisão Académica, que é considerada a única cadeia medieval existente em Portugal****, tendo sido desativada em 1834 (em virtude da extinção da jurisdição da Universidade).
E a pergunta persiste: seria a prisão especial a Prisão Académica em pleno século XXI no Brasil?

* Ludmila Cerqueira Correia é doutoranda em Direito, Estado e Constituição no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, integrante do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, bolsista CAPES em estágio doutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, professora do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania (Centro de Referência em Direitos Humanos da UFPB).

** Disponível em: http://visit.uc.pt/prisao/



**** A Prisão Académica integra a Universidade de Coimbra, com duas celas mantidas no seu formato original. 

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Última carta de Viena: diversidade e convergência em educação superior

por Layla Jorge T. Cesar*

A preservação da diversidade cultural é fundamental para garantir que diferentes grupos sociais tenham os seus direitos atendidos. Esta foi a premissa norteadora da investigação que conduzi acerca dos programas de cooperação internacional em educação superior “Tuning União Europeia” e “Tuning América Latina”.

O programa Tuning foi originalmente concebido na União Europeia no ano 2000. O projeto está vinculado aos objetivos de integração econômica e cultural promovidos pela Reforma de Bolonha e pela Estratégia de Lisboa, no que se referem à educação superior. Atualmente, o programa Tuning se tornou uma ferramenta para avaliação de qualidade, aprimoramento da mobilidade educacional e reforma curricular, baseado na implementação de estruturas comuns de educação por competências em programas de 1º, 2º e 3º ciclos (graduação e pós-graduação).

O objetivo geral do Tuning é criar uma rede de colaboração entre diferentes regiões do mundo para elaborar quadros de competências que guiem a reforma curricular. A proposta substitui o modelo tradicional de educação centrado na figura docente e no conteúdo disciplinar por outro centrado nos estudantes e na formação orientada por competências profissionais. Apesar de sua aura transformadora, os resultados da pesquisa indicaram que o Tuning não se propõe a romper com nenhum paradigma de exclusão definido pelos modelos hegemônicos de educação superior.

Há dois aspectos fundamentais a serem considerados na avaliação do programa:

1.      A natureza ideológica da “educação por competências”: a proposta de um currículo voltado para a formação profissional é, sem dúvida, uma expressão da mercantilização da educação superior. A opção política por associar a educação aos mercados financeiros traz como consequência o fortalecimento de um sistema de exclusão e marginalização estruturais. Isto implica a manutenção da estratificação social e a perda da autonomia curricular, uma vez que os conteúdos dos diplomas procuram convergir com os interesses do mercado laboral;
2.      A condição de dependência simbólica e material no contexto de cooperação internacional: a origem do processo de colonialidade remonta à constituição da América como identidade geocultural e à formação do eurocentrismo como instrumento de legitimação da dominação colonial. Quando o Tuning propõe conectar sistemas de educação superior através de quadros de competências comuns e de valor universal, pressupõe que exista uma ontologia comum unindo as profissões e os currículos. É evidente que há semelhanças entre as carreiras acadêmicas em diferentes regiões do mundo. O que deve ficar claro é que estas semelhanças não são espontâneas, mas sim fruto dos processos de colonização e da hegemonia do sistema capitalista. Além da dependência simbólica, ficou claro durante a pesquisa que a adesão dos países latino-americanos ao projeto foi também influenciada pelo aporte de recursos financeiros proporcionado pela Comissão Europeia. Esta dependência material é ainda mais grave no caso de países com menor volume de recursos voltados para a educação superior.

Existe uma permanente tensão entre diversidade e convergência em educação superior, e é fundamental perceber que nossas decisões políticas contribuem para o fortalecimento de um ou outro polo. O discurso do Tuning apresenta uma grande ambiguidade, característica do modo de governança neoliberal emergente hoje na Europa: ao mesmo tempo em que propõe a implementação de estruturas institucionais comuns, com a justificativa de ampliar a mobilidade estudantil, afirma a preservação da heterogeneidade como um de seus princípios. Esta elasticidade no discurso permite abarcar interesses opostos, escondendo que o programa pode apresentar uma ameaça à diversidade na educação superior. É evidente que nem todas as expressões de conhecimento podem se encaixar no formato de competências, e a dinâmica proposta pelo programa termina por valorizar aqueles conteúdos que beneficiam a relação entre a universidade e o mercado de trabalho.
É claro que a mobilidade estudantil é fundamental, mas é possível organizá-la sem que seja necessária a padronização dos currículos ou dos formatos institucionais. No contexto em que vivemos hoje, onde o Governo Federal prioriza o investimento público na área de educação privada[1], é preciso realizar uma reforma anticapitalista das nossas universidades. É preciso recuperar o sentido de educação para o bem público e serviço à sociedade.

Mas é igualmente preciso nos lembrarmos de que a universidade é uma instituição eurocêntrica em sua essência, e há limites para o seu poder de democratização cultural. É preciso então que a universidade reconheça os seus privilégios e crie espaço na sociedade para a emergência de novos formatos educacionais, compartilhando com estes a sua legitimidade epistemológica e seu monopólio sobre a emissão de diplomas que dão acesso formal ao mercado de trabalho. É preciso criar espaço para o reconhecimento legal de saberes tradicionais, populares e indígenas sem obrigá-los à submissão ao formato institucional universitário.

  
  

*Layla Jorge Teixeira Cesar é mestre em Sociologia pela UnB e recém concluiu o programa MARIHE - Mestrado em Pesquisa, Inovação e Gestão de Ensino Superior, uma ação do consórcio entre universidades na Àustria, Finlândia, China e Alemanha. Faz parte da rede Diálogos Lyrianos – O Direito Achado na Rua.



[1]     ANDES-SN: Em meio a cortes na educação federal, Kroton lucra R$ 455 milhões em três meses. Ver matéria completa: http://www.andes.org.br:8080/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=7571

terça-feira, 23 de junho de 2015

Os contornos jurídicos da Constituinte Exclusiva: o desafio da reforma política

22/06/2015 - Fonte: http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPrincipios-Fundamentais%2FOs-contornos-juridicos-da-Constituinte-Exclusiva-o-desafio-da-reforma-politica%2F40%2F33794

Há uma evidente insatisfação popular em relação ao sistema político. não cabe ignorar a realidade apresentada para sustentar conceitos estanques.


