Brasília, 16 de
novembro de 2012
Caríssima(o)s
colegas,
Esta é a última carta
que envio, desde que iniciei esta forma de comunicação em 19 de agosto de 2011.
Ao complementar o meu mandato, peço licença para que esta última carta tenha o
formato de um relatório de gestão, por meio do qual eu possa prestar conta aos
colegas dos principais temas que marcaram o reitorado, numa síntese que integra
o conjunto das ações realizadas no período, em geral, apenas parcial e
fragmentadamente percebidas.
Assim, ao estilo de Pero Vaz de
Caminha, o escrivão da esquadra do descobrimento, esta última carta será mais
extensa, com tópicos sumariados e ordenados por Layla Jorge (a quem agradeço toda a assessoria que generosamente me conferiu durante o mandato) a partir de um núcleo que me
pareceu melhor denominar:
Da
universidade necessária à universidade emancipatória: a refundação da UnB
- Introdução
- Reflexões
sobre o modelo da Universidade de Brasília
- Paridade
em questão: a comunidade acadêmica representada
- A vitória
da Chapa 76 – UnB século XXI: reconstruindo o presente e inaugurando o
futuro
- A expansão
em foco
5.1 Expansão estrutural: a edificação da UnB
5.2
O Beijódromo e a Fundação Darcy
Ribeiro
5.3
Expansão social: políticas de
inclusão igualitaristas
5.4
Ações afirmativas na UnB: as cotas
raciais para negros e indígenas
5.5
Qualidade x Expansão: o que avaliam
afinal os rankings do ensino superior
- A
admnistração em foco
6.1
Gestão compartilhada
6.1.1
Transparência UnB
6.1.2
Ouvidoria
6.1.3 Conselho Comunitário
6.1.4 Congresso Estatuinte Paritário
6.2 A Comissão Própria de Avaliação
Institucional
6.3 Fundações de apoio
6.4 O Projeto Político Pedagógico
Institucional da UnB
6.5 CESPE
6.6 EBSERH e HUB
6.7 Flexibilização da jornada, formação
continuada e o DGP
6.8 Greves e diálogo
7. A comunidade em foco
7.1 Ocupações
7.2 Comissão da Verdade
7.3 Direito ao livre exercício de gênero
7.4
Políticas de comunicação: UnB
Agência
7.5 Revista Darcy – Jornalismo científico e
cultural
7.6 Portal UnB ciência: para uma divulgação
científica independente
7.7 A Editora da UnB
7.8 As Aulas da Inquietação e Diálogos com o
Reitor
7.9 Cartas do reitor
7.10 O FLAAC: resgatando laços com a África e a
América Latina
7.11 Carnaval 2012: 50
anos de UnB e uma homenagem a Darcy Ribeiro
7.12 UnB 50 anos
8.
Desafios
para o futuro
9.
Agradecimentos
finais
Então
a universidade se vê reduzida ao exercício de funções técnicas profissionais,
porque está despojada de sua alma. Debaixo da iniquidade, porém, por mais atróz
que seja, sempre subsiste, na consciência dos melhores, a universidade como
utopia concreta, pronta para realizar-se assim que para tal existam condições
mínimas.
Isto
é o que me entrou pelos olhos naquela tarde, percorrendo o campus da UnB.
Percebi ali, claramente, que a verdadeira Universidade de Brasília é a utopia
concreta que subsiste calada entre seus muros no espírito dos estudantes e dos
professores que guardam fidelidade ao seu espírito; mas é, também, a
universidade exclausurada, que vive onde sobrevivem os que a conceberam; e é,
sobretudo, a que ressurgirá em quantos, amanhã, hão de reencarná-la em
liberdade e dignidade.
RIBEIRO,
Darcy. UnB: invenção e descaminho. 1978
A
Universidade de Brasília se manteve situada de maneira inabalável no panteão
das grandes universidades brasileiras desde a sua inauguração, há cinco
décadas. Planejada como um centro de promoção da cultura e da ciência na nova
capital do país, a missão originalmente atribuída à UnB por seus fundadores é
clara: reunir as condições necessárias para pensar o Brasil e a América Latina
em suas questões sociais.
O
projeto criador da UnB foi vanguardista no desenvolvimento do ensino superior
brasileiro quando propôs a concepção da universidade como uma instituição a
serviço da população civil e fundou-se sobre o princípio de que nenhum saber
possa ser produzido em vão, à revelia da estrutura social na qual se origina e
sedimenta. O conhecimento desvelado na academia se caracterizaria, dessa forma,
por sua função emancipatória, e apenas como base da construção civilizatória
deveria ser aplicado e compartilhado.
A
utopia desta universidade necessária de Darcy Ribeiro atravessou gerações e
continua hoje direcionando a trajetória institucional da UnB, num compromisso
histórico mantido vivo pelas realizações de todas e todos aqueles que assumiram
para si a responsabilidade de perpetuá-lo.
É
a ágora formada por estes sujeitos em torno ao objetivo de educar e emancipar
que confere à universidade sua perenidade. Relativamente à continuidade
institucional da UnB, torna-se, assim, efêmera e transitória a contribuição
isolada de cada um de nós, servidores(as), alunos(as) e professores(as), que
apenas durante breves ocasiões na história nos tornamos os guardiões de seu
moto perpétuo.
Ater-nos
a este horizonte temporal é essencial para não nos desviarmos da perspectiva de
que todo o trabalho realizado em nome de uma instituição universitária deve,
sem exceção, extrapolar nossas individualidades e voltar-se para a promoção do
benefício público. Esta noção de coletividade se estende não apenas ao espaço
imediato onde coabitam os indivíduos mas também intergeracionalmente,
reconhecendo a herança e o esforço depositados nas décadas que nos antecederam
e planejando a construção de nosso legado ao futuro.
Em
razão de tal ética de compartilhamento do poder de ação, todas as diferentes
funções desempenhadas pelos membros de uma comunidade acadêmica resultam
igualmente vitais para o bom desenvolvimento da universidade, e o próprio
exercício da gestão se otimiza quando pautado pela horizontalidade nas relações
entre indivíduos.
Nos
quatro anos de reitorado a que este relatório remonta, no intervalo
compreendido entre os anos de 2008 e 2012, devemos nos referir, portanto, a
conquistas coletivas, frutos do trabalho diário de todas e todos cuja
trajetória pessoal tenha coincidido em algum momento com a história da UnB. O
produto desta comunhão sem dúvida ultrapassa o sentido do simples exercício
administrativo para realizar-se como afirmação do projeto de universidade
necessária e emancipatória sonhada por Darcy Ribeiro. Esta gestão, que se
encerra no ano do jubileu da UnB, pretendeu inaugurar a era de sua refundação.
As
próximas páginas reportarão a uma observação panorâmica sobre os pontos de
maior destaque nesse período, descrevendo os objetivos alcançados e apontando
os caminhos que se abrem para as ações futuras. Em função da limitação do
formato de redação, tais realizações não poderão ser contempladas em sua
totalidade, e certamente não serão explorados detalhes técnicos. Deste registro
memoriográfico da UnB participam apenas alguns dos objetos mais representativos
de seu progresso e de sua pluralidade de frentes.
Não
se trata, pois, este documento, de uma prestação de contas, mas sim de uma
expressão de agradecimento e reconhecimento a todas e todos que participaram
deste processo.
2. Reflexões
sobre o modelo da Universidade de Brasília
A
história das universidades no mundo não é um relato contínuo. Existe, é certo,
uma série de semelhanças e interseções históricas unindo as diferentes
instituições dessa natureza, mas as singularidades de cada ambiente social onde
se desenvolvem as tornam amplamente distintas entre si.
As
centenárias universidades europeias, consideradas pelo senso comum como
fundadoras deste modelo de produção do conhecimento e, extensivamente, também
as universidades norte-americanas, que se apropriaram deste formato e por vezes
o superaram em sua própria lógica, pairam sobre o Ocidente moderno como uma
mitologia a partir da qual somos coagidos a nos espelhar e orientar nossas
ações a fim de nos mantermos em seu circuito de informação.
Não
se pode ignorar, contudo, o contexto latino-americano de colonialidade sobre o
qual se edificarão a educação de modo geral e, especificamente, o ensino
superior nesta região. Se consideradas a partir do ponto de vista eurocêntrico,
as universidades na América Latina nascem na periferia intelectual deste
sistema-mundo, e não poderão libertar-se de seu estado de marginalização
enquanto continuem mimetizando práticas e formatos desconectados de suas
realidades sociais imediatas.
Isto
ocorre porque estamos demasiadamente afastados – geográfica, cultural, política
e economicamente – do epicentro hegemônico onde se processam as transformações
no regime de ensino superior, tanto em termos dos conteúdos abordados como de
tecnologia em pesquisa, e tentar alcançá-los será uma tarefa inesgotável:
afastam-se em velocidade maior do que nos podemos aproximar. O produto desta
relação é que as universidades de “periferia” seguem incapazes de garantir sua
independência tecnológica e material. Acreditar que a universidade seja ponto
de partida para a projeção de um país no mercado internacional é deturpar o seu
sentido educacional original. Além disso, este modus operandi somente
contribuirá para a perpetuação da dependência econômica.
É
preciso, pelo contrário, romper com a lógica da divisão internacional do
trabalho intelectual segundo a qual o Sul epistemológico produz apenas dados
para preencher os quadros teóricos formados no Norte. Afirmo, em concordância
com o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, que a experiência social em todo o
mundo é muito mais ampla e variada do que a tradição científica ou filosófica
ocidental reconhece, e um modelo unívoco de legitimação do conhecimento termina
por provocar o desperdício dessa pluralidade.
Para combater essa situação, não é suficiente
propôr um outro tipo de ciência, mas sim um outro tipo de racionalidade, cujas
raízes se deve buscar nas realidades locais onde estão inseridas as
instituições. Uma comunhão de saberes com as comunidades que cercam as
universidades, derrubando as paredes destas imaginárias torres de marfim que
encastelam a figura do intelectual não-orgânico e o isolam numa redoma regida
por uma temporalidade artificial.
Além
disso, não se pode perder de vista o objetivo fundamental que a instituição
deve cumprir como bem público: universidade e sociedade civil têm de estar em
permanente estado de troca para garantir que os produtos acadêmicos sirvam ao
benefício comum de todos. Elevar a qualidade de vida local e promover o bem
viver da população deve ser um objetivo central, e não uma consequência
secundária e impremeditada que siga a reboque de um suposto desenvolvimento
econômico e tecnológico.
A universidade deve realizar-se como um
movimento social, dinâmica e sensível às necessidades do meio onde se insere.
Somente assim poderá escapar do anacronismo e exclusão que tradicionalmente
produziu.
Se
observamos a trajetória educacional do Brasil, em particular, nota-se que, à
diferença dos demais países da América Latina, de maneira geral, o ensino
superior instala-se de maneira tardia. Somente no século XX as universidades
brasileiras aparecem consolidadas, e surgem para atender a um projeto de
formação das elites políticas e burocráticas no país. Acreditava-se ser
necessária a autonomia na formação de tais segmentos para emancipar
politicamente a nação. A comunidade acadêmica, entretanto, em sua composição e
em suas práticas, não era representativa da totalidade da população brasileira
e assim, não atendia plenamente aos seus interesses senão aos de uma pequena
parcela favorecida por sua posição na estrutura social.
Esta
condição de exclusão se perpetua ainda hoje e de maneira generalizada em todos
os níveis educacionais. Mesmo nos anos iniciais, onde a universalização do
acesso é plena, observa-se grande distinção de qualidade do ensino oferecido,
reflexo da ingerência ou escassez de recursos e da dificuldade de operar um
currículo único frente à enorme diversidade de necessidades de aprendizagem.
Todo método de ensino e avaliação únicos tendem a produzir a exclusão daqueles
que não se adaptem ao discurso imposto. Uma marginalização que independe da
origem socioeconômica do estudante, pois que já se coloca à entrada no sistema
educacional tradicional.
O
projeto da Universidade de Brasília aparece na história da educação brasileira
como uma das grandes tentativas de insurgência diante deste modelo hegemônico.
Emerge, na segunda metade do século XX, com uma proposta inovadora para o ensino
superior: romper com o modelo até então vigente e estabelecer uma nova relação
de produção do conhecimento, uma razão orientada a pensar o Brasil e a América
Latina em suas questões sociais mais urgentes. Uma universidade preocupada em
emancipar intelectualmente o país e a região.
Para
contemplar estes ideais, ergue-se um campus em área central da nova capital. Um
ambiente pensado para a convivência da comunidade acadêmica e integração entre
os diferentes cursos e áreas do saber. Não há grades, sinalizando o livre
acesso ao espaço, e a beleza expressa na estrutura de prédios e jardins
planejados é valorizada como elemento essencial para corporificar seu modelo
humanista de educação. O projeto da UnB é a materialização da resposta de Darcy
Ribeiro à permanente indagação: Universidade para quê?
A
busca de uma resposta para esta questão foi silenciada durante longos anos. Já
no primeiro biênio a partir de sua inauguração, a UnB teve seu movimento
prematuramente interrompido por ocasião do regime militar, e nas décadas
subsequentes foram ainda muito numerosos os resquícios políticos e ideológicos
que obstaculizaram a concretização de seu desígnio inicial.
Sua
missão embrionária, todavia, sobreviveu ao sufocamento a que foi exposta e
torna hoje a desabrochar-se. Nesta gestão, é possível afirmar com segurança que
avançamos significativamente na direção do fortalecimento e atualização da
vocação original da UnB. O primeiro passo foi dado alguns meses antes do início
deste período de gestão, graças a uma importante reforma do sistema político
universitário: o estabelecimento da paridade como método de consulta, vitória
de toda a comunidade acadêmica.
3. Paridade
em questão: a comunidade acadêmica representada
Ao
se analisar o contexto de desabrochar da paridade na UnB, se evidencia mais uma
vez a importância de conceber a universidade como totalidade orgânica: os/as
estudantes, como segmento da comunidade acadêmica, demonstraram grande força ao
protagonizar a revitalização de um sistema já anacrônico em relação à sua
realidade cotidiana. No ano de 2008, em oposição à situação de crise da
administração anterior, mais de 300 alunas e alunos ocuparam o prédio da
reitoria para reivindicar maior participação política na gestão da instituição.
