CORREIO
BRAZILIENSE, Opinião, p. 11
Gaza:
Parar a "carnificina" e restaurar a força do direito internacional
O governo do Brasil
afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na
Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode
normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel
OPINIÃO
José Geraldo de Souza
Júnior - Opinião
postado em 22/02/2024
06:00
O governo do Brasil
afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na
Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode
normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel. No espaço das
audiências públicas para ouvir a posição dos países-membros das Nações Unidas
sobre os 56 anos de ocupação de Israel em territórios palestinos, que a CIJ
realiza, a avaliação do Brasil busca interromper o curso de uma resposta
unilateral de Israel que, descolada da via jurídica do direito internacional,
acaba levando a uma ação não de força, mas de pura violência,
"desproporcional e indiscriminada", que não expressa uma disposição
de justiça e se cobre de finalidade geopolítica, neocolonial.
A intensidade da ação
militar na região havia levado o presidente Lula a classificá-la como
"genocídio", na esteira das preocupações lançadas pela CIJ, a ponto
de comparar a ofensiva como equivalente àquela infringida aos judeus na
Alemanha nazista.
(https://www.cartacapital.com.br/mundo/mundo-nao-pode-normalizar-a-ocupacao-de-territorios-palestinos-por-israel-defende-o-brasil-em-haia/).
A manifestação do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feita durante a 37ª Cúpula da União
Africana, não foi um arroubo. Só a vê assim, aqueles que, por posicionamento ou
tática política de mobilização de interesses e de alianças, estão de acordo com
a prepotência da intervenção de força para concretizar hegemonias de qualquer
matiz, estratégica, econômica ou ideológica. No local ou no global, acaba
difundido uma narrativa que esconde a intencionalidade de suas razões,
deslocando a objeção que deveria se dirigir ao argumento, para desqualificar o
oponente.
Note-se que a
manifestação não é a de uma voz isolada. O Vaticano pela palavra do cardeal
Pietro Parolin, secretário de Estado, também falou de uma resposta
"desproporcional" em comparação com o ataque do Hamas. É preciso
"parar a carnificina". O direito à defesa, o direito de Israel de
garantir a justiça para os responsáveis pelo massacre de outubro, não pode
justificar essa carnificina". (https://www.ihu.unisinos.br/636611-por-tras-das-frases-do-cardeal-parolin-tem-o-consentimento-de-francisco).
A posição do presidente
Lula, desde o início do conflito, mantém-se coerente e firme, na chamada à
mediação pelo direito internacional, como pela possibilidade mediadora de um
conjunto de países, com assento na Assembleia-Geral, mas que não têm seus
interesses estratégicos envolvidos na região e no conflito, ou em sua
ideologia.
Em minha participação,
juntamente com Cristovam Buarque — os dois únicos sul-americanos convidados e
presentes no Colóquio Internacional de Argel - Encontro de Personalidades
Independentes sobre o tema "Crise du Golfe: la Derive du Droit",
instalado exatamente em 28 de fevereiro de 1991, dia do cessar-fogo na chamada
Primeira Guerra do Golfo, o que procuramos foi indicar, a partir da premissa de
convocação do Colóquio, que a crise coloca o direito à deriva, tendo perdido o
seu rumo no trânsito ideológico entre a "historicidade constitutiva dos
princípios que consignam a sua força e força mesma, representada como Direito
porque formalizada como norma de Direito Internacional".
Já então, uma
inquietação com o emprego hegemônico de razões de fato, para que, em qualquer
caso, principalmente quando há nítida disparidade entre forças, inclusive
militares, que se deixem arrastar por um pretenso "direito de violência
ilimitada", cuja resultante "sugere a cessação da beligerância pelo
aniquilamento inexorável de toda forma de vida". Minhas razões completas
estão no texto A Crise do Golfo: a Deriva do Direito, in Sousa Júnior, José
Geraldo de. Sociologia Jurídica: Condições Sociais e Possibilidades Teóricas.
Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002, p. 133-144).
O que urge é
"restaurar a humanidade incondicional em Gaza". Essa é afirmação de
um médico sem fronteiras (https://www.msf.org/unconditional-humanity-needs-be-restored-gaza).
O que assistimos aqui, diz ele, em matéria que me enviou o querido amigo
Alessandro Candeas, o incansável e presente diplomata brasileiro, embaixador do
Brasil na Palestina: é um "bombardeamento indiscriminado [que] tem de
acabar. O nível flagrante de punição coletiva que está atualmente a ser
aplicado ao povo de Gaza tem de acabar". É preciso "parar a
carnificina". Resgatar o humano que se perde nesse drama. E restaurar a
mediação dos verdadeiramente fortes, que confiam e aplicam a força cogente
(Hannah Arendt) do direito internacional e dos direitos humanos.
JOSÉ GERALDO DