Renata Cristina de Faria Gonçalves Costa(*)
Boa
noite,
Gostaria
de cumprimentar a todas e todos em nome de uma pessoa que queria muito estar
aqui, mas não pôde vir e me pediu para dizer apenas o quão feliz ela ficou em
saber que a turma de Direito da Universidade de Brasília teria uma homenageada
da Comunidade, em 2013, pela primeira vez. Dona Magnólia, Promotora Legal Popular,
militante feminista na luta pelos
direitos das mulheres, é dentre tantas uma das incríveis pessoas que representam
um pouco da história da nossa Faculdade de Direito.
Falando
em história, olho para nós hoje e digo com muita alegria que estamos também escrevendo
essa narrativa. Estamos nos formando e formando algo mais. Assim, me viro para trás
e divago, curiosa, pensando quantos e quantas passaram por esses lugares antes
de nós. Onde estão essas pessoas?
Buscando
nos corredores da Faculdade me deparei com aqueles quadros de formandos e
formandas que temos espalhados por aí meio que encostados, silenciosos. Parei
para ouvi-los. Cada foto antiga, roupas requintadas, penteados... Será que em
dez anos vão olhar assim para as nossas fotos? Sei que uns hoje são ministros/as,
outros/as são juízes/as, professores/as, advogados/as. Olhei para cada um/a e perguntei
– como que perguntando também a mim mesma - que rumos tomaram depois daquela
foto e de pronto me responderam que agora não era hora para saber isso. Me
disseram para sonhar, caminhar e deixar as portas abertas... Ouvi com atenção e
só para garantir escancarei também as janelas. Quem sabe também não seria um
rumo possível? Senti e acreditei que certamente novas surpresas estariam por vir.
Tudo
bem, se não me contam do futuro, podiam dizer, ao menos, o que percorreram
daquela foto para trás. De certo, algo preparam no percurso até aqui, até lá,
até onde nem sabemos. Então me contaram estradas diferentes - valiosas em sua
diversidade-, memórias, experiências, causos que viraram lendas. E me
perguntei: será que tiveram as/os mesmas/os professoras/es que nós? Será que
conheceram Lyra Filho? Sei que o caso do judeu Shylock todo mundo discutiu e
que foram aos JIUnBs, batizados... e até congressos, às vezes. Nesses espaços, eles/as
e nós formamos bons laços e de muito que veio nesses seis anos, isso não se
perde.
Mas
não foi apenas daí que construímos ligações. Foi também nas salas de aula, nos
estudos, mas foi, sobretudo, fora dos espaços tradicionais de ensino onde conseguimos
construir saberes e redes mais profundas, combatendo juntos e juntas a insistência
de alguns em querer nos fazer caber em caixinhas pré-fabricadas. Dizer que
somos maiores do que isso não é fácil. Mover-se, posicionar-se também não, mas
é preciso que a cada geração que passe por esses bancos um pouco desses limites
sejam expandidos para que um dia a educação jurídica se misture com amor e
paixões nesse ímpeto criativo e emancipatório que o professor Warat tanto defendia.
Posso dizer que carnavalizamos
sim.
E esse é o nosso manifesto: estar aqui e ter construído novos horizontes uns/mas
com os/as outros/as, com funcionários/as, professores/as e, principalmente, com
a comunidade. Unimos em várias expressões direito e sensibilidade, saber
popular e acadêmico, extensão, pesquisa e ensino. Reviramos do avesso os rótulos e rituais, ressignificamos existências,
sujeitos, palavras, toques. Acho que fizemos sim um pouco a nossa parte.
Dá
pra ver daqui que – apesar dos obstáculos ou talvez justamente por conta deles
- mantivemos os sonhos acesos em ilhas crescentes desde o primeiro dia em que
fomos conhecer o Núcleo de Prática Jurídica, esse coraçãozinho tão esquecido da
Faculdade que insiste em bater em meio a tanto conservadorismo que ainda existe
por aí. Perguntei às fotos como era isso tudo na época deles/as e disseram que
era ainda mais difícil e que temos sorte.... Com sorte diremos isso às turmas
seguintes e assim por diante.
Fato
é que o NPJ, como nós, insiste e segue em frente, na contramão das abstrações
de quem insiste em acreditar que as respostas estão apenas nas bibliotecas. Fomos
à BCE sim e muito, mas também fomos a Itapoã, Ceilândia, Estrutural e voltamos de
novo ao Plano Piloto, mas voltamos diferentes. Vimos as injustiças com nossos
próprios olhos e sentimos dores e odores que faziam o tal Olimpo se rever. Vimos o direito vivo e queríamos mais. Queríamos ir para a rua, construir conhecimento
com cores, livros, histórias, pessoas. O direito estava em todo lado e conseguíamos
misturar tudo tão bem.
Assim
logo vimos que fechar-nos em muros era incompatível não só com nossos desejos,
mas com as necessidades que nos são exigidas hoje, enquanto juristas, num país
como o nosso, e desde há muito enquanto estudantes, enquanto universidade que pensa o Brasil.
Os
corredores se ampliaram. Os muros caíram. Autonomia, alteridade, crítica e a cada
dia mais inquietações. Foi tão rápido... Quando vi, por fim, cheguei ao último
quadro de fotos. Ali tive certeza de que coagulamos
vivências[1],
aprendemos a con-viver com a diversidade e descobrimos que estamos cercados/as
de pessoas, de vidas e de um contexto que nos clama algo. Escutemos quem e o
que nos cerca aonde quer que esses novos caminhos nos levem. E se, por acaso,
toparmos com qualquer tipo de ditadura - dentre as muitas formas que ela pode
assumir - saberemos que nesses tempos não há como fazer poema neutro. Seguiremos apaixonadas e apaixonados,
protestando, criando, transformando e fazendo poesia. Não que a poesia mude
(logo) o mundo, mas porque fazer poemas nos faz felizes[2].
Parabéns a todas e todos por mais esse capítulo.
CÓRTAZAR.
Julio. O jogo da amarelinha.
Tradução de Fernando de Castro Ferro. 16ª edição. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 2011.
GULLAR,
Ferreira. Boato. In: Na vertigem do dia.
2ª Edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2004.
(*) A oradora é integrante do Projeto Promotoras Legais Populares da UnB
[1] “Uma narrativa que não seja pretexto
para a transmissão de uma ‘mensagem’ (não há mensagem, há mensageiros, e isso é
a mensagem, assim como o amor é o que ama); uma narrativa que atue como
coagulante de vivências [...]” (CORTÁZAR, 2011, p. 450).
[2] “ [...] Como ser neutro se acabou de
chover e a terra cheira/ e o asfalto cheira/ e as árvores estão lavadas com
suas folhas/ e seus galhos/ existindo? / Como ser neutro, fazer/ um poema
neutro/ se há uma ditadura no país/ e eu estou infeliz? /Ora eu sei muito bem
que a poesia/ não muda (logo) o mundo. / Mas é por isso mesmo que se faz
poesia:/ porque falta alegria./ E quando há alegria/ se quer mais alegria!” (GULLAR,
2004, p. 66-67).
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