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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Um espectro ronda a Escócia, a Catalunha e o Brasil: Plebiscitos e lutas por Constituintes como horizonte transformador.*


A a realização de plebiscitos e a consequente luta por um novo regimento constitucional marcam a atualidade de Escócia, Catalunha e Brasil
por Gladstone Leonel da Silva Júnior

O mês de setembro do ano 2014 pode marcar o destino de 02 países e 01 região em partes distintas do mundo. As situações de cada um desses atores envolvem inúmeras diferenças, sejam históricas ou até mesmo de direcionamento político. Contudo, a realização de plebiscitos e a consequente luta por um novo regimento constitucional marcam a atualidade de Escócia, Catalunha e Brasil.
Dia 18 de setembro ocorre o plebiscito que decidirá a independência da Escócia frente ao Reino Unido. No dia 11 de Setembro uma manifestação massiva tomou conta da Catalunha, pautando o referendo popular, não reconhecido pelo governo Espanhol, que ocorrerá no dia 09 de novembro acerca da independência ou não da região. Já no Brasil, do dia 01 a 07 de setembro, ocorreu o plebiscito popular para uma Constituinte Exclusiva e Soberana que modifique o sistema político do país.
Metaforicamente ao que disse Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, na realidade desses países e dessa região, um espectro os ronda e está relacionado à possibilidade de transformações políticas. Mudanças que são majoritariamente puxadas por setores populares nessas localidades e que, a partir de uma Constituinte, podem consolidar os avanços políticos e jurídicos desses pleitos históricos e conjunturais. Entender as situações específicas nos faz verificar até que ponto a realização de plebiscitos e Assembleias Constituintes representam ou não a possibilidade de avançar nos pleitos populares atuais.
No caso da Escócia, as raízes históricas do debate independentista são profundas e as diferenças marcam a relação que possui com a Inglaterra. Isso tem origem ainda no Império Romano, quando no ano de 55 e 54 a.C. Júlio César conquista terras na Britânia. Anos depois os romanos fundam Londres e expulsam os celtas daquela região. Contudo, não ocupam a parte norte do território, onde está situada hoje a Escócia, aquela época conhecido como Caledônia, ainda habitada pelo povo Celta. Assim, a Inglaterra desenvolve-se em decorrência da influência romana, diferentemente da Escócia. Em 1707, os Parlamentos de Escócia e Inglaterra criam o Reino Unido da Grã-Bretanha. O plebiscito que ocorre no dia 18 de setembro de 2014 também é fruto de todo o embate histórico entre esses povos e abre a possibilidade para que a Escócia consiga a independência política do Reino Unido, não mais se subordinando à Coroa Britânica. Mais do que um questão nacionalista, surge a possibilidade de intervenção concreta do povo escocês para contribuírem com a construção da sociedade que pertencem. Um a priori democrático que não ocorre na atualidade. Assim pensam, figuras como o fundador do partido Left Unity[2], Ken Loach e o ativista paquistanês Tariq Ali[3]. Certamente, os interesses econômicos como o petróleo no mar do Norte, as dívidas públicas do Reino Unido falam alto nesse momento, mas as vozes da sociedade incidem cada vez mais no debate. O plebiscito oficial poderá dar novos rumos à Escócia, que historicamente se colocou sempre à esquerda nas decisões junto ao Reino Unido (na atualidade, dentre os 59 deputados escoceses no Parlamento de Westminster, só 01 é conservador). A partir desse resultado, caso favorável à independência, abre-se a possibilidade de uma Constituinte para reestruturar o funcionamento do Estado e da sociedade, já que o país se verá desvinculado do ordenamento jurídico do Reino Unido.  
Já o debate Catalão requer a análise de outros elementos. Dia 11 de setembro, remetendo a guerra de Sucessão Espanhola, celebra-se o dia da Catalunha. Região localizada ao nordeste da Espanha, que tem Barcelona como sua principal cidade. As diferenças culturais dos catalães para os espanhóis atravessam a construção histórica e permanecem no cotidiano de uma região que tem o catalão como principal língua e não o castelhano. Os anseios independentistas ecoam em toda sociedade espanhola e é mal recebido pelo governo central que o considera inconstitucional. Um dos motivos desse rechaço é a vultuosa arrecadação econômica que a Espanha tem com essa região e, obviamente, a eventual perda de poder político e territorial. Mesmo diante de uma unidade ampla, os setores progressistas da região tem defendido a bandeira da formação de um Estado, para uns completamente independente e para outros com mais autonomia perante a Espanha. A pauta ganha força na sociedade e uma eventual ruptura também ensejaria a convocação de uma Assembleia Constituinte pelo povo Catalão, algo já requerido em manifestos[4] e uma das bandeiras de luta.
O caso brasileiro não envolve uma demanda independentista, mas também utiliza-se de um plebiscito (aqui um plebiscito popular) para modificar um sistema político falho e refém do poder econômico. Tudo isso, a partir de uma Constituinte. O que está em jogo é a necessidade de uma real construção de um poder popular com uma maior radicalidade democrática. Os problemas atuais apresentam um cenário de sub-representatividade de setores formadores da sociedade brasileira, como mulheres, jovens, indígenas e negros; a ingerência cada vez maior do poder econômico nos pleitos eleitorais; limitações de participação popular restringidas basicamente à democracia representativa; entre outros. Uma Constituinte exclusiva poderá avançar diante desses temas e aprofundar os mecanismos plenamente democráticos do país.
A reflexão aqui trazida não ousa prever as consequências políticas dessas iniciativas. A disputa está aberta e as forças políticas organizam-se para isso. Apenas constata que as demandas por participação popular crescem, e diversos setores utilizam cada vez mais os plebiscitos (populares ou não) e a convocação de uma Constituinte, como um instrumento central de luta política ao tratar da relação com o Estado.
Dentre as chamadas das respectivas campanhas se encontra desde uma frase imperativa, como “Yes, Scotland” ou aquela que passa a mensagem completa, “Para mudar o sistema político. Constituinte Já!” ou até mesmo ressaltam a importância do momento histórico, “Ara és l'hora”. Parece que a sociedade civil elencou seus instrumentos para reformular a construção estatal e social. Seja na Escócia, Catalunha ou Brasil, respeitando os processos históricos distintos, a realização de plebiscitos e a luta popular por Constituintes apresentam-se, cada vez mais, como reais possibilidades de alteração do status quo e modificação de algumas estruturas de poder.


Gladstone Leonel da Silva Júnior
Gladstone Leonel da Silva Júnior é Doutorando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Realiza estágio doutoral (doutorado-sanduíche) na Universidade de Valencia, Espanha, com bolsa da CAPES. No mês de julho desse ano esteve em Glasgow (Escócia), vive em Brasília e escreve de Barcelona (Catalunha). Integra o coletivo Díalogos Lyrianos (O Direito Achado na Rua).

[1]http://www.esquerda.net/dossier/ken-loach-escocia-independente-podera-ser-ameaca-do-bom-exemplo/34044
[2]http://bellacaledonia.org.uk/2014/03/10/dismantling-the-british-state/
[3]http://www.anticapitalistas.org/spip.php?article28298
17 de Setembro de 2014 *O presente texto foi originalmente publicado no Le Monde Diplomatique.  
Palavras chave: Escócia, Catalunha, Espanha, Brasil, plebiscito, reforma política, debate, independência  

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