O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

quinta-feira, 11 de julho de 2024

 

Nunca más sin nosotras: as lutas femininas pela Paridade de Gênero no processo constituinte chileno (2019-2022)

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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CORDEIRO, Natalia Clemente. Nunca más sin nosotras: as lutas femininas pela Paridade de Gênero no processo constituinte chileno (2019-2022). 2024. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2024, 237 fls.

 

Apresento neste Lido para Você, uma dissertação de mestrado defendida por Natalia Cordeiro Clemente na Faculdade de Direito (Programa de Pós-Graduação em Direito- PPGD), da Universidade de Brasília, defendida perante a Banca Examinadora que presidi, na qualidade de Orientador, formada pelos professores e professoras Alexandre Bernardino Costa, Universidade de Brasília (UnB), Marcela Aedo Rivera, da Universidade de Valparaíso (UV – Chile), e Lívia Gimenes Dias da Fonseca, da Universidade de Brasília (UnB), na suplência.

A dissertação, conforme seu resumo,

aborda o processo de elaboração da primeira Constituição paritária da história, escrita no Chile entre 2021 e 2022, ainda sob os efeitos de uma inflamada revolta popular ocorrida em 2019, conhecida como estallido social. A pergunta norteadora da pesquisa foi: quais mecanismos políticos e práticas sociais contribuíram para que o Chile pudesse escrever uma Constituição paritária até então inédita na história política mundial? A resposta para essa questão foi buscada por meio da análise e reflexão sobre a presença massiva de corpos femininos nas ruas do Chile, suas estratégias políticas e suas agências nos meios institucionais. Em termos metodológicos, a pesquisa foi realizada por meio de um trabalho de campo nas cidades de Santiago e Valparaíso, assumindo um caráter mais etnográfico, baseado na observação participante. Em termos teóricos, mantivemos proximidade tanto com os autores que apresentam uma postura crítica em relação à vida política do Chile nos últimos 30 anos, quanto com os debates feministas levados a cabo tanto por autoras chilenas quanto de outros países. Como resultado, a pesquisa concluiu ter sido fundamental, para a escrita da referida Constituição, a presença das mulheres na institucionalidade, mas, sobretudo, a massiva presença de mulheres nas ruas, utilizando-se de diversas estratégias para imprimir suas questões na Carta Constitucional. Em que pese a Constituição ter passado por um plebiscito e não ter sido aprovada, algumas conquistas que foram consolidadas ao longo do processo permanecem, configurando um legado que resulta em um acúmulo de experiência para a continuidade das lutas que possam ser passíveis de alterar a realidade social, política e jurídica latino-americana.

 

Este é um trabalho que combina conhecimento e autoconhecimento, bibliografia e biografia, dada a mediação participativa que o método proporcionou e que se encontra fundamentado, nesse sentido, pedindo uma leitura compreensiva desde os agradecimentos: “Dentre todas as viagens que já fiz, essa foi a de maior grandeza e fome subjetiva de luta contra a opressão enfrentada pelas mulheres. Por isso, não poderia deixar de iniciar meus agradecimentos por algumas delas, que se mostraram presentes na elaboração deste trabalho”.

A Autora analisa e interpreta, não só porque pesquisou, mergulhou profundamente no enredamento de seu tema e objeto de estudo, chegando a assumir protagonismo no processo – tal como ela mostrará ao longo do trabalho, engajando-se em grupos e delegações nele ativas, mas viveu a experiência que expõe.

Como Garcia Márquez, em Viver para contar, nutre o seu trabalho com essa vivência e por isso qualifica a sua memória ao conta-la. Em Gabo, está dito, “a vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para conta-la”.

Por isso a dimensão qualificadora de uma memória amplificada pelas relações que entreteve no processo da pesquisa, certificada nos agradecimentos, e também a importância para a dissertação das listas de figuras, de gráficos, de quadros e de siglas, que não são adereços formais para compor o trabalho:

Primeiramente, gostaria de agradecer às mulheres chilenas, que se doaram de corpo e alma em prol da construção de uma sociedade melhor para as que já estão por aqui e as que virão. 

