Professor Emérito: Renovação de Compromisso
de Lealdade a UnB
DISCURSO DO PROFESSOR EMÉRITO DA UnB JOSÉ GERALDO DE SOUSA JUNIOR, POR OCASIÃO DA SOLENIDADE DE OUTORGA DO RESPECTIVO TÍTULO HONORÍFICO
Início com as saudações
protocolares, mas carregadas de reconhecimento à Magnífica Reitora Márcia
Abrahão Moura que preside a sessão solene de outorga do título ao Professor
Alexandre Bernardino Costa, Diretor da Faculdade de Direito, que formam a mesa
diretora da solenidade. comitiva (expressão das relações
afetivas-institucionais), oradores, artistas, familiares.
Saúdo à Comitiva de
Honra, que me conduziu ao centro desse auditório Esperança Garcia, forte no
simbolismo que imanta um sempre ampliado espaço de construção de cidadania e de
direitos, a Faculdade de Direito da UnB: as professoras Nair Heloisa Bicalho de
Sousa, Daniela Moraes, Lívia Gimenes Dias da Fonseca, Bistra Stefanova Apostolova,
o professor Antônio Escrivão Filho e a servidora Euzilene Moraes.
Agradeço a presença da presidenta
da nova gestão da ADUnB, nosso sindicato, professora Maria Lídia Bueno
Fernandes, e da ex-presidente, que acaba de cumprir seu mandato, professora
Eliene Novaes Rocha. Há muitas personalidades e autoridades presentes. Não
terei condições de nomeá-las. O tempo Cerimonial para o discurso, não o
permite.
Com precedência, me
conforta a presença aqui e virtualmente, graças à transmissão da cerimônia pela
UnB TV e pela TV Supren (agradeço ao seu presidente e amigo Ulisses Riedel), de
minha família, próxima e a distância.
O Cerimonial referiu-se
à extensa nominata de cumprimentos daqueles e daquelas que os compromissos do
dia não permitiram estar presentes. Mas não posso de fazer alguns registros ao
correr do discurso, para marcar alguma singular e pessoal sensibilidade.
Começo por referir-me,
ex-alunas da Faculdade de Direito, às ministras Daniela Teixeira (STJ) e
Delaíde Arantes (TST). Agradeço a ministra Delaíde as orquídeas e o comovente
cartão que me enviou. Bem assim, à desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin,
na sua dupla condição de querida amiga e de representação de seu marido o
Ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.
Não posso deixar de
registrar as mensagens corteses e carinhosas das Ministras Carmen Lúcia (STF) e
Vera Lúcia Santana (TSE). O horário do protocolo universitário é incompatível
com a pauta de trabalho da Praça dos Três Poderes e da Esplanada.
Quero aludir às inúmeras
mensagens de ex-Reitores (Cristovam Buarque, Antonio Ibañez e Ivan Camargo) da
UnB e de meus contemporâneos na Andifes, alguns e algumas seus presidentes,
como a professora Márcia em breve, depois de novembro, estará na gerúsia dos
ex-reitores. O que isso representa: defesa da autonomia e de um projeto de
universidade estratégica para o desenvolvimento do país e para a felicidade do
povo: inclusão e descolonização de sua estrutura e de sua planta epistemológica.
Cumprimento a advogada
Carmela Grüne, que vem com a representação do Presidente Sidney Sanches, do
Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diretora de Comunicação dessa
entidade centenária, 181 anos em 2024, que integro como membro benemérito, a
Dra. Carmela dirige o Jornal Estado de Direito, do Rio Grande do Sul, que
acolhe a minha coluna semanal Lido para
Você.
Aos colegas da Comissão
de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, entre os presentes, a Presidenta
Ana Paula Daltoé Ingles Barbalho, Daniel Seidel, da Comissão Brasileira de
Justiça e Paz e Melillo Dinis, do Grupo de Análise de Conjuntura da CNBB.
Aos colegas professores
e artistas Pilar Acosta e Alessandro Borges, traduzindo com sensibilidade e
encanto o valor da gratidão pela vida bem vivida, movida pelo impulso do
utópico, inscrito no sentipensar, no corazonar,
compartilhados, que orientam para transformação justa e democrática do social.
