O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

quinta-feira, 5 de março de 2015

Lançamento livro Justiça de Transição - da ditadura civil - militar ao debate justransicional

Livro " Justiça de Transição - da ditadura civil - militar ao debate justransicional", de José Carlos Moreira da Silva Filho, com prefácio elaborado pelo prof. José Geraldo de Sousa Junior será lançado. O livro antecipa o próximo lançamento do Vol. 7 de O Direito Achado na Rua – Introdução Crítica à Justiça de Transição na América Latina.


 APRESENTAÇÃO DO AUTOR


Este livro reúne os principais artigos que escrevi sobre o tema da Justiça de Transição no Brasil. Decidi reuni-los em uma única publicação após a sugestão de muitos colegas e alunos. Os textos, com exceção apenas dos dois últimos, já foram publicados em livros e periódicos. Na oportunidade de organizar este livro, revisei cada um dos artigos e fiz algumas pequenas e pontuais modificações, que procurarei indicar nesta apresentação, além de alguns ajustes e  notas remissivas. Antes porém de detalhar um pouco mais o trabalho feito, impõem-se algumas palavras sobre a trajetória que este conjunto representa.

Iniciei o ano de 2007 atuando como Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS e desenvolvendo uma pesquisa acadêmica interdisciplinar voltada para o Direito Civil e de intenso diálogo com as áreas da Filosofia e da Sociologia. No mês de abril daquele ano recebi um convite irrecusável do Paulo Abrão, então Professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.

Era o início do segundo mandato de Luis Inácio Lula da Silva na Presidência da República e Paulo Abrão havia sido escalado pelo então novo Ministro da Justiça, Tarso Genro, para ser o Presidente da Comissão de Anistia. Quando assumiu a nova função Paulo Abrão se deparou com uma Comissão de Estado, imbuída da digna missão constitucional de reparar os que foram perseguidos políticos pelo Estado brasileiro durante a ditadura civil-militar, mas que não possuía uma estrutura administrativa condizente com a sua importante tarefa. Com a saída do antigo Presidente da Comissão de Anistia, Marcelo Lavenére, uma boa parte do Conselho, decidiu sair também, daí a necessidade de serem nomeados novos membros. A indicação para ser Conselheiro, função não remunerada de relevante interesse público, é atribuição do Ministro da Justiça e do Presidente da Comissão.

Foi a partir deste cenário que recebi o convite do Paulo Abrão para ser Conselheiro da Comissão de Anistia. Aceitei imediatamente mas experimentei algumas sensações desencontradas. De um lado, estava muito feliz por poder lidar mais de perto com a história mal resolvida do Brasil diante do seu legado autoritário e, em especial, da sua última ditadura, e isto através do testemunho de muitos que haviam sentido de perto a mão pesada da repressão estatal, mas que nem por isto deixaram de ter a coragem de resistir. De outro lado, comecei a ficar preocupado em conciliar o tempo que iria dedicar à Comissão com o tempo que devia dedicar à minha pesquisa acadêmica.

Após a minha posse em junho de 2007, este dilema começou a ser resolvido a partir de uma provocação de Castor Bartolomé Ruiz, Professor de Filosofia da UNISINOS e então Coordenador da Cátedra Unesco de Direitos Humanos e Violência, Governo e Governança. Ele me convidou para fazer uma palestra sobre o tema da Memória Política no Brasil em meio ao III Simpósio da Cátedra, que ocorreria em maio de 2008. Até então vinha fazendo algumas falas apenas tratando do trabalho em si realizado pela Comissão de Anistia, mas ainda sem agregar maior densidade teórica ou sem desenvolver uma pesquisa acadêmica a partir do tema. Resolvi aceitar o desafio proposto e dele saiu o artigo que dá agora início a este livro, embebido na apaixonante leitura dos textos de Walter Benjamin.

Depois deste primeiro esforço vieram outros artigos sobre a temática, muitos convites para palestras, entrevistas e programas de televisão e a obtenção de verbas para pesquisa e do reconhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, que me contemplou com duas bolsas de produtividade em pesquisa, apoio para organização de eventos (também recebido da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e da Federação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul - FAPERGS),  apoio para apresentação de trabalhos em eventos estrangeiros e bolsas de iniciação científica.

A esta altura, portanto, impõem-se três agradecimentos especiais: Ao Paulo Abrão, não somente por ter me convidado para ser Conselheiro e ter me dado a oportunidade de enveredar por esta senda e ser, ao mesmo tempo, agente institucional e pesquisador da justiça de transição no Brasil, mas também por ser um grande amigo e companheiro nas lutas acadêmicas, institucionais e culturais que temos travado; ao Castor Bartolomé Ruiz por ter me estimulado em um momento decisivo a iniciar uma pesquisa com maior profundidade teórica sobre a temática, e também por continuar sendo um valioso e imprescindível interlocutor; e às agências de fomento que tem me apoiado e confiado no meu trabalho desde o início desta trajetória, a FAPERGS, a  CAPES, e, em especial, o CNPq. Todos os artigos que aqui estão reunidos foram apoiados por verbas dessas agências. 

Não é difícil concluir que a pesquisa sobre Direito Civil, por mais interessante que estivesse, e estava, foi ficando cada vez mais relegada a um segundo plano, até terminar completamente. Em março de 2010 tive a oportunidade então de concentrar meus esforços investigativos no tema que me envolvia cada vez mais ao receber o convite para fazer parte do corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais (PPGCrim) da PUCRS. Fui acolhido desde o início com a clara proposta de constituir um Grupo de Pesquisa sobre Justiça de Transição e de trabalhar mais com a discussão jurídica e criminológica em torno dos crimes do Estado, especialmente dos crimes contra a humanidade.

No ambiente proporcionado pelo PPGCrim tive apoio e liberdade para constituir o Grupo de Pesquisa, realizar orientações de trabalho de conclusão de curso, iniciação científica, mestrado e doutorado, organizar eventos e desenvolver as minhas atividades de pesquisa. Portanto, fica aqui também o meu agradecimento aos coordenadores, diretores, professores, alunos e funcionários do Programa e da própria Faculdade de Direito da PUCRS, em especial, à coordenadora do Programa, Ruth Maria Chittó Gauer, ao diretor da FADIR, Fabrício Dreyer de Ávila Pozzebon, e à vice-diretora da FADIR, Clarice Beatriz da Costa Söhngen, por terem feito pessoalmente o convite para fazer parte da equipe e por terem continuamente apoiado as minhas atividades. É preciso também formular um agradecimento especial aos colegas professores do PPGCrim e da FADIR com os quais obtive maior proximidade não apenas no convívio cotidiano mas também no importante apoio e afinidade com as atividades que realizo no Programa: Ricardo Timm de Souza, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, Fábio Roberto D'Avila, Rosa Maria Zaia Borges, Augusto Jobim do Amaral e Gustavo Oliveira de Lima Pereira.

O início das minhas reflexões e pesquisas em torno da justiça de transição no Brasil coincidiu com um interesse cada vez mais numeroso de estudantes e pesquisadores da área do Direito sobre o tema. Claro está que tal se deve especialmente a duas razões. A primeira é que foi justamente neste período que se iniciou de maneira mais contundente e contínua uma maior discussão nacional em torno da ditadura, dos seus silêncios e segredos.

Muito embora os familiares de mortos e desaparecidos políticos tenham sempre mantido estendida as bandeiras da verdade, memória, justiça e reparação, foi mesmo a partir da divulgação do relatório da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e da intensificação das políticas de memória da Comissão de Anistia com as Caravanas da Anistia, ambos em 2007, que a pauta começou a ganhar corpo tanto no espaço institucional quanto na imprensa, e que experimentou impulso ainda mais forte quando em 2008 iniciou-se o debate público e amplo sobre a anistia aos agentes da ditadura que comandaram, facilitaram e praticaram torturas, mortes e desaparecimentos.

A segunda razão do porquê o campo de estudos sobre a justiça de transição experimentou franco crescimento na área do Direito, e também em outras áreas afins, foi o aplicado trabalho de divulgação, promoção, investigação, publicação e organização de eventos nacionais e internacionais a que tem se dedicado a Comissão de Anistia e os seus Conselheiros e Conselheiras que são em grande parte professores de Direito. Um reconhecimento especial neste particular deve ser feito a Marcelo Dalmás Torelly que quando atuava como Coordenador Geral de Memória Histórica da Comissão planejou e executou, em parceria com Paulo Abrão, muitas dessas ações.

Sem dúvida o passo mais importante na direção do fortalecimento acadêmico deste campo de estudos no Brasil foi a fundação do Grupo de Estudos em Internacionalização do Direito e Justiça de Transição, mais conhecido por IDEJUST. Tudo começou a partir de um convênio entre o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP) e a Comissão de Anistia, realizado em 2009. O IDEJUST é uma rede de pesquisadores e estudantes de diferentes áreas, com ênfase para a área do Direito mas que conta com pessoal das Relações Internacionais, da História, da Ciência Política, da Sociologia e da Filosofia, oriundos do Brasil todo, sendo alguns de outros países da América Latina e alguns da Europa. Desde 2009 o IDEJUST tem promovido encontros anuais nos quais são discutidos trabalhos acadêmicos e tem mantido uma movimentada lista de discussão pelos meios eletrônicos, contribuindo para através da troca de informações expandir a existência de Grupos de Pesquisa e de investigações interessadas na justiça de transição. Decisiva para a formação e o fortalecimento desse grupo foi Deisy Ventura, professora do IRI/USP que desde o início viabilizou a iniciativa com a sua forte militância acadêmica. Fica, pois, o agradecimento especial a ela e aos demais membros do IDEJUST, em especial aos que, além de mim, compõem a Diretoria: Marcelo Andrade de Oliveira Cattoni, Renan Quinalha, Katya Kozicki, Paulo Abrão, Marcelo Torelly, Rodrigo Deodato e Amarilis Busch Tavares.