Gladstone Leonel Junior
ebc
“Cui licet quod est plus, licet utique quod est minus”

“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”

A expressão em latim trazida na epígrafe, e recorrentemente aclamada no meio jurídico, diz muito a respeito do debate que esse artigo apresenta: “Quem pode o mais, pode o menos”. A segunda expressão na sequência, também não aparece por acaso.

Por que essa expressão em latim vem a calhar nos dias de hoje? Ela surge para afirmar a possibilidade de uma constituinte exclusiva para reformar o sistema político do país.

Em um período de crise de representatividade extrema e fragilidade das instituições políticas, o Congresso Brasileiro apresenta uma proposta infame de Reforma Política que traz um discurso de mudança, mas tem o ímpeto de aprofundar as mazelas democráticas existentes. Isso, porque não se propõe a nenhum momento enfrentar os temas centrais de uma reforma política séria e sensível aos apelos do povo.

Esse cenário político demonstra que esse Congresso Nacional e seus deputados/as com mandatos vigentes, além de não possuírem interesse, não farão uma Reforma Política necessária ao melhor funcionamento da sociedade, nem capaz de reestruturar as bases democráticas do Estado.

Daí retomamos o debate acerca da Constituinte. Esses mesmos políticos, alguns juristas e os grupos econômicos que estão por trás desses representantes, rechaçam de maneira veemente as mudanças do sistema político através de uma constituinte exclusiva. Os argumentos utilizados são diversos. Por vezes salientaram que seriam eles os “verdadeiros” representantes do povo e diante disso não haveria necessidade de participação dos sujeitos os quais eles representam (ou seja, do povo); há também a narrativa da inconstitucionalidade de uma constituinte exclusiva pela falta de espaço jurídico para isso (1) e por não se ter uma constituinte “pela metade” (2); ou em decorrência de uma desmoralização e negação do sistema representativo (3); ou mesmo do risco inerente a essa iniciativa no sentido de perda de direitos(4).

Diante desse rechaço, cabe destacar, salientando os aspectos jurídicos, os pontos principais do cabimento de uma constituinte exclusiva para fazer um Reforma Política com “P” maiúsculo. Isso é o que tratarei de fazer agora:

01) Retomemos a corriqueira expressão inicial usada no mundo do direito, “quem pode o mais pode o menos”. O fato do poder constituinte originário, em seu aspecto conceitual, não prever quaisquer limitações às matérias que poderá tratar, (pois não ampara seu fundamento de legitimidade a nenhuma outra força que não a si próprio e à soberania popular que o impulsionou) não inviabiliza que ele mantenha parcela jurídica do que entenda relevante. Da mesma forma, já cai por terra essa argumentação da impossibilidade da limitação temática da constituinte, caso a convocação de uma constituinte se dê por um poder constituinte derivado, o qual implicaria em prerrogativas que podem modificar, implementar ou retirar dispositivos, ou seja, limitam o poder reformador. Assim, se a forma usada para convocar uma constituinte exclusiva fosse uma emenda constitucional, desde que não ferisse cláusulas pétreas (as quais não podem ser reformadas) seria plenamente realizável. O que se observa nessa situação, é que uma vez admitida a possibilidade de alteração ilimitada da Constituição, certamente problema algum haveria em mudanças mais limitadas, pois como afirma o brocardo jurídico: “quem pode o mais, pode o menos”.

02) Agora, retomemos a segunda expressão usada na epígrafe, onde salientou-se que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Essa não é uma frase retórica, mas um dispositivo constitucional exposto no parágrafo único, artigo primeiro da Carta Magna. Tanto a presidenta da República eleita por votação majoritária, os deputados/as e os senadores/as eleitos como representantes no Congresso, quanto o povo, legitimado para incidir diretamente nos rumos do país, através de mecanismos como o plebiscito, são atores políticos com poderes garantidos. Todos esses são sujeitos atuantes na materialização constitucional. Eles darão vida às iniciativas que permitam o aperfeiçoamento do exercício democrático e possuem legitimidade para isso. Assim, seria desnecessário, além de configurar uma exacerbação positivista exigir que algum dispositivo constitucional expressamente previsse a possibilidade de uma constituinte exclusiva. Não por acaso, a Constituição explicita: “Todo o poder emana do povo”. Nesse caso, querer é poder!

03) Há importância em ser uma constituinte exclusiva e temática. O fenômeno (da convocação de uma constituinte) deve ser abarcado pelo conceito (de poder constituinte), e não o contrário. O contexto político é dinâmico e seria impensável a letra da lei acomodar todas as possibilidades decorrentes do mundo jurídico. O fato de não haver uma literalidade do conceito “constituinte exclusiva”, não retira sua legitimidade e materialidade, conforme já exposto. Certamente, a dificuldade de controle do conteúdo do tema a ser debatido na constituinte é real no momento da disputa política, sobretudo, após a realizada a convocação pelo Legislativo e legitimada pelo povo através do plebiscito. Embora, essas tensões se façam presentes e sejam comuns a vida de um Estado Democrático de Direito, onde o sistema de freios e contrapesos irá demarcar a independência dos poderes e os mecanismos institucionais e culturais deverão ser capazes de garantir o funcionamento de uma democracia constitucional no Brasil com todas as suas tensões. Por fim, ao tratar de uma constituinte exclusiva, os representantes teriam seus mandatos limitados pelo próprio ato convocatório devendo ser dissolvido o mandato após a realização dos trabalhos da Assembleia constituinte. Diferentemente do congressista eleito para um mandato mais amplo e regular, o qual possui todas as prerrogativas constitucionalmente devidas para o exercício desse mandato.