Agradeço às convencionais e assessoras que me concederam um tempo, mesmo em meio à exaustão, para que eu pudesse entrevistá-las. Assim, sou grata à Glória Alvarado, Alondra Carrillo, Giovanna Grandón (Tia Pikachu), Vanessa Hope, Patrícia Labra, Aurora Rozas, Alejandra Flores, Elisa Loncón, Damaris Abarca, Manuela Royo, Tatiana Urrutia, Loreto Vallejos, Carolina Sepúveda e Karina Nohales. 

Também sou grata pela colaboração das mulheres da Red Chilena contra La Violencia hacia las Mujeres, CF8M, Rebeldía Coletiva, Camila Lazo, Marcela Benevides, Pajarx Entre Puas e Javiera Arce-Riffo.

Agradeço aos convencionales Jaime Bassa, Daniel Stingo, Manuel Woldarsky, Nicolás Núñez, Cristóbal Andrade León (Dino Azulado), Pablo Tolosa, Andrés Cruz, Helmuth Martínez, Guillermo Namor Kong, Matías Orellana, Alvin Saldaña, Pedro Munõz e Jorge Baradict e também ao deputado Diego Ibañez, que tão gentilmente aceitaram me conceder uma entrevista para a pesquisa.

 

Fiquei feliz de figurar desses agradecimentos, de um modo extravagante ao protocolar, carregado pelo afetivo, até pelo laço que o assinala em significado – ao meu pai (in memoriam), que estaria radiante em saber que sua filha seguiu estudando, como me aconselhava, e estaria ansioso para conhecer o professor José Geraldo, no dia da Banca – conferindo-lhe um alcance simultaneamente hermenêutico e leal, sobretudo amorosamente pedagógico. Não me contenho e por isso o transcrevo:

Quando escolhemos um orientador, o fazemos por considerá-lo um mestre que admiramos e que nos inspira. Após convivermos com ele, recebemos alguns aprendizados. Um dos maiores legados deixados pelo meu, por meio do exemplo durante estes anos de convívio, foi aprender a ser otimista e tentar ver o melhor e o lado bom das pessoas, respeitando suas limitações, dificuldades, erros e acertos. Ele também me ensinou sobre a necessidade de ter cuidado no julgamento e a importância do perdão. Estou levando isso comigo. Além disso, agradeço o respeito às minhas ideias. Trata-se de alguém que não nos deixa esquecer a importância da pesquisa e da autoria, mas, sobretudo, do povo. A importância da legítima organização social da liberdade.

 

Para os propósitos da recensão, reproduzo o sumário da dissertação, com o intuito de que ele se preste a guia de leitura do trabalho:

1          INTRODUÇÃO

2          AS FERIDAS ABERTAS DO NEOLIBERALISMO

2.1       ENCONTRANDO COM O CONSTITUCIONALISMO ACHADO NA RUA 2.2           A CHEGADA AO CAMPO

2.3       O NEOLIBERALISMO NO CHILE

3          ¡LA ALEGRÍA YA VIENE! A      CONCERTACIÓN

3.1       OS MOVIMENTOS SOCIAIS

3.1.1    Movimento Mapuche

3.1.2    O movimento estudantil

4          DAS RUAS À INSTITUCIONALIDADE

5          A PERFORMANCE DAS MULHERES NAS RUAS

5.1       UMA BREVE HISTÓRIA DO FEMINISMO

5.2       LASTESIS 6   A CONQUISTA DA PARIDADE

6.1       ANTECEDENTES DA PARIDADE

6.2       O MAIO FEMINISTA

6.3       UMA CONSTITUIÇÃO PARITÁRIA

7          LA CONVENCIÓN: ESTRATÉGIAS E MATERIALIDADES

8          CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

 

Da Introdução retiro o esquema que sintetiza o sumário:

O capítulo 1, “Introdução”, apresenta as informações referentes à pesquisa, tais como a delimitação do campo, a problemática, os objetivos e os métodos. No capítulo 2, “As feridas abertas do neoliberalismo”, são apresentados os efeitos da presença histórica do neoliberalismo no Chile, atentando para seus mecanismos de implantação, os seus efeitos na sociedade de forma geral e as formas que essa racionalidade assumiu no período ditatorial.

No capítulo 3, “La alegría ya viene: A Concertación”, abordo mais detidamente o período pós-ditatorial. Para tanto, trago à tona as ações políticas de diferentes grupos que passaram a militar por democracia, e que também encenaram duras críticas ao neoliberalismo.