"O título de
Professor Emérito, outorgado na forma do Estatuto da UnB ao docente aposentado
na Universidade, que tenha alcançado uma posição eminente em atividades
universitárias, não é somente um ato celebratório, honorífico; é uma
atualização de compromisso, inscrito na dupla lealdade a que convoca o projeto
de fundação da UnB: lealdade aos padrões civilizatórios de conhecimento;
lealdade ao povo, uma exigência de que esse conhecimento contribua para o bem
viver, para atender as necessidades sociais. Ser emérito é continuar leal a
esse mandato, para que a universidade se mantenha necessária e mais que isso,
emancipatória".
Sou honrado por meus
colegas professores Talita Tatiana Dias Rampin e Alexandre Bernardino Costa,
autores do memorial apresentado ao Conselho da Faculdade de Direito, que
exaltaram meu percurso acadêmico para conferir fidedignidade a esses
princípios; aos meus pares no Colegiado da Faculdade que dirigi e que acolheram
o parecer do professor Cristiano Paixão, generoso relator da proposição. Assim
como, sem envaidecimento, à aprovação, por aclamação, no Conselho
Universitário, do relatório da Comissão Especial de análise da indicação.
Agradeço todos os testemunhos, da magnífica Reitora e do vice-reitor Enrique
Huelva, e dos conselheiros, recolhidos nos anais do conselho superior da UnB,
espaço da colegialidade que caracteriza a instituição, garante do aprendizado
que me fortaleceu o discernimento ao tempo em que o integrei como membro e como
seu Presidente.
Uma síntese dessas
manifestações, de justificação e de confirmação, foi anotada no discurso de
saudação de meu querido colega e amigo, professor Menelick de Carvalho Netto,
com quem compartilho assento na Faculdade de Direito e no Programa de
Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, do CEAM, e há muitos anos, em
muitos auditórios Brasil afora, na interlocução mediada pelos temas
teórico-políticos que balizam os nossos posicionamentos. Aproveito para
expressar a satisfação de ter aqui presentes, colegas professores, servidores e
estudantes das minhas duas unidades de lotação, nas quais permaneço atuante com
o vínculo de docente e pesquisador voluntário.
Extraio da síntese do
discurso do professor Menelick, o eixo que organiza a minha práxis, constituída
pela instigação de uma consciência que se faz na história e que dela salta para
a política transformadora da realidade, pela mediação do Direito. Mas Direito Achado na Rua. Direito que não
se deixa estiolar no formalismo redutor, mas que enuncia os princípios de uma
legítima organização social da liberdade, numa sociedade que luta por
emancipação. Era o que propunha Roberto Lyra Filho, também do Colégio de
Eméritos da UnB, ao lançar os fundamentos de uma Nova Escola Jurídica
Brasileira, tal como hoje é reconhecida. Isso significa não fazer da lei uma
promessa vazia de realização do Direito. Mas discutir o acesso democrático à
Justiça e a própria Justiça a que se quer acesso. Ser guardião, como escreveu
um colega meu Antonio Escrivão Filho, aqui integrando a Comitiva de Honra, e
não porteiro da Constituição (Kafka), principalmente em temas como direitos
humanos (vida), em face do neoliberalismo (coisificação do humano). Fazer-se
teoricamente sensível às exigências do justo com enfoque de gênero,
antirracista, atento a sistemas justos de produção e de trabalho e ancestrais
de juridicidade. Compreender que a Constituição não é só o texto que a veicula,
mas são as disputas por posições interpretativas que a realizam. Em suma, com
Victor Nunes Leal (antigo ministro do STF, aposentado pelo AI-5), referindo-se
ao Supremo, exatamente em sessão do Conselho Universitário da UnB quando lhe
foi outorgado o título de professor emérito, dizendo dele esperar que a sua
atenção capte o movimento do direito a andar pelas ruas porque, "quando anda pelas ruas, colhe melhor a vida
nos seus contrastes e se prolonga pela clarividência da observação reduzida a
aresto".
É o que se pode
caracterizar como Direitos Humanos Instituyentes e Lutas Sociais Sob uma
Perspectiva Latino-Americana. Assim o faz o professor David Sanchez Rubio, das
Universidades de Sevilla e Pablo de Olavide, cuja presença aqui me comove. É
certo que veio a UnB para uma visita de cooperação com os Programas de Direito
e de Direitos Humanos. Mas ouso esperar que escolheu a data da visita também
para reafirmar nossa parceria de décadas, desde quando a iniciamos ali na
Universidade Internacional da Andalucia, no curso de pós-graduação em direitos
humanos. Noo espaço histórico do Monastério de La Rábida (Palos de la
Frontera), onde Colombo armou a expedição colonizadora, as bases daquele
programa formavam o empreendimento descolonizador, emancipatório, dos Direitos
Humanos Instituintes.
