O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

quarta-feira, 12 de junho de 2024

 

Direitos Humanos na Sociedade. Acesso à justiça, gênero e proteção de direitos

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

 

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Gabriela Maia Rebouças, Grasielle Borges Vieira de Carvalho, Flávia Moreira Guimarães Pessoa (Organizadoras). Direitos Humanos na Sociedade. Acesso à justiça, gênero e proteção de direitos. Aracaju-SE: EDUNIT, 2024. 285  p.:  il. e-book (https://editoratiradentes.com.br/wp-content/uploads/2024/06/Acesso-a-justica.pdf).

 

A obra celebra 10 anos do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes e com esse intuito e aborda temas relacionados à Linha de Pesquisa Direitos Humanos na Sociedade, dando ênfase a pesquisas sobre acesso à justiça, gênero, políticas públicas, segurança, criminalidade e trabalho digno.

Na Apresentação as Organizadoras esclarecem que dela participam autores e autoras provenientes das redes de pesquisa e dos projetos em colaboração desenvolvidos, provenientes da UNISC, UnB, UFMA, IDP, UNICHRISTUS, UFBA, UPM/SP (Mackenzie), UDF.

Vou à Apresentação porque ela sintetiza e resume os trabalhos que compõem a obra. O livro foi organizado iniciando com estudos sobre o acesso à justiça e os direitos humanos, tendo quatro trabalhos abordando a grande área “Acesso à justiça”. O capítulo ACESSO À JUSTIÇA NO NORDESTE DO BRASIL: uma década de pesquisas junto ao PPGD/UNIT, elaborado pela Dra. Gabriela Maia Rebouças, aborda o conjunto de pesquisas empíricas sob sua liderança desenvolvidas no Nordeste brasileiro, por meio do olhar crítico do acesso à justiça. O próximo trabalho com esta temática, intitulado: ACESSO À JUSTIÇA, EXTENSÃO E EDUCAÇÃO PARA OS DIREITOS HUMANOS, do Dr. José Geraldo de Sousa Junior e da Dra. Nair Heloisa Bicalho de Sousa, refletem sobre a perspectiva de educação libertadora pela mediação dos direitos humanos, compreendendo o tema do acesso à justiça como uma experiência pedagógica originada da extensão universitária. O próximo capítulo trata do ACESSO À JUSTIÇA E O PROBLEMA DA RESSIGNIFICAÇÃO DO INTERESSE DE AGIR NAS ONLINE DISPUTED RESOLUTIONS – ODR’S, escrito por Dr. Antônio Soares Silva Júnior e Dra. Samyle Regina Matos Oliveira, ao abordarem as principais teorias acerca da obrigatoriedade do uso prévio de tecnologias, especificamente, criadas para solução de conflitos através de meios digitais e o desenvolvimento de uma releitura das condições da ação sob a ótica da Justiça Multiportas. Logo em seguida, o texto escrito pela Ma. Iracy Ribeiro Mangueira Marques, sobre o ACESSO À JUSTIÇA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI, o texto parte do questionamento sobre o Sistema de Justiça, se este garante ao adolescente que infraciona acesso à justiça no transcorrer do processo socioeducativo. Sob a inspiração da teoria agnóstica enfatiza o fundamento político dos mecanismos de sanção socioeducativos e a prevalência da cultura tutelar, legada pelo menorismo, na condução do processo infracional.