No capítulo 4, “Das ruas à institucionalidade”, apresento uma breve cronologia comentada da revolta iniciada em outubro de 2019, chamada de estallido social, e que serve de pano de fundo para minha discussão sobre as lutas das mulheres pela paridade de gênero no processo constituinte.

O capítulo 5 é intitulado “A performance das mulheres nas ruas”, pois aborda tanto uma breve história do feminismo, enquanto movimento político e teórico, como também traz as especificidades do LasTesis, grupo feminista que assumiu um protagonismo nas ruas durante a revolta social.

O capítulo 6, “A conquista da paridade”, discute de forma mais direta as lutas e estratégias implementadas pelas mulheres chilenas, dentro e fora dos ambientes institucionais, de modo a imprimir a paridade na Convención Constitucional, trazendo suas especificidades. Também fala das diversas organizações de mulheres que foram sendo constituídas ao longo do século XX e no início do século XXI.

No capítulo 7, “La Convención: estratégias e materialidades”, faço emergir as estratégias das mulheres no interior da Convenção, bem como as marcas que elas imprimiram na primeira Constituição Paritária do mundo por meio de certas materialidades, ou seja, normas constitucionais, que destaco ao longo do capítulo.

 

O trabalho de Natalia se debruça sobre uma realidade político-constitucional, ela o afirma, “pelas lentes do Direito Achado na Rua, [que é o protagonista da ação político transformadora] o sujeito coletivo [que] não é ordem substancial, mas sim, relacional. Portanto, o que conta, de fato, é a experiência que foi vivida, são as estratégias de luta que foram consolidadas, é tudo aquilo que foi construído a partir desse processo histórico. Esse foi o legado deixado pelos movimentos sociais feministas, que mostraram todo o seu acúmulo de forças”.  Ela se filia, pois, em fidelidade epistemológica, a um pressuposto fundante da concepção e prática de O Direito Achado na Rua, conforme O Direito Achado na Rua. Sujeitos Coletivos: Só a Luta Garante os Direitos do Povo!, volume 7, Coleção Direito Vivo. Ana Cláudia Mendes de Figueiredo, Andréa Brasil Teixeira Martins, Edilane Neves, José Geraldo de Sousa Junior, José Roberto Nogueira de Sousa Carvalho, Luana Nery Moraes, Shyrley Tatiana Peña Aymara, Vítor Boaventura Xavier (Organizadores). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2023, 428 p. (https://estadodedireito.com.br/sujeitos-coletivos-so-a-luta-garante-os-direitos-do-povo).

O trabalho, portanto, vem se agregar à fortuna crítica que constitui o acervo desse campo teórico-político, e que se acresce de novas contribuições para as formulações que constrói, conforme já bem estabelecido: v.6 n. 2 (2022): Revista Direito. UnB |Maio – Agosto, 2022, V. 06, N. 2 Publicado: 2022-08-31. O Direito Achado na Rua. Contribuições para a Teoria Crítica do Direito. Edição completa PDF (https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/issue/view/2503); ver em https://estadodedireito.com.br/o-direito-achado-na-rua-contribuicoes-para-a-teoria-critica-do-direito/.

É o que se encontra numa de suas conclusões:

Como ficou demonstrado ao longo destas páginas, desde o período ditatorial chileno, as lutas feministas tiveram uma importância enorme para a volta da democracia ao país, e, mais recentemente, para a construção da ampliação desse conceito. Elas se organizaram politicamente em espaços diversos e foram ossificando um movimento mais amplo por meio de coletivos e organizações de ativistas e intelectuais, todos imbuídos de um desejo de reparação e construção de uma sociedade mais igualitária do ponto de vista das relações de gênero.

À luz das reflexões da práxis do Direito Achado na Rua, em sua vertente do Constitucionalismo Achado na Rua, emergiram importantes considerações acerca do fenômeno político-jurídico investigado. A primeira delas, confirmadora da tese de Roberto Lyra Filho e desenvolvida por José Geraldo de Sousa Junior, é a de que a Constituição que foi escrita no Chile, e que emergiu da rua, foi inventada pelos sujeitos coletivos de direito, que, ao abrirem sua consciência para as opressões, com criatividade política inventaram uma nova interpretação sobre o conceito de Paridade de Gênero. Assim fazendo, ampliaram o próprio conceito de democracia.