04) Cabe destacar, os riscos jurídicos que a Constituinte apresenta. A arte, por vezes, apresenta as melhores saídas ou simplesmente auxilia no direcionamento de determinadas questões geradoras de angustias e incertezas. Na canção, Como dizia o poeta, Vinícius de Moraes, dispara em um trecho de seus versos:

“Quem já passou/Por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá/Pra quem se deu
Pra quem amou, Pra quem chorou, Pra quem sofreu”
Nessa passagem, o poetinha ilustra os riscos da vida e a necessidade da ousadia em determinado momento. De fato, nada é realizado sem riscos, por menores que sejam, eles existem. Contudo, certas ocasiões exigem uma postura ativa, pois a omissão também é um risco de piorar situações em que a ação era necessária. O que se pode fazer é prevenir esses riscos dentro do possível e passar do campo da arte para o direito. Nesse sentido, considerando a força da convocação da constituinte exclusiva semelhante a de uma emenda constitucional para esse fato político específico, os direitos e as garantias fundamentais presentes ainda serão cláusulas pétreas não passíveis de mudança ou exclusão. Ainda assim, se a constituinte vier através de um poder constituinte originário, pode ser reivindicada a teoria do "effet cliquet" ou no bom português “o princípio da vedação ao retrocesso”. “A origem da nomenclatura, em âmbito jurídico, é francesa, onde a jurisprudência do Conselho Constitucional reconhece que o princípio da vedação de retrocesso se aplica no sentido de que não é possível a revogação de uma lei que protege as liberdades fundamentais sem a substituir por outra que ofereça garantias com eficácia equivalente.(6)” Além das liberdades e direitos fundamentais, a doutrina se estende à vedação ao retrocesso social, seja na Constituição vigente ou nas vindouras, salienta Canotilho.(7) Logo, qualquer tentativa de retirada de direitos fundamentais em uma constituinte ou nesse caso, uma constituinte exclusiva, pode ser rechaçada através de fundamentações jurídicas contemporâneas como essa.

05) Quanto às formas de construção de um plebiscito constituinte para a reforma política, já trouxemos algumas possibilidades ao texto. Alguns juristas entendem que esse tema pode vir por meio de matéria de revisão constitucional. Essa posição é verificada em uma das análises feitas por Wadih Damous, ex-presidente da OAB/RJ(8); Além dela, a constituinte exclusiva, pode ser reivindicada por meio de um Poder constituinte originário, como destaca o professor José Luiz Quadros Magalhães. Ambas possibilidades, talvez sejam mais complexas à luz de uma conjuntura política, não tão favorável aos avanços que se pretende. Uma aposta para além dessas apresentadas seria a de considerar o Poder Constituinte Derivado dando continuidade à Constituição de 1988. No entanto, a Constituinte poderia ser convocada de maneira plebiscitária e atingiria só uma parcela relacionada a temática que afeta o sistema político. Essa seria a típica ação de um órgão reformador, mas conduzida por deputados com mandatos exclusivos e em decorrência de um plebiscito oficial. Após realizadas as mudanças decorrentes da constituinte exclusiva, as alterações poderiam ser confirmadas por um referendo à população, robustecendo o caráter democrático da ação política.

Certamente, a conjuntura política atual traça cenários delicados. Um dos alvos preferenciais do Congresso, do Judiciário e da grande mídia tem sido o Partido dos Trabalhadores, que preside o governo federal há mais de 12 anos por meio de uma política de conciliação de classes. Política essa incapaz de resolver as grandes questões estruturais do Estado e da sociedade, além de se demonstrar insuficiente para encarar um processo de radicalização e acirramento da luta de classes, tal qual ocorre. Ademais, ao tratar da reforma política, é fato que ela precisa enfrentar a influência exagerada do poder econômico, as corriqueiras coligações partidárias oportunistas e o problema dos partidos fisiológicos com pouca densidade programática.
Conforme destaca Luiz Otávio Ribas, a proposta da Constituinte aqui defendida deve ser:
a. Soberana: originária, sem limites no ordenamento vigente;
b. Exclusiva: eleita exclusivamente para fazer a reforma e se dissolver;
c. Temática: parcial ou autolimitada para fazer somente a reforma política.

Desde 2013 há uma evidente insatisfação popular em relação ao sistema político representativo. Não por acaso as manifestações nas praças e ruas se fizeram mais frequentes e as tensões políticas aumentaram. Nesse momento, não cabe ignorar a realidade apresentada para sustentar conceitos estanques e cômodos aos setores políticos encastelados nesse sistema.
O jurídico e o político andam juntos, nem sempre de mãos dadas, mas numa dinâmica tensa e dialética, a qual justifica a própria existência de ambos. Esse conflito inerente, não é razão para não se alçar novos fronts, deve sim dar vez a uma constituinte achada na rua, nas demandas populares. Mantendo a linha das expressões em latim, não temos mais tempo a perder:
Extremis morbis, extrema, exquisita remedia optima sunt, ou seja,
Para grandes males, grandes remédios.
_____

Notas:

1- Referindo-se a fala do ministro do STF, Gilmar Mendes. “Brasil dormiu como Alemanha e acordou como Venezuela” 

2- Referindo-se a fala do ex-ministro do STF, Carlos Velloso. “Juristas questionam propostas de Constituinte para reforma política”.

3- Referindo-se a fala do vice-presidente da República Michel Temer. “Não à constituinte exclusiva”. 

4- Referindo-se a fala do presidente do Conselho Federal da OAB, Marcos Vinícius Coelho.  “Constituinte exclusiva é desnecessária e perigosa”.

5- Ver PEREIRA, Thomaz Junqueira. Conjur. http://www.conjur.com.br/2014-mai-24/ideia-constituinte-exclusiva-mostra-tensoes-entre-direito-politica#_ftn14.

6- LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. Do efeito cliquet ou princípio da vedação de retrocesso, Revista Jus Vigilantibus, 13 de maio de 2009.

7- CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002.

8- DAMOUS, Wadih. Constituinte parcial é possível e necessária. In: RIBAS, L. O. Constituinte Exclusiva: um outro sistema político é possível. São Paulo, Expressão Popular, 2014.  

9- MAGALHÃES, J. L. Q. Entendendo o poder constituinte exclusivo.  In: RIBAS, L. O. Constituinte Exclusiva: um outro sistema político é possível. São Paulo, Expressão Popular, 2014.

10- Reforma política: Constituinte e participação popular. In: IANONI, Marcus. Reforma Política Democrática: temas, atores e desafios. Perseu Abramo: São Paulo, 2015.  

 *Doutor em Direito pela Universidade de Brasília, realizou estágio doutoral na Facultat de Dret de la Universitat de València, Espanha, professor de Direito da Universidade Católica de Brasília, um dos autores do livro Constituinte Exclusiva: um outro sistema político é possível, publicado pela editora Expressão Popular e O Novo Constitucionalismo Latino-americano: um estudo sobre a Bolívia (no prelo) pela editora Lumen Juris. 

terça-feira, 16 de junho de 2015

Em breve, cartas de Bologna e Oviedo!