Em seguida, a temática do acesso à justiça se conecta com políticas públicas e trabalho digno. O capítulo PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA, VIOLAÇÕES A DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E ATUAÇÃO DO CNJ escrito por Flávia Moreira Guimarães Pessoa e Vilma Leite Machado Amorim, aborda violações a direitos humanos fundamentais das pessoas em situação de rua, a sua invisibilidade social, a atuação Poder Judiciário brasileiro, com destaque para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS, nº 16, que tem como meta promover sociedades pacíficas, responsáveis e inclusivas para o desenvolvimento humano sustentável e proporcionar o amplo acesso à Justiça, enquanto direito humano fundamental. O próximo título, A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA DE PROTEÇÃO AO DIREITO HUMANO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR NA ALIENAÇÃO PARENTAL por Fabiana Marion Spengler e Carolina Kolling Konzen, tem por objetivo principal compreender o direito humano fundamental à convivência familiar sob o aspecto da prática de alienação parental, abordando, ao final, a mediação de conflitos como alternativa. Sob a ótica do trabalho digno, o artigo de Verônica Fonseca de Resende e Antonio Escrivão Filho, intitulado: UMA LEITURA DA REFORMA TRABALHISTA A PARTIR DA PIR MIDE DE LITÍGIOS analisa a  reforma trabalhista sob o enfoque do acesso à justiça e das contribuições da sociologia dos conflitos, com especial atenção para os efeitos sociais da retirada da participação do sindicato na validação da rescisão contratual, fragilizando diretamente na possibilidade de litigância do trabalhador e da trabalhadora. Também o artigo O MONITORAMENTO ELETRÔNICO DO TRABALHADOR E O DIREITO AO TRABALHO DIGNO: limites ao poder diretivo do empregador frente às novas tecnologias, de Paulo Campanha Santana e Fabrício Segato Carneiro, que pretende verificar se as ferramentas eletrônicas e algorítmicas de monitoramento do trabalhador representam alguma ameaça de violação a garantias constitucionais mínimas inerentes à pessoa humana do trabalhador, com foco no direito fundamental ao trabalho digno.

Os capítulos que seguem, conectados com a linha direitos humanos na sociedade, abordam os direitos humanos, as políticas públicas, as questões de gênero e de segurança pública. Iniciando com o artigo do Dr. Paulo Renato, sobre A PLURIVERSALIDADE COMO PARADIGMA PARA (RE)PENSAR DIREITOS HUMANOS DESDE AS LUTAS SOCIAIS, que tem o propósito de apresentar algumas considerações em torno da possibilidade (e da necessidade) de se assumir um horizonte alternativo, fundado na pluriversalidade, reivindicando a politização dos direitos humanos em favor dos interesses das maiorias exploradas e oprimidas. Em seguida, apresentamos o texto envolvendo à violência doméstica contra as mulheres no Brasil e as políticas públicas de prevenção à violência e de proteção às vítimas, intitulado: ÓRFÃOS(ÃS) DOS FEMINICÍDIOS NO BRASIL: MAPEAMENTO DOS PROGRAMAS DE PROTEÇÃO E ACOLHIMENTO, da Ma. Bruna Karoline de Jesus Santos e Dra. Grasielle Borges Vieira de Carvalho, abordam sobre como a desigualdade de gênero gera violência e que o feminicídio é o ápice do ciclo da violência. E quando ocorre no âmbito familiar, grande parte das mulheres vítimas, deixam filhos/as que são órfãos da violência. Com isto, o objetivo do trabalho é dar visibilidade a esta problemática tão grave e pontuar a existência de possíveis programas de acolhimento e proteção para os/as órgãos/ãs dos feminicídios no Brasil. Seguindo com a temática violência de gênero, o artigo a seguir aborda: A VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO TRABALHO RURAL: UMA ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA, escrito pela Dra.Patrícia Tuma Martins Bertolin,Dra. Artenira da Silva e Silva e Ma.Gabryella Cardoso da Silva, buscam investigar a efetividade do exercício da cidadania pelas mulheres trabalhadoras rurais, sob a perspectiva da violência de gênero, que condiciona a liberdade e autonomia das mulheres, sobretudo às trabalhadoras rurais, invisibilizadas no campo e por meio da teoria feminista do direito. O próximo texto escrito pelas Dras. Denise Almeida de Andrade e Monica Sapucaia Machado, abordam sobre O FUNCIONAMENTO ININTERRUPTO DE DELEGACIAS ESPECIALIZADAS DE ATENDIMENTO À MULHER: QUANDO O ÓBVIO PRECISA VIRAR LEI, ao analisar a relevância da publicação da Lei n° 14.541, de 2023, à luz das conjecturas de que a LMP seria suficiente para que o atendimento da DEAM fosse contínuo, por meio da leitura de textos especializados, bem como da análise de dados. E finalizando a segunda seção, apresentamos o artigo escrito pelo Me.Raphael Dantas Menezes, Dr. Ronaldo Alves Marinho da Silva e Dra. Verônica Teixeira Marques sobre O USO DE CÂMERAS INDIVIDUAIS NA FARDA DOS AGENTES DE SEGURANÇA: UMA ALTERNATIVA NUDGE PARA A REDUÇÃO DE MORTES POR INTERVENÇÃO POLICIAL EM SERGIPE, que a partir da teoria da arquitetura de escolhas ou Nudge e levando em consideração o princípio da economia comportamental do direito, o artigo sugere a implementação de câmeras pessoais no uniforme dos operadores de segurança do estado, com o objetivo de diminuir a utilização de força excessiva pelos agentes, através da arquitetura da escolha mais desejável e que leva em consideração os vieses cognitivos da função policial.

