Layla Jorge(**)
Hoje comemoro dois meses da minha chegada à Áustria e
início do curso em gestão e pesquisa em ensino superior. Somos uma turma de
20 estudantes de diferentes regiões do mundo, incluindo Bangladesh, Etiópia,
China, Bielorrússia, Reino Unido, România, Turquia, Azerbaidjão, Coreia do Sul,
Vietnã, Ucrânia, Eslováquia, Sérvia, Rússia, entre alguns outros.
Esse rico encontro de culturas e
perspectivas sobre o ensino superior permite uma atmosfera muito propícia ao
debate, onde começamos a reconhecer as semelhanças e os limites de nossas
compreensões locais sobre a função e a imagem do Ensino Superior na sociedade.
Mais do que isso, é fundamental
perceber que entre tantas origens diferentes há indivíduos com questões
idênticas. Aqui, nos reconhecemos e identificamos na busca por soluções para a
democratização das universidades, a promoção da igualdade, o acesso à
informação produzida pelas pesquisas acadêmicas, a melhoria na qualidade de
ensino.
O New Public Management continua
sendo uma tendência muito forte, especialmente entre os representantes
europeus, cuja preocupação com a distribuição da educação é mínima em relação
aos demais sistemas de ensino menos consolidados em outros países. Mas essa
ambição por qualidade pode ganhar diferentes formas, e sobre isso trago hoje
uma experiência que pode acrescentar ao nosso processo de permanente construção
do ensino superior brasileiro e latinoamericano.
É a implementação, já em curso e
bem-sucedida, do U-Multirank, um ranking de ensino superior voltado para atender
à diversidade de formas que uma instituição pode assumir e a pluralidade de
interesses que orientam a avaliação sobre a qualidade do ensino superior.
Criado como uma alternativa aos já estabelecidos rankings internacionais, como
o Times Higher Education ou o Jiao-Tong, o U-Multirank busca uma aproximação
não-quantitativa e estabelece como um de seus critérios centrais o impacto
social local promovido pela instituição em benefício da população civil.
Não apenas a formação de estudantes
para o mercado de trabalho deve trazer retornos econômicos positivos para a
sociedade como também o conteúdo das pesquisas promovidas pela instituição deve
estar ligado à realidade local e promoção do bem-estar comum. Entre os outros
critérios constam: o grau de internacionalização da instituição, pesquisa e
transferência de conhecimento, e qualidade de ensino, com grande destaque para
a prática docente.
Mais de 650 instituições europeias
já participam da construção desse instrumento, e a primeira publicação oficial
é esperada para o próximo ano de 2014. As informações disponibilizadas vêm de
duas fontes principais: os dados oficiais providos pela direção da instituição
e o feedback dos estudantes, coletado por meio de survey online organizado pelo
ranking. Esse processo de múltiplas frentes resulta na evidência da
complexidade do ensino superior. O U-Multirank não oferece tabelas
simplificadas com indicadores que se pretendem exatos e que estabelecem uma
ordem de sucesso fictícia entre as instituições. Ao invés disso, os resultados
são dispostos num mapa que muda de configuração à medida que o usuário define
os critérios de avaliação segundo sua própria predileção. Uma ferramenta,
portanto, interativa e que propõe um cenário completamente horizontal.
Nós, na América Latina, ocupamos uma
posição de vanguarda em relação ao interesse pelo bem-estar comum, condição que
se torna visível em ações como a institucionalização do princípio do buen
vivir nas constituições de Bolívia e Equador. Buscar inspiração em
referências como esta pode ser uma das
direções para o estabelecimento de um modelo de avaliação do nosso ensino
superior, voltado para o impacto local que nossas instituições são capazes de
produzir.
Não se trata de romper com os
grandes rankings internacionais já estabelecidos, mas sim de definir nossa
agenda de prioridades.
(*) As cartas aproveitam a estada da autora na Europa, em programa de mestrado internacional sobre ensino superior que seleciona 5 candidatos do mundo e ela foi a selecionada na América Latina. Depois da Áustria ela irá a Espanha, Alemanha, Inglaterra e Finlândia. Neste período enviará cartas regulares para o Blog.
(**) Layla Jorge é graduada em Ciências Socias com Mestrado em Sociologia pela UnB; foi assessora do Reitor José Geraldo de Sousa Junior durante o seu mandato na UnB (2008-2012)
Nenhum comentário:
Postar um comentário