Passados
mais de 25 anos da promulgação da Constituição Federal o Estado
brasileiro não cumpriu com a obrigação de realizar a reforma agrária,
demarcar as terras indígenas e titular os territórios quilombolas. A
ausência de cumprimento da lei maior faz com que o Brasil seja a segunda
maior nação do mundo em concentração de terras, fato que dá origem aos
extremados e diários conflitos fundiários. Povos indígenas, comunidades
tradicionais e agricultores sem terra são as principais vítimas da falta
de cumprimento da Constituição e pagam com a vida o preço de lutar pela
efetivação de direitos.
Para fortalecer o debate acerca de soluções para os conflitos fundiários, a Terra de Direitos realizou a pesquisa Casos
Emblemáticos e Experiências de Mediação: Análise para uma cultura
Institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais,
desenvolvida em parceria com o Ministério da Justiça, por meio da
Secretaria da Reforma do Judiciário. A pesquisa foi lançada no dia 19 de
fevereiro, em Brasília, durante o seminário Conflitos Fundiários em
Debate, que contou com a presença do Ministro Gilberto Carvalho, da
Secretaria Geral da Presidência da República, e Flávio Caetano, da
Secretaria de Reforma do Judiciário.
No sábado seguinte ao lançamento, dia 22, o
jornal Folha de S. Paulo publicou artigo da senadora Kátia Abreu
intitulado “Contra a lei”, em que a ruralista afirma que a pesquisa da
Terra de Direitos quer afastar o Judiciário da solução do conflito
fundiário e que estaria propondo soluções “fora da lei” para os
conflitos no campo.
Em 3 de março o jornal O Estado de São
Paulo publicou editorial intitulado “Drible no Judiciário”, onde
reafirma a posição da Senadora Kátia Abreu e acrescenta que o Governo
Federal “apela à antropologia de botequim para questionar o próprio
direito constitucional à propriedade.”
Os textos publicados em grandes veículos de
comunicação revelam completo e conveniente desconhecimento sobre o
conteúdo da pesquisa. O estudo aponta que a judicialização dos conflitos
fundiários é enorme, e que o sistema de justiça (não só o Poder
Judiciário) não dá respostas eficazes para pôr fim aos conflitos. Com a
pesquisa se propõe que o sistema de justiça, inclusive o Poder
Judiciário, possa incorporar procedimentos dialógicos e manejar
instrumentos extra ou não estritamente jurídico para uma cultura de
efetiva solução dos conflitos.
A pesquisa também aponta para o fato de que
a mediação eficaz dos conflitos fundiários passa, necessariamente, pelo
cumprimento da lei. Nesse caso é o cumprimento da Constituição Federal,
com a realização da reforma agrária, da demarcação das terras indígenas
e titulação dos territórios quilombolas. Não há resolução de conflitos
fundiários que não passe pela efetiva realização dos direitos
constitucionais dessas populações.
O que querem a senadora Kátia Abreu e os
ruralistas da CNA é evitar a solução dos conflitos, na medida em que
essa solução passa pelo integral cumprimento da Constituição Federal.
Para eles o Poder Judiciário não pode trabalhar para resolver conflitos
realizando a reforma agrária, a titulação de territórios quilombolas e a
demarcação de terras indígenas, deve apenas atender aos interesses
econômicos de quem acha que indígena, quilombola e sem terra é “tudo que
não presta”.
Terra de Direitos, 7 de março de 2014
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