O produto autêntico, qual seja, a Constituição, foi possível graças ao acúmulo de forças históricas das lutas feministas, e se fez no processo histórico de libertação.

 

Na perspectiva desse achado, a Autora vai poder caracterizar “O produto autêntico, qual seja, a Constituição, foi possível graças ao acúmulo de forças históricas das lutas feministas, e se fez no processo histórico de libertação”, e desse modo inserir o seu estudo no itinerário que demarca hoje os caminhos de uma sociologia do novo constitucionalismo latino-americano (ver  Sociologia do novo constitucionalismo latino-americano: debates e desafios contemporâneos / [Organizadores], Gustavo Menon, Maurício Palma, Douglas Zaidan. –São Paulo: Edições EACH, 2022.1 ebook ISBN 978-65-88503-38-6 (recurso eletrônico) DOI 10.11606/97865885033861 Acesso: https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/view/939/851/3088, conforme a leitura que fiz dessa obra porque nela se abre espaço para reconhecer o que a Autora adota como referência teórica ao aludir ao que temos vindo a caracterizar como constitucionalismo achado na rua ( https://estadodedireito.com.br/sociologia-do-novo-constitucionalismo-latino-americano-debates-e-desafios-contemporaneos).

De fato, ela salienta em suas conclusões:

Não obstante à rejeição da Carta Constitucional, pelas lentes do Direito Achado na Rua, o sujeito coletivo não é ordem substancial, mas sim, relacional. Portanto, o que conta, de fato, é a experiência que foi vivida, são as estratégias de luta que foram consolidadas, é tudo aquilo que foi construído a partir desse processo histórico. Esse foi o legado deixado pelos movimentos sociais feministas, que mostraram todo o seu acúmulo de forças. 

As questões feministas cruzam, de forma transversal, toda a Carta Constitucional, mas uma mirada mais atenta, que foi o que tentei fazer nesta dissertação, revelou que a construção de direitos só foi possível graças a uma luta coletiva. 

Para escapar à ordenação patriarcal e ao androcentrismo que domina ainda a cena política, a articulação feminista se realizou por meio da pactuação com grupos antagônicos, como ocorreu no Congresso para a aprovação da lei que garantiu a Paridade. 

Em que pese muitas mulheres convencionales que se autodeclaravam feministas e homens convencionales que apoiavam a luta política das mulheres, encontrei nas entrevistas muitas contradições que iam de encontro a essa luta. Em razão dessa constatação, vejo a necessidade de incorporação e construção de uma consciência de gênero, como lembrou Segato, no âmbito social e cultural, pois um documento político sozinho, como a Constituição ou uma lei, serve como uma trincheira que dificulta retrocessos e alimenta conquistas, mas não fará com que se estabeleça um Estado feminista e se enterre o neoliberalismo; portanto, que se supere uma estrutura histórica. É apenas uma etapa de uma luta mais ampla, porém, uma etapa de importância ímpar.

 

Percebi com satisfação que essa perspectiva foi bem acolhida pela professora de la Universidad de Valparaíso Marcela Aedo Rivera, integrante da banca, chilena e professora de Sociologia Jurídica, tenha recortado do trabalho, o que ela identifica como recolha de memórias feministas, por meio de voces (vozes) expressam “experiências sociais e de vidas – projetos de vida – que desde suas raízes culturais de povo, revelem alianças com capacidade para se instalar e impactar os sistemas políticos, seus mecanismos e suas práticas sociais, para se realizar enquanto derecho hallado en la calle. O acolhimento ao trabalho, aliás, foi unânime da parte da Banca e pode ser aferido pelos leitores no acompanhamento da própria sessão conforme sua exibição pelo Canal YouTube de O Direito Achado na Rua:  https://www.youtube.com/watch?v=AuUYJ_hfzhg.