Entre
os dias 03 e 16 de abril daquele ano, os espaços de gabinetes, decanatos e
secretarias foram ressignificados num movimento simbólico que culminou com a
renúncia da direção da gestão anterior bem como a revisão pelo Conselho
Universitário (CONSUNI) dos procedimentos de consulta para a reitoria que, à
época, concentravam 70% do peso decisório sobre o voto de docentes e apenas 15%
sobre cada um dos outros dois segmentos. Compreendeu-se a importância de que a
administração da universidade tivesse maior e mais legítima representatividade
em relação à comunidade acadêmica.
Assim,
depois de intensa negociação, optou-se por adotar na UnB critérios de
participação paritária, à semelhança do que já ocorria em 37 das 54
instituições federais de ensino superior do Brasil. As eleições para a reitoria
passaram então a realizar-se em caráter consultivo a toda a comunidade
acadêmica com igualdade na votação: 33,33% como teto do poder decisório de cada
um dos segmentos universitários, com peso final proporcional ao número de
votantes.
Até
o último momento dos quatro anos desta gestão foram recorrentes as tentativas
de impugnar estas eleições e caracterizar como ilegal o método de consulta
paritário, sugerindo uma intervenção do Estado que contrariaria frontalmente o
princípio de autonomia universitária. Pudemos observar, contudo, que a
resistência foi muito superior aos ataques, e o desejo por uma participação
democrática venceu.
O
modelo igualitarista adotado criou uma atmosfera de liberdade política única na
história desta instituição, abrindo o precedente para repensar nossa trajetória
e discutir a vocação da universidade. Uma importante conquista da comunidade
acadêmica e de toda a sociedade, que esta gestão trabalhou para honrar e
consolidar como um direito adquirido pela prática.
4. A
vitória da Chapa 76 – UnB século XXI: reconstruindo o presente e inaugurando o
futuro
Evidentemente,
grande parte das políticas de gestão numa universidade nasce das demandas da
própria comunidade acadêmica e precisa encontrar subsídio em suas práticas
cotidianas para replicar-se com sucesso. Não se pode atribuir a todas as ações
administrativas que testemunhamos nos últimos quatro anos a autoria direta do
grupo que geriu a universidade a partir da reitoria.
É
igualmente certo, todavia, que uma vez instalada uma chapa coesa na gestão, a
universidade viverá sob sua égide. Por seu posicionamento político central, as
ações do grupo de gestão tenderão a possuir forte efeito multiplicador. Esta
condição se verifica especialmente no que diz respeito à margem de expressão a
que se permite a comunidade ou, dito de outro modo, no potencial de uma gestão
em tornar-se participativa, inclusiva e plural, em seu sentido mais amplo.
Em
setembro de 2008, as condições para a participação ativa da comunidade acadêmica
na decisão dos rumos da universidade encontraram um ápice. Em contexto de
inédita democracia, numa eleição paritária, foi aclamada a Chapa 76 – UnB
século XXI, que apresentou um programa com potencial para redefinir a missão
institucional da universidade, se cumprido plenamente. Foram 6 as suas
principais diretrizes, definidas no programa inicial de gestão:
- Promover a autonomia da instituição,
visando garantir a inclusão, a liberdade de pensamento, de produção e a
transmissão do conhecimento, estabelecendo políticas quanto à
responsabilidade coletiva de respeitar e defender os princípios da
dignidade humana, da igualdade e da eqüidade.
- Fazer da gestão participativa, com o
envolvimento dos diferentes segmentos da UnB, a busca de uma visão
múltipla, integrada e sustentável de desenvolvimento, assim como uma
perspectiva democrática e cidadã do ensino, da pesquisa e da extensão.
- Exercer a gestão compartilhada no
planejamento, no controle e na fiscalização do orçamento e das demais
práticas acadêmicas e administrativas no âmbito da UnB, tendo como
referencial a qualidade de vida de estudantes, técnico-administrativos e
docentes, de modo a promover efetivamente a construção de uma Universidade
para todos, como espaço de bem-estar e de convivência solidária.
- Promover a escolha dos dirigentes da
Universidade por meio de processos eleitorais democráticos, defendendo a
ampliação do princípio da paridade entre os segmentos da
comunidade universitária.
- Afirmar a
educação superior como um bem público diretamente vinculado ao projeto de
país definido pela Constituição, e comprometido com as necessidades da
sociedade.
- Refundar a
vocação original da UnB estabelecida a partir do compromisso com o
desenvolvimento do país e a solidariedade construtiva com o destino dos
povos da América Latina e da África.
Em
todas as realizações alcançadas pela comunidade acadêmica no período desta
gestão pode-se dizer que se buscou preservar tais ideais, como se apresenta a
seguir.
5.1 Expansão estrutural: a edificação da UnB
Ainda
não cessou no mundo a onda de expansão do ensino superior iniciada na segunda
metade do século XX. Na maioria dos países, esta expansão tem sido acompanhada
por um processo de diferenciação institucional, criando formatos de cursos e
instituições distintos para atender a clientelas e interesses específicos, uma
condição que se apresenta associada à diversificação do mercado de trabalho na
era pós-industrial.
No
Brasil não foi diferente, e pudemos observar nas últimas quatro décadas um
grande crescimento quantitativo caracterizado pelo aumento exponencial no
número de instituições de ensino superior, matrículas, cursos e funções
docentes. A primeira onda expansionista pode ser localizada no início da década
de 1970, com atenção para o investimento em pesquisa. É a partir de meados dos
anos 90, todavia, que a ampliação do sistema de ensino superior brasileiro se
complexifica. Não apenas o aumento de vagas impressiona, especialmente no setor
privado, mas sobretudo a profusão de diferentes tipos de estabelecimentos
acadêmicos, com práticas e formações singulares. Como resultado desse
movimento, não é possível hoje fazer menção ao “ensino superior brasileiro” de
maneira geral senão como uma entidade abstrata e idealizada.
Por
outro lado, isto não significa que tenham as universidades perdido sua
centralidade. Não apenas em termos de prestígio, mas também em função do papel
que ocupam no cenário da produção científica e, em particular, na formação dos
quadros intelectuais e políticos do país. O governo federal, atento à
importância de fortalecer tais instituições no cenário educacional brasileiro,
desenvolveu uma série de políticas centradas na sua expansão, tanto na dimensão
quantitativa como qualitativa. Um dos principais exemplos deste tipo de medida
é o REUNI, programa de Reforma Universitária que beneficiou universidades
federais com recursos destinados à ampliação do espaço físico e reestruturação
da instituição visando o aumento de vagas para os níveis de graduação e pós-graduação.
No
caso da UnB, somam-se a este programa federal outras fontes de recursos igualmente importantes para alavancar sua
expansão, como a Fundação Darcy Ribeiro, o Hospital Universitário de Brasília
(HUB), a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), em parceria com a UnB, a Financiadora
de Projetos (FINEP), o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde, o Fundo
Nacional de Saúde, e o Ministério da Cultura, bem como emendas parlamentares
diversas. Além disso, como chegou a cumprir quase a totalidade das metas estabelecidas
pelo REUNI – no âmbito do programa, 99% da expansão prevista foi efetuada –, a
UnB teve o privilégio de captar os valores que não foram executados por outras
instituições participantes do programa.
Sobre
todos estes formatos de investimento, um, porém, se destaca: o
auto-financimento da UnB, que aplicou larga soma de recursos próprios em seu
processo de reforma, dando sinais de grande autonomia e maturidade administrativa.
Isto significa dizer que a área edificada não acarretou em redução ou alienação
do patrimônio para sua construção, pelo contrário: representou acréscimo de
valor. Das 57 obras iniciadas, 17 foram financiadas exclusivamente pela
Fundação Universidade de Brasília. No total, 41 já foram concluídas, restando
as demais apenas para finalização ou inauguração.
Como
resultado dessa combinação de esforços, observou-se a maior e mais rápida
expansão de que se tem registro desde a criação da UnB. Se comparamos o avanço
de sua área construída, tal relação se evidencia: na data de inauguração da
universidade, em abril de 1962, os nove prédios que então constituíam a
universidade somavam 13 mil metros quadrados. Hoje, no ano de seu jubileu, este
valor encontra-se multiplicado quarenta vezes, totalizando cerca de 526 mil
metros quadrados, dos quais mais de 200 mil construídos apenas nos últimos
quatro anos. A ampliação é de 40% se comparada à área
edificada até 2007.
Em
informação precisa, foram 203.651,69 m2 construídos, resultantes de
investimentos da ordem de R$ 215.631.600,00. Considerados os valores de
contratação inicial sem eventuais aditivos, praticando, portanto, o preço médio
resulta em R$ 1.058,82 por metro quadrado.
Também
a penetração da universidade no
Distrito Federal aumentou: hoje a UnB é uma instituição policêntrica, organizada
numa constelação de quatro grandes campi, cujo destino é certamente
multiplicar-se na forma de pólos autônomos de produção do conhecimento e
integrar a sociedade à sua volta.
Nomeadamente,
além do pioneiro campus Darcy Ribeiro, no Plano Piloto, podemos contar hoje
também com os campi de Planaltina, Ceilândia e Gama e o Centro de Estudos do
Cerrado, em Alto Paraíso; novas células de ensino, pesquisa e extensão,
ampliadas em sua estrutura durante o período desta gestão.
Todas
as novas construções edificadas carregaram o gérmen da beleza arquitetônica do
projeto original da universidade. Existe uma dimensão estética fundamental
envolvendo o projeto de refundação da UnB. Trata-se de um importante movimento
simbólico na direção da recuperação e consolidação da identidade da
universidade. Expandir esta instituição e construir novos prédios não é apenas
uma questão de ampliar indefinidamente o seu acesso ao público, mas também de
garantir que cada novo elemento arquitetônico seja incluído de maneira coesa ao
conjunto geral, para que os sujeitos que ocupem quaisquer espaços se sintam
conectados à comunidade universitária.
Toda
comunhão social é imaginada. Lembremo-nos de que não existem fronteiras no
sentido estrito do termo capazes de delimitar uma sociedade. Para manter unidos
os sujeitos de um grupo são necessários muitos elementos simbólicos
compartilhados além da mera coabitação. A expansão de uma universidade não pode
se limitar a um projeto de construção civil, mas deve ocupar-se, antes, de
prover as condições materiais para o exercício da ética no espaço.
Não
por acaso, nos planos fundacionais da UnB, aos quais se procurou dar sequência,
cada traço parece ter sido pensado para estimular os membros da comunidade
acadêmica não apenas a cumprirem suas funções cotidianas, mas, sobretudo, a
viverem os espaços da universidade, se permitirem cativar por ela e desejarem
tornar-se os seus perpetuadores.
5.2 O Beijódromo e a Fundação Darcy Ribeiro
Entre
todas as obras edificadas na UnB durante o período dessa gestão o Memorial
Darcy Ribeiro se destaca. Apelidado de Beijódromo pelo próprio Darcy, como alusão a um espaço onde os alunos se
reuniriam para confraternização, o Memorial é a marca simbólica da refundação
da UnB.
Sua
construção, idealizada pelo próprio Darcy, foi adiada indefinidamente, à falta
de uma disposição política afirmativa que respondesse à aspiração de nosso
fundador. Apenas em junho de 2010 a conjuntura de interesses em torno do
projeto alinhou-se novamente e retirou o Beijódromo de seu estado adormecido. A
Fundação Darcy Ribeiro e o Ministério da Cultura, instigados pelo próprio
Presidente da República, ofereceram todo o financiamento para realização das
obras e dezenas de trabalhadores foram responsáveis por executá-la.
Do
meu ponto de visão, nas janelas do terceiro andar do prédio da reitoria, foi
possível acompanhar o trabalho dos operários desde que começaram a demarcar a
área. Descortinando um recanto da Praça Maior em ângulo com a extremidade sul
do ICC, o edifício símbolo da Universidade,
pude seguir cada dia, como quem vira as páginas de um álbum, as mudanças
perceptíveis do projeto em execução. Segui este ritual de vigília até que, com
velocidade espantosa, a obra fez-se concluída, reinando tranquila sobre a
paisagem e tão agradável aos olhos como se estivesse sempre estado ali,
ocupando seu lugar de direito.
Esteticamente,
expressa o registro de uma época. O Beijódromo sintetiza os valores da fundação
da UnB através do fruto da arquitetura de João Lima Filgueiras, o Lelé, amigo
pessoal de Darcy Ribeiro e ex-professor da UnB.
O Memorial também abriga hoje a Fundação Darcy
Ribeiro, permitindo que sua instalação na universidade não apenas celebre o
fundador da UnB, incorporando ao campus a imagem do semeador de utopias, como
honre a comunidade acadêmica com a notável contribuição do pensador: a área de
mais de dois mil m² guardará definitivamente a biblioteca pessoal de Darcy, com
cerca de 30 mil livros, além do acervo etnográfico conservado por sua esposa
Berta Ribeiro.
Além
disso, o Beijódromo possui um anfiteatro com 200 lugares e oferece suporte para
a realização de importantes eventos acadêmicos, como por exemplo a cerimônia de
doutoramento honoris causa de Paulo Freire, em outubro de 2011, ou atividades
do cotidiano da universidade, como o cineclube carinhosamente apelidado de
Cinebeijoca.
Há ainda
uma série de salas de aula, salas de exposição e áreas de lazer, espaços imediatamente apropriados pela comunidade acadêmica e ocupados
diariamente por dezenas de estudantes, professores e professoras, servidores e
servidoras, que personificam a presença de Darcy no campus, desfrutando a
paisagem, explorando sua biblioteca e descobrindo-o em seu patrimônio cultural.
Essa
vivência é a glorificação possível de sua memória. A construção do Beijódromo
simboliza a renovação do pacto pela realização dos ideais educacionais
originais da UnB e a reconciliação com seu passado histórico. Interrompido,
exilado, e, finalmente, anistiado, Darcy Ribeiro, enfim, torna a habitar o seio
de sua casa.
5.3 Expansão social: políticas de inclusão
igualitaristas
A
ampliação física da UnB acompanhou o ritmo de crescimento da população
universitária, que já ultrapassa os 40 mil membros, entre alunas e alunos de
graduação e pós-graduação.
Apenas
durante o período desta gestão, o número de vagas na graduação saltou de quatro
mil para mais de oito mil por ano. O total de cursos também aumentou, passando
de 63 em 2008 pra 119 em 2012, entre os quais 29 são noturnos e 12 são
realizados à distância.