A outorga se faz no
momento em que a UnB promove um forte debate para a renovação de sua Reitoria.
Saúdo aqui presentes as três mulheres, destacadas professoras, que trouxeram
para o espaço universitário a agenda das questões que convocam,
estrategicamente, a universidade pública para o papel que a civilização, e em
relação ao Brasil, a Constituição lhe confere.
Como escrevi a
propósito, estando às vésperas da indicação oficial pelo Colégio Eleitoral
Especial, para compor a lista a ser enviada ao Presidente da República, a
comunidade universitária pode dispor de três biografias acadêmicas nutridas nas
lealdades do projeto fundacional da UnB: professoras Fátima de Souza, Olgamir
Amancia e Rozana Naves A consulta à comunidade sufragou, nos três segmentos, a
professora Rozana. É de esperar que o Colégio Eleitoral, constituído pelo
Conselho Superior, como tem sido a tradição desde a redemocratização do país,
homologue a escolha da comunidade. Professora Rozana, não podendo se fazer
presente, imagino as convocações a que precisa atender nesse momento, enviou-me
saudações numa mensagem elegante e gentil.
Por instigação do
debate que essa conjuntura proporcionou, recupero, nesse sentido, minha
conferência inaugural do XXIIIº Congresso Internacional de Humanidades,
realizado em Brasília na Universidade de Brasília. O Tema geral do Congresso
foi: PODER, CONFLITO E CONSTRUÇÃO
CULTURAL NOS ESPAÇOS LATINO-AMERICANOS (10 e 11 de setembro de 2020) e também,
o evento da CRES+5 – III Conferência Regional de Educação Superior: a
Universidade hoje na América Latina e Caribe, (13 a 15 de março de 2023) quando
fui convidado, pelo Reitor Rui Opperman
(Diretor de Relações Internacionais da CAPES), - convite a que aquiescei como
uma responsabilidade de ex-Reitor, e também para honrar a confiança da
indicação que devo a minha Reitora professora Marcia Abrahão Moura, presidenta
da Andifes. O ensejo dos dois eventos me permitiu traçar um plano contínuo e
evocativo de ligação entre os eventos: “Universidade, hoje, no contexto de
América Latina”.
Realizando-se em
Brasília, a cidade na qual Darcy Ribeiro implantou a síntese de seu mais
elaborado projeto, a universidade necessária inscrita na proposta de criação da
Universidade de Brasília, é fundamental que se possa pensar o destino
compartilhado de sociedades cuja origem comum, a colonial, somente pode se
consumar, de novo Darcy, como uma pátria grande, num contexto de emancipação.
Por isso, de saída,
repudiei a moldura de tecnicalidade e de modernização eficiente, mediadas por
um protagonismo esvaziado de intencionalidade política, confundida com mudança
racional, mas que não escapa do engodo econômico e social que o neoliberalismo
promove com a denominação de reforma no plano estrutural e de empreendedorismo
no plano do engajamento dos indivíduos, sujeitos de seu próprio desenvolvimento
independentemente de políticas públicas. O Mercado substituindo o Estado e
permeando toda institucionalidade inclusive a educacional e a universitária.
Ao contrário, e contra
esse engodo, trata-se, portanto, de pensar uma universidade emancipada, que se
livre das injunções colonizadoras que alienaram o humano no passado colonial e
que não podem se conformar, a alienação do pós-humano, no contexto neocolonial
e neoliberal.
Por isso, a defesa da
autonomia, no conhecimento, para escapar ao empreendedorismo que o mercadoriza,
numa modelagem funcional de acumulação privatizante (SOUSA JUNIOR, José Geraldo
de Future-se valoriza o privado e não acena para o ethos acadêmico, in
IHU-Revista do Instituto Humanitas Unisinos, nº 539, ano XIX, 2019) quando a
luta emancipatória (por inclusões: de classe, de gênero, de raça), alcançaram o
simbólico da educação como bem público, social, fora do mercado, como está no
desenho das principais constituições da região.