O livro ainda dispõe de uma resenha feita pela egressa Daniela de Andrade Souza sobre sua Dissertação de mestrado intitulada: DIREITOS LGBT E OS DISCURSOS DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA BRASILEIROS: POSSIBILIDADES A PARTIR DOS ESTUDOS TRANSVIADOS, a dissertação analisada buscou, ao mobilizar as ferramentas foucaultianas e baseando-se nas prerrogativas dos estudos transviados, analisar o discurso jurídico das decisões de tribunais de justiça do país sobre uniões homossexuais e retificação de registro civil de pessoas trans entre 2011 e 2018, de modo a verificar de que forma as categorias de homossexualidade e transexualidade apareceram nesse discurso.

Avaliados em sua organização, os textos que compõem o livro formam o que Gabriela Maia Rebouças sugere ser uma agenda de possibilidades para as pesquisas em acesso à justiça, não apenas como achados de um programa bem sucedido que se consolidou ao longo de dez anos.

Mas o que ela acaba por asseverar ao final de sua Introdução: uma primeira possibilidade, ou caminho, dispor de um acervo apto a ser avaliado qualitativamente. E uma outra possibilidade, esta como abertura para trabalhos futuros, a de “problematizar uma possível precarização da prestação jurisdicional, com investimentos, sobretudo em pessoal, insuficientes, chamando a atuar atores em formação, atores em transição, quase nunca através dos próprios magistrados”. E, ainda que haja “muita resistência política a essas práticas quando comparadas com processo judicial ordinário, tido como padrão”, enseja-se também, “uma compreensão de que as causas de menor valor, portanto, menos importantes, como fica evidente na lógica neoliberal, não precisam receber os mesmos investimentos, nem ocupar o tempo caro do magistrado”.

De todo modo, mesmo com a preocupação de que se poderia estar “ampliando o acesso à justiça através de uma prestação barateada, mas igualmente precarizada” ou mesmo contribuindo para “a criação de uma justiça de classes”, o conjunto de estudos podem contribuir para assentar tomadas de posição a partir dos temas que balizam esses estudos. Em suma, ela conclui:

Há também uma preocupação com a multiplicação de práticas e mecanismos de resolução que a adoção de uma justiça multiportas pode sugerir. Aqui, em especial, identificamos como problemática a adoção de práticas como as da constelação familiar nos tribunais. Na perspectiva de ampliação da esfera privada de resolução e conflitos, como estímulos e arenas de resolução fora dos tribunais, uma outra problemática que emerge, no campo teórico, é o de refletir sobre o contorno do próprio direito e da justiça, e a maneira como um e outra vão perdendo centralidade como instituições de regulação da sociedade. Quanto mais o direito é debatido numa arena particular (de resolução de conflitos concretos interpartes), menos ele serve como padrão de regulação social, porque deixa de cumprir a função de uma razão compartilhada na esfera pública. Em sociedades ainda tão desiguais como o Brasil, a possibilidade de uma justiça sem direito é um obstáculo ao acesso à justiça, e não o seu caminho.