A tradição de enviar Cartas têm sido uma nota característica dos coletivos ligados ao Direito Achado na Rua, uma forma de oferecer “diários” para compartilhar nossas experiências quando saímos pelo mundo e por meio delas nos fazemos presentes e apoiadas/os. A correspondência começou nos anos 1980 com as “Cartas da Bulgária” de Bistra Stefanova Apostolova, e seu coração batendo entre duas pátrias. No grupo Diálogos Lyrianos elas começaram com Diego Nepomuceno Nardi (Cartas de Nagoya), Gladstone Leonel da Silva Jr (Cartas de Valência). Passaram por Luiza Valladares (Cartas da Indochina), por Patrick Mariano, Lívia Gimenes e Ludmila Correia (Cartas do Mondego), pelas Cartas de Layla Jorge Teixeira (Cartas de Viena, Berlim, Tempere e Shangai), Flávia Carlet (Carta do Equador) e Ana Luiza Almeida (Cartas de Gotemburgo e Noruega).  Agora chegou a vez de recebermos Cartas de Bologna e Cartas de Oviedo.  Patrícia Vilanova Becker, integrante do grupo Diálogos Lyrianos e da AJUP Roberto Lyra Filho, foi contemplada com a Bolsa Erasmus para a edição de 2015-2017 do European Master’s Degree in Women’s and Gender Studies GEMMA. A estudante, que atualmente desenvolve pesquisa em gênero na Linha Sociedade, Conflitos e Movimentos Sociais do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, com enfoque no Direito Achado na Rua, terá como universidades de acolhida e mobilidade a Universidade de Bologna (Itália) e a Universidade de Oviedo (Espanha).  Aguardemos!

sábado, 13 de junho de 2015

Debates e pensamento crítico no lançamento da Coleção “Para Entender Direito”


Por Karoline Ferreira Martins

Na noite dessa quinta-feira, 11/06, a Universidade de Brasília foi palco mais uma vez dos debates críticos que lhe são a marca definidora. Com apoio do grupo de pesquisa “O direito achado na rua”, a Faculdade de Direito sediou o lançamento em Brasília da coleção “Para entender Direito”.

A coleção, organizada por Marcelo Semer e Marcio Sotelo Felippe traz vinte e oito títulos sobre os mais variados temas jurídicos, buscando lançar uma perspectiva crítica sobre o universo do direito, ainda dominado por abordagens fortemente dogmáticas.

O evento foi aberto por José Geraldo de Sousa Junior, em nome do coletivo “O Direito Achado na Rua”. O professor moderou o primeiro painel, que teve como tema o direito à moradia e a luta dos movimentos sociais pela sua conquista. José Geraldo lembrou a experiência da Vila Telebrasília, um exemplo de resistência e de luta pelo direito de morar no Distrito Federal e seu emblemático outdoor com os escritos: “Aqui tem história”.

O primeiro painel teve como tema o direito à moradia e a luta dos movimentos sociais pela sua conquista. Sabrina Durigon, autora do título da coleção “O direito à moradia”, falou da importância da efetivação dos instrumentos Constitucionais e do Estatuto da Cidade voltados à garantia da moradia social, como as zonas especiais de interesse social (ZEIS) e as concessões de uso especial para finas de moradia (CUEM). O acesso ao direito à moradia deve ser pensado, sobretudo, para aquela população segregada, impedida de acessar os bens e serviços da cidade que, a medida que se torna um espaço excludente e segregador, perde sua própria essência de funcionar como um espaço que une a pluralidade e a diversidade.

Em seguida, tive a oportunidade de expor minha dissertação de mestrado, abordando o tema da construção social do direito à moradia e à cidade pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto no Distrito Federal. Expus como, a partir da ocupação Novo Pinheirinho, realizada pelo movimento em janeiro de 2013, este reafirmou-se como sujeito coletivo de direito, conquistou a aprovação de uma lei distrital prevendo o auxílio-aluguel, bem como disputou e vem disputando, a partir de sua organização coletiva, o conteúdo semântico-normativo do direito à moradia e à cidade no Distrito Federal.

O segundo painel contou com a presença de quatro autores da coleção, que tiveram a oportunidade de expor brevemente os temas de seus livros.

Marcelo Semer, organizador da coleção e autor do título “Princípios penais no Estado Democrático”, abriu o painel e foi seguido da fala de Marcio Sotelo, coorganizador da coleção, que apresentou brevemente seu livro, que aborda as relações entre a moral e o direito. Segundo o autor, o livro busca abordar os meandros de uma pergunta simples, mas de resposta complexa, que é a indagação se o direito se justifica por si mesmo ou se há algo que o fundamenta. A discussão tem sido feita historicamente, desde o positivismo de Austin e Kelsen até a virada kantiana, com a retomada da dignidade humana como fundamento do Direito.

Também apresentou sua obra, Bartira Macedo de Miranda Santos, com o título “Defesa social. Uma perspectiva crítica”. No livro, Bartira aborda o uso que se faz do argumento da defesa da sociedade como justificativa para a violação dos direitos humanos. Sob o pretexto de se garantir direitos, o estado, a polícia e as instituições detentoras de poder violam-nos seletivamente atingindo as classes mais vulneráveis como pobres, mulheres e negras/os.

Por fim, foi a vez de Maria Lucia Karam expor o tema que, segundo ela própria, a acompanha há 30 anos: a legalização das drogas. Karam é membro da LEAP Brasil (Law Enforcement Against Prohibition - Agentes da lei contra a proibição), instituição originalmente fundada por policiais norte-americanos e canadenses contra a fracassada política de segurança pública da “guerra às drogas”. Para Maria Lucia, essa política serve como justificativa para as violações de direitos perpetradas pelo Estado policial que tem se instaurado no país. A redução dos danos provocados à saúde pelas drogas, bem como do tráfico de armas, da violência e dos crimes em geral que as acompanham passa certamente pela legalização e regulamentação da sua produção, comércio e consumo.





Após as exposições seguiram-se debates com o público. O painel foi encerrado com a fala do professor José Geraldo de Sousa Junior, que agradeceu a presença das/os autoras/es e ressaltou o valor acadêmico do evento para o estímulo dos debates e do pensamento crítico na universidade, para muito além de seus resultados econômicos.


Não só o lançamento dessa coleção, mas também o espaço para debatê-la com seus autores são símbolos de resistência da academia contra discursos que, travestindo-se da gramática da defesa da sociedade, da lei e da ordem, servem à perpetuação das profundas desigualdades existentes no país. É em espaços como esses que se instauram outros discursos e se constroem novos direitos.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Loucamente (Cartas do Mondego)

Coimbra, 10 de junho de 2015.