Mas significa mais que
isso. Significa que no moderno a institucionalização universitária passou a ter
uma relação incindível com a institucionalidade estatal, numa coexistência
problemática e reflexa. Os pontos de confluência entre as duas
institucionalidades, é o que política e historicamente se definiu como
autonomia. E os limites de possibilidade para o exercício autônomo são
estabelecidos, de um lado pelo arco democrático que configura seus espaços de
atuação e o estatuto de liberdade que preside o modo respectivo de realizar
suas funções institucionais. Quando a institucionalidade estatal é autoritária,
instala-se um mecanismo que interrompe a continuidade de uma governança de alta
intensidade democrática, e conforme programa que orienta a ação política, há
condicionantes que afetam o econômico e também no aspecto ideológico, incidindo
sobre as dimensões culturais e educacionais que permeiam a ação política.
Muito recorrentemente
recai sobre o segmento universitário que anima o ensino, a pesquisa, a extensão
e a inovação tecnológica, o foco preferencial de hostilidade e de intenção de
captura de sua infraestrutura e sua autonomia na produção crítica de
conhecimento e de sua difusão.
Na esfera ideológica o
que se viu, e ainda se vê, é o intuito de vencer o pensamento crítico,
desmistificador da astúcia da governança no interesse de programas e das
alianças que os sustentam, abrindo ensejo para subterfúgios administrativos com
o objetivo de criminalizar a liberdade de cátedra e a própria autonomia das
universidades.
O contexto hoje, na
América Latina e no Caribe, mas também um pouco por toda parte, é o de
necessidade de preservação desse espaço de serviço e de compromisso da
universidade com causas justas, construído civilizatoriamente, referindo-me
somente ao Ocidente, os princípios da autonomia (auto-governo) e de liberdade
de ensino, que legaram à modernidade esse espaço irredutível de intangibilidade
da instituição universitária.
Por isso o tema é tão
sensível e já ativou a atuação preocupada da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos que aprovou Princípios
Interamericanos sobre a Liberdade Acadêmica, para prevenir “a constatação da
ameaça crescente, no continente, de agressões, mobilizações e atitudes contra a
autonomia universitária e a liberdade de ensino, sobre a desinstitucionalização
e a desconstitucionalização desses fundamentos, caros aos enunciados dos
direitos convencionais internacionais, assim como da própria
ONU”(https://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Principios_Libertad_Academica.pdf).
Salvaguardar o espaço
crítico autônomo da Universidade é dar concretude a uma categoria constitutiva
dos direitos fundamentais, a liberdade de consciência e de expressão, de
comunicação, sem falar daquelas ligadas ao sistema de proteção à educação, que
estão tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos quanto na Convenção
Interamericana de Direitos, quanto nos protocolos derivados dela, como de São
Salvador
Esses princípios
asseguram o fundamento convencional e as diretrizes constitucionais hegemônicas
nos países da Região de autonomia universitária e de liberdade de ensino e não
podem servir ao escrutínio censor, de nenhum Poder, que leve a
desconstitucionalizar o princípio da autonomia universitária, e na voragem autoritária,
sufocar a crítica acadêmica e até, no limite, a dignidade e a vida. Isso
significa cautela com relação ao artificial e ao distanciamento porque o
conhecimento só pode ser construção do comunitário, do diálogo real, preservado
na sua liberdade, na luta por emancipação, até com marcas dramáticas de
memória, dos que tombaram nessa luta, como Salvador Allende, há 51 anos, num 11
de setembro.
Muito dessa reflexão,
seja sobre a origem e os balizamentos subsequentes no percurso de realização e atualização
do projeto de criação da UnB
(http://estadodedireito.com.br/universidade-de-brasilia-projeto-de-organizacao-pronunciamento-de-educadores-e-cientistas/),
seja nos percalços que sofreu
(http://estadodedireito.com.br/a-universidade-interrompida-brasilia-1964-1965/;
http://estadodedireito.com.br/relatorio-da-comissao-anisio-teixeira-de-memoria-e-verdade-da-universidade-de-brasilia/),
quando o projeto sofreu interrupções, revelam uma contínua e nunca
negligenciada exigência de fidelidade, que a memórias vão tecendo
(http://estadodedireito.com.br/minhas-memorias-da-unb-edson-nery-da-fonseca/) e
que sempre, orientadas pelo seu compromisso social
(http://estadodedireito.com.br/universidade-e-movimentos-sociais/), religam a
utopia do projeto ao fim epistemológico de não se deixar alienar nos
colonialismos que rondam seus currículos e programas e que a convocam para
continuamente se reinventar
(http://estadodedireito.com.br/revista-humanidades-existindo-resistindo-e-reinventando-universidades-publicas-no-brasil-atual/).
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