Layla Jorge Teixeira Cesar*
Foto: Estudantes à entrada do templo
de Confúcio em Pequim
Nesta foto, tirada no último
sábado, se vê um dos numerosos grupos de estudantes reunidos em visita ao Templo
de Confúcio. Todos se curvam à entrada, como é habitual em Pequim, em sinal de
respeito à história que estão prestes a compartilhar.
O Templo de Confúcio foi
construído em 1302 e serviu às dinastias Yuan, Ming e Qing, até a Revolução de
1911-1912. Durante este período, operou em paralelo à Academia Imperial de
Pequim, como duas faces de um mesmo sistema. A Academia, concebida para
desempenhar uma função prática, tornou-se centro administrativo para gestão da
educação e reuniu a principal elite de estudantes do império. O Templo, por sua
vez, foi consagrado à função simbólica de materializar o ideal filosófico de
Confúcio: já no pátio central, 198 colunas de pedra gravam os nomes de 51.624
acadêmicos de destaque para o império.
O confucionismo remonta ao
nascimento do próprio filósofo, em 551 a.C., e carrega a educação como seu
elemento central. Cada uma das gerações que se apropriaram da filosofia, ao
longo dos últimos séculos, imprimiu nela suas próprias influências, resultando o
confucionismo hodierno num complexo sistema ético.
Enquanto algumas correntes o
descrevem como uma doutrina hierárquica, dogmática e autoritária, outras
enfatizam sua dimensão pedagógica, de estímulo à construção coletiva do saber
crítico, onde se reconhece em todo indivíduo o potencial para atingir a
perfeição através do conhecimento –- e, enfim, tornar-se “cristalino como o
jade”.
Estes aspectos aparentemente
contraditórios do confucionismo convivem na prática e se substituem em
importância de acordo com o momento sócio-histórico que atravessam seus
praticantes.
Atualmente, o processo de
globalização e internacionalização da educação proporciona, a nível local, a
replicação de tensões que observamos em outras partes do mundo – inclusive no
Brasil. A adesão à reprodução da vida material dentro da lógica da “sociedade do
conhecimento”, reinstalou o investimento em educação como prioridade na agenda
do governo chinês com uma orientação clara para a formação de “capital humano” e
serviço à expansão econômica.
No nível superior, o processo de
massificação do acesso organizado entre 1999 e 2005 ampliou as taxas de
matrícula em mais de 40%. Em contrapartida, a obsessão em desenvolver
universidades de “padrão global” – evidenciada pela criação do Shanghai
ranking –, produz uma grave hierarquização
inter-institucional, com maior volume de recursos destinado aos
projetos 211 e 985 para universidades de elite, e intra-institucional,
com foco em áreas estratégicas associadas à produção de tecnologia.
Este processo de abertura à lógica
do capital estrangeiro foi facilitado pelo fato de que as noções de hierarquia e
competitividade já ecoavam no seio da cultura local. Dito de outro modo, a
lógica neoliberal se apropria do pensamento confucionista e outros traços
culturais centrais e exacerba as dimensões que a favorecem.
Esta não é a primeira vez que a
China se vê confrontada por influências externas, e já em outros momentos se
observou sua reação. Durante a crise da dinastia Ming, registrou-se o primeiro
retorno ao confucionismo como substrato cultural de referência para organização
social chinesa, no movimento conhecido como “Neo-Confucionismo”. Já no final do
século XIX e após a Revolução de 1911-1912, se utilizou recurso semelhante na
implementação do chamado “Novo Confucionismo” como estratégia de formação de um
consenso social forte o suficiente para garantir a coesão da sociedade local.
Hoje, assistimos com esperança ao
renascimento do Novo Confucionismo como oportunidade de criação de um paradigma
alternativo e coletivista. Não se trata um retorno literal às raízes da
filosofia confucionista. Trata-se do emprego de fundações já existentes para
instituição de um novo consenso social que se coloque como alternativa crítica à
influência do capital estrangeiro, substituindo a competição pela comunhão como
motor da excelência.
Nota: Para mais informações sobre o
Novo Confucionismo contemporâneo, ver os trabalhos de Tu Wei-ming, professor de
filosofía da Universidade de Harvard, e Robert Cummings Neville, professor de
filosofía e teologia da Universidade de Boston.
*Layla Jorge Teixeira Cesar, mestre em Sociologia pela UnB, foi assessora do Reitor José Geraldo de Sousa Junior, no período de seu mandato na UnB (2008-2012). Participa atualmente do programa MARIHE - Mestrado em Pesquisa e Inovação em Ensino Superior, uma ação do consórcio entre universidades na Àustria, Finlândia, Espanha, China e Alemanha. Faz parte da rede Diálogos Lyrianos – O Direito Achado na Rua.
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