Poucos dias após chegar a Portugal, pude experimentar uma das exposições mais instigantes que já visitei. Sim, eu disse experimentar, pois trata-se de uma exposição interativa, que te convida a experienciar a loucura em algumas das suas dimensões.

“Loucamente”**, o nome da exposição, que tem como objetivo abordar o bem-estar da mente e discutir publicamente a saúde mental e o seu impacto social e pessoal, situa as pessoas visitantes no universo da loucura de maneira criativa, responsável e participativa.
Nas quase três horas em que ali estive, observei o maior diferencial de uma exposição dessa natureza e com um tema nada fácil: a desconstrução do estigma da loucura a partir do reconhecimento das diferenças e das vozes dos sujeitos que vivenciam a loucura.
Jogos interativos, vídeos, glossários, simulações, máscaras, sons, maquetes, cenas da vida real dramatizadas, quadros, boletins informativos, espelhos, músicas, testemunhos de pessoas em sofrimento mental, dança, desenhos, expressão corporal, rádio e até o pêndulo de Foucault, dentre outros instrumentos, foram utilizados para construir/reconstruir o percurso da loucura e dos tratamentos na área da saúde mental ao longo da história, trazendo para o centro do debate as próprias pessoas em sofrimento mental. São seus testemunhos, suas produções, suas falas ou representações das mesmas, suas expressões, sensações descritas por elas e um tanto de outras coisas, que guiam cada visitante daquela exposição.

            Houve apenas uma coisa que estranhei em meio a tantos instrumentos e metodologias utilizados: o espaço que trazia informações sobre cada tipo de transtorno mental (a partir da classificação tradicional médica), suas características e tipos de tratamento. Não que não seja importante esse tipo de informação, mas a forma escolhida acabou destoando da proposta da exposição, que destacou a loucura como uma experiência, um modo de estar no mundo, e não como doença mental. De qualquer forma, tal abordagem não se sobrepôs aos demais espaços da
exposição, os quais despertavam maior interesse do público e contribuem para desconstruir o estigma que ainda hoje recai sobre as pessoas em sofrimento mental.
        
    Percebo, assim, que algo tão caro ao Movimento da Luta Antimanicomial no Brasil foi possível ver ali: somente se muda a percepção sobre a loucura quando há uma mudança sociocultural. A exposição “Loucamente” contribui significativamente para essa dimensão. 
Para concretizar os direitos advindos com a Reforma Psiquiátrica no Brasil, oriunda das mobilizações do Movimento da Luta Antimanicomial, não basta haver mudança no campo das políticas de saúde ou da legislação. Ou mudamos nós e o nosso olhar e ação sobre a loucura, ou não mudaremos nada. 


* Ludmila Cerqueira Correia é doutoranda em Direito, Estado e Constituição no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, integrante do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, bolsista CAPES em estágio doutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, professora do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania (Centro de Referência em Direitos Humanos da UFPB).


** A exposição “Loucamente” está aberta à visitação no Pavilhão do Conhecimento Ciência Viva, em Lisboa, Portugal, até setembro de 2015. 

