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sábado, 7 de setembro de 2013

Reintegração de posse na UnB, contradições, prisão de manifestantes pelo 07 de setembro e modelo de universidade – assim nessa mesma ordem e um parênteses


Humberto Góes

Está para ser realizado nos dia 11 e 12 de setembro próximo, na Universidade de Brasília, mais especificamente, na FINATEC, com participação de especialistas da América Latina, o Seminário sobre "Acesso e Permanência dos Grupos Vulneráveis no Ensino Superior".

Também está para acontecer a qualquer momento na mesma universidade a reintegração de posse da sala ocupada pelo Centro de Assistência Social, já deferida pela Justiça Federal no DF. 

Antes de seguir com o meu raciocínio, faço um parênteses.

Embora não seja da mesma organização judiciária, essa decisão discrepante do direito em vários aspectos emana de uma estrutura de Estado que pouco dialoga com interesses de libertação do povo oprimido e explorado do Brasil, e, por conseguinte, em muitos casos, se mostra omissa e desrespeitosa. Não há posse porque não há animus domini. Não há posse porque no direito público não existe o instituto da posse. Não há interesse público a ser resguardado por um instrumento de direito privado utilizado como via transversal para impedir o exercício de um direito público subjetivo, mais ainda, de um direito humano consagrado em tratados internacionais e na Constituição Federal de 1988, que é o direito de manifestação e de reivindicação. Como em processo civil, não se pode opor um instrumento de direito real, a reintegração de posse, a um direito pessoal, que é o direito de se manifestar.  Mesmo assim, é a posse e a sua reintegração que são utilizadas para impedir que a manifestação, que a luta por novos direitos seja vivenciada. 

No bojo dessa forma de pensar alheia aos problemas reais do povo brasileiro emana outra decisão cujos termos indicam uma tentativa de o Judiciário se esquivar quanto a injustiças vivenciadas pelo povo. Agora, o que se observa é a omissão quanto ao julgamento de pedido de liberdade provisória de quatro militantes presos nas manifestações por direitos ocorridas nesta sexta-feira 06 de setembro feito pela Defensoria Pública do Distrito Federal, após articulação da Assessoria Jurídica Popular Roberto Lyra Filho da UnB.

Sob pretexto de ser incompetente por não ter recebido oficialmente os autos de prisão em flagrante, o juiz de plantão no Fórum Fagundes Leal na noite desse mesmo dia 06 optou por admitir como certa a ressignificação jurídico-penal do Governo do Distrito Federal para criminalizar integrantes de movimentos sociais.

Mesmo diante de parecer do Ministério Público favorável à liberação, a omissão do juiz permite que o GDF dê interpretação ampliativa, inconcebível no âmbito do direito penal, e restritiva, também de modo inconcebível, agora, no âmbito dos princípios e direitos constitucionais, para que se desnature o direito de manifestação eliminando do seu conteúdo os direitos de resistir e de criar meios para que tenha êxito.

Ratificar por omissão a prisão política, por crimes de desobediência e dano ao patrimônio público, de quatro militantes também permite que o GDF se sinta livre para promover a criminalização das lutas sociais, nem que isso exija todo o aparato do Executivo (o que não faz, por exemplo, quanto ao genocídio da população negra e pobre da periferia), incluindo a polícia técnico-científica para configurar o suposto dano ao patrimônio público (rapidamente peritos constatam o rebaixamento do asfalto causado pela queima de pneus em via pública).

Age igual o magistrado que, em lugar de discutir a arbitrariedade das prisões de integrantes de movimentos sociais, sobretudo, diante da liberação pela polícia do GDF de 50 (cinquenta) outros manifestantes acusados também de dano ao patrimônio público neste dia 07 de setembro, em lugar de revogar a prisão em flagrante, apenas reduz a fiança de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para um salário mínimo. Esta atitude indica um claro propósito de não discutir a violência e a ilegalidade das prisões, de reafirmar o processo de criminalização dos movimentos sociais, bem como de aceitar o uso de duas formas de atuação quanto ao tipo de manifestantes, sua condição de classe, as pautas que carregam, mas, principalmente, impedir os mais pobres de se organizarem, de lutarem por direitos, de exigirem condições dignas de vida.

Apesar das diferenças, em certo aspecto, a atitude apresentada guarda semelhança com a decisão de reintegração de posse da sala do Centro de Assistência Social. No mínimo, dá indícios da tentativa de anular o direito de reivindicar daquelas pessoas que, com as suas demandas, ensejam o debate sobre os rumos da política, sobre os fins a serem alcançados.

É para falar dessa reintegração de posse ou, mais propriamente de seus efeitos, que retorno ao que dizia anteriormente e fecho o parênteses.

Na UnB, duas grandes contradições me parecem estar acontecendo. A primeira, um evento como esse em um espaço privado que parece andar na contramão das necessárias preocupações da Universidade com os grupos oprimidos e explorados da sociedade. Um lugar que se constituiu do uso da universidade pública para fins privatizantes, conforme se pode depreender da história recente da UnB.