Necessário também reconhecer que todo esse processo de fortalecimento da memória política e de aprofundamento democrático que vem sendo propiciado pelos avanços da justiça de transição no Brasil, e do qual este livro é um dos resultados, muito deve à visão e à decisão política de alguns importantes personagens do palco da política nacional, que quando em momento e em posição decisivos resolveram sustentar esta pauta no país. Além do já mencionado Paulo Abrão, devo fazer um agradecimento especial ao Tarso Genro e ao Paulo de Tarso Vanucchi, respectivamente, Ministro da Justiça e Ministro dos Direitos Humanos do governo Lula. O primeiro já trazia como projeto político da sua gestão junto ao Ministério da Justiça o aprofundamento do viés educativo da Comissão de Anistia, daí ter chamado um professor para presidi-la e ter assumido os inúmeros projetos de educação em Direitos Humanos que foram desenvolvidos pela Comissão. O segundo fez uma gestão imprescindível junto à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, realizando os enfrentamentos necessários e projetando em caráter irreversível a diretriz da memória, da verdade e da justiça nas políticas públicas de Direitos Humanos.  

Tratando agora do livro em si, e deixando outros agradecimentos especiais para o final desta apresentação, começo pelo título. É muito difícil condensar em um título palavras que possam representar tantas ideias, conceitos, análises e conclusões produzidos ao longo de anos de pesquisa e estudo registrados em momentos diferentes desse itinerário, mas logrei chegar a um título que creio representa suficientemente o conteúdo da obra. Explico o porquê.

Decidi indicar a ideia de "caminhos da reparação" para evidenciar que no plano institucional o processo de enfrentamento do legado autoritário no Brasil, especialmente com relação à sua última ditadura, deu-se através das comissões de reparação, quais sejam, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a Comissão de Anistia. Ambas tem abrigado claramente atuações diretamente relacionadas à concretização do Direito à Verdade e do Direito à Memória, linhas de frente para as transformações estruturais almejadas pelo campo da justiça de transição.  Ao longo dos artigos, como se verá, dou mais destaque à atuação da Comissão de Anistia neste processo, o que já explica a presença dos "caminhos da anistia", já que no caso brasileiro surgiu claramente um caminho para a anistia que se perde do esquecimento para encontrar a memória, ainda que persistam os caminhos da anistia que levam ao olvido. A anistia é, sem dúvida, a palavra chave para a compreensão tanto do processo de transição como de justiça de transição no Brasil. 

Também não poderia faltar neste título a presença da expressão "justiça de transição", pois com ela é que a maior parte do diálogo expresso nessas linhas foi realizado. É de fato um termo que, a despeito das críticas que recebe, algumas justas outras sem pertinência, tem mantido a função de abrigar em sua imensa capacidade de aglutinação aspectos que inclusive vão além dos pontos específicos indicados na expressão Direito à Memória e à Verdade, trazendo à baila tanto os esforços de reparação como os de reforma das instituições e os de responsabilização pelos crimes contra a humanidade praticados, demarcando um verdadeiro campo de estudos. A expressão também permite fazer um interessante jogo de palavras, que pode gerar e tem gerado alguma confusão, entre transição política propriamente dita, geralmente compreendida dentro de um marco transitório, e os esforços tomados pelo regime democrático razoavelmente consolidado para confrontar o legado autoritário, que remeteria mais diretamente ao termo justiça de transição, e que indica, como será desenvolvido no livro, tanto medidas inscritas em um marco temporário quanto medidas que se projetam de modo permanente.

Por fim, a referência à ditadura civil-militar é realizada para indicar que o debate justransicional hoje em curso no país se instaura a propósito dos 21 anos de ditadura recentemente experimentados entre os anos de 1964 e 1985, com um período ainda gris de 1985 a 1988, quando finalmente é instaurada uma ordem constitucional legítima e democrática, após a brusca interrupção da que vigia desde 1946. De todo modo, não se ignora, e isto é fartamente referido nos artigos que compõem este livro, que a história de violência institucional e de períodos de violências generalizadas no Brasil não se iniciou com a ditadura, mas que esta em sua atuação, em muitos aspectos inédita, seja em sua profundidade seja no nível de aparelhamento estatal e social que levou a cabo, soube propagar e dar livre curso a esta herança histórica, mantendo e aprofundando a marginalização e a repressão aos grupos já tradicionalmente perseguidos e oprimidos no Brasil.    

Ao organizar o sumário deste livro, procurei seguir a ordem cronológica de elaboração dos artigos, e que é quase a mesma ordem da publicação que cada um deles teve, com exceção dos dois últimos, que são trabalhos técnicos que não foram  ainda publicados. O respeito a esta ordem cronológica explica porque procurei me abster de atualizar dados que dizem respeito, por exemplo, à quantidade de processos já apreciados, deferidos e indeferidos pela Comissão de Anistia ou de quantidade de Caravanas da Anistia realizadas. Esses dados são continuamente modificados e podem ser facilmente consultados junto à própria Comissão no momento em que houver o interesse.

O primeiro artigo do livro, "O anjo da história e a memória das vítimas: o caso da ditadura civil-militar no Brasil", conforme já exposto, foi o primeiro a ser escrito sobre os temas relativos à justiça de transição, e busca articular os fundamentos teóricos em torno da memória política presentes em Walter Benjamin com o trabalho que vem sendo executado pela Comissão de Anistia brasileira. Também é de presença inegável a reflexão em torno da memória feita por Reyes Mate, posto que, igualmente sustentado pelas categorias benjaminianas, desenvolve a rica noção de uma "justiça anamnética", isto é, uma concepção de justiça que parta da memória da violência e não de abstrações teóricas nos moldes de grande parte das teorias da justiça modernas, que fazem tábula rasa da violência passada para buscar sempre um começo idealizado.

A versão que consta nesta obra não traz quase nenhuma modificação em relação à versão publicada anteriormente, com exceção do título. No momento em que escrevia este artigo ainda não havia se firmado o uso da expressão "ditadura civil-militar". Penso que utilizá-la no lugar de "ditadura militar" é preferível, porque logo de plano ela chama à responsabilidade os setores civis que não somente apoiaram e conspiraram com os militares golpistas, mas que também mantiveram o apoio na continuidade da ditadura. Sem este apoio não só a ditadura não teria ocorrido como também não teria durado tanto tempo. A verdade é que, em especial, setores civis oriundos dos campos da política institucional, do setor agrário, do setor empresarial, do setor midiático, muito se beneficiaram ao longo do regime de força e também com a interrupção do governo de base popular de João Goulart. Assim, não somente neste artigo, mas também em todos os outros que fazem parte deste livro, tomei o cuidado de substituir "ditadura militar" por "ditadura civil-militar". 

Seguindo mais adiante na preocupação em explorar as potencialidades em torno da memória política, procurei trazer em "Dever de memória e a construção da história viva: a atuação da Comissão de Anistia do Brasil na concretização do Direito à Memória e à Verdade" fundamentos importantes presentes especialmente em Paul Ricoeur para apontar a necessidade do dever de memória e a importância do luto em sociedades que emergiram de períodos de violência massiva, especialmente quando relacionadas com o aparelhamento institucional. Também busquei de plano identificar na prática da Comissão de Anistia brasileira, já com lastro na atuação paradigmática da Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul, a construção de um outro conceito de anistia, que inverte a relação com o binômio memória/esquecimento, ou seja, que constrói uma anistia comprometida com a memória e não com o esquecimento.

Fiz duas modificações importantes com relação à versão anteriormente publicada. Logo na introdução do artigo procurei pontuar mais claramente que embora no Brasil já esteja consagrada a expressão "Direito à Memória e à Verdade", ela não deve ser interpretada de modo a igualar o Direito à Verdade e o Direito à Memória, visto que são categorias distintas que apontam para ações e expectativas distintas. Por outro lado, elas são de fato auto-implicantes e possuem uma forte proximidade. Mais adiante, ao tratar de pesquisas desenvolvidas no campo da ciência política, que buscam estabelecer através de estudos empíricos a relação entre o aumento da violência institucional em períodos pós-autoritários e a fraca implementação de mecanismos transicionais na América Latina, procurei nesta versão deixar claro que os resultados dessas pesquisas não devem ser interpretados como provas matemáticas ou como fatores causais exclusivos da violência estatal nas democracias latino-americanas, mas que representam um forte indício de que há uma relação clara entre os dois fenômenos. Também busquei adicionar à já conhecida pesquisa de Kathryn Sikkink os achados produzidos por Leigh Payne, Tricia Olsen e Andrew G.Reiter da Universidade de Oxford.

O artigo "O Julgamento da ADPF Nº 153 pelo Supremo Tribunal Federal e a inacabada transição democrática brasileira" é reflexo direto deste evento de singular importância para o campo da justiça de transição no Brasil que foi o julgamento realizado pelo STF em abril de 2010 sobre a compatibilidade entre a anistia aos agentes da ditadura e a Constituição de 1988. Juntamente com outros Conselheiros e Conselheiras da Comissão de Anistia estive no plenário do STF no primeiro dia de julgamento e escutei atentamente a leitura do voto do então relator da Ação, Eros Grau. Foi uma experiência frustrante e decepcionante, complementada pelo voto dos outros Ministros e Ministras que acompanharam o relator no indeferimento. Diante de tantas opiniões e análises equivocadas tanto históricas quanto jurídicas, comecei a trabalhar neste artigo dias após a conclusão do julgamento e, antes mesmo de publicá-lo em uma edição impressa, divulguei-o no site do IDEJUST. Foi, portanto, o primeiro artigo publicado sobre este histórico julgamento do STF. Conforme o leitor poderá conferir, apontei basicamente três grupos de erros nas argumentações apresentadas pelos magistrados: hermenêuticos, históricos e com relação ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. A versão aqui publicada é basicamente a mesma que integra obra organizada por Wilson Ramos Filho e que é referida em nota de rodapé inicial do artigo. A única modificação diz respeito à referência dos votos, visto que na época de elaboração do artigo só foi possível referir-me a alguns deles através dos vídeos das suas leituras postados na internet, enquanto outros já foram disponbilizados em pdf no site do STF. Hoje o acórdão já se encontra disponível na íntegra no site da Corte.

O artigo "Entre a Anistia e o Perdão: memória e esquecimento na transição política brasileira - qual reconciliação?" foi a base da apresentação que fiz em evento promovido na Universidade de Oxford em outubro de 2010, intitulado "Seminário Internacional a Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva internacional e comparada". Neste texto, que permanece o mesmo em relação à versão já publicada, estabeleço um diálogo com as noções de perdão e suas relações com a política presentes em Hannah Arendt, Paul Ricoeur e Jacques Derrida. Este artigo é importante pois traz uma base teórica para entender porque uma Comissão de Estado, como é a Comissão de Anistia, não deve pedir perdão, mas sim desculpas pelos atos do Estado repressor aos que foram por ele atingidos com violência. Isto fica claro igualmente no último texto deste livro, que traz o meu voto  no processo de anistia política de Alexandre Vannucchi Leme. Assim, sem querer igualar o perdão aos atos de contrição do Estado e as suas necessárias ações de reparação e reconhecimento dos próprios erros, o artigo indica a grande pertinência da projeção da ideia de perdão ao campo político, algo próximo ao que Derrida designa de "perdão condicional" e Ricoeur de "respeito".

Em "Crimes do Estado e Justiça de Transição" procurei cumprir a função de introduzir o leitor brasileiro ao filão de pesquisas do campo da Criminologia designado por "Crimes do Estado". Na empreitada fui guiado pelo trabalho de Eugenio Raul Zaffaronni e também pelas obras dos criminólogos Peny Green, Tony Ward e Dawn L. Rothe. Percebi neste campo de estudos uma clara proximidade com as preocupações e conceitos que transitam no campo da justiça de transição e busquei iniciar um diálogo entre ambos, o que se revelou inclusive muito frutífero para as minhas atividades de docência e orientação no PPGCrim. Com relação à versão anteriormente publicada, o texto que compõem este livro traz apenas alguns pequenos ajustes nos itens finais, voltados justamente a estabelecer o diálogo entre os  campos que dão título ao artigo.

Ao refletir sobre anistia, memória, perdão e crimes contra a humanidade e seguindo a própria lógica dos trabalhos da Comissão de Anistia brasileira, começou a se fazer necessária uma ponderação a respeito da noção de crime político em suas relações com o direito de resistência e o debate sobre o conceito de terrorismo. Desta necessidade surgiu o artigo "O Terrorismo de Estado e a Ditadura Civil-Militar no Brasil: Direito de Resistência não é terrorismo". A ideia central que aqui se apresenta segue a trilha do pensamento de Heleno Cláudio Fragoso, a de que só devemos considerar adequadamente empregada a categoria de crime político quando o seu agente investe contra um Estado legítimo e democrático, pois do contrário as ações de oposição ao Estado é que se investem de legitimidade, assumindo os contornos do direito de resistência, ainda que pelas armas e sem prejuízo de que os limites da resistência possam ser ultrapassados, como é o de praxe no exercício de um direito de defesa. Do mesmo modo, utilizar o até hoje não consensual termo terrorismo para designar as ações de resistência revela-se muito mais uma estratégia de controle do Estado repressor, bem aos moldes das chamadas "técnicas de neutralização", explicadas no artigo anterior, do que uma correta definição das ações armadas de resistência à ditadura. O termo terrorismo seria muito mais adequado, neste caso, para se referir às ações do Estado, conduzido por um governo autoritário que se apoiava no medo instilado a toda a sociedade.

O texto serviu de base para a minha participação na "Terceira Sessão do Fórum Internacional sobre Crimes e Direito Penal na Era Global - Tendências Básicas do Terrorismo Mundial e Contramedidas na Era Pós-Bin Laden", ocorrido em outubro de 2011 em Beijing na China, no qual fiz parte da delegação brasileira, comandada por Fábio Roberto D'Ávila. Na versão aqui publicada me abstive de repisar alguns conceitos pertinentes à análise que já foram apresentados no artigo anterior. Ainda é importante destacar que no texto procurei dar mais ênfase à questão das heranças autoritárias na atuação das forças de segurança pública na democracia, ponto que dialoga com o tema da reforma das instituições proposto pelo campo da justiça de transição.

Na medida em que o debate sobre justiça de transição no Brasil foi crescendo, duas coisas foram se tornando cada vez mais claras no caso brasileiro: a de que a anistia vem conduzindo o processo de transição e de justiça de transição no país e a de que a anistia no Brasil tem se revelado um fenômeno e um conceito ambíguos. Isto fica nítido quando comparamos a anistia de 1979 com a anistia inscrita na Constituição de 1988 e regulamentada na Lei Nº 10.559/2002. No primeiro caso, a anistia foi ao mesmo tempo a bandeira de uma impressionante mobilização popular, o marco inicial do processo de redemocratização, a condição necessária para o retorno dos exilados e para a libertação dos presos políticos, mas também foi o marco da impunidade dos crimes da ditadura, da desculpa para a sua negação e para os variados esforços em torno do seu esquecimento e para a ausência de investigações públicas em torno desses fatos. No segundo caso, a anistia se aproxima das noções de memória e reparação e busca anular o potencial do olvido que se aloja até o presente na interpretação do sentido da lei de anistia de 1979. Procuro tratar desta ambiguidade no artigo "A Ambiguidade da Anistia no Brasil: Memória e Esquecimento na Transição Inacabada". Um dos focos de destaque neste artigo é iluminar o momento da Constituinte e deixar bem clara a diferença entre a anistia inscrita na Constituição de 1988 e aquela oriunda do período autoritário. Com relação à versão anteriormente publicada, além de atualizar alguns dados, me abstive de repisar o histórico do processo que culminou na anistia de 1979, visto que tal já é feito no artigo que trata do julgamento da ADPF Nº 153 pelo STF.

