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quinta-feira, 25 de junho de 2015

Última carta de Viena: diversidade e convergência em educação superior

por Layla Jorge T. Cesar*

A preservação da diversidade cultural é fundamental para garantir que diferentes grupos sociais tenham os seus direitos atendidos. Esta foi a premissa norteadora da investigação que conduzi acerca dos programas de cooperação internacional em educação superior “Tuning União Europeia” e “Tuning América Latina”.

O programa Tuning foi originalmente concebido na União Europeia no ano 2000. O projeto está vinculado aos objetivos de integração econômica e cultural promovidos pela Reforma de Bolonha e pela Estratégia de Lisboa, no que se referem à educação superior. Atualmente, o programa Tuning se tornou uma ferramenta para avaliação de qualidade, aprimoramento da mobilidade educacional e reforma curricular, baseado na implementação de estruturas comuns de educação por competências em programas de 1º, 2º e 3º ciclos (graduação e pós-graduação).

O objetivo geral do Tuning é criar uma rede de colaboração entre diferentes regiões do mundo para elaborar quadros de competências que guiem a reforma curricular. A proposta substitui o modelo tradicional de educação centrado na figura docente e no conteúdo disciplinar por outro centrado nos estudantes e na formação orientada por competências profissionais. Apesar de sua aura transformadora, os resultados da pesquisa indicaram que o Tuning não se propõe a romper com nenhum paradigma de exclusão definido pelos modelos hegemônicos de educação superior.

Há dois aspectos fundamentais a serem considerados na avaliação do programa:

1.      A natureza ideológica da “educação por competências”: a proposta de um currículo voltado para a formação profissional é, sem dúvida, uma expressão da mercantilização da educação superior. A opção política por associar a educação aos mercados financeiros traz como consequência o fortalecimento de um sistema de exclusão e marginalização estruturais. Isto implica a manutenção da estratificação social e a perda da autonomia curricular, uma vez que os conteúdos dos diplomas procuram convergir com os interesses do mercado laboral;
2.      A condição de dependência simbólica e material no contexto de cooperação internacional: a origem do processo de colonialidade remonta à constituição da América como identidade geocultural e à formação do eurocentrismo como instrumento de legitimação da dominação colonial. Quando o Tuning propõe conectar sistemas de educação superior através de quadros de competências comuns e de valor universal, pressupõe que exista uma ontologia comum unindo as profissões e os currículos. É evidente que há semelhanças entre as carreiras acadêmicas em diferentes regiões do mundo. O que deve ficar claro é que estas semelhanças não são espontâneas, mas sim fruto dos processos de colonização e da hegemonia do sistema capitalista. Além da dependência simbólica, ficou claro durante a pesquisa que a adesão dos países latino-americanos ao projeto foi também influenciada pelo aporte de recursos financeiros proporcionado pela Comissão Europeia. Esta dependência material é ainda mais grave no caso de países com menor volume de recursos voltados para a educação superior.

Existe uma permanente tensão entre diversidade e convergência em educação superior, e é fundamental perceber que nossas decisões políticas contribuem para o fortalecimento de um ou outro polo. O discurso do Tuning apresenta uma grande ambiguidade, característica do modo de governança neoliberal emergente hoje na Europa: ao mesmo tempo em que propõe a implementação de estruturas institucionais comuns, com a justificativa de ampliar a mobilidade estudantil, afirma a preservação da heterogeneidade como um de seus princípios. Esta elasticidade no discurso permite abarcar interesses opostos, escondendo que o programa pode apresentar uma ameaça à diversidade na educação superior. É evidente que nem todas as expressões de conhecimento podem se encaixar no formato de competências, e a dinâmica proposta pelo programa termina por valorizar aqueles conteúdos que beneficiam a relação entre a universidade e o mercado de trabalho.
É claro que a mobilidade estudantil é fundamental, mas é possível organizá-la sem que seja necessária a padronização dos currículos ou dos formatos institucionais. No contexto em que vivemos hoje, onde o Governo Federal prioriza o investimento público na área de educação privada[1], é preciso realizar uma reforma anticapitalista das nossas universidades. É preciso recuperar o sentido de educação para o bem público e serviço à sociedade.

Mas é igualmente preciso nos lembrarmos de que a universidade é uma instituição eurocêntrica em sua essência, e há limites para o seu poder de democratização cultural. É preciso então que a universidade reconheça os seus privilégios e crie espaço na sociedade para a emergência de novos formatos educacionais, compartilhando com estes a sua legitimidade epistemológica e seu monopólio sobre a emissão de diplomas que dão acesso formal ao mercado de trabalho. É preciso criar espaço para o reconhecimento legal de saberes tradicionais, populares e indígenas sem obrigá-los à submissão ao formato institucional universitário.

  
  

*Layla Jorge Teixeira Cesar é mestre em Sociologia pela UnB e recém concluiu o programa MARIHE - Mestrado em Pesquisa, Inovação e Gestão de Ensino Superior, uma ação do consórcio entre universidades na Àustria, Finlândia, China e Alemanha. Faz parte da rede Diálogos Lyrianos – O Direito Achado na Rua.



[1]     ANDES-SN: Em meio a cortes na educação federal, Kroton lucra R$ 455 milhões em três meses. Ver matéria completa: http://www.andes.org.br:8080/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=7571

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