domingo, 7 de junho de 2015

O panelaço e as formas do protesto social *

Leonardo Avritzer Vivemos no Brasil, desde Junho de 2013, um momento muito particular. Depois de décadas de total hegemonia da cena social e participativa por atores de esquerda, começamos a partir de Junho de 2013 a ter manifestações públicas fortemente conservadoras no Brasil. Em um primeiro momento, estas manifestações nada mais que pluralizaram o campo da participação e da manifestação social no país. Estas formas de manifestação se tornaram ainda mais fortes no começo de 2015, em especial no último mês de Março quando começaram a ocorrer os chamados panelaços e manifestações abertas de intolerância política no Brasil. Vale a pena analisar estes novos repertórios da ação coletiva que foram instituídos no Brasil nestes últimos meses. A ação coletiva tem muitas formas como nos ensinou há muitos décadas, Charles Tilly. Ele mostrou que havia uma diferença fundamental entre as formas de ação coletiva dos camponeses na França no século XVIII que faziam bloqueio de estradas e os trabalhadores ingleses e francês do século XIX que passaram a fazer manifestações públicas e piquetes na entrada das fábricas. No Brasil conhecemos bem as formas da ação coletiva que estão presentes na ação dos movimentos sociais desde a década de 1980: abaixo assinados, manifestações públicas, greves e ocupação de terras, são as formas principais de ação dos movimentos sociais urbanos e rurais. Estas são as formas que foram utilizadas em Junho de 2013 quando o campo da mobilização social no Brasil começou a se pluralizar e passamos a ter tanto manifestações progressistas quanto manifestações conservadores. No entanto, apenas em março de 2015 foi introduzido um novo elemento da ação coletiva, o panelaço. Vale a pena destrinchar o significado deste ato. O panelaço não tem origem no Brasil. Ele é uma invenção latino-americana que foi utilizada pela primeira vez em uma marcha em 1971 de atores de classe média contra o governo de Salvador Allende. Ele também foi fortemente utilizado na Argentina em 2001, em manifestações contra o então presidente De la Rua. Tem uma característica dos cacerolazos ou panelaços sul-americanos que vale a pena ressaltar porque ela não está presente no Brasil, a saber, os cacerolaços expressam a ida as ruas de uma classe média empobrecida que tem como objetivo mostrar aos governantes que as suas panelas estão vazias. No caso do Brasil não podemos afirmar que a nossa classe média está empobrecida ou que suas panelas estão vazias. Pelo contrário, o Brasil vem de um forte período de expansão econômica entre 2004 e 2012, período este que a classe média brasileira se tornou o maior segmento da população e no qual a renda de todos os sub-segmentos da classe média, da nova à velha classe média aumentou. Assim, as panelas da classe média brasileira não estão vazias e ela não está batendo panelas por este motivo. Resta então a pergunta, qual é o significado de se bater nas panelas? As panelas estão sendo batidas no Brasil com um significado principal, a interdição da fala do outro. Começando no dia 08 de Março e alcançando o mês de Maio quando o programa do Partido dos Trabalhadores foi exibido na T.V., o recado da classe média brasileira é claro: não estamos dispostos a ouvir nenhum discurso que venha do governo ou do P.T. Esta interdição da fala se articula perfeitamente com outros episódios “espontâneos” que assistimos nos últimos meses: a agressão ao ex-ministro da Fazenda no Hospital Albert Einstein em São Paulo no qual ele foi instado a procurar o SUS ou a agressão ao ex-ministro Eliseu Padilha em São Paulo acusado de desperdiçar dinheiro no mais médicos. Em todas estas situações observamos o mesmo fenômeno expresso por uma classe média que veicula a seguinte mensagem: não queremos ouvir e não queremos conviver com pessoas que apoiam o governo ou o Partido dos Trabalhadores. Vale a pena refletir o significado da mensagem. Existem questões em aberto na conjuntura que merecem uma discussão ampla e aberta e a principal entre elas é a economia. Está bastante clara a posição dos manifestantes de Março e Abril. Eles acham que a presidente mentiu sobre a política econômica e adotou a política proposta pelo seu adversário e tem defendido que a classe média é quem está pagando pelo grosso do ajuste. As duas afirmações são falsas: Dilma não assumiu a posição da oposição. Ela equilibrou na equipe economistas liberais e heterodoxos e moderou o tamanho do ajuste proposto por Aécio e pelo PSDB. Tal equilíbrio tem permitido ao governo se deslocar paulatinamente da posição de um choque ortodoxo para a posição de um equilíbrio entre quem paga a conta com os bancos e possivelmente os recebedores de dividendos pagando por uma parte significativa do ajuste. É evidente que há aqui um espaço para discussão e não para o batimento de panelas. Certamente Dilma precisa explicar a sua posição em relação a economia aos brasileiros, especialmente aos que votaram nela. Bater panelas ao invés de ouvir a presidente não expressa a ideia de que a classe média está pagando pelo ajuste e sim a concepção de que a presidente e não deve ser ouvida, um grande equívoco em termos de política democrática. Mas, a postura em relação aos atores que expressam posições de esquerda é o que mais preocupa nesta conjuntura. Vamos a alguns exemplos. O exemplo mais patético deste período recente foi a entrega da medalha Tiradentes a João Pedro Stédile. Vale a pena pensar no que foi a Inconfidência Mineira que antecipou várias características da política brasileira, a mais importante entre elas um certo divórcio entre elites e massas. Ao não se propor a abolir a escravidão, a inconfidência já apontava para um pacto de governo por cima entre as elites. Tiradentes foi o único a pagar com a própria vida pela aventura de intelectuais e membros da oficialidade da colônia, estratos aos quais ele não pertencia. No entanto, a sua medalha expressa, no longo prazo a mesma característica do pacto de elites vigente no país. A medalha Tiradentes é distribuída aos próprios membros do sistema político ou a uma intelectualidade com a qual a elite mineira convive. Corajosamente, o governador Fernando Pimentel incluiu o líder do MST, João Pedro Stedile entre os agraciados, recebendo como resposta a desqualificação da liderança dele. O argumento principal é a ilegalidade das invasões de terra, uma das atividades principais da própria elite que o critica. Assim, volta à tona o mesmo significado do episódio das panelas. A exclusão do outro, por uma elite que não admite partilhamento do poder e que expressa esta intolerância publicamente no campo social. Outros exemplos preocupantes foram os episódios envolvendo os ex-ministros Guido Mantega e Padilha. O episódio envolvendo o ex-ministro Mantega foi mais grave devido ao local no qual ocorreu. O hospital ou as atividades de cuidado e tratamento dos doentes são aquelas em que os indivíduos expressam solidariedade mesmo em relação aos desconhecidos ou aqueles com os quais divergem. A frase com a qual o ministro foi brindado vai “para o SUS” expressa duas características da elite brasileira: o fato de ela ter se acostumou a ter lugares reservados só para ela: aeroportos, restaurantes, hospitais de luxo e o fato correlato de que ela não se importa com a qualidade dos serviços públicos dos locais que ela espera nunca ter de utilizar. Raciocínio parecido se deu na agressão sofrida pelo ex-ministro Padilha. Mais uma vez, o mote foi a saúde no Brasil e vale a pena atentar para a frase pronunciada na ocasião: o ministro foi aquele que desperdiçou mais de um bilhão de reais no mais médicos. Por acaso, este desperdício colocou 14.000 novos médicos em mais de 3.000 municípios. Ou seja, há uma distorção absoluta dos elementos básicos da sociabilidade nos protestos em curso no Brasil. Se a indignação com a corrupção pode ter sido um desencadeador destes protestos, ela já está bem longe no momento em que o MBL tira fotos com Eduardo Cunha e Aécio Neves parece ser o herói de alguns dos “pseudo-indignados”. Os protestos evoluíram para elementos claros de intolerância em relação à pluralidade política e a diversidade social. Eles expressam elementos de intolerância social dificilmente encontráveis em outros países. Cabe a aqueles perplexos com a conjuntura agir para retomar os elementos da sociabilidade capazes de conciliar o pluralismo social com o debate aberto, leal e sem preconceitos que a democracia brasileira precisa travar neste momento. *Publicado originalmente no site do Blog Carta Maior.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

entrevista a la alcaldable de Barcelona en Común (Ada Colau): "Desobedeceremos las leyes que nos parezcan injustas"