Em "A Comissão de Anistia e a concretização da Justiça de Transição no Brasil repercussão na mídia impressa brasileira: Jornal O Globo, 2001 a 2010" dediquei-me a fazer algo diferente, fruto já de uma proposta de pesquisa contemplada em 2009 por um Edital do CNPq de apoio a projetos de pesquisa, e me debrucei de modo sistemático, e a partir de metodologia explicada no texto, sobre notícias de jornal que tratavam da Comissão de Anistia, com o intuito de tentar medir em alguns aspectos o impacto da atuação da Comissão. Ao longo do texto, procuro fazer diversas citações de editoriais, articulistas, reportagens e até de cartas enviadas pelo leitor, identificando tanto leituras negativas quanto positivas sobre a atuação da Comissão de Anistia, algumas criticando os valores pagos, colocando em questionamento a isenção das decisões, e outras enaltecendo o histórico de resistência dos anistiados, defendendo as reparações e valorizando a ideia de um resgate da memória da política do país. A versão anteriormente publicada é praticamente a mesma que se tem aqui, com exceção de algumas atualizações e da ausência de algumas notas que mencionavam a realização de pesquisas semelhante com outros veículos de imprensa e que, por razões diversas, não puderam ser concluídas no mesmo formato.   

A elaboração do próximo artigo do livro, intitulado "Os testemunhos das vítimas e o diálogo transgeracional: o lugar do testemunho na transição pós-ditadura civil-militar brasileira" devo, em primeiro lugar, a uma das melhores e mais talentosas orientandas de mestrado que já tive, Roberta Cunha de Oliveira, que de modo tão competente e responsável, me auxiliou na tarefa de elaborar este texto, trazendo questões relacionadas aos textos de Lacan e adensando a questão do testemunho a partir da magnífica dissertação de mestrado que produziu e defendeu com êxito pleno no PPGCrim. Também devo muito à Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória, no Espírito Santo, na pessoa da Renata Conde Vescovi, e à Faculdade de Direito de Vitória, na pessoa de Nelson Camatta Moreira, pois ao me convidarem para participar da "III Jornada de Psicanálise e Direito - Violência Hoje: Possíveis Formas de Reparação" ocorrida em outubro de 2012, e cuja proposta foi a de estabelecer um diálogo entre Direito e Psicanálise, também me estimularam a escrever algo nesta intersecção de áreas. Nos dois artigos que abrem este livro já havia ficado evidente a importância do campo da psicanálise para o da justiça de transição, neste artigo procuramos focar esta evidência para a questão dos efeitos transgeracionais da violência do Estado autoritário e da importância do testemunho como remédio para os diretamente atingidos, seus filhos e netos, e também para a própria sociedade superar a perversão e o aparelhamento das suas instituições públicas. Trabalhamos em grande parte a partir dos conceitos de catástrofe psíquica, catástrofe social e danos transgeracionais que estão presentes na obra de René Kaes. A diferença em relação à versão anteriormente publicada é que nesta procuramos deixar mais claros os conceitos de Kaes além de atualizarmos algumas observações feitas a respeito da Comissão Nacional da Verdade. Este artigo foi também a base da minha fala no "Seminario Internacional Transiciones Democráticas y Calidad de la Democracia - perspectivas comparadas Brasil-España", ocorrido em janeiro de 2014 na Universidade Pablo de Olavide em Sevilha na Espanha.

Outro texto escrito em co-autoria que integra este livro é o "Justiça de Transição e Poder Judiciário brasileiro - a barreira da Lei de Anistia para a responsabilização dos crimes da ditadura civil-militar no Brasil". É preciso inicialmente parabenizar Ricardo Silveira Castro, o co-autor deste artigo. Foi sem dúvida um dos melhores e mais talentosos bolsistas de iniciação científica que já tive. No momento em que escrevo esta apresentação ele está próximo de se tornar bacharel em Direito pela PUCRS e ainda continua vinculado à minha orientação como bolsista PIBIC/CNPQ. A primeira parte do artigo, voltada à identificação de tentativas anteriores de responsabilização judicial no Brasil de agentes públicos pela prática de crimes contra a humanidade, ocorridas até dentro do próprio período ditatorial, deve-se à iniciativa e ao interesse do Ricardo, que também elaborou um competente cotejo entre as contraditórias decisões do STF em Ações que trouxeram à baila o debate justransicional para a Corte, como foram os casos da constitucionalidade da Lei de de Anistia, da Lei de Imprensa, e das Extradições de Manuel Cordero Piacentini e de Norberto Raul Tozzo. Já a segunda parte trabalha o já mais que visado embate entre a decisão do STF na ADPF Nº 153 e a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund, mais conhecido como Caso Guerrilha do Araguaia. Aprofundar mais esta contradição foi também o resultado de um convite formulado pela Comissão Estadual da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva", vinculada à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, nas pessoas de Renan Quinalha e Adriano Diogo para participar da Audiência Pública sobre o cumprimento da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Araguaia, ocorrida no dia 10 de junho de 2013. Entre outros pontos, procurei explorar a própria contradição do STF com a sua jurisprudência interna sobre Direito Internacional dos Direitos Humanos, paradigmaticamente demarcada no leading case da prisão do depositário infiel  julgado em 2008, quando tomou a decisão na ADPF Nº 153. Não pude também me furtar a indicar a clara incompatibilidade entre ambas as decisões o que suscita um inescapável debate sobre controle de convencionalidade.