Não sei exatamente o que é, quem representa e o que pretende a Rede de Direitos Humanos e Educação Superior (DHES), mas é preciso perceber que um tema como esse demanda coerência com a própria educação pública e com o sentido libertador que devem carregar os direitos humanos. Não pensar sobre isso é de alguma forma admitir uma perspectiva de universidade que anda de passo com a segunda contradição. 

Esta é representada pela reintegração de posse de uma sala ocupada por estudantes, cujo animus é apenas e exclusivamente o de manter um espaço público para fins públicos. Ou seja, inexiste vontade de apropriação privada; inexiste interesse em tomar para si e de fazer como seu o espaço da universidade. Ao contrário, a ocupação pelo Centro de Assistência Social, como todas as outras ocupações de salas para a fundação de Centros Acadêmicos, como a história indica, reafirma a universidade e o seu caráter público. 

Não é o caso da FINATEC e de várias outras fundações de apoio, por exemplo. Estas ocupam a universidade retirando dela a sua autonomia e o seu caráter de instituição pública. Tomam o espaço físico com animus domini, com fins privados fincados na exclusividade, na disposição absoluta do lugar, incluindo a cobrança pelo uso. Esta sim precisava deixar de existir na Universidade de Brasília, se não formalmente, pelo menos, fisicamente. Se é uma fundação privada, com interesses privados, por conseguinte, que se liga à Universidade como algo ou alguém que se acopla a outro para manter e incrementar a sua existência e seus fins privados; que, para ser e realizar seus interesses, precisa sugar do outro as condições de manutenção, a única opção visível dentro do Direito seria que se formasse fora do espaço da Universidade, que se mantivesse em lugar semelhante aos seus fins, privado.

Embora não seja a minha intenção chamar as fundações de apoio de parasitas, considero que a mescla de interesses privados e públicos no mesmo lugar se mostra historicamente bastante prejudicial ao público. É como se se constituísse ao modo como atuam os parasitas, sobrepondo os seus interesses ao interesse do todo. Afinal, qual a sorte de um parasita?

É de seu ser buscar sempre e cada vez mais tirar do outro parcela de sua força vital para fazer desta o seu próprio ser, o seu próprio existir. É do parasita viver à custa do outro e, quanto mais próximo, seja acoplado ou, mais grave ainda, dentro do organismo, mais pode sugar, mais pode retirar as condições do outro para fazê-las suas.

Parece-me ser próprio dos parasitas a insaciabilidade. Estes não cansam sua vontade de apropriação enquanto houver vida, enquanto houver o outro, enquanto houver alteridade. Porque um parasita anseia sempre em transformar o outro nele mesmo; em fazer do outro ele próprio; em fazer de dois um só, anulando o interesse do outro como quem fagocita os objetivos, as expectativas, as responsabilidades, ainda que, diante da morte de quem lhe dá vida, este corra igualmente o risco de desaparecer pela falta do hospedeiro.

Continuando a comparação com elementos da biologia, promover a reintegração de posse que estamos prestes a ver na UnB, é como anular uma estrutura que dá vida, que defende a vida, que luta para que o organismo se mantenha protegido porque deixa sua dinâmica igualmente resguardada; é como atacar os meios de defesa, em vista de constituir ao parasita as condições para seguir sua sorte, quem sabe até permitir que este transforme tudo no seu exclusivo destino. Talvez, não sei bem ainda, esta atitude seja como no caso das doenças autoimunes em que as células de defesa são responsáveis pelo ataque e pela destruição do corpo que deveria defender.

Assim me parecem as opções hoje dispostas na UnB. Com a reintegração de posse do CASSIS, com o reforço às fundações de apoio, sem contar com a retomada do Conselho Diretor, duas mensagens estão sendo trazidas à comunidade acadêmica (ambas relacionadas aos princípios que dirigem as decisões universitárias): a primeira é de que se estão refazendo os rumos que a UnB tinha anos atrás, com sobreposição de interesses privados e com a transformação destes no interesse da própria universidade, minando seu caráter de instituição pública com as responsabilidades que decorrem dessa circunstância igualmente. A segunda mensagem é que é preciso enfraquecer tudo o que possa colocar em xeque esse propósito. Anular ações que representem demandas que a universidade, dominada pelos interesses privados, não pode ter. 

Ter uma ocupação de uma sala de um modo que foge aos planos traçados pela administração centralizada, ainda mais, suportar uma ocupação que é realizada por uma organização que lembra a universidade de suas responsabilidades públicas, de seu compromisso social, seria admitir o risco ao empreendimento que se espera muito rapidamente se ver completado. Seria admitir a convivência com dois projetos de universidade que são intimamente incompatíveis. Por isso, é preciso exterminar, de imediato um deles, nesse caso, o Centro de Assistência Social, para seguir com a transformação de todo o interesse público da universidade numa expressão do propósito privado que, agora, se traveste ao se normalizar e se regulamentar utilizando instrumentos públicos internos de produção normativa e condições de realização de poder que são emprestadas às instituições públicas.


De forma clara, estamos diante de opções políticas que, decerto, não estão a favor da Universidade de Brasília, de sua comunidade acadêmica e, mais ainda, lembrando que a universidade deve ser parte do mundo e não um mundo à parte, do povo que a sustenta e financia esperando ver a assunção de um projeto universitário de libertação.

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