De certo modo é que temos denominado de constitucionalismo achado na rua – https://estadodedireito.com.br/constitucionalismo-achado-na-rua-uma-contribuicao-a-teoria-critica-do-direito-e-dos-direitos-humanos-constitucionais/ -, conforme o livro Constitucionalismo Achado na Rua: uma Contribuição à Teoria Crítica do Direito e dos Direitos Humanos Constitucionais, volume 8, da Coleção Direito Vivo, da Editora Lumen Juris, resultado coletivo de esforços reflexivos sob uma perspectiva teórica e prática sobre a temática do constitucionalismo achado na rua. Desenvolvidos por pesquisadores e pesquisadoras, estudantes, professores e professoras, em ambiente de ensino, pesquisa e extensão, serão apresentados aqui trabalhos que constituem o acervo crítico da Coleção, demarcada pela perspectiva teórico-crítica de O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática.

Assim que, no livro A constituição da democracia em seus 35 anos / (Orgs) Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Álvaro Ricardo de Souza Cruz. Belo Horizonte: Fórum, 2023, 656 p. (https://estadodedireito.com.br/a-constituicao-da-democracia-em-seus-35-anos/), tratei de inferir desde a experiência brasileira, tal como o faz Natália em relação a experiência chilena, conforme meu texto – CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 35 ANOS: AINDA UMA DISPUTA POR POSIÇÕES INTERPRETATIVAS – que a Constituição não é o texto no qual se representa, mas aqueles fatores que a promovem (conforme indicava no século XIX Ferdinand de Lassale) e que por isso ela se realiza ao impulso da “Disputa por Posições Interpretativas”.  Daí o desdobramento que organizei para desenvolver o tema: “O que a Constituição ainda tem a oferecer? Impasses atuais: Reformas trabalhista e previdenciária – Como compreender essa mudança de rumo?  Em direção a um constitucionalismo achado na rua”.

E por isso que o trabalho heurístico no campo constitucional é o de rastrear interpretações construtivas, que expandem o alcance da promessa constitucional em sua disposição de realizar direitos e ter cumpridas as suas promessas. Certamente para a compreensão dessa possibilidade é indispensável abrir-se a exigências próprias à disputa narrativa de realização da Constituição e de categorias que dêem conta de aferir as aberturas que a política proporcione para projetar as disposições constitucionais para o futuro.

Volto às conclusões de Natália Cordeiro:

Como dado de pesquisa a ser relatado, após ter acompanhado toda a efervescência social ainda no Brasil, minhas expectativas iniciais – que orientaram meu planejamento de trabalho – eram de que a Constituição seria aprovada. Quando iniciei o mestrado, o projeto inicial da dissertação elaborado tinha como título O nascimento de um Estado Paritário. Mas, no decorrer da pesquisa, quando cheguei ao Chile e iniciei os primeiros diálogos informais com os chilenos, em restaurantes, supermercados e ônibus, pude começar a compreender que talvez devesse elaborar um luto por algo que provavelmente não ocorreria, pois aquelas eram as vozes das pessoas “comuns”, que não estavam organizadas em movimentos sociais ou partidos políticos de esquerda e que, em sua maioria, possuíam o discurso de que a Carta seria aprovada.

Embora a dissertação tenha sido finalizada, a pesquisa segue viva, buscando realizar questionamentos sobre esse processo histórico, sobre o direito Constitucional, sobre o direito internacional dos direitos humanos das mulheres, e sobre as questões que permearam o rechazo da Constituição. 

Concluo acreditando ter contribuído para a ampliação das discussões envolvendo gênero, democracia, política, constitucionalismo e movimentos sociais, na esperança de que muitas outras pesquisas se juntem à minha, no Brasil, no Chile ou em outros países da América Latina.

 

Com essas conclusões Natália Clemente Cordeiro, a meu ver, alcança o patamar que, juntamente com Antonio Escrivão Filho (ESCRIVÃO FILHO; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Para um Debate Conceitual Teórico e Político sobre os Direitos Humanos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016), especialmente no Capítulo V – América Latina, desenvolvimento e um Novo Constitucionalismo Achado na Rua, páginas 123-150), enunciamos, vale dizer, que o Constitucionalismo Achado na Rua vem aliar-se à Teoria Constitucional que percorre o caminho de retorno a sua função social. Uma espécie de devolução conceitual para a sociedade, da função constitucional de atribuir o sentido político do Direito, através do reconhecimento teórico-conceitual da luta social como expressão cotidiana da soberania popular. Um reencontro entre a Teoria Constitucional, e o Direito compreendido como a enunciação dos princípios de uma legítima organização social da liberdade (p. 149).

 

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