Reencontro nessa perspectiva, os referenciais que já havia identificado em nosso diálogo sobre o tema, nos eventos e articulações que, com Gabriela Rebouças, derivavam de nossos programas de pesquisa (UNIT e UnB) e nossas preocupações compartilhadas.

Fiz anotações obre isso – https://estadodedireito.com.br/experiencias-compartilhadas-de-acesso-a-justica-reflexoes-teoricas-e-praticas/ – ao recensear parte de nossos apontamentos, por exemplo, em REBOUÇAS, Gabriela Maia; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; CARVALHO NETO, Ernani Rodrigues de (Organizadores). Experiências Compartilhadas de Acesso à Justiça: Reflexões teóricas e práticas. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2016, 281 p. Texto Eletrônico. Modelo de Acesso World Wide Web (gratuito). www.esserenelmondo.com.br; e REBOUÇAS, Gabriela Maia; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; ESTEVES, Juliana Teixeira (Organizadores). Políticas Públicas de Acesso à Justiça: Transições e Desafios. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2017, 177 p. E-Book (gratuito). www.esserenelmondo.com.br.

Nessas anotações, a recuperação do trabalho preparatório para  chegar a essas coletâneas concretizado em Workshop realizado em Brasília, em maio de 2015, contando com participantes da UnB, UNIT e UFPE. Na ocasião, a temática desenvolvida, Pesquisa na Pós-Graduação em Direitos Humanos e Justiça na América Latina, contou ainda com valiosa contribuição do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília.

As experiências de pesquisa compartilhadas na ocasião, de observação de políticas públicas de acesso à justiça, sejam com viés teórico ou prático, sinalizaram para a importância de lutas por direitos, evidenciando a cultura de direitos humanos em consonância com uma prática democrática. Aos trabalhos produzidos pelos pesquisadores da rede, foram agregados também contribuições de convidados de outros programas nacionais, além de pesquisadores estrangeiros com afinidade à temática, permitindo ampliar a rede de reflexões para além das experiências do Brasil.

Desde então, ou seja, de 2015 para cá, ao passo que os estudos tomavam argumento e ganhavam a escrita, as garantias de um estado de direito e da democracia eram colocadas em xeque, na conjuntura de mudanças políticas e econômicas de alto impacto para os direitos humanos no Brasil. Mais do que nunca, era preciso dar vasão às reflexões e pesquisas que aqui apresentamos, organizadas em duas partes: (i) reflexões teóricas em acesso à justiça e (ii) experiências práticas em acesso à justiça.

Tenho me referido a essas perspectivas propugnando por uma concepção alargada de acesso à justiça (https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/223), até como modo de realizar a promessa democrática da Constituição que era e é ainda o desafio de concretizar a promessa do acesso democrático à justiça e da efetivação de direitos por meio de estratégias de alargamento das vias para esse acesso e isso implica encontrar no direito a mediação realizadora das experiências de ampliação da juridicidade. Do que se cuida é de alcançar o reconhecimento de que tanto na observação das instituições de Estado, a exemplo do poder Judiciário e Conselhos de Justiça, quanto na análise dos espaços coletivos de realização da sociedade civil, através da cidade, da educação ou da ética, é preciso problematizar e qualificar o acesso à justiça encontram na contribuição de Ludmila Cerqueira Correia (UFPB), Antonio Escrivão Filho (UnB) em co-autoria comigo, uma reflexão fundamental acerca de A expansão semântica do acesso à justiça e o direito achado na assessoria jurídica popular (in Cescontexto, nº 19, outubro, 2017 Debates – www.ces.uc.pt/cescontexto). Neste caso, a aderência com a linha de pesquisa da UnB – Pluralismo jurídico e O Direito Achado na Rua, reforçam a dimensão concreta do direito, como produto de lutas, na correlação de forças que evidenciam compromisso político com os sujeitos coletivos organizados e movimentos sociais cujas atuações expressam práticas instituintes de direitos, reforçando a combinação de instrumentais pedagógicos, políticos e comunicacionais com a dimensão jurídica.