Por fim, fecho esta obra com duas publicações ainda inéditas. São dois trabalhos técnicos que espelham claramente a interação entre os frutos das pesquisas acadêmicas que venho realizando e a minha atuação no espaço institucional. O primeiro deles, conforme explico em nota no início do texto, é um parecer que me foi solicitado pela já mencionada Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" e também pelo Grupo de Trabalho Juscelino Kubitschek do Largo São Francisco (GT JK). O parecer integra extenso relatório que contém ainda pareceres de outros juristas, como Gilberto Bercovici e Emilio Peluso Neder Meyer, sobre as mesmas questões propostas. O objetivo desses pareceres foi o de fazer coro e trazer embasamento teórico à reprovação da conclusão produzida pela Comissão Nacional da Verdade em seu relatório final a respeito das circunstâncias e responsabilidades da morte do ex-Presidente Juscelino Kubitschek.

Afirmou a CNV que JK havia morrido em um acidente sem que houvesse qualquer responsabilidade da ditadura na sua causação. O problema é que tal conclusão se apoia na reconstrução de perícia realizada pelos próprios agentes de segurança da ditadura em 1976 e que foi fortemente descartada em ação judicial apreciada pela Justiça Federal carioca em 1978, quando se apuravam as responsabilidades do motorista do ônibus que teria causado o acidente. O motorista foi inocentado e nenhum dos passageiros do ônibus confirmou a tese da perícia de que ele havia colidido com o caminhão que vitimou o ex-Presidente e o seu motorista. Ademais, há uma série de pistas e indícios de envolvimento da ditadura no acidente que não foram investigados pela CNV, o que é compreensível dadas as limitações que cercaram o seu trabalho, logo concluo no parecer que o correto teria sido a Comissão não fechar o assunto e manter o caráter inconcluso da questão em seu relatório.

Neste parecer, além de algumas considerações específicas sobre o caso JK e o tema da inversão do ônus da prova em casos de crimes contra a humanidade praticados pelo Estado, desenvolvo um extenso retrospecto do surgimento da categoria do Direito à Verdade e da sua base jurídica tanto no cenário internacional quanto nacional. Para esta tarefa foi inestimável a condução oferecida por Carolina de Campos Melo em sua tese de Doutorado sobre o Direito à Verdade defendida no Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 2012 e ainda não publicada. Deixo aqui um agradecimento especial a ela por ter compartilhado comigo esta excelente tese. Mais ao início do parecer também busco deixar clara a diferença que considero saudável considerar entre transição política e justiça de transição, trazendo ainda a necessidade de se levar em conta as questões trazidas ao debate pelo campo da justiça de transição no âmbito da teoria constitucional, mais especificamente nas reflexões em torno da identidade constitucional, conceito que vem sendo bem desenvolvido e explorado por Michel Rosenfeld.

O relatório do GT-JK foi entregue à então Presidenta Dilma Roussef logo após a entrega do relatório da Comissão Nacional da Verdade em dezembro de 2014 e não foi publicado até o momento do fechamento deste livro. O outro trabalho que fecha a presente obra também situa o influxo da pesquisa acadêmica no trabalho institucional (ou seria o contrário?) e traz uma amostra de um voto/relatório produzido em minha atividade de Conselheiro da Comissão de Anistia brasileira, sem a qual este livro jamais teria existido. O voto foi cuidadosamente elaborado não apenas para conceder a anistia post mortem a Alexandre Vannucchi Leme, jovem estudante de Geologia da USP morto a pauladas em março de 1973 nas dependências do DOI-CODI do II Exército localizado na cidade de São Paulo quando tinha apenas 22 anos, mas para também contar a sua história, tanto a de militância e resistência, ocorrida inclusive pela via não armada em sua atuação de líder estudantil, como a do seu martírio. A apreciação do seu requerimento de anistia, formulado pelos seus familiares, representados nos autos pela irmã de Alexandre, Maria Cristina Vannucchi Leme, deu-se em meio a uma ocasião especialíssima, amplamente noticiada nos principais jornais impressos e televisivos do país. Foi a realização de mais uma Caravana da Anistia da Comissão de Anistia, realizada em março de 2013 nas dependências do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, palco central da atuação política de resistência protagonizada por Alexandre. Esta foi a 68a Caravana da Anistia na qual se fez publicamente a apreciação do requerimento de anistia de Alexandre Vannucchi Leme com a presença de parcela expressiva do Conselho da Comissão de Anistia, da Comissão Especial sobre  Mortos e Desaparecidos Políticos, da Comissão Nacional da Verdade, da Presidência da União Nacional dos Estudantes e também da então Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. Na mesma ocasião foi também entregue à família de Vladimir Herzog a retificação da sua certidão de óbito, alterando o registro de morte ocorrida por suicídio para o de morte que decorreu de "lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército - SP (DOI-CODI)". A retificação foi determinada pelo então Juiz da 2a Vara de Registros Públicos do TJ/SP, e só foi possível diante do apelo feito pela própria CNV ao Poder Judiciário.

Nesta ocasião histórica coube a mim a honra e a responsabilidade de elaborar o voto no caso de Alexandre Vannucchi Leme, voto que também poderia ter suscitado a retificação do registro de óbito, o que porém não havia sido ainda objeto de pedido da família no requerimento. O voto foi lido na ocasião em sua íntegra e foi acompanhado em seu dispositivo pela unanimidade das Conselheiras e dos Conselheiros presentes. Ao final, após ouvir a emocionante manifestação de Maria Cristina Vannucchi Leme, a irmã de Alexandre, o Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, formulou o pedido de desculpas em nome do Estado brasileiro aos amigos e familiares de Alexandre Vannucchi Leme.

Encerrando esta já longa, mas necessária apresentação devo fazer brevemente mais alguns agradecimentos especiais. Inicialmente aos meus companheiros e companheiras da Comissão de Anistia, incluindo aí toda a equipe administrativa e os funcionários que dão vida e operacionalidade à Comissão, mas especialmente aos Conselheiros e Conselheiras, pois tenho aprendido muito durante todos esses anos com o exemplo e a abnegação de todos nas lutas em prol dos Direitos Humanos e de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária. Os importantes frutos gerados pelo trabalho da Comissão de Anistia devem-se em primeiro plano a um verdadeiro trabalho de equipe, que soube ser tão sábiamente e eficientemente conduzido por Paulo Abrão.

Mas aprendi também com um importante mestre, que me deu a honra de fazer a apresentação deste livro, o professor José Geraldo de Sousa Junior, que o Direito não é apenas um instrumento de dominação e controle. Pode também ser um instrumento de libertação e afirmação das lutas populares, que o Direito que é formalizado pela lei já existe antes, no processo político da afirmação das necessidades coletivas e na busca da sua satisfação, tornada sempre mais forte e reconhecida na medida do fortalecimento dos laços de solidariedade e das relações comunitárias, que em sua profusão de legitimidades e autenticidades vem de modo participativo e interessado ocupar o espaço público, a rua, daí porque o Direito é Achado na Rua .

A ditadura representou no Brasil o sufocamento e a interrupção de diversas mobilizações políticas populares e democráticas em prol do reconhecimento de direitos. Na busca deste reconhecimento pessoas oriundas de diferentes classes e grupos sociais foram perseguidas, estigmatizadas e massacradas pelo Estado ditatorial. Os sobreviventes, seus amigos e descendentes, mesmo após a promulgação da Constituição de 1988, foram durante muito tempo os únicos que sistematicamente mantiveram acesa a questão dos enfrentamentos ainda pendentes do legado autoritário brasileiro e que somente na última década, de modo mais presente e amplo, vem sendo objeto de uma justiça de transição no país, ainda claudicante mas que avança visivelmente e de maneira veloz. Desde que iniciei as minhas atividades de Conselheiro da Comissão de Anistia tive a oportunidade de conhecer muitas dessas pessoas que tiveram a coragem de resistir diante de um Estado completamente tomado de assalto por governos ilegítimos, autoritários e que violavam sistematicamente, como parte da sua política, direitos fundamentais dos seus próprios cidadãos. Pessoas que abriram mão de tudo que lhes era mais valioso para lutarem nas condições mais precárias e adversas pelos direitos coletivos da sociedade negados por um projeto de força e medo, e que hoje não se negam a reviver aqueles momentos difíceis e a generosamente compartilharem o seu testemunho publicamente. Não citarei nomes mas todas aquelas que conheci saberão que falo delas neste agradecimento. Algumas dessas pessoas importantes só fui conhecer após as suas mortes, através dos relatos dos que lhes eram próximos e dos registros que foram sendo produzidos e que mantiveram viva a memória da violência que sofreram, não por um gesto de ressentimento, mas por um imperativo de justiça e pela necessidade de que tais histórias sejam conhecidas, pois dizem respeito ao futuro da sociedade que queremos.

É pois a essas pessoas, as que sobreviveram e as que tombaram, que dedico este livro, e ao fazer isto já incluo nesta dedicatória a minha família, pois foi lá, com meu pai José Carlos, minha mãe Nara, minhas irmãs Adriana e Nara Lays, minha avó Margarida e minha querida Romilda que primeiro aprendi o valor inquestionável desses laços, a sua inesgotabilidade e transcendência rumo a todas as outras pessoas, e é lá que tenho tido, juntamente com a minha esposa Maria Tereza, a oportunidade de me deslocar ao outro lado do espelho e tentar fazer o mesmo com as minhas filhas, Valentina e Rafaela, e com a minha sobrinha Ana Luiza. Também incluo neste grupo seleto uma família que tem estado muito próxima e com quem venho construindo juntos esta nova realidade de ser pai e mãe, os amigos Salo e Mariana e a sua filha Inês. Não é à toa que os guardiões da memória política de uma sociedade são os familiares dos mortos e desaparecidos políticos, sejam estes reconhecidos ou não. Como demarcou Benjamin em suas Teses sobre a História, os que realmente se preocupam com o futuro não são os que só pensam em seus filhos e netos, nas futuras gerações, mas sim os que sabem ouvir e recolher os murmúrios e as experiências dos seus pais e avós. É um encontro secreto de gerações, é a chave de todos os outros, que se renova sempre, mesmo nos ambientes mais adversos, e que está para além da empobrecedora delimitação linear do tempo e da separação entre passado,  presente e futuro. Trata-se de um tempo em que nada se perde.

José Carlos Moreira da Silva Filho
Porto Alegre, 12 de Fevereiro de 2015.
Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS (mestrado e doutorado)http://lattes.cnpq.br/0410429186457225


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