La ganadora de los comicios en Barcelona se plantea "poner límites a la carga del turismo" Ada Colau cobrará 2.200 euros, la cuarta parte del sueldo de Trias In English: “If we have to disobey unfair laws, they should be disobeyed” Clara Blanchar / Miquel Noguer Barcelona 1 JUN 2015 - 09:38 CEST Ada Colau Barcelona en Comú Elecciones Municipales 2015 Elecciones municipales Ganemos Pactos postelectorales Resultados electorales Cataluña Movimientos sociales Pactos políticos España Partidos políticos Elecciones Política Sociedad Ada Colau (Barcelona, 1974) va camino de convertirse en la primera alcaldesa de la capital catalana tras haber ganado por 14.000 votos de ventaja al nacionalista Xavier Trias. El programa de su partido, Barcelona en Comú, (que agrupa a Iniciativa, Esquerra Unida y Podemos entre otros), deberá amoldarse a los requisitos de un pacto con ERC y PSC. ADVERTISEMENT Pregunta. Algunos sectores económicos han mostrado su inquietud por su victoria. ¿Quién debe tener miedo de Ada Colau? Respuesta. A mí no me gusta ni sentir miedo ni dar miedo. Pero pedimos igualdad de trato y de oportunidades para todo el mundo, algo que no ha habido los últimos años. Solo deben tenerme miedo los corruptos y los grandes especuladores que atentan contra el bien común. P. Su discurso económico se centra en fomentar la economía cooperativa y la rehabilitación de viviendas. ¿Se puede ayudar a los 90.000 parados de Barcelona sin cuidar a las grandes multinacionales? más información Colau desbanca a Trias y debilita el proceso soberanista Perfil: Ada Colau, aún persona y todavía no personaje Toda la información sobre Ada Colau La obra de Xavier Trias que Ada Colau quiere cambiar La Barcelona de Colau: tasa a las eléctricas y fin a los coches oficiales R. El 95% de las empresas de Barcelona tiene menos de 10 trabajadores. No se trata de cuidar o descuidar, se trata de colaborar con todo el mundo con autónomos, comercio y pymes, que son los que representan a la mayoría y casi no han recibido apoyo. Estaremos encantados de trabajar con la gran empresa, pero poniendo condiciones y pidiéndoles mayor retorno sobre la ciudad. Ahora tenemos grandes empresas con grandes beneficios que no revierten en la ciudad sino que se los llevan al extranjero y a paraísos fiscales mientras aquí generan empleo precario. En resumen, mayor liderazgo público para impulsar el modelo de ciudad que queremos. P. ¿Qué le dirá por lo tanto a una hamburguesería que quiera abrir en la ciudad pagando 800 euros a sus trabajadores? R. Queremos que se abran negocios pero que repartan riqueza y que paguen salarios dignos, y tengan horarios razonables que permitan la conciliación. Una de las medidas que impulsaremos es el sello de calidad contractual. El Ayuntamiento debe utilizar su potencia económica para impulsar buenas prácticas y pidiendo ejemplaridad a las empresas que trabajen con él. P. Dice que revisará contratos y convenios. ¿Afectará ello a Fira de Barcelona? R. No hablamos de paralizar nada ni de los contratos que permiten la actividad de los servicios públicos, nada de esto peligra. Hemos puesto la alerta en dos cuestiones que queremos corregir. Una es revisar grandes adjudicaciones que pueden ser contrarias al bien común, como la licencia hotelera del Deutsche Bank o la adjudicación de la marina de lujo del Port Vell. También dijimos que no impulsaremos grandes proyectos como la pista de esquí de la Zona Franca. Haremos auditorias sobre organismos sobre los cuales la ciudadanía tiene la percepción de que no hay transparencia. P. ¿Es viable quitar la valla de la marina de lujo? R. Claro. Negociando con el puerto, se ha hecho en otros lugares como Marsella. Se trata de decir que el ayuntamiento quiere recuperar un puerto que es elitista y que no responde al modelo de ciudad que queremos defender. P. ¿Hará públicos todos los sueldos y contratos? Si hay que desobedecer las leyes que sean injustas, se desobedecen R. Lo normal debería ser la transparencia, no la excepción y más cuando se habla de dinero público. Lo haremos siempre que se protejan los datos. En la Fira, y en el Área Metropolitana hay empresas mixtas… ¿Por qué no son públicos los presupuestos de TMB cuando se ha hablado de sueldos muy elevados? P. El turismo es uno de los pilares económicos de la ciudad. ¿Cómo interpreta el silencio de los hoteleros ante su victoria? R. Nos hemos reunido con ellos durante la campaña. Nuestro planteamiento no les debe preocupar, sino todo lo contrario. Les dijimos que la situación está fuera de control en los lugares donde hay más presión turística. Hay que aplicar una moratoria sobre nuevos hoteles y pisos turísticos, hacer un censo, y hacer una política preventiva antes de que se desmadre como ha ocurrido en Ciutat Vella. Hay que hacer un plan de turismo pensando en los vecinos y vecinas. No podemos tener una burbuja turística después de la inmobiliaria. P. ¿La moratoria de licencias debe ser general o en barrios concretos? R. En principio, general y se puede convertir en parcial. P. ¿Por cuánto tiempo? R. Intentaremos hacerlo en los primeros seis meses. P. ERC y PSC, sus posibles socios proponen una moratoria solo parcial. ¿Por qué no abrir hoteles en barrios no saturados? P. Se podría hacer si hay gente interesada en hacerlo. Lo prioritario son los barrios que sufren más, pero la presión se extiende. P. ¿Se puede limitar el número de turistas? R. Hay que mirarlo seriamente. Cuando hablo de hacer un plan estratégico contando con todos los actores debe servir también para ver cuál es el límite de carga, porque alguno habrá. Si no queremos ser Venecia algún límite de carga del turismo habrá que poner en Barcelona. Podemos crecer más, pero no sé hasta donde. Ada Colau. / j. sánchez P. ¿Han calibrado los costes de parar proyectos como el del hotel Rec Comtal? Se ha hablado de 33 millones. R. Una indemnización así no se puede plantear. Hay abogados que nos dicen que están mirando cómo está el procedimiento. Hasta que no tengamos acceso a los expedientes, y a toda la información y podamos hacer auditorías ante indicios de irregularidad, que no sé si es el caso, no podremos saber qué haremos. P. ¿Realmente multará, y no solo de forma simbólica, a los bancos que tengan pisos vacíos? R. Si no colaboran, sí. Nuestro objetivo será que colaboren a través la mesa de la vivienda. Las sanciones a los bancos que no colaboren serán cuantiosas y no simbólicas. P. ¿Dejará de trabajar con bancos que desahucien? R. Priorizaremos trabajar con las entidades que colaboren con los objetivos de la ciudad. P. ¿Le consta que haya un cordón sanitario para evitar que usted sea alcalde como dice que le dijo el alcalde Trias? R. Sí, él lo dijo, y me dio a entender que parte de su partido también hacía presión. No solo me lo ha dicho a mí. Lo