Na
pós-graduação, foram 39 os novos cursos abertos, saltando de 43 para 61 no
doutorado, 56 para 74 no mestrado, e de 9 para 12 cursos no mestrado
profissionalizante.
As
áreas de conhecimento inauguradas são muito variadas, demonstrando que a
expansão não é só material, mas também descortina novas possibilidades de
formação e atuação dentro do projeto pedagógico da universidade. Todas estas
medidas foram pensadas para impulsionar o desenvolvimento do ensino superior,
especialmente na região do Distrito Federal, e aproximar academia e sociedade.
O
processo de ampliação que visa a democratização do acesso é, contudo, muito
complexo, e exige grande planejamento e estratégia de composição do público
discente. Não é suficiente aumentar o número de vagas e diversificar as frentes
de produção do conhecimento. Existe uma situação generalizada no Brasil de
saturação do ensino superior, revelada pelo alto número de matrículas ociosas
em instituições públicas e particulares. Em termos demográficos, pode-se
afirmar que a população imediatamente marginalizada pela universidade, ou seja,
aqueles que desejaram e foram impossibilitados de entrar em função da seleção
ou outros fatores de exclusão, é pequena em relação à população total de mesma
faixa etária no país. No atual contexto em que a universalização do acesso ao
ensino superior é uma realização distante, o simples aumento numérico das vagas
apenas estende as fronteiras de corte dos/as candidatos/as, mas não altera
significativamente o perfil dos/as alunos/as aprovados/as.
Isso
significa que, se é de real interesse da universidade promover a inclusão de
todos os estratos sociais em seu meio, tornando-se um bem verdadeiramente
público, são necessárias políticas adicionais, que visem atrair diferentes
perfis de alunado e, sobretudo, garantir-lhes condições necessárias ao estudo.
A
política recentemente apresentada pelo governo federal, por exemplo, que
reserva 50% do total de vagas de instituições de ensino superior federais para
alunos de escolas públicas, apresenta-se como um desafio para a próxima gestão,
já que a universidade pode legislar sobre a forma de seleção e associação a
outros formatos de cotas. Não se pode esperar, contudo, uma alteração dramática
do cenário geral de composição discente.
Segundo
dados do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília
(CESPE), organizador do Programa de Avaliação Seriada (PAS) e do Vestibular da
UnB, já existem cursos onde a maioria dos/as estudantes provém de escolas
públicas. Em Pedagogia e Serviço Social, por exemplo, essa marca pode chegar a
85% do total de alunas e alunos. Apenas nos cursos tradicionalmente mais
elitizados da universidade se invertem essas porcentagens: em Medicina, o
número de estudantes provenientes de escolas particulares chega a 95%. Essa diferença
é ainda maior no PAS, onde os alunos realizam uma auto-seleção, já que baseiam
sua opção de curso sobre a nota das primeiras etapas na prova.
Pode-se
falar, pois, na importância das cotas para escolas públicas apenas no sentido
em que diminuem a estratificação interna às universidades, democratizando a
distribuição dos cursos segundo a origem socioeconômica dos/as estudantes.
Para
garantir um maior grau de igualdade de oportunidades à educação como é direito
da população, é preciso, portanto, associar a expansão de vagas a fortes
políticas de assistência estudantil. Foi por isso instituída durante esta
gestão a Diretoria de Desenvolvimento Social (DDS), no Decanato de Assuntos
Comunitários (DAC) da UnB, com o objetivo de identificar e combater situações
de repetência e evasão, contribuindo para a melhoria do desempenho acadêmico. É
através da DDS/DAC que os Programas de Assistência Estudantil da instituição
são agora organizados e operacionalizados, entre os quais a Bolsa de
Alimentação, Moradia Estudantil, Bolsa Permanência, Vale-livro e o Programa de
Apoio ao Estudante para Participação em Eventos Técnico-Científicos, Culturais
e Políticos.
No
que se refere à moradia, uma importante realização desta gestão foi iniciar a
reforma da Casa do Estudante Universitário (CEU), no primeiro semestre de 2011.
Enquanto as obras não são concluídas, os beneficiários das 368 vagas do
Programa de Moradia Estudantil recebem um auxílio no valor de R$ 510,00, além
das vagas oferecidas nos apartamentos locados pela Fundação Universidade de
Brasília, de menor custo.
Grande
parte da verba gerenciada para os programas é oferecida pelo governo federal
através do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). O destaque na
atual gestão foi colocar em prática o artigo 4º do PNAES, que corrobora sua
política administrativa: chamar a comunidade para debater o destino dos
recursos em especialmente os/as estudantes, seus beneficiários diretos.
É
a primeira vez na UnB que o orçamento dos programas de assistência é debatido
de forma participativa, dando maior transparência e legitimidade à distribuição
das verbas. O gerenciamento dos recursos do PNAES foi, portanto, um oportuno
laboratório para a implementação do Orçamento Participativo na UnB, e ocasionou
a organização de um seminário sobre o tema, aberto à comunidade acadêmica.
O
seu êxito é sem dúvida um marco histórico na criação de espaços públicos para
efetivação do diálogo entre a comunidade e a gestão universitária com vistas à
ampliação de direitos e o exercício efetivo da gestão compartilhada que
desejamos.
5.4 Ações afirmativas na UnB: as cotas raciais para
negros e indígenas
A
UnB foi mais uma vez vanguardista no Brasil ao implementar no ano de 2004 as
cotas raciais para negros no Vestibular. Desde então, 20% das vagas de todos os
cursos são reservadas semestralmente, condicionadas ao desempenho dos/as
candidatos/as na seleção. Esta medida aparece para derrubar o mito da
democracia racial brasileira apontada já há várias décadas pelo sociólogo
Florestan Fernandes como uma mal impeditivo do real exercício da democracia no
país.
A
mesma comissão responsável pelas cotas para negros instituiu, também no ano de
2004, o convênio com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que oferece a cada
semestre 10 vagas na universidade, em cursos que variam de acordo com o
interesse dos grupos indígenas envolvidos e da disponibilidade da UnB. O
objetivo é comum: tornar a comunidade universitária o mais representativa
possível da população total do Brasil.
Tais
ações afirmativas fazem parte do Plano de Metas para a Integração Social,
Étnica e Racial da UnB e surgem para reparar o acúmulo intergeracional de
desigualdades de oportunidades educacionais estabelecido na sociedade brasileira
como herança colonizadora. O impacto das cotas excede o âmbito do ensino
superior: a diminuição das desigualdades educacionais também conduz, como
efeito esperado, à democratização do mercado de trabalho, na medida em que
sujeitos com novos perfis sejam capacitados com alta qualidade para ocupações profissionais
de elite.
Como
resultado, desde a implementação da política de cotas raciais, já foram
matriculados/as mais de 6000 estudantes cotistas. Um esforço da Universidade de
Brasília que se soma ao empenho nacional pela igualdade entre raças e se reflete
nos números lançados pelo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE): em 2002, os negros no Brasil remontavam 45% da população
total; em contraste, constituíam apenas 2% do contingente universitário.
Atualmente, enquanto a população se manteve estável, a presença de negros no
ensino superior subiu para 13,4%.
No
campo das cotas raciais para indígenas, os números são bem menos expressivos no
que se refere à evolução da participação no ensino superior, mas o foco dos
convênios é de ordem qualitativa: facilitar a integração e emancipação política
das comunidades indígenas. Assim, no ano de 2011 uma importante inovação se
aplicou na UnB: pela primeira vez, foram reservadas vagas num programa de
pós-graduação da universidade. 50% das vagas de formação no mestrado em
Desenvolvimento Sustentável foram oferecidas a indígenas.
O
grande sucesso da política de cotas raciais foi laureado no julgamento de sua
constitucionalidade na UnB pelo Superior Tribunal Federal (STF), em abril de
2012. A votação foi unânime a favor do programa, constituindo um marco de
grande importância para esta gestão. Não apenas os ministros concordaram com o
mérito das cotas como também aprovaram o método de aplicação do nosso modelo e
autorizaram o seu uso em todas as instituições de ensino superior do país.
No
Brasil, 25 das 56 universidades federais aplicam algum modelo de cotas raciais
para negros, pardos e indígenas, e dada a centralidade da UnB no processo de
difusão destas ações afirmativas, é possível declarar com segurança que o
resultado positivo no STF é sinônimo de estabilidade a todos os programas do
país que adotaram regimes semelhantes a partir desta experiência.
O desafio que se coloca agora para a próxima
gestão é revisar o sistema de cotas raciais utilizado, cuja vigência finda no
ano de 2014, pesando o seu sucesso e avaliando a sua possível continuidade, bem
como avaliar a renovação dos convênios
com a FUNAI.
Além
disso, é necessário pensar outras formas de aplicação do regime, estendendo-o a
outros processos seletivos da universidade, não apenas na graduação, como o
PAS, como também de maneira permanente nos programas de pós-graduação, onde a
presença de negros e indígenas é ainda menor.
5.5 Qualidade x Expansão: o que avaliam afinal os
rankings do ensino superior
O
binômio qualidade e expansão tem sido apresentado pelo senso comum no
diagnóstico sobre o ensino superior como par de oposição inescapável.
Lembremo-nos pois de que não existe aí polarização necessária, e as duas
condições podem ser conciliadas no desenvolvimento de uma universidade.
A
pretensa bandeira pela manutenção da “qualidade” às custas da restrição à
inclusão social provocada pela expansão e pelas políticas de ação afirmativa
encobre uma perspectiva elitista e anti-democrática porque limita a concepção
definidora do que seja essa mesma qualidade.
É
possível observar nos últimos 15 anos o aumento, em todo o mundo, do número de
instrumentos avaliativos do desempenho das universidades, com destaque para os
rankings internacionais. Este desdobramento é um efeito da expansão das
universidades no mundo e da sua internacionalização, mas, fundamentalmente,
reflete o papel destacado que a universidade vem assumindo no desenvolvimento
econômico dos países na atual era da informação na medida em que o conhecimento
se traduz em produção de tecnologia.
Além
disso, o ensino superior é hoje um importante mercado de circulação de capital
– tanto no âmbito das universidades
particulares, em função das taxas sobre matrícula, como no âmbito das
universidades públicas, dados os mecanismos de financiamento estatal e
investimento privado –, e os rankings terminam por serem utilizados como
indicadores, grosso modo, de quais sejam as melhores instituições para
aplicação em termos de retorno financeiro.
Como
o produto mais palpável e rentável das universidades é a pesquisa, esta
torna-se foco maior das avaliações,
renegando a importância do conhecimento de transferência, ou seja, da dimensão
do ensino e das práticas de extensão.
Mais
do que isso, pode-se dizer que a avaliação das pesquisas é enviesada, porque se
realiza basicamente sobre o grau de publicação científica em periódicos segundo
a sua circulação. Evidentemente, nem todas as áreas de pesquisa, dentro de um
mesmo ramo do saber, tem a mesma relevância para a publicação. Há temáticas com
maior e menor chance de conquistar um espaço em periódicos de grande acesso e,
sobretudo, diferentes ritmos de produtividade científica. O mesmo se aplica,
talvez de maneira ainda mais grave, à avaliação pelo número de citações
recebidas pelo pesquisador por seus artigos publicados. Além disso, este tipo
de medida ignora que uma pesquisa não se reduz a seu produto final imediato,
mas tem um longo processo de desenvolvimento que, quando pode ser registrado, passa
pela publicação em periódicos de diferentes dimensões.
Os
rankings operam, assim, dentro da lógica da globalização, homogeneizando as
diferenças entre cursos, universidades e áreas do saber, e criando a ilusão de
que a ciência seja um projeto mundial, isento e comum a todos, quando a
sociologia do conhecimento já demonstrou à exaustão a inexistência da
neutralidade axiológica na leitura humana sobre a natureza. Esta, contudo, não
é uma discussão metafísica sobre validade científica, mas sim uma discussão de
ordem prática sobre quais interesses estão conduzindo o investimento em
pesquisa.
Os
rankings resultam muito mais propagandísticos do que informativos, e provocam
entre as instituições de ensino superior um estado de laissez faire, de
competitividade por posições nessas escalas de prestígio, em lugar do
verdadeiramente necessário esforço coletivo pela parceria e associação entre
universidades e demais instituições em redes de pesquisadores e educadores,
mais preocupados em desenvolver o seu conhecimento do que permanentemente
provar que o desenvolvem.
Não
se trata de uma disputa pelo topo. Condicionar o reconhecimento do sucesso de
uma universidade a esse tipo de análise é limitar as suas funções porque não é
suficiente expandir a produção científica, mas sim que os interesses da
população a que serve uma universidade sejam plenamente representados.
O
critério para avaliação da pós-graduação, por exemplo, que define o grau de
investimento estatal destinado a cada instituição segundo sua posição numa
escala de sucesso, em muitos países do mundo e também no Brasil, se baseia na
publicação de artigos em periódicos classificados por estas mesmas agências.
Ironicamente, os próprios pesquisadores por vezes não tem acesso livre ao
material publicado, posto que muitas revistas não sejam de assinatura gratuita.
O conhecimento não é aberto, e este é o indicador mais evidente de que seu alvo
não é a informação democrática da população.
O
estabelecimento de critérios únicos de avaliação para diferentes tipos de
universidades (nomeadamente as públicas, as privadas e as comunitárias e
confessionais), e distintas áreas do saber, cria, necessariamente uma margem de
exclusão que normatiza o funcionamento das instituições, provocando um enorme
desperdício na diversidade de formatos de produção do saber.
Não se trata apenas de uma questão
paradigmática referida ao senso comum como forma de conhecer, por oposição ao
saber sistematizado, moderno, inscrito no paradigma da cientificidade. Trata-se
também de uma questão racional que leva a considerar o desperdício da
experiência que deriva da razão indolente, para aproveitar o potencial
desbloqueado do saber fazer e torná-lo capaz de transformar possibilidades em
realidade.
As
notas finais dos rankings nacionais e internacionais, representações simbólicas
do desempenho das universidades, não apontam, finalmente, quais sejam as
melhores instituições, de maneira absoluta, mas sim aquelas que estariam mais
atualizadas na malha temporal da modernidade por deter o domínio mais amplo da
produção do conhecimento. Por oposição, quanto mais baixa a classificação de
uma universidade, mais anacrônica, estagnada e marginalizada esta poderia ser
considerada em relação ao desenvolvimento científico ocidental hegemônico.
São
condenáveis, assim, todas as observações direcionadas à UnB no que diz respeito
ao seu posicionamento nos pequenos e grandes rankings de avaliação do ensino
superior, seja por sua ascensão ou declínio, porque falam contra a
possibilidade infinita de pluralização do conhecimento.
No
ranking geral da América Latina, a UnB caiu 14 posições.
No Guia do Estudante da Editora Abril, subiu 5. No índice britânico Quacquarelli Symonds Universities (QS), torna a
cair, passando de 4º para 9º lugar. No Webometrics, que mede a visibilidade da
universidade no mundo através da internet, a UnB subiu nada menos que 100
posições. De maneira geral, enfim, esteve sempre situada entre as melhores
universidades do país.
Não
é o caso de nos vangloriarmos ou flagelarmos por estes resultados. A divulgação
de tais índices oportuniza o questionamento sobre a própria função da
instituição. É mais uma vez a permanente indagação de Darcy Ribeiro que se nos
apresenta como utopia orientadora: para quê serve a universidade?
Certamente,
serve à pesquisa, como serve ao ensino e à extensão, e deve estabelecer
equilíbrio entre estas funções. Acima de tudo, sua produção não deve ser
voltada a satisfazer um mercado editorial científico, mas sim às necessidades
da população que cerca a instituição. Em termos práticos, isto não significa
diminuir o investimento em pesquisa, mas sim orientar a sua produção. A
universidade tem que assumir a sua responsabilidade política e social e
perceber que seus produtos devem ter utilidade pública.
Não
há espaço para a simples fruição
intelectual enquanto questões simples como o saneamento básico brasileiro ou a
emancipação da agricultura familiar e a universalização da educação de boa
qualidade não sejam solucionadas. É a inovação de tecnologias voltadas para
esta natureza de uso que merece o investimento público, e não a repetição de
modelos cognitivos produzidos nos centros hegemônicos do norte epistemológico
do nosso sistema-mundo, ou ainda o uso de patentes estrangeiras que encarece a
produção de bens e meios de produção no Brasil.
Na
Universidade de Brasília, desde 1999, foram registradas menos de 70 patentes,
e ainda assim estamos acima da média
nacional. Em oposição, apenas na avaliação da CAPES dos programas de
pós-graduação para o decênio de 2007 a 2009, foram contabilizados milhares de
artigos publicados por professores vinculados à UnB (entre outros cursos, 871
publicações em periódicos só nas subáreas I e II de Medicina, 323 na
Psicologia, 858 nas subáreas I e III da Biologia, por exemplo). Estes dados
traduzem muito sobre a concepção a partir da qual a produção científica vem
sendo conduzida no país, que contribui para promover a perpetuação da
dependência tecnológica e, consequentemente, econômica do Brasil em relação às
nações hegemônicas.
O
fato é que muitos pesquisadores sequer estão informados de que o pedido de
patentes não é mais possível depois de publicado o artigo que divulga o
conhecimento revelado por sua investigação, e não estão sendo orientados sobre
o investimento de seus esforços acadêmicos. É evidente que os periódicos são
fundamentais para o intercâmbio de conhecimentos, mas também o registro de
patentes merece destaque, já que está muito mais próximo do que os artigos de
oferecer retorno econômico ao investimento público realizado em pesquisa e
produzir impacto social direto quando, por exemplo, viabiliza por menor custo a
fabricação de bens, medicamentos, ferramentas, etc.
Para transformar este cenário e aproximar a
universidade da realidade social, considerando que as demandas sejam singulares
a cada região atendida por uma instituição, é necessário um alto grau de
autonomização universitária, que somente se realiza pela substituição dos
modelos massificados de avaliação do ensino superior por novos e definitivos
termos de mensuração de sua qualidade: o interesse da comunidade acadêmica e o
efeito multiplicador dos seus produtos sobre o bem estar social generalizado,
termos abstratos que só podem ser sintetizados por uma gestão compartilhada da
universidade, exercida exatamente por estudantes, docentes, servidores e
representantes da sociedade civil, seus principais beneficiários.
Sem a autonomia, enfim, o nosso conhecimento perde
diversidade, pluralidade e poder de compartilhamento, e não há autonomia total
da universidade enquanto suas prioridades não sejam integralmente definidas no
seio de sua comunidade, por demandas internas, como projeto de produção de um
conhecimento que a realize institucionalmente e que sirva à sociedade, ao país
e à humanidade.
6. A
administração em foco
Se
fosse necessário eleger uma característica definidora do trabalho desta gestão,
esta seria certamente a participação. A Universidade de Brasília esteve, mais
do que nunca, alinhada com a necessidade de exercitar a transparência e a
liberdade de expressão.
A
Gestão Compartilhada foi um novo modelo administrativo proposto pela Chapa UnB
Século XXI para tornar mais eficiente a integração entre planejamento,
orçamento e gestão, e se baseou nos ideais de transparência, acessibilidade, inteligibilidade,
participação e descentralização.
O
exercício pleno da democracia depende da liberdade de informação. A simples
instituição da paridade entre segmentos no momento de eleição para a reitoria é
insuficiente para garantir que a situação de igualdade política se perpetue. É
necessário também que a comunidade acadêmica esteja integrada de maneira
crítica e permanente ao processo administrativo.
Para
tanto, deve ter à sua disposição todos os dados sobre como as decisões
financeiras são tomadas, em que são gastos os recursos da Universidade e como o
planejamento é feito. Além disso, regras mais claras de institucionalização da
transparência na deliberação, arrecadação e controle social da aplicação dos
recursos foram estabelecidas.
Entre
as ferramentas propostas pela atual administração para realizar estas condições
ideais se destacam: o portal Transparência UnB, a Ouvidoria e Auditoria, o
Conselho Comunitário e o Congresso Estatuinte Paritário.
6.1.1
Portal Transparência UnB
O portal Transparência UnB foi
projetado como um espaço virtual de acesso fácil e rápido a informações sobre a
alocação de recursos do orçamento e o planejamento de gastos, cujo conteúdo é
regulado pela Secretaria de Comunicação da UnB (Secom) para garantir sua
isenção. Também serve ao objetivo de armazenar as prestações de contas
periódicas apresentadas pela administração universitária; documentos-chaves e
fluxogramas do processo de financiamento e detalhamento dos gastos efetuados.
Entre
tais documentos, desde sua inauguração nesta gestão o portal Transparência UnB
já disponibilizou os relatórios técnicos de gestão desde o ano de 2002,
processos de contas anuais e relatórios da Controladoria-geral da União, também
desde 2002, todos os atos oficiais da reitoria desde 2010, os editais para
obras de construção de 2011 e 2012, a lista de convênios da universidade, as
listas de usuários e endereços de todos os imóveis que compõem o patrimônio da
UnB, o estatuto da Fundação Universidade de Brasília e as normas e decretos da
criação da instituição.
Um
mecanismo deste porte tem como função maior a informação da população em geral
e da comunidade acadêmica em particular sobre os processos administrativos e a
circulação de recursos na instituição. Sua instalação é sintomática de um processo
de reconstituição da ética na gestão da UnB, e possibilita uma maior
participação e vigilância da gestão, salvaguardando a democracia. Um mecanismo
de acesso rápido e fácil para exercitar este controle é a Ouvidoria da UnB.
A
Ouvidoria da UnB é um serviço disponibilizado nesta gestão a toda a comunidade
acadêmica e à sociedade em geral para a recepção de manifestações de diferentes
naturezas, como reclamações, sugestões, denúncias ou outros tipos de
informação. É uma importante ferramenta
para a manutenção da boa relação entre os cidadãos e a universidade, já que
opera como canal de comunicação direta, e contribui assim para a defesa dos
princípios fundamentais que devem prevalecer na administração pública, quais
sejam a legalidade, a legitimidade, a impessoalidade, a moralidade, a economia
e a publicidade.
Além
disso, é uma poderosa fonte de auto-crítica para a administração universitária,
cujo funcionamento se vê constantemente avaliado pela comunidade e permite
realizar de maneira mais eficiente o atendimento dos interesses comuns,
viabilizando uma gestão mais democrática e aperfeiçoando a convivência
acadêmica.
Por
estas razões, pode ser compreendida como uma expressão concreta da proposta de
gestão compartilhada, e sua implementação foi estabelecida como uma das
diretrizes fortes desta gestão.
O
Estatuto da UnB de 1993 já previa a criação de uma ouvidoria como unidade
dentro da estrutura organizacional da universidade, mas foi apenas no último
ano de 2011 que esta se efetivou, com aprovação do
Conselho Universitário.
Para
a sua implantação, levou-se em conta as dificuldades encontradas pela
comunidade universitária em assegurar a escuta de suas demandas; a necessidade
de se criar ferramentas que garantam direitos, superem situações de violação de
direitos humanos e abusos de poder na administração; e, ainda, a necessidade de
práticas de prevenção e solução de conflitos por meio de um serviço que
privilegie uma atuação de proximidade, comprometida com a resolução dos problemas
apresentados.
Desde
então vem demonstrando sua grande utilidade: até o final do ano de 2011 a Ouvidoria recebeu em média 20 a 30
manifestações por mês, sendo em sua grande maioria reclamações ou solicitações
de informação. Para divulgação de seus resultados, publica relatórios semestrais com a síntese das mensagens
recebidas, no Portal da UnB na internet.
Por
ser um serviço que envolve diariamente questões referentes à cidadania e os
direitos humanos, e por lidar com um público cada vez mais exigente dos seus
direitos, o trabalho da Ouvidoria precisa ser constantemente aperfeiçoado. Para
tanto, tem tido como desafios: sensibilizar e esclarecer servidores, discentes
e dirigentes para o papel que desempenha (chamo a atenção para o curso
realizado esta semana A Prática dos Direitos Humanos na UnB com o objetivo de
debater o papel das ouvidorias públicas na defesa de grupos passíveis de
discriminação); garantir a permanente troca de experiências e informações com
outras Ouvidorias com vistas a qualificar suas práticas, aprofundar e
problematizar o debate sobre o trabalho desenvolvido; investir no
aperfeiçoamento de sua equipe (seja no que se refere estar apta a lidar com
temas sensíveis e recorrentes como a prática do racismo, do assédio moral e da
discriminação de gênero, seja para qualificar o atendimento ao cidadão); e, por
fim, fornecer subsídios para avaliação e melhoria da gestão universitária
através dos dados e informações gerados em seu sistema informatizado. O
Relatório é outra ferramenta de atuação da Ouvidoria e, desde a sua criação,
foram três os Relatórios elaborados, todos encaminhados ao Conselho
Universitário e publicados na página WEB do órgão.
6.1.3
Conselho
Comunitário
O
Conselho Comunitário é um órgão consultivo da Administração Superior da Universidade
de Brasília que foi instalado no período desta gestão com a função de opinar
sobre estudos, projetos, planos e relatórios da universidade, além de
recomendar ações e medidas à Administração Superior, reunindo representantes
dos três segmentos da comunidade acadêmica.
O
Conselho se reúne no mínimo uma vez ao ano para definição de metas globais,
podendo ser convocado a qualquer tempo pelo reitor ou por requerimento da
maioria de seus membros. Além de aprovações, autorizações,
homologações e outras decisões, as deliberações do órgão podem, conforme sua
natureza, tomar forma de atos ou resoluções. O Conselho indica um representante
para integrar o Conselho Universitário.
6.1.4
Congresso Estatuinte
Paritário
O II Congresso Estatuinte Paritário
começou como um sonho durante as
campanhas para a eleição da atual gestão, fruto da necessidade de reforma
política da universidade frente ao cenário da então recente crise
administrativa.
Foi planejado como uma instância deliberativa com finalidade de discutir
a formulação de um novo estatuto para a UnB, que deveria contemplar a
participação direta e paritária de toda a comunidade universitária. A primeira
vez em que a comunidade acadêmica organizou-se para realizar esta discussão foi
no ano de 1988, no contexto de redemocratização da UnB. Hoje, 24 anos depois,
vemos o movimento de renovação política se repetir na universidade.
A reitoria se responsabilizou pela
condução do projeto e empenhou-se em criar condições para sua realização. Para
tanto, apoiou a comissão de 12 representantes, quatro de cada segmento da
comunidade acadêmica, que elaborou uma proposta de eixos temáticos para o
debate das diretrizes do documento em conferências livres na universidade.
Um sistema de eleição dos delegados
que conduziriam estes debates foi também estabelecido. O número foi fixado em
360 membros, 36 indicados pela comunidade externa à UnB, para garantir a
participação da sociedade civil, e os demais divididos igualmente entre
estudantes, docentes e servidores/as.
Além disso, para assegurar a
representatividade dos delegados, definiu-se um mínimo de 30% de mulheres entre
os membros, bem como um mínimo de 25% de participantes negros, pardos e
indígenas, proporção idêntica a do vestibular.
A
previsão de sua realização era o primeiro semestre do ano de 2012. O Congresso,
entretanto, nunca aconteceu. O esforço despendido não encontrou eco nas
práticas universitárias para subsidiá-lo. Não houve nem entre estudantes,
servidores, ou tampouco entre docentes o interesse ou a força de mobilização em
torno da causa. É possível afirmar que a universidade ainda não estava
preparada para estabelecer um novo modelo estatuinte.
Por
outro lado, as políticas de compartilhamento das práticas da administração nos
últimos 4 anos seguramente desenvolveram uma atmosfera de participação suficiente,
o que parece indicar um processo estatuinte permanente.
6.2 A Comissão Própria de Avaliação Institucional
Para
dar conta do processo de autoavaliação em curso na Universidade de Brasília,
conforme os parâmetros estabelecidos pela Lei do SINAES, o CONSUNI determinou a
criação de uma Comissão Própria de Avaliação Institucional (CPA), no ano de
2011.
A
organização de um processo de avaliação na UnB representa um grande desafio,
devido à complexidade da instituição, que se revela especialmente pela
heterogeneidade de cursos oferecidos, sediados em diferentes campi, e pelo
elevado número de alunos, de docentes e de pessoal técnico-administrativo.
As
múltiplas funções da universidade, representadas pelo trinômio
ensino-pesquisa-extensão, e a complexidade de sua gestão colegiada impõem ao
processo de avaliação a necessidade de desenvolver uma metodologia que permita
fazer julgamento de valor das diferentes atividades, de tal forma que a própria
metodologia esteja livre de viés pela seleção de um aspecto a partir do qual se
valorizará ou não a instituição, independentemente do valor ou da relevância
das demais atividades desenvolvidas.
