O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

domingo, 1 de julho de 2012

O Direito Achado na Rua vol. 5


Edu Lauton/UnB Agência
Livro fortalece debate nacional sobre direito das mulheres
Quinto volume da série O Direito Achado na Rua será lançado nesse sábado 30, no Núcleo de Práticas Jurídicas, em Ceilândia
Débora Cronemberger - Da Secretaria de Comunicação da UnB

No Brasil, o conceito de “homem público” está associado à atuação política e valores respeitáveis. A expressão “mulher pública”, por sua vez, denota uma mensagem pejorativa, pois costuma ser usada para rotular mulheres ligadas à prostituição. O reitor da Universidade de Brasília, José Geraldo de Sousa Junior, usa esse paradoxo semântico para defender que o direito feminino, apesar das conquistas recentes, tem muito a avançar no país. O desafio é a base do livro “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres”, o quinto volume da série O Direito Achado na Rua, que será lançado neste sábado, às 9h, no Núcleo de Práticas Jurídicas da UnB, em Ceilândia.
Organizado por José Geraldo, pela professora da Faculdade de Direito Bistra Stefanova Apostolova e pela doutoranda em Direito Lívia Gimenes Dias da Fonseca, o livro será o texto-base do curso de extensão Promotoras Legais Populares, voltado para mulheres e realizado no Núcleo de Práticas Jurídicas. A publicação conta com a colaboração de 61 especialistas e ativistas de movimentos sociais.
Os artigos foram divididos em quatro unidades temáticas: o curso de Promotoras Legais Populares no Brasil; fundamentos sociopolíticos das lutas das mulheres; organização do Estado: o acesso à justiça e o enfrentamento à violência contra a mulher. “Aqui no Brasil, como em qualquer país, há um elevado grau de segregação da mulher. Os benefícios de um trabalho para o empoderamento feminino alcançam os mais variados setores: a infância, a política penitenciária, a família, entre outras. Há um impacto positivo em toda a sociedade”, afirma José Geraldo.
Criado em 1987 sob a forma de um curso de extensão universitária à distância, o projeto O Direito Achado na Rua foi elaborado por pesquisadores do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos, com apoio da então Coordenadoria de Educação a Distância do Decanato de Extensão – hoje chamada de Centro de Educação a Distância (CEAD-UnB). O primeiro volume, Introdução Crítica ao Direito, abordou o Direito de forma ampla. Os volumes seguintes apuraram o foco em áreas específicas: Direito do Trabalho, Direito Agrário, Direito à Saúde e, agora, Direito das Mulheres.
CULTURA - José Geraldo ressalta que de 1988 para cá houve várias conquistas para o direito da mulher no País. “O Direito Constitucional, por exemplo, mudou a configuração do elemento contratual do casamento. Em 1988, o afeto passou a ser considerado o elemento definidor da união”, diz o reitor. Com essa mudança, ajustou-se o conceito de família protegida pela Constituição Federal. Outros marcos que ele aponta são a legislação eleitoral, de 1997, que destina no mínimo 30% das vagas de candidatos às mulheres, e a lei Maria da Penha, de 2006, que aumenta o rigor das punições das agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar.
Afora a atualização necessária das normas legais, José Geraldo afirma que o fortalecimento do direito das mulheres depende de uma transformação muito mais profunda. “Do ponto de vista legislativo, avançamos muito e os tribunais superiores têm tido cuidado para que a lei não seja esvaziada na sua promessa. Porém, precisamos de uma mudança cultural, de mentalidade, e um dos temas que o livro trabalha é a questão da linguagem inclusiva. Há mudanças necessárias no plano da semântica, que expressa uma hierarquia social”, enfatiza, citando o exemplo das expressões “homem público” e “mulher pública”.
CURSOS - A professora Bistra Stefanova Apostolova, uma das organizadoras do livro, diz que a publicação tem como objetivo servir de material de curso para dois projetos: o Promotoras Legais e também um curso a distância. Produzido pelo Centro de Educação a Distância da UnB, o curso deve ser formatado no segundo semestre para atualizar alunas já formadas pela Promotoras Legais de todo o Brasil.
Para a professora, a maior importância do livro é ajudar a fortalecer projetos como o Promotoras Legais, que busca a prevenção da violência contra a mulher. “Considero a violência o principal problema do Brasil. Muitas pessoas esperam medidas contra a violência por parte da polícia ou dos governos, mas a comunidade também precisa se transformar”, avalia a professora, que é coordenadora do Promotoras Legais de Ceilândia.
Bistra acrescenta que é visível a mudança entre as mulheres que participam do programa. “Esse curso é longo, com aulas todos os sábados de manhã. É muito bom perceber uma mudança de postura entre as alunas que se formam. Elas assumem um discurso mais afirmativo, com uma consciência maior das opressões não só em relação às mulheres, mas também em termos de classe e de raça. Com esse livro, espero que os movimentos sociais tenham novos elementos para aumentar a mobilização na tentativa de frear esse problema da violência no país.”
O PLP é um projeto desenvolvido em vários Estados. Ele foi criado no Distrito Federal como um projeto de extensão da UnB em 2005, quando um grupo de estudantes leu um artigo sobre esse projeto, que já havia sido implantado no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Os estudantes convidaram o professor José Geraldo de Sousa Junior para ser o orientador do grupo de educação jurídica popular feminista. O projeto já formou mais de 300 promotoras legais populares no Distrito Federal.
TRANSFORMAÇÃO - Uma aluna já formada pelo PLP de Ceilândia confirma a análise feita pela professora Bistra sobre o poder transformador desse curso. Leila Rebouças, da ONG Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), formou-se como promotora legal popular em 2007. “Pude ter acesso a muitas informações que eu desconhecia. Foi ali que me percebi como sujeito político e de direito e me reconheci como feminista - não uma feminista acadêmica, mas de comunidade”, conta.
Lívia Gimenes Dias da Fonseca, que também organizou o livro, vem direcionando seus estudos na temática da mulher. Após a graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), com monografia sobre mulheres encarceradas, Lívia fez mestrado na UnB sobre o PLP. Agora, desenvolve um doutorado com foco em mulheres indígenas. “O melhor desse livro sobre o Direito da Mulher é que resulta de um projeto coletivo. Foi muito bom observar o envolvimento e o carinho que nossos parceiros tiveram com esse projeto. Todos se dispuseram a uma reflexão de qualidade pela causa”, enfatiza. “Finalmente temos um material com linguagem mais acessível sobre temas fundamentais para o Promotoras Legais, que atende a mulheres de todos os perfis.”
Leila Rebouças acredita que o livro vai beneficiar muito as participantes do programa e reforça que gostou tanto do curso que recomenda todas as conhecidas a participarem. “Para muitas mulheres, participar de um curso como esse é muito difícil. Muita gente tem de pegar dois ônibus para passar a manhã inteira do sábado em aulas, durante quase um ano. Mas as mulheres já passam por tantos sacrifícios diariamente, e geralmente em nome de outras pessoas... Manter a frequência no curso pode até ser difícil, mas vale a pena. É um sacrifício não por outras pessoas, mas por nós mesmas.”

SERVIÇO
Lançamento do livro “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres”
Data: sábado, 30 de junho
Horário: 9h
Local: Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ-UnB), em frente à estação do metrô Ceilândia Centro.

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