Penso que esses pressupostos foram incluídos no balanço de 30 anos do projeto O Direito Achado na Rua, no qual o acesso à justiça se imanta na dinâmica dos direitos humanos. Basta ver a publicação que decorre desse evento – https://estadodedireito.com.br/o-direito-achado-na-rua-volume-10-introducao-critica-ao-direito-como-liberdade/ e nela a Seção VI – Expansão judicial, direitos humanos e acesso à justiça no Brasil: reflexões em meio aos 30 Anos de O Direito Achado na Rua. Anoto, entre as contribuições que ajudaram a adensar o projeto, exatamente a de Gabriela Maia Rebouças: Acesso à Justiça e Neoliberalismo. O direito a se achar na rua.

São miradas que focam a perspectiva de solidariedade aos vulnerabilizados do social, ao limite do aporofóbico como se pode constatar no estudo de Gustavo de Assis Souza -https://estadodedireito.com.br/o-acesso-a-justica-para-a-populacao-em-situacao-de-rua/. Nele, o acesso à justiça para a população em situação de rua: perspectivas frente às práticas autoritárias aporofóbicas e a atuação da Defensoria Pública, quer se imbricar com o princípio da dignidade humana, e avaliar como esse princípio tem sido violado atualmente, por meio das práticas autoritárias aporofóbicas que são gestadas em detrimento aos pobres.

Por isso que a preocupação também se volta para a expansão judicial da política e questiona a aptidão mediadora do institucional para abrir sendas de reconhecimento das lutas e demandas de dignidade.

Esse o tema desenvolvido por Antonio Escrivão Filho -https://estadodedireito.com.br/porteiro-ou-guardiao-o-supremo-tribunal-federal-em-face-aos-direitos-humanos/ – Porteiro ou Guardião? O Supremo Tribunal Federal em Face aos Direitos Humanos. Antonio Escrivão Filho. São Paulo: Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil/Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), maio de 2018.

Numa linha de interpelação que localiza o trabalho do autor, desde a sua tese, encontra-se o lastro de onde recolhe os pressupostos teóricos para a análise que oferece (cf. Repositório de Teses da UnB – Mobilização social do direito e expansão política da justiça: análise do encontro entre movimento camponês e função judicial. 2017. 315 f., il. Tese (Doutorado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2017). Com efeito, na tese Escrivão Filho oferece o resultado de uma pesquisa que tem por objeto o fenômeno de encontro entre o movimento social e a função judicial no Brasil, analisando a experiência do movimento camponês a partir da década de 1980, com foco empírico (primário e secundário) e bibliográfico nos conflitos fundiários e no MST, observando a sua capacidade de reivindicação e mobilização constitutiva (criação) e instituinte (efetivação) de direitos.

É pois, neste cenário, segundo o resumo do trabalho, observa-se um fenômeno de expansão política da sociedade brasileira, e com ela uma dialética de expansão política do direito, no bojo da ativação social dos direitos fundamentais. De modo complementar, neste período observa-se ainda a densificação das funções de controle judicial sobre a sociedade e os entes estatais, o que, por via de consequência, proporciona uma potencial transferência da deliberação de assuntos de elevada intensidade política para a arena judicial – como a relação ‘Estado-sociedade’ inscrita nos direitos fundamentais- culminando, enfim, no fenômeno identificado pela noção de expansão política da justiça. Identifica-se, assim, que a análise da mobilização social do direito realizada pelo movimento camponês, e o respectivo padrão de enfrentamento judicial com proprietários, tanto pode ser melhor analisada sob o enfoque da expansão política da justiça, como fornece elementos para a própria compreensão do fenômeno da expansão judicial no Brasil, a partir do regime de enunciado democrático.

Esse é o mesmo cenário, embora alargado em alcance histórico e político, no qual Escrivão, aqui denominando contexto, instala sua análise sobre o Supremo Tribunal Federal em face dos direitos humanos. Trata-se, diz ele (pp. 5-6) de reconhecer a política como o campo constitutivo (de criação) e instituinte (de efetivação) de direitos, a partir do que antigos e novos movimentos sociais, urbanos e rurais, comunitários e eclesiais, locais e nacionais, de Gênero e étnico-raciais entram em cena, primeiro deslocando o lócus da ação política dos espaços institucionais para achá-la na rua, espaço público por excelência, depois, ocupando também os espaços institucionais para então disputar a participação no próprio processo constituinte de 1987-88. Assim que, se não parece Possível afirmar a existência de um regime democrático sem direitos fundamentalmente referidos à cidadania – ou seja, às garantias de dignidade, bem estar social e participação ativa na vida política da sociedade – não soaria lógico conceber um regime de direitos sem identificar que, por detrás da sua conquista, traduzida em reconhecimento jurídico-institucional, estão os sujeitos que irromperam a história, superando violências, exploração e opressões cotidianas para, a cada novo momento, a cada nova emergência em luta social, afirmar novos direitos.

Penso que além desse enlace entre direitos humanos e acesso à justiça se dá uma exigência de educação emancipatória, enquanto pedagogia da cidadania. É disso que cuida, no livro tema deste Lido para Você, o artigo que elaborei em co-autoria com a professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa (Rede Brasileira de Educação para os Direitos Humanos): ACESSO À JUSTIÇA, EXTENSÃO E EDUCAÇÃO PARA OS DIREITOS HUMANOS, por meio do qual refletimos “sobre a perspectiva de educação libertadora pela mediação dos direitos humanos, compreendendo o tema do acesso à justiça como uma experiência pedagógica originada da extensão universitária”.

De minha parte remonto aos termos do debate que propus com Escrivão Filho –https://estadodedireito.com.br/para-um-debate-teorico-conceitual-e-politico-sobre-os-direitos-humanos/ (Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016). Com efeito, nessa obra, partimos do debate conceitual dos direitos humanos, para esboçar o panorama do cenário internacional e de sua emergência histórica, no mundo e no Brasil. Para, desse modo, articular o seu percurso no contexto da conquista da democracia, assim designada enquanto protagonismo de movimentos sociais, ao mesmo tempo sujeitos de afirmação e de aquisição dos direitos humanos. Em relevo, pois,  a historicidade latino-americana para acentuar a singularidade da questão pós-colonial forte na caracterização de um modo de desenvolvimento que abra ensejo para um constitucionalismo “Achado na Rua”. Problematiza-se, em conseqüência, os modos de conhecer e de realizar os direitos humanos, em razão das lutas para o seu reconhecimento, a partir das quais se constituem como núcleo da expansão política da justiça e condição de legitimação das formas de articulação do poder e de distribuição equitativa dos bens e valores socialmente produzidos. Aliás, Antonio Escrivão Filho, em co-autoria com Verônica Fonseca de Resende, está presente no livro com o artigo intitulado: UMA LEITURA DA REFORMA TRABALHISTA A PARTIR DA PIR MIDE DE LITÍGIOS, cujo descritor consta da Apresentação já transcrita nessa parte.

Em suma, compreender os direitos humanos dentro de “um programa que dá conteúdo ao protagonismo humanista, conquanto orienta projetos de vida e percursos emancipatórios que levam à formulação de projetos de sociedade para instaurar espaços recriados pelas lutas sociais pela dignidade” e que represente uma concepção alargada de acesso à justiça.

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