A
dimensão da instituição faz com que o projeto de avaliação institucional deva
ter tantas facetas quantas sejam necessárias para caracterizá-la globalmente.
Para cobrir esta diversidade de frentes, a CPA da UnB elaborou uma proposta
para a autoavaliação institucional baseada em uma efetiva participação de toda
a comunidade universitária.
O
Plano de Autoavaliação Institucional da Universidade de Brasília tem como
objetivos contribuir para a conscientização sobre a Instituição e o apoio à
tomada de decisões. Esse autoconhecimento institucional deve permitir que os
indivíduos reconstruam uma visão geral das atividades desenvolvidas, de suas
condições de trabalho e dos resultados obtidos nas diferentes ações. Esse
conjunto de informações deve ainda permitir uma análise fundamentada dos marcos
de identificação com os ideais buscados na construção da UnB.
Para
cumprir seu papel de estratégia de aperfeiçoamento, a avaliação institucional
necessariamente deve ser tecnicamente competente e politicamente legítima, para
que seus resultados possam ser transformados em ações efetivamente relevantes e
transformadoras.
Nesse
sentido, é de fundamental importância a intensa participação dos membros da
comunidade universitária, tanto na forma de encaminhar a avaliação, na
identificação de critérios e procedimentos, como na utilização dos resultados,
buscando o melhor cumprimento de suas finalidades científicas e sociais. Com
esses objetivos e finalidade, espera-se oferecer à comunidade universitária,
por meio da avaliação, um maior grau de confiabilidade acerca dos elementos
necessários para redefinição de rumos pelos quais a instituição deve ser
encaminhada.
É
indiscutível a relevância desse processo, tanto que na UnB, de modo singular, a
CPA é presidida pelo próprio reitor. Os seus trabalhos estão se desenvolvendo
regularmente, com vistas ao relatório anual que é encaminhado à Comissão
Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), e um espaço no Portal da
UnB é destinado à sua publicação, para que seus resultados se tornem acessíveis
à comunidade.
Quando
iniciei a minha gestão, orientado pelas diretrizes que estabeleci no meu
programa, procurei me posicionar no duplo debate que envolvia o relacionamento
das universidades com fundações privadas de apoio: na UnB, em razão da difícil
situação decorrente das críticas a elas formuladas pela comunidade, pelos
órgãos de controle e pelos meios de comunicação; e no âmbito governamental, em
razão da discussão que se estabeleceu a partir do severo acórdão do TCU,
proferido ao final de 2008, o qual desencadeou mudanças substanciais nesse modo
de relacionamento e das ações dele decorrentes.
Participei,
como presidente da Comissão de Autonomia da Andifes, de todas as gestões sobre
o assunto, envolvendo a comunidade científica (SBPC, Academia de Ciências) e os
órgãos públicos, entre eles o próprio TCU, MEC, MCT, MPOG, até concluirmos por
uma legislação, hoje em vigor, que ratificou o modelo de gestão com base nessas
fundações. Aqui na UnB, com todas as fundações descredenciadas e sem contar com
sistema substitutivo para o atendimento de inúmeros projetos de desenvolvimento
institucional, levei ao Conselho Universitário as ideias centrais inscritas na
legislação em construção. A intenção era regular o relacionamento com as
fundações, permitindo preservar e concretizar a autonomia administrativa e
financeira da universidade, para que ela possa desempenhar sem embaraços a sua
missão constitucional.
Com
o marco regulatório estabelecido pelo Consuni e com as novas diretrizes de
supervisão e controle estabelecidas, foram autorizados os credenciamentos da
FAHUB e da FINATEC. Trata-se, agora, de concretizar esses princípios. Setores
de opinião precisam ser convencidos de que a extensão universitária pode
prestar serviços à sociedade, de modo oneroso ou gratuito, mas solidário,
cumprindo objetivos constitucionais, bem como agentes públicos e privados
envolvidos com as fundações de apoio precisam entender que elas, embora
privadas, recebem franquia pública para a contratação sem licitação com o
intuito de apoiar o desenvolvimento educacional. Dentro da própria comunidade
universitária deve estar claro que não pode haver prestação de serviços
dissociada da atividade acadêmica internalizada sob a forma de projetos
institucionais.
Os
credenciamentos autorizados pela UnB seguem os parâmetros estabelecidos pelo
TCU e pela nova legislação e representam o esforço coletiva do Consuni para
responder aos desafios de uma boa gestão universitária enquanto não alcançamos
um modelo institucional que possa atuar de maneira direta e autônoma.
6.4 O Projeto Político Pedagógico Institucional da
UnB
O
Projeto Político Pedagógico Institucional (PPPI) original da UnB foi redigido
em 1962 a quatro mãos. Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira sintetizaram nesse
documento a base de seus ideais sobre universidade. Em 2012, ano do jubileu da
universidade, o PPPI é pela primeira vez revisado e atualizado pela comunidade
acadêmica.
Num
processo amplamente participativo, mais de 100 docentes, estudantes e
servidores/as representando suas unidades participaram da redação da nova proposta,
elaborada durante dois anos. Para subsidiá-lo, um ciclo de 11 encontros com
especialistas de universidades brasileiras e estrangeiras foi organizado pela
reitoria, trazendo nomes como o do sociólogo português Boaventura de Sousa
Santos ou do reitor e fundador da Universidade Federal da Integração
Latinoamericana, o cientista político Hélgio Trindade.
O
documento resultante deste processo foi aberto à consulta pública em 2011, e
aguarda a aprovação de sua versão final
pelo Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão e pelo Conselho Universitário.
A
função do PPPI é diferente daquela do Congresso Estatuinte Paritário. Enquanto
o segundo define as normas e regras de funcionamento
na UnB, o PPPI discute os valores de sua orientação.
Em
seu conteúdo, o PPPI corrobora o projeto fundamental da UnB e o atualiza em
suas dimensões. O texto que está em
consulta define assim a missão da UnB: "Uma universidade comprometida com
o saber e a busca de soluções de problemas do País e da sociedade, educando
homens e mulheres para o compromisso com a ética, com os direitos humanos, o
desenvolvimento socioeconômico sustentável, a produção de conhecimento
científico, cultural e tecnológico, dentro de referenciais de excelência
acadêmica e de transformação social".
Além disso,
segundo o projeto, o ensino precisa estar obrigatoriamente associado à pesquisa
e à extensão e buscar a interdisciplinaridade e diversidade. O conhecimento
deve ter contextualização social e histórica e ser construído a partir da
realidade imediata dos sujeitos.
A UnB,
afirma o texto, deve formar pessoas com espírito científico, pensamento
reflexivo e estimuladas à criação cultural. Precisam ser capazes de lidar com
"a sociedade do presente e, simultaneamente, com os desafios de criação de
outros mundos possíveis". "Na UnB se desenvolve ciência e tecnologia,
mas também cultura, formação geral, conhecimento e capacidade de entender o que
ocorre no país e no mundo. Nela se constroem pontes de comunicação entre o
conhecimento e a sociedade".
O PPPI
servirá principalmente para orientar os projetos de cursos – os novos e os que
estão em reformulação. O documento estabelece também como metas a realização de
parcerias com outras instituições, no Brasil e no exterior, bem como o
investimento no registro de patentes.
A extensão
também é valorizada como dimensão de formação e deve ser praticada, frisa o
PPPI, por todos os alunos da UnB, reunindo ciência, arte e ensino, e visando o
bem comum. O ensino a distância e o uso de tecnologias da informação também são
estimulados.
Quanto à
carreira, as avaliações de professores e servidores devem impactar a progressão
funcional. A universidade precisa oferecer cursos de formação para os
recém-chegados e de gestão para os que assumem cargos de chefia.
Finalmente,
no que cabe a gestão, o exercício administrativo reflete as práticas atuais,
sendo normatizado como democrático e participativo, privilegiando a excelência,
a descentralização e a transparência. O orçamento, se regido pelo novo PPPI,
passa a ser necessariamente construído de forma participativa e setorizado por
unidades acadêmicas, por departamentos, órgãos, centros, núcleos, sempre
discutido e aprovado nas instâncias colegiadas.
Nas
universidades brasileiras, encontra-se o principal manancial de soluções para
os problemas do país. É essa competência que torna a universidade necessária –
para usar a expressão de Darcy Ribeiro ao pensar o projeto da UnB. E um exemplo
dessa capacidade da Universidade de responder aos desafios brasileiros é a
construção do CESPE/UnB.
O
Centro de Seleção e Promoção de Eventos é uma derivação da Comissão Permanente
de Concurso Vestibular, criada pela UnB em 1970. Com a obrigatoriedade de
realização de concursos para o provimento de vagas no setor público definida na
constituição de 1988, e dada a grande demanda no Distrito Federal, o CESPE/UnB,
que já tinha experiência na realização de provas de grande porte, assume esta
função e em pouco tempo torna-se o maior realizador de concursos e avaliações
públicas no Brasil, com notória credibilidade. Com efeito, a simplicidade
magistral de sua concepção aliada à extrema complexidade de suas tarefas é uma
demonstração do que a universidade pode fazer, a fim de dar conta das múltiplas
novas funções que a sociedade lhe propõe.
Seu
prestígio junto ao governo federal passou a refletir-se em lucros para a UnB, e
atualmente o CESPE/UnB efetua um repasse anual médio de cerca de R$ 35 milhões
à universidade. Mais de 75% de sua força de trabalho, contudo, está vinculada
de maneira irregular.
Ao
iniciar esta gestão, uma das primeiras tarefas foi a de defender e apoiar o
CESPE/UnB. A maior parte de seus problemas não era desconhecida de nossa
comunidade. Questionamentos a respeito de convênios, multas previdenciárias de
alto valor, precarização de pessoal, pagamentos de participantes internos e
externos, segurança de operações, levavam a cogitar, em vários âmbitos, se o
CESPE/UnB seria uma estrutura estranha à universidade pública, um desvio de
suas finalidades institucionais para exercer atividade empresarial em busca de
lucro.
Firmemente
repudiei essa ideia. Então, ao longo dos meses, em numerosas reuniões com
autoridades e a sociedade civil, e numa consistente elaboração conduzida no
Consuni para redimensionar o CESPE/UnB com a configuração de uma empresa
pública, chegamos todos, no ano de 2011, ao desenho de uma proposta avançada,
que empodera a universidade e que permite a UnB, por meio do CESPE/UnB,
realizar atividade de Estado, não de mercado. Sua função é a de prestar serviço
público, não privado, com ênfase nas áreas de seleção, avaliação e
certificação, sob acompanhamento de órgãos públicos de controle.
A
natureza jurídica muda, mas a relação com a UnB será garantida pela
participação de membros da universidade na diretoria e na indicação de nomes
para a lista tríplice destinada à escolha do presidente.
Nacionalmente
reconhecida, a atividade do CESPE/UnB, na sua forma organizativa atual e no
modelo proposto, de excelência acadêmica, de pesquisa e extensão, permanecerá,
portanto, sob diretriz da Universidade de Brasília.
O
Hospital Universitário da UnB (HUB) também passou por um processo de expansão
no período transcorrido nesta gestão. Apenas no último ano, o HUB ampliou seus
serviços ao público em 12%.
Com
isso, se agrava uma das principais condições que em geral afeta todos os
hospitais universitários: a escassez de financiamento. As despesas do HUB tem
ultrapassado em quase 30% as receitas estimadas, obrigando a Fundação
Universidade de Brasília a fazer grandes aportes de recursos para evitar a
limitação do atendimento à população. Os mais afetados por uma falha no
financiamento seriam os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e,
secundariamente, os estudantes, que dependem da unidade para o ensino e as
práticas de saúde.
Como
solução a esta questão, o Ministério da Educação (MEC) criou a Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) para apoiar a gestão dos hospitais de universidades
federais e resolver o problema da contratação de funcionários, principalmente
médicos e enfermeiros. O contrato garante atendimento 100% SUS, ensino,
pesquisa e extensão e assistência de qualidade.
A proposta
de adesão do HUB à EBSERH foi aprovada pelo Conselho Universitário este ano, e
aguarda apenas a assinatura do contrato. Do ponto de vista orçamentário e
financeiro, a EBSERH, uma vez contratada, assumirá toda a gestão do hospital e
os investimentos em material e obras também deixarão de ser responsabilidade da
administração da universidade.
Não haverá
mais repasses da UnB ao HUB, e o papel da universidade consistirá no
monitoramento e avaliação do desempenho administrativo com base em metas
definidas pelo contrato. Para garantir a manutenção da autonomia da UnB, a
instituição terá participação direta na escolha dos gestores do HUB.
Como
comprará para mais de 40 hospitais, seu poder de regulação do mercado de saúde
será alto, e a previsão é de que a iniciativa da EBSERH tenha efeito positivo
sobre todo o sistema de saúde do país.
6.7 Flexibilização da jornada, formação continuada
e o DGP
O
ano de 2011 foi marcado por importantes avanços para as condições de trabalho
dos servidores e servidoras da UnB. O primeiro destes
eventos deu-se em outubro, com
a criação na universidade de um Decanato de Gestão de Pessoas, encarregado de
aproximar suas ações às políticas institucionais estabelecidas nos conselhos
superiores, a partir de seu centro ativo, os servidores.
O novo
Decanato recebeu a incumbência estatutária de formular ações, atento aos
parâmetros legais que desde a Constituição balizam as políticas administrativas
para o serviço público, mas também, aos indicadores mais avançados das teorias
de gestão, procurando realizar princípios que, na UnB, têm como base a formação
de um corpo de servidores com dignidade, competência e habilidades
profissionais para a afirmação da necessidade de manutenção da universidade
pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada.
Pouco
tempo depois, a proposta de flexibilização da jornada de trabalho foi aprovada
pela grande maioria de votos no Conselho Administrativo da universidade (CAD),
autorizando as unidades a diminuirem a jornada de trabalho de 8 para 6 horas,
sem pausa, condicionada à instalação de pontos eletrônicos por todas as
unidades, aderentes ou não. Até o final
deste ano de 2012 deve haver um parecer final da comissão de avaliação para
definir se a medida se tornará permanente na UnB.
A
flexibilização foi recebida com
comemoração pelo Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de
Brasília (SINTFUB), e segundo o seu atual coordenador geral, Antônio Guedes, a
nova carga horária permitirá aos servidores investir mais tempo em outras
atividades, como a capacitação.
Assim,
apresentou-se de maneira oportuna a política associada de abertura de novas
vagas de pós-graduação stricto sensu reservadas para servidores/as da
UnB. Somando-se às que já existiam (5 no curso de Turismo e 10 no curso de
Administração Pública), serão abertas 25 vagas no curso de Economia, com área
de concentração em finanças públicas, e no curso de Educação, ainda sem total
de vagas definido.
A
UnB possui além do mestrado profissional a opção de
capacitação para a formação continuada dos/as servidores/as, através do
Programa de Capacitação para Servidores da UnB (PROCAP), que oferece cursos na área
de Formação Gerencial,
Iniciação ao Serviço Público, Informática Básica e Gestão Pública. Além da
especialização Lato Sensu em Gestão Universitária, que já formou mais de 200
servidores em seis anos de existência, o PROCAP também oferece cursos preparatórios
para as seleções dos mestrados.
Além
de aumentar a qualidade no trabalho, as políticas de formação continuada para
servidores contribuem para estimular o usufruto da educação como direito à
cidadania.
Evidentemente,
as medidas apontadas não esgotam
todas as demandas de melhoria do sistema técnico administrativo. O
aprimoramento da gestão nas unidades e a contratação de um maior número de
profissionais continuam sendo demandas que se apresentam como desafios para a
próxima gestão.
Durante
os quatro anos desta gestão, quatro grandes greves marcaram a UnB.
A
primeira, entre setembro e dezembro de 2009, e a segunda, entre março e julho
de 2010, versavam sobre a manutenção do benefício Unidade de Referência de
Preços (URP), que representa cerca de 26% dos salários de docentes e servidores
da UnB desde 1987, quando foi instituído como medida do Plano Bresser para
repor perdas inflacionárias.
O
Tribunal de Contas da União, no final do ano de 2009, julgou que a medida havia
se tornado anacrônica e deveria cair, ao que a comunidade respondeu
organizando-se para garantir o que compreendeu ser um direito salarial
adquirido.
Meu
posicionamento na gestão da universidade foi de defesa dos segmentos em greve,
partilhando do entendimento dos grupos sindicais sobre a legalidade da URP.
Felizmente, o conflito foi solucionado à favor da comunidade acadêmica, com
restituição do benefício salarial.
No
ano seguinte, entre junho e setembro de 2011, os servidores se mobilizaram em
greve nacional da categoria, que chegou a paralisar 40 universidades federais
por melhorias salariais. Finalmente, neste ano de 2012, o Brasil atravessou o
maior movimento grevista docente já organizado neste setor, com paralisação de
95% das instituições de ensino superior federais do país, que exigiam
fundamentalmente a reforma do plano de carreira. Na UnB, além dos docentes, a
greve teve adesão também de servidores, que exigiam reajuste salarial, e
estudantes, que declararam apoio à causa.
Foram
quase três meses de paralisação, durante os quais mais uma vez defendi os
segmentos universitários resistindo às decisões das instâncias superiores de
cortar o ponto de docentes e servidores paralisados, e às acusações da
Advocacia Geral da União de improbidade dos reitores que não o fizessem, ações
que considero contrárias ao direito de greve e à autonomia da instituição.
Também
demonstrei respeito à comunidade acadêmica quando adiei a decisão sobre a
redefinição do calendário letivo diante do fim da greve, declarado precipitadamente
pela Associação de Docentes da UnB (ADUnB). Além de esperar uma segunda decisão
do segmento docente, era preciso dialogar com servidores e estudantes para
chegar a um consenso sobre o movimento instalado na universidade.
Em
agosto, paralelamente às eleições para a nova reitoria, a greve terminou com
pequenos ganhos para a reivindicação dos trabalhadores.
A
comunidade acadêmica, por outro lado, teve como saldo
a coesão como grupo e o fortalecimento de sua principal diretriz: cumprir seus compromissos com a sociedade, seu
verdadeiro patrão, diplomando alunos e entregando seus produtos acadêmicos,
relatórios de pesquisa e projetos – uma gama de atividades que deve se
desenvolver mesmo nos períodos de maior atribulação, e que deve estar sempre
conciliada aos seus interesses políticos.
Em
todo o Brasil, se pode observar na última década um aumento no número de
ocupações das universidades federais por seus próprios estudantes. Esse
acontecimento deve ser compreendido como um fenômeno social, e não pode ser
ignorado em sua importância. O fortalecimento do movimento estudantil
brasileiro revelado nessas ações é um reflexo da indignação e inquietação dos
estudantes frente à insuficiência do sistema educacional em atender às suas
demandas por uma educação mais inclusiva e de maior qualidade.
A
universidade, por esta razão, somente pode orgulhar-se da capacidade de
mobilização de seus alunos e alunas em torno de questões que são caras ao seu
próprio projeto fundador.
Ao
todo, durante o período transcorrido nessa gestão, foram 9 ocupações estudantis
no prédio da reitoria, e todas puderam ser atendidas através do diálogo,
chegando a acordos satisfatórios sobre as demandas apresentadas, sem a
necessidade de intervenção externa.
Em
nenhum momento, ainda que pressionada e à diferença do que ocorreu em outros
estados brasileiros no mesmo período, a reitoria permitiu o uso da força
policial no campus para tratar das reivindicações de seus alunos e alunas.
O
espaço da universidade é, sobretudo, um espaço pedagógico, para o aprendizado
coletivo e deve ser respeitado nessa dimensão de sacralidade.
Ocultamentos nos levam a incidir
sobre novos desvios. Para alcançar um estado de democratização plena na
Universidade de Brasília, é imprescindível resgatar a sua memória,
especialmente no que se refere à experiência de um dos momentos mais sombrios
de sua trajetória. Para tanto, foi instalada na UnB já no final desta gestão,
mas a tempo suficiente para sabê-la segura de sua continuidade, a Comissão da
Verdade da UnB, que leva o nome do educador Anísio Teixeira, um dos
idealizadores da universidade e seu dirigente durante os anos de 1963 e 1964,
que foi vitimizado de maneira cruenta pela repressão civil-militar durante o
regime de ditadura no Brasil.
Também
este ano se instalou no país a Comissão Nacional da Verdade, criada pelo
Congresso Nacional, por iniciativa da Presidência da República, conforme
diretriz do Programa Nacional de Direitos Humanos 3. As funções, todavia, não
se sobrepõem. No caso específico da UnB, a comissão criada trata de exercitar o
papel da universidade na efetivação do direito à memória e à verdade de sua
própria trajetória, e, nesse passo, de recuperar sua história a partir da
investigação acerca da repressão que se derramou sobre professores, técnicos e
estudantes e que alcançou o seu projeto originário impondo sucessivas
interrupções em seu curso.
Serão,
a princípio, 11 integrantes da comissão para coordenar os trabalhos
investigativos. Todos e todas ligados à experiência da ditadura na UnB por suas
trajetórias pessoais. Será também aberto espaço para participação de
voluntários de todos os segmentos da comunidade universitária. As atividades da
comissão se realizarão em duas frentes: a primeira se direciona à redação de
relatório conclusivo sobre os mecanismos repressivos e as formas de resistência
na UnB durante o regime civil-militar, que deve ser apresentado à comunidade em
18 meses. A segunda dimensão se refere ao diálogo com instituições do Estado e
organizações da sociedade civil. Uma das vertentes dessa interlocução poderá
ocorrer com a Comissão Nacional da Verdade, que já ofereceu à Comissão Anísio
Teixeira o uso de suas competências, garantidas por lei, de poder convocar
depoentes e acessar sem restrições documentos relativos às violações de
direitos humanos ocorridas nos últimos 50 anos. O relatório conclusivo da
Comissão da UnB será enviado à Comissão Nacional, que deliberará acerca de seu
aproveitamento, total ou parcial.
Outra
vertente de diálogo poderá ocorrer com a Comissão de Mortos e Desaparecidos
Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Já
existe Termo de Cooperação celebrado com a Comissão da Anistia do Ministério da
Justiça, em cujos arquivos – compostos por cerca de 70 mil processos de
reparação – encontram-se muitos casos relacionados à Universidade de Brasília.
A
Comissão Anísio Teixeira integra-se à ideia de justiça transicional. O que não
se pode perder de vista, à luz de seus enunciados, é que a justiça transicional
admite sim reconciliação, mas implica necessariamente identificar os
perpetradores das violações, revelar a verdade sobre as ocorrências, conceder
reparações às vítimas e, sobretudo, reformar e reeducar as instituições responsáveis
pelos abusos para, assim, evitar a repetição de ciclos de violência.
Para
marcar esta iniciativa, como homenagem no ano do jubileu na UnB, três novas
edificações inauguradas no campus Darcy Ribeiro, os Módulos de Serviço (MASCs)
norte, centro e sul, foram batizados em homenagem a importantes personagens da
memória de nossa universidade.
Foram
denominados respectivamente, IEDA SANTOS DELGADO, o norte, para homenagear a
advogada, afro-descendente, formada pela UnB em 1969, quando iniciou sua atividade
política em organizações de resistência à ditadura. Consta das listas de
desaparecidos políticos desde sua prisão em abril de 1974. Antes dessa
homenagem que a UnB lhe presta seu nome designa ruas e logradouros no Rio de
Janeiro e em São Paulo, em face de programas de resgate de memória e da
verdade.
O bloco central foi denominado HONESTINO MONTEIRO
GUIMARÃES para honrar a memória do líder estudantil da UnB, que integrou o
Diretório Acadêmico de Geologia da universidade até ser eleito em 1967, mesmo
estando preso, presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de
Brasília (FEUB). Foi presidente interino da UNE em 1971, após a prisão do então
presidente Jean Marc von der Weid. Foi preso em outubro de 1973 e integra a
relação oficial de mortos e desaparecidos. Honestino dá nome ao Diretório
Central de Estudantes da UnB.
O bloco
sul foi denominado PAULO DE TARSO CELESTINO DA SILVA. Estudante que também
presidiu a FEUB, concluiu o curso de direito na UnB em 1967. Foi preso em 1971
e levado, segundo relatos, para a “Casa de Petrópolis”, um local de
interrogatório e tortura de militantes políticos de oposição ao regime militar,
Desde então, nunca mais foi visto e integra também a lista oficial de mortos e
desaparecidos políticos (Anexo I, da Lei 9.140, sancionada em 1995 pelo então
presidente da República Fernando Henrique Cardoso). Paulo de Tarso Celestino da
Silva também recebeu homenagens com seu nome, designando ruas e logradouros.
Com esse
gesto, prestamos também tributo à memória e à verdade, com o sentido de resgate
da ação política que marca o protagonismo daqueles que em nossa universidade
souberam, altiva e dignamente, manter as reservas utópica e ética que assinalam
o projeto fundador da UnB. Eles atuaram com a consciência de seu papel e responsabilidade
de compartilhar e defender a função da universidade e os seus valores. Merecem
o nosso respeito e o nosso reconhecimento. Felizmente pudemos lhes render
tributo, para que ações como as de nossos homenageados e as causas que valeram
o sacrifício de suas vidas, não sejam esquecidas, ou o que é mais importante,
que iniqüidades contra as quais se insurgiram
não venham a se repetir, por leniência de nossa atenção presente.
7.3 Direito ao livre exercício de gênero
A
UnB deu um importante passo recentemente para reconhecer o direito ao livre
exercício de gênero dentro da instituição. Foi aprovado pelo Conselho de
Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) pedido de um estudante da UnB reivindicando
o direito do uso de nome social nos sistemas e documentos internos da
Universidade, para travestis e transexuais, no intuito de evitar
constrangimento para essas pessoas e de assegurar respeito a sua dignidade.
O pleito se enquadra nos denominados Princípios de Yogyakarta,
elaborados por juristas de diversos países e lançados em 2006, durante a IV
Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, com a finalidade de
aplicar a legislação internacional de direitos humanos às questões relacionadas
à orientação sexual e identidade de gênero, no sentido de que “a vivência interna e
individual do gênero tal como cada pessoa o sente profundamente” e
que “pode
corresponder ou não com o sexo registrado no momento do nascimento”.
Dentre os
princípios apresentados neste documento destaca-se o que diz respeito ao direito
à liberdade de opinião e de expressão, que coloca para os Estados nacionais a
necessidade da adoção de medidas legislativas e administrativas a fim de
assegurar a todos e todas o pleno exercício do direito de expressar a
identidade ou personalidade, inclusive por meio da escolha de nome (princípio
19, c).
O Brasil
reconhece o direito de liberdade de expressão e de personalidade por meio do
artigo 5º da Constituição Federal de 1988. No inciso X, deste artigo, é
previsto o direito de personalidade, consideradas invioláveis a intimidade, a
vida privada, a honra e a imagem da pessoa.
Além
disso, no âmbito das instituições educacionais, já editaram regulamentos que
visam a inclusão do nome social de travestis e transexuais nos seus registros
acadêmicos, o CEPE do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e os Conselhos
Estaduais de Educação do
e Santa Catarina, do Paraná e de Alagoas.
Na UnB
este tema tem sido objeto de debate por diversos estudiosos e por integrantes
de entidades de defesa da população LGBT, a exemplo das edições do Seminário
“UnB Fora do Armário” e da publicação “Introdução Crítica aos Direitos das
Mulheres”, volume 5 da série O Direito Achado na Rua, lançado recentemente, e
da qual sou um dos organizadores.
Ainda, a
Proposta de Política Institucional de Acolhimento da Diversidade elaborada pelo
DAIA/DEG apresenta diretrizes de ações do Decanato de Assuntos Comunitários
(DAC) e de Extensão (DEX) para promoção da diversidade no âmbito da UnB. Do
mesmo modo, em junho de 2011, foi organizada uma plenária onde foram eleitos
representantes de estudantes, servidores/as e professores/as para compor o
Grupo de Trabalho de Combate à Homofobia da UnB, que em maio deste ano
apresentou uma Resolução de Criação de um Programa de Combate à Homofobia, em
processo de análise pela Procuradoria Jurídica da UnB.
O
reconhecimento do direito à utilização do nome civil em documentos de interesse
público como histórico escolar, declarações, certificados e diplomas, se
inscreve na trajetória de luta pelo efetivo exercício do direito humano à
diversidade, na melhor tradição solidária da UnB.
7.4 Políticas de comunicação: UnB Agência
Um
dos pontos-chave desta administração foi a política de comunicação. Antes de
mais nada, afirmo que encaro a informação como um direito cidadão. Uma condição
inescapável para a construção de um ambiente mais democrático, participativo e
transparente. Neste sentido, incluo tanto o direito de ser informado como o
direito de informar, oferecendo a todos os sujeitos voz ativa.
Por
isso, ao assumir o comando da
Reitoria, determinei uma mudança no portal da universidade. Decidi
transformá-lo em um veículo de comunicação que atendesse preferencialmente à
comunidade universitária e tomei uma iniciativa que provocaria arrepios em
muitos homens públicos: abri mão da prerrogativa de controlar a informação
sobre a instituição.
A maioria
dos portais institucionais veicula exclusivamente conteúdos aprovados por seus
dirigentes, informações positivas.
Na
Universidade de Brasília, até pela natureza da instituição, decidi que
experimentaríamos um modelo em que jornalistas, de acordo com critérios
jornalísticos, resolveriam que informações mereceriam ser veiculadas no portal
da UnB. Desta maneira, me afastei do cotidiano da UnB Agência e comecei a
acompanhar as notícias sobre a UnB na tela do meu computador.
Quatro
anos depois, enxergo esta decisão como a mais acertada. O portal da
Universidade de Brasília ganhou um prestígio informativo que não tinha. Hoje
ele é um dos mais acessados da administração pública federal. O Portal da UnB
tem média de 1,3 milhão de acessos mensais, nossa página de notícias é a mais
acessada do sistema www.unb.br e nosso site o mais visitado de todas as
universidades federais brasileiras. O portal também virou referência para os
veículos de comunicação externos que, rotineiramente, pautam suas coberturas a
partir de notícias veiculadas no portal.
Mas, mais
importante do que qualquer outra coisa, o portal da UnB virou leitura essencial
para a nossa comunidade. Tanto é assim que a UnB Agência recebe diariamente
solicitações, reclamações e elogios sobre o trabalho desempenhado por seus
repórteres e editores, que frequentemente repassa para os docentes, servidores
e dirigentes da UnB.
A título
de ilustração, informo que só em 2010, a Secom repassou 8.326 solicitações da
imprensa aos docentes e servidores administrativos. E, ao contrário do que
alguns sugerem, os assuntos mais procurados pelos jornalistas não são aqueles
relacionados às nossas dificuldades, como greves, ocupações, restrições
estruturais e financeiras. Em verdade, dos onze temais mais demandados, nove
são relacionados à produção acadêmica, uma média que vem crescendo tanto nas
páginas de jornais como na formação dos índices de excelência conquistados
recentemente pela instituição.
A
qualidade da relação entre a imprensa e a academia foi mais uma vez confirmada
ao final de 2011 quando 173 professores, técnicos e dirigentes da universidade
foram condecorados com o prêmio Pesquisador Parceiro da Imprensa, uma homenagem
organizada pela Secom para estimular a divulgação dos trabalhos acadêmicos e
científicos realizados na UnB. Em 2012 foram 205 os premiados.
O prêmio
já existe há 5 anos, mas pela primeira vez seus números foram tão expressivos.
Além disso, os critérios para a escolha dos diplomados são rígidos. Os
premiados devem ter respondido ao menos três solicitações da mídia por mês, o
que significa média de mais de 30 por ano. Por decisão da Secom, não são
contabilizadas as entrevistas concedidas ao Portal da UnB, à revista Darcy e
aos outros órgãos de informação da universidade. Tampouco são considerados os contatos diretos
entre repórteres e professores que não são intermediados pela Secom.
Os números
das demandas atendidas pela Secom demonstram que a nossa universidade não se
furta ao seu compromisso social. Confio que estamos trilhando o caminho de uma
universidade mais democrática, participativa e transparente. E a comunicação
tem desempenhado papel importante nesta construção. Defendo que este modelo seja
visto como um patrimônio da comunidade e um compromisso com os valores
fundacionais da UnB.
7.5 Revista Darcy – Jornalismo científico e
cultural
Em
junho de 2009 nasceu Darcy, a primeira revista de jornalismo científico e
cultural da UnB. Sua publicação é parte de um projeto elaborado por esta gestão
para ampliar o acesso ao conhecimento acadêmico pelo público não especializado.
Tal exercício de democratização do saber é fundamental para se realizar a
universidade necessária idealizada por Darcy Ribeiro, homenageado no título do
periódico.
No
discurso que fez no auditório Dois candangos, em 16 de agosto de 1985, o
próprio Darcy Ribeiro antecipou o que deveria ser o espírito e a linha
editorial de nossa nova publicação: o compromisso com o conhecimento e a
disposição inquietante para divulgá-lo, levando em conta que “toda ideia é
provisória e tem de ser posta em causa.”. “Numa universidade,” disse ele, “tudo
é discutível”.
Essa
afirmação procura dissolver o status conferido pela sociedade à academia como
único centro de produção de um discurso explicativo válido sobre o real. A
sociedade tem direito de apropriar-se e questionar o formato e os usos do saber
produzido nas universidades, e a informação livre é o primeiro passo para
diminuir as distâncias entre o chamado saber científico e o suposto saber de
senso comum.
A
revista participa também do ciclo de comemorações do jubileu da universidade e
convida toda a sociedade a celebrar, lhe oferecendo os produtos de sua
atividade acadêmica com uma linguagem didática e belíssima edição visual.
As
edições são bimestrais e têm tiragem de 25 mil exemplares, distribuídos para
todo o país. Destes, sete mil são reservados como instrumentos pedagógicos a
professores de ensino médio de escolas públicas que tenham interesse em
integrar a publicação ao seu programa de aulas, descortinando para alunas e
alunos das escolas brasileiras a possibilidade de aproximação com o universo da
pesquisa e da ciência.
A
Revista Darcy, além disso, disponibiliza acesso total e gratuito ao seu
conteúdo através de um portal virtual ( http://www.revistadarcy.unb.br/ ), reforçando o ideal da informação livre.
7.5 Portal UnB Ciência: para uma divulgação
científica independente
A 11 de maio de 2011, a UnB inaugurou mais um
canal de divulgação livre de seus produtos acadêmicos: o portal eletrônico
UnBCiência, coordenado pela Secretaria de Comunicação (SECOM). Seu lançamento
foi marcado por um debate aberto sobre a importância da comunicação científica
para o desenvolvimento da ciência no país e o papel do jornalismo nesse
processo.
Complementar
ao Portal da UnB, o UnBCiência organiza em um só espaço matérias que têm como
foco as pesquisas desenvolvidas em programas de pós-graduação da UnB,
além de atividades de extensão, iniciação científica e políticas científicas
que envolvam a Universidade. As matérias procuram
apresentar os temas de maneira acessível, trazendo-os para o cotidiano do
leitor e aliando o interesse jornalístico à necessidade de dar visibilidade à
produção científica da universidade. Pesquisadores da UnB podem divulgar suas
pesquisas como sugestão de pauta preenchendo formulário que se encontra na
página principal do UnBCiência.
Além
de seu caráter informativo, o UnBCiência é também uma oportunidade para
realizar um mapeamento da produção científica, a princípio, local, e então
nacional e mundial. O espaço digital, com conteúdo integralmente acessível e
gratuito, incentiva o intercâmbio de informação e conhecimento para além das
formas tradicionais de divulgação da ciência. É o princípio de uma emancipação
da universidade em relação ao sistema de publicação científica que regula a
avaliação externalista das universidades no Brasil e no mundo. O fim último do
saber científico é, afinal, a informação da população e sua aplicação para o
benefício comum.
A Editora
da UnB tem a difícil atribuição de atuar entre as possibilidades e limites de
uma editora universitária que opera adstrita a critérios e normas de serviço
público mas, que ao mesmo tempo, relaciona-se com o mercado competitivo,
regendo-se, efetivamente, por duas lógicas, a pública e a mercadológica que,
não raro, se revelam contraditórias.
A EDUnB
sofreu recentemente abalos em sua ação editorial e ainda agora seus dirigentes
atuais têm que localizar documentos e prestar informações sobre fatos e
diligências objeto de auditorias e correições em razão de desvios de finalidade
praticados em gestões anteriores. Mas já se pode dizer que ela recuperou, não só
o sentido de sua finalidade exclusiva de editar livros, como também o prestígio
de seu selo e a qualidade de seu catálogo.
Vale
destacar o esforço de sua gestão atual, apoiada por um conselho editorial
atuante, no sentido de transformar os eventos de lançamentos de livros e da
revista Humanidades, em momentos de grande participação da comunidade, de
manifestações dos dirigentes e autores, cujas idéias tornadas públicas, passam,
então, como destaca a Diretora Lúcia Pulino, a fazer parte da memória vegetal de
nossa Universidade.
Com um forte catálogo de novas publicações e
com o seu prestígio resgatado, a EDUnB retomou antigas parcerias técnicas e
coedições, enquanto estabeleceu novas cooperações, entre elas, as mais
significativas, com os Decanatos de Graduação e de Pesquisa e Pós-Graduação,
para lançamentos de livros didáticos e de resultados de pesquisas, decorrentes
de editais internos de apoio para publicações de nossos professores e
pesquisadores.
Além da
produção de livros, a EDUnB tem envidado esforços no sentido de manter
(Livraria do Aeroporto) e de ampliar seus espaços de vendas (Livraria
Ambulante). Busca também fazer com que os livros cheguem a pessoas que,
comumente, não têm tido condições de comprá-los. Exemplos dessas iniciativas
são o Projeto Livro Vivo, uma espécie de corrente de leitores e a Biblioteca
Ambulante, em conjunto com a BCE, que leva livros para serem emprestados a
pessoas residentes em comunidades distantes externas a UnB.
Resta
ainda vencer o desafio de melhor estruturação da Editora, técnica e
funcionalmente, para que ela possa ampliar o atendimento às demandas de
publicação, relacionar-se com outras editoras, participar de congressos e
eventos, integrar-se à rede de editoras universitárias e celebrar, como deve, o
seu próprio cinqüentenário em conjunto com o jubileu da UnB.
7.7 As Aulas da Inquietação
O
Teatro de Arena da UnB é um espaço constantemente ressignificado. Originalmente
projetado para o lazer e apresentações artísticas, o local foi também reduto da
resistência estudantil, durante o período de ditadura civil-militar, e centro
de organização da campanha por Diretas Já entre os universitários.
Em
março de 2009, mais uma vez tornou-se palco para o questionamento e a formação
de uma consciência crítica na universidade quando recebeu a primeira Aula da
Inquietação. Abertas ao público geral, estes grandes encontros tem como
objetivo despertar a criatividade produtiva em seus participantes. A ideia é
simples: receber intelectuais ou artistas de diferentes áreas, não necessariamente
com vínculo formal com a academia, para compartilhar sua experiência por meio
de debate.
Grandes
nomes como o teólogo Leonardo Boff, o rapper Gog, o jornalista Eric Nepomuceno,
os físicos Marcelo Gleiser e Ennio Candotti, o poeta Nicolas Behr, os atores
Juliano Cazarré e Clarice Niskier, o professor e musicista Miguel Wisnik, o
neurocientista Miguel Nicolelis, o navegador e escritor Amyr Klink e o
sociólogo português Boaventura de Sousa Santos já deixaram sua contribuição
para o evento.
As
Aulas da Inquietação reuniram um público médio de 2.000 pessoas a cada edição,
e após três anos de sucesso já se tornaram parte do calendário acadêmico da
UnB. Além disso, transporte gratuito é oferecido aos estudantes, professores e
técnico-administrativos dos campi de Ceilândia, Gama e Planaltina para
estimular a integração da comunidade acadêmica.
Nesta
mesma linha, para ampliar a comunicação da universidade aos outros níveis
educacionais, realizamos também em 2012 o ciclo Diálogos do Reitor com Estudantes, projeto que
colocou a mim, como reitor da universidade, em conversa direta com alunos e
alunas do ensino médio, trazendo ao campus cerca de 15 mil estudantes e quatro
mil professores e professoras, lhes aproximando do ambiente universitário e
apresentando a formação acadêmica como plano de futuro possível.
Espaços
como estes sinalizam a instituição da conversação como meio de aprendizagem e
aprofundam o projeto de democratização dos saberes na UnB.
Em agosto de 2011 dei início a uma nova forma
de comunicação entre a reitoria e a comunidade
acadêmica com a publicação das Cartas do Reitor, em seção na página do Portal
UnB na internet. As cartas, enviadas também por email a todos os professores e
professoras da universidade, versaram sobre os mais diversos temas concernentes
à administração da UnB, como a política de cotas, informativos sobre a
expansão, as greves, ocupações, celebrações e reflexões de ordem crítica sobre
o ensino superior.
No
total, já chegam a 60 as correspondências, que tiveram quase sempre
periodicidade semanal. Administrar a Universidade de Brasília é a experiência
mais importante da minha história profissional e essa honra só é possível
porque é compartilhada com meus pares. Por isso, escrevi com a esperança de que
estas cartas pudessem aumentar o diálogo na comunidade acadêmica para além dos
espaços de audiências públicas e mesas de negociação.
Felizmente, minhas
expectativas foram superadas. Durante o último ano foram dezenas de respostas a
todas as cartas enviadas, confirmando a importância deste meio direto de
comunicação entre um dirigente de instituição e integrantes da comunidade
acadêmica. Juntos, pudemos mais uma vez compartilhar o cotidiano da gestão e
refletir sobre o futuro da universidade.
7.9 O FLAAC: resgatando laços com a África e a
América Latina
Em
1987, Cristóvam Buarque, o primeiro reitor democraticamente eleito na UnB após
o período de ditadura militar no Brasil, idealizou o então chamado Festival
Latino Americano de Arte e Cultura (FLAAC) para celebrar o aniversário de 25
anos da universidade e o despertar de uma nova era política.
O
objetivo maior do evento foi consagrar os ideais fundacionais da UnB de
emancipação intelectual e cultural do Brasil e da América Latina, buscando
aproximar os países da região para que formulassem juntos um projeto político
alternativo e contra-hegemônico, assumindo-se como nações irmãs e impedindo a
disseminação de práticas subimperialistas próprias ao regime econômico
dominante.
Por
reunir um público de estudantes, em sua maioria, o FLAAC teve particular
sucesso em alcançar este propósito, na medida em que promoveu o autoconhecimento da juventude latino-americana. Em meio
a realidades angustiantes provocadas pelo desgaste à democracia vivido por
muitos países da região naquela década, com suas liberdades sufocadas, os
jovens que se encontraram na UnB puderam entrar em contato com as condições
políticas, econômicas e sociais dos demais participantes e ensejar a
compreensão e vontade de mudança da situação de suas realidades locais.
De certo modo, eles puderam encarnar a disposição
preconizada por Martí para caracterizá-los: “Os jovens da América arregaçam a
camisa ao cotovelo, afundam as mãos na massa e a levantam com o fermento do seu
suor. Criar é a palavra de senha desta geração” (Nuestra América, José Martí).
O FLAAC, como exortou Cristovam Buarque, o reitor da UnB naquela ocasião,
constituiu-se em um espaço fecundo para uma rica experiência de criação.
Por
isso, para trazer uma discussão deste porte para a universidade, a porta de
entrada foi uma ordem discursiva igualmente marginal: a arte se estabeleceu
como linguagem comum entre os povos na busca por consenso. Em lugar do ortodoxo
discurso científico da academia, música, literatura, teatro, dança, artes plásticas
e outras manifestações de representantes de todos os países latino americanos
se efetivaram como forma de diálogo num projeto que integrou arte e educação.
O
festival transbordou também os limites formais da UnB e tomou toda a cidade de
Brasília durante os quatro dias de evento, fazendo da capital brasileira um
pólo multiplicador da cultura latino americana. O mesmo ocorreu dois anos mais tarde, em 1989, quando a
gestão de Cristóvam teve mais uma vez a honra de organizar e recepcionar a
segunda e última edição do festival, tão grandioso quanto o primeiro.
Desafortunadamente,
os anos iniciais da década de 1990 no Brasil não foram promissores para o
investimento em cultura e, com a mudança na gestão da UnB, o FLAAC perdeu sua
força de execução.
Agora,
em 2012, ano de jubileu da universidade, recuperamos a proposta original do
festival para celebrar novamente a missão emancipatória da UnB. Além dos países
da América Latina, esta terceira edição do FLAAC acrescenta uma novidade ao
procurar a contribuição também dos países africanos. A perspectiva integradora
se expande assim da simples aproximação geográfica para a aproximação histórica
entre nações irmanadas pela colonialidade. Juntamente com a Semana
Universitária o FLAAC atraiu ao campus Darcy Ribeiro mais de 60 mil pessoas que
se distribuiram nos vários espaços de manifestações artístico-culturais. Fora
da campus os vários eventos registram intensa participação. Somente a exposição
do acervo do pintor equatoriano Guayasamin evidenciou o recorde de visitas com
mais de 105 mil assinates do livro de visitas do Museu da República.
Trata-se
de responder com Darcy Ribeiro que a América Latina existe acima das “linhas
cruzadas de tantos fatores de diferenciação” para edificar sociedades
étnico-raciais cujas populações querem continuar fundindo-se com o amálgama
cultural forjado na riqueza dessa própria diversidade.
7.10
Carnaval 2012: 50 anos de UnB e uma homenagem a Darcy Ribeiro
No carnaval de 2012, em Brasília, a Escola de Samba
Acadêmicos da Asa Norte, tradicional agremiação do Plano Piloto, apresentou o
seu enredo no desfile do primeiro grupo, com um samba e uma representação de
homenagem a UnB. Com o tema “Do Saber ao Ouro 50 Anos de História da UnB”, a
Escola se sagrou campeã do carnaval, após uma espera de 27 anos, mostrando à
comunidade “como a linda história começou nas mãos de um guerreiro sonhador com
seus ideais de humanidade” e como “o sonho renasce, aplausos no ar, revivendo a
cultura, a arte e fazendo inovar”.
A vitória
da Escola na competição deve-se ao arranjo coreográfico e à plástica do
desfile, especialidade de seus carnavalescos. Deve-se também ao entusiasmo dos
passistas, entre eles, professores, estudantes, servidores da universidade,
atuais e antigos que completaram alas da Escola, mas deve-se muito ao tema UnB,
que galvanizou os participantes, na avenida e nas arquibancadas, em uma
celebração de identidade e de reconhecimento.
Nenhum
reitor, desde os tempos medievais de reitores-estudantes no modelo de Bolonha,
aos reitores-professores no modelo moderno de universidade, pode afrontar
arrogante o espaço público de intereconhecimento e de diálogo com as
comunidades plurais epistêmicas que dão legitimidade ao saber que suas
instituições realizam.
Participei
daquele evento, tanto quanto tenho participado de tantos de caráter social,
político, religioso, científico, solene ou popular. Perguntei-me se o nosso
fundador Darcy teria, como eu, participado. Convenci-me que sim. O criador de
um sambódromo que abrigou 200 salas de aula para educação primária; o homem que
concebeu um beijódromo para instalá-lo na UnB tal como ele está agora aqui
edificado, lembrando que a razão além de crítica e de instrumental, precisa ser
também sensível; o antropólogo fiel aos estudos sobre o tema em sua área, ele
próprio autor do magistral O Povo Brasileiro, não deixaria de corresponder a
uma homenagem à sua instituição feita por meio da expressiva manifestação de
cultura popular que é o carnaval.
No
último dia 21 de abril, a UnB completou o seu cinquentenário – não por
coincidência, é também data de comemoração do aniversário de Brasília e
homenagem ao mártir Tiradentes, que lutou pela emancipação política do Brasil.
Para
comemorar o evento e reviver a memória da UnB, foi organizada a Comissão UnB 50
anos, criada por resolução da reitoria e composta por 31 membros responsáveis
por selecionar e coordenar os trabalhos e atividades relacionados ao jubileu.
Todas as unidades acadêmicas puderam
concorrer aos editais de apoio à execução de projetos que apresentassem
temática relacionada à UnB. Foram 52 propostas aprovadas que refletem a diversidade de conhecimentos
produzidos na universidade, apresentando temas tão distintos entre si quanto o
seminário de recuperação da memória do movimento estudantil na UnB, o colóquio
de Teoria, Crítica e História da Arte e o workshop do Instituto de Ciências
Biológicas.
Os eventos programados marcaram a
celebração das realizações alcançadas pela instituição: somos, aos 50 anos, uma
universidade completa como a designava Darcy Ribeiro.
Vão se distanciando cada dia mais os
ecos de anos como 1965, data da grande crise que combaliu a universidade e lhe
retirou 90% de seu corpo docente. Como assinala Roberto Salmeron em “A
Universidade Interrompida”, 223 professores foram então duramente excluídos de
seus espaços.
Hoje, somos cerca de 2.300
professores titulados, atuando no campus original e nos três novos campi. Além
disso, dos 426 alunos inicialmente matriculados em 1962, entramos em 2012 com
31.200 estudantes de graduação presencial e 2.800 de graduação a distância,
distribuídos em 105 cursos de bacharelado e licenciatura, e 6.300 estudantes de
pós-graduação, mestrado e doutorado, fazendo sua formação na docência e na
pesquisa em 147 cursos.
Tais figuras expressam para a
história da UnB uma expansão e reestruturação tão fortes que não é excessivo
configurá-las como base de verdadeira refundação.
Juntamente com os servidores que completam o sentido
comunitário de nossa universidade, detemos a tremenda reserva utópica que nos
foi legada pelos fundadores e serve de fio condutor para a continuidade de
nossos projetos de futuro nos próximos 50 anos.
8. Desafios
para o futuro
O
ponto de partida para o exercício de uma gestão deve ser a sua permanente
atualização. Isto significa que não é suficiente focar-se na UnB para
administrá-la. Pelo contrário, devemos extrapolar suas fronteiras e buscar
compreender a posição ocupada pela instituição num cenário educacional mais
amplo, considerando a dimensão política e social do ensino superior no mundo
contemporâneo.
Somos
hoje testemunhas de um grande aumento no número de movimentos sociais em
diferentes nações, que não se resumem a manifestações isoladas cultural ou
geograficamente. O que existe em comum entre estes movimentos é que todos
operam como reação à onda de marketização da economia que atravessa o nosso
sistema-mundo atualmente.
Pudemos
observar este fenômeno em grande escala na ocupação de praças públicas iniciada
em Wall Street, na Primavera dos povos árabes ou no movimento dos Indignados,
pela austeridade fiscal, iniciado com grande força na Grécia e incendiado em
toda a Europa.
Na
América Latina em particular, os exemplos são igualmente numerosos, como o
movimento dos Piqueteiros na Argentina, o Movimento de Sem Terra no Brasil, os
Cocaleiros no Peru e na Bolívia, os movimentos indigenistas baseados no ideal
utópico de buen vivir andino, especialmente no Equador e na Bolívia, os
zapatistas no México, o movimento coletivo Via Campesina e o grande movimento
estudantil chileno da Revolta dos Pinguins.
Tais
movimentos são uma reação à desigualdade na distribuição de recursos
socioeconômicos e à má distribuição das condições de desenvolvimento humano
provocada pela regulação da economia por commodities fictícios, ou seja,
mercadorias que só possuem valor relacional.
No
Brasil, quatro destes commodities podem ser identificados como centrais no
processo de eclosão dos movimentos sociais. O primeiro e mais evidente se trata
da força de trabalho, cuja expropriação cria uma fonte artificial de lucro.
Como sintoma deste processo, podemos observar a precarização do trabalho,
presente de maneira inaceitável no Brasil e cujos casos extremos podem ser
reconhecidos nas sweatshops e no trabalho em condição de escravidão.
O
segundo commoditie é o próprio dinheiro, quando se opera a geração de lucro sem
lastro, que inflaciona a economia e provoca uma circulação de mercadorias
baseada em uma moeda fictícia. Os efeitos dessa prática sobre a absoluta
desigualdade na distribuição de renda brasileira são também inegáveis.
Associados,
estes dois elementos provocam como reação os movimentos de trabalhadores em
diferentes setores da sociedade. Trabalhadores rurais e urbanos, organizados em
marchas e em múltiplos sindicatos, além da proliferação das greves que são hoje
rotina em todo o país, e que pudemos observar ao detalhe em nossa própria
universidade.
O
terceiro commoditie é a terra, em sua expropriação pela renda privada, que gera
no Brasil o quadro de urgente reforma agrária e provoca como reação as
correntes do Movimento dos Sem Terra e da Marcha das Margaridas.
E
finalmente, o quarto elemento dessa conjuntura é a comodificação do
conhecimento, cuja importância para o mercado está ligada à necessidade
permanente de inovação tecnológica para girar a economia moderna. Esta é a
medida dada pelos rankings mundiais de avaliação, e a tentativa de adequação
das instituições a tais padrões pode ser percebida na crise da universidade em
todo o mundo, com grande força no Brasil. Não apenas a autonomia é afetada, por
sua associação da gestão universitária a interesses privados, como também sua
função social, que transita da educação para a formação de mão-de-obra.
Como
reação a esta comodificação, não se pode ignorar no Brasil o número crescente
de ocupações de universidades federais por seus próprios estudantes nos últimos
anos. Estas são consequência do hiato entre as expectativas dos estudantes e a
realidade política de suas instituições.
As
universidades têm, em nossa estrutura societal, uma posição privilegiada de
concentração e formação das classes intelectuais, e não podem se comportar como
espaços de decisão isentos, neutros, cuja função seja observar científica e
profilaticamente a sociedade. Pelo contrário, as universidades devem não apenas
voltar-se ao estudo dos movimentos sociais como trabalhar para estes, na medida
em que possam desenvolver soluções para suas demandas. Sobretudo, as
universidades devem tornar-se elas próprias movimentos sociais, ou seja,
centros de reação às desigualdades que afetam a população que as envolve,
capazes de pesar politicamente no aprimoramento da democracia.
Este
é o sentido da sua integração. A universidade não pode ser um espaço hiperreal,
desconectado da sociedade, e de suas necessidades. Por isto é tão fundamental a
gestão compartilhada e a inclusão social na comunidade acadêmica. A
participação na administração de recursos não se reduz a uma utopia moderna,
assim como as ações afirmativas não se resumem à boa vontade das elites e do
Estado em reparar diferenças históricas; são antes uma expressão da necessidade
de que a universidade seja cada vez mais representativa da população civil para
incorporar as suas demandas, como organização pública que é.
Para
tanto, e estes são os desafios das próximas gestões assim como foram para esta
que se encerra, é preciso garantir que a universidade seja 100% gratuita e
pública, além de subsidiar a expansão das vagas com assistência estudantil de
qualidade para minimizar as
desigualdades de oportunidades educacionais que seus estudantes enfrentam.
É
preciso também integrar a universidade com os níveis de ensino anteriores,
especialmente promovendo a formação qualificada de professores; pensar
modalidades de formação continuada para promover a educação como processo
permanente; estimular a internacionalização da UnB, para incentivar a troca de
saberes entre culturas; e, finalmente, elaborar mecanismos de avaliação do
ensino superior que permitam avaliar o seu desenvolvimento, com respeito às
diversidades de formato na produção do conhecimento.
Além
destas, seria possível listar uma infinidade de possíveis ações para contribuir
ao amadurecimento da universidade nas próximas décadas. A única tarefa da qual
não se pode escapar é a perpetuação de sua utopia transformadora. A crença na
missão da UnB não pode ser reservada aos momentos de nostalgia e poesia, mas
deve ser realizada diariamente como prática de sua comunidade.
A refundação da UnB é um projeto
permanente. Instalada nesta gestão, seu destino é o constante aprimoramento.
Pelo trabalho já realizado, portanto, assim como as responsabilidades,
compartilho também as glórias. São homenageados pelo avanço da UnB absolutamente todas e todos que para este
contribuíram.
Em nome do cargo que ocupei até o
momento na instituição, agradeço pelos feitos dos últimos quatro anos a cada um
e cada uma dos/as estudantes, professores e professoras, servidores e
servidoras, além dos/as funcionários e funcionárias terceirizados/as, que
igualmente participam do cotidiano da comunidade acadêmica.
Também os nossos fracassos devem ser
lembrados, porque indicam a trilha de nossa utopia. Seguiremos tentando, sem
nunca nos resignar.
Encerro esta gestão como a iniciei,
disseminando os ensinamentos de Darcy Ribeiro:
É de assinalar que
não só as ideias básicas da UnB são ainda válidas. Também seus projetos e
ambições são atuais. Entre eles as ambições maiores de ajudar o Brasil a
repensar-se como projeto, de institucionalizar a pós-graduação como atividade
regular de pesquisa e formação, de permitir à capital desenvolver-se
culturalmente e, sobretudo, a de exercer o papel de um centro de expressão da
consciência crítica nacional.
Um
abraço, José Geraldo