ha dicho en público. Ha recibido mucha presión para seguir gobernando. Lo que pedimos es diálogo, tranquilidad y, como formación más votada tenemos el encargo de formar Gobierno e ir hacia adelante. P. Tiene once concejales sobre 41. ¿A estas alturas todavía no ha decidido si quiere un gobierno de coalición o con apoyos externos? R. Somos la fuerza más votada y tenemos el encargo de formar Gobierno, pero también sabemos leer el resultado de las elecciones: ha habido una pluralidad en el consistorio que obliga al diálogo. Afortunadamente hay fuerzas con las que hay muchos puntos en común. Con 11 concejales, los pactos cuanto más estables mejor. Acabamos de comenzar las conversaciones con PSC y ERC. P. El Gobierno de Trias ha sufrido mucho con 14 concejales. Ustedes tienen tres menos y un programa muy ambicioso. ¿Lo aplicará sin un pacto estable? R. Preferimos pactos estables, aunque no sabemos si serán posibles con uno con dos o con tres. Estamos en ello. P. ERC le pide comprometerse con la independencia de Cataluña. ¿Convocará una consulta para decidir si entran en la Asociación de Municipios para la Independencia? R. En la medida que ello supone sumarse una entidad que apuesta por la independencia, no deja de ser una consulta, un referéndum encubierto sobre la independencia. Nosotros estamos dispuestos convocar una consulta sobre ello porque tenemos un compromiso serio con el derecho a decidir, a diferencia de CiU. Ahora bien, si la propuesta que debe vehicular la relación con ERC puede ser una consulta u otra cosa todavía lo estamos hablando. Solo deben tenerme miedo los corruptos y los grandes especuladores P. ¿Cuándo haría esta consulta? ¿Este mismo año? R. Entiendo que sí, pero habría que ver qué pasa con las elecciones del 27 de septiembre. P. ¿Qué harán si se les impugna esta consulta? R. Defenderemos que se puede hacer. Si hay que desobedecer leyes injustas, se desobedecen. Pero lo irrenunciable ahora, cuando la ciudadanía pide un cambio es que la última palabra la tengan los ciudadanos. Si queremos relegitimar nuestras instituciones y yo lo quiero firmemente y la mayoría de la gente lo que quiere tener más y mejor democracia es inapelable que la gente pueda tener la última palabra en grandes cuestiones. P. Usted votó sí a un Estado independiente el pasado 9 de noviembre. ¿Ada Colau es independentista? R. Hay gente como yo que, sin ser independentista ni nacionalista, votamos el doble sí el pasado 9 de noviembre porque entendíamos que hay una situación de bloqueo con el Estado. Entendemos que el modelo actual está agotado y que es necesario un proceso constituyente. Un proceso de este tipo puede ser una forma de conseguir más y mejor democracia sin que esto signifique romper con el Estado. P. ¿Ha pedido una reunión con Mariano Rajoy? R. Todavía no. Cuando nos veamos le pediré que priorice la inversión en Cercanías, y con esto iremos de la mano con la Generalitat. También le pediremos agilizar las obras de La Sagrera y el acceso ferroviario al puerto. P. ¿Artur Mas la ha llamado finalmente para felicitarla? R. No que sepa, pero ya da igual, no es necesario. P. La relación no ha comenzado de la mejor forma posible por el cruce de acusaciones sobre la deuda de la Generalitat. R. Estoy de acuerdo, me sabe mal, estoy dispuesta a recomenzar y creo que la alcaldesa de Barcelona y el presidente de la Generalitat tienen que tener la mejor relación posible y están obligados por mandato ciudadano al margen de partidos. Ada Colau, en Barcelona. / joan sánchez P. Sobre la deuda de la Generalitat con el ayuntamiento Mas le dijo que quizás tendría que escoger entre cobrar o que lo hagan las farmacias. ¿Con qué se queda? R. Es una afirmación muy desafortunada. No es aceptable que el presidente de la Generalitat utilice el presupuesto de forma o arbitraria o discrecional en función de si le cae mejor o peor el alcalde o alcaldesa que hay en el Barcelona. Somos conscientes de que la Generalitat tiene dificultades económicas y que no son solo responsabilidad suya. Barcelona puede hacer un esfuerzo y colaborar pero desde el respeto y la transparencia. P. En apenas una semana también parece que ya tiene enemigos en la Guardia Urbana. ¿Puede gobernar si tiene a este cuerpo de seguridad en contra? R. La Guardia Urbana tiene miles de funcionarios y nosotros llevamos semanas reuniéndonos con agentes que tienen muchas ganas de colaborar para mejorar el servicio. No pongamos a todo el mundo en el mismo saco. No es lo mismo lo que puedan decir algunos mandos designados políticamente, que todo el cuerpo. Hemos dicho y repetimos todo el apoyo, reconocimiento a su trabajo, que es delicado y fundamental porque hablamos de la seguridad. Eso sí hay cosas que no han funcionado y han generado alarma social. Ha habido casos de torturas gravísimos, ha habido malas praxis, condenas por casos de tráfico de drogas o prostitución. Está claro que algo hay que revisar para que nadie pueda cuestionar la Guardia Urbana. P. ¿Desmantelará la unidad antidisturbios? R. Se trata de reorientar progresivamente un modelo, que tiene la parte represiva sobredimensionada, hacia funciones de proximidad y mediación que es la razón de ser de la policía municipal. P. ¿La candidatura olímpica Barcelona Pirineos se retirará? R. Se retirará tal como está planteada porque no genera consenso. Habrá que retomar el diálogo con los sectores vecinales, deportivos… se tiene que ver qué tipo de candidatura . P. ¿El proyecto de la plaza de las Glòries, con los dos túneles y los 14 equipamientos que se han pactado con los vecinos esta legislatura seguirá adelante? Hay que hacer un plan de turismo pensando en los vecinos y las vecinas R. Sí, sí, sobre todo el tema equipamientos, hace demasiado que se esperan. Respecto a la movilidad, si se hubiese cogido en origen se habría podido plantear mejor, pero entendemos a los vecinos. Lo lógico es acabar las obras empezadas. R. ¿Los dos túneles? P. En principio sí. Nos hemos comprometido a acabar lo que estaba comenzado. P. ¿Cubrirá la Ronda de Dalt? R. Se puede estudiar la cobertura de la Ronda de Dalt, pero poco a poco. No lo podemos hacer todo porque estamos hablando de 400 millones. Podemos hablar, de momento, de la cobertura parcial de algún tramo. P. ¿La veremos en la firma del último trámite que falta para renovar el Mobile World Congress? R. Trias propone que estemos todos los grupos, con lo que estaré encantada de estar. P. ¿Qué debería haber dentro de dos años en el actual emplazamiento de Can Vies? R. Espero que se trabaje con diálogo con el barrio para permitir la continuidad del proyecto de Can Vies en su actual emplazamiento o en otro sitio del barrio P. O sea que se puede trasladar el proyecto. R. Se puede trasladar o mantener en el mismo sitio, pero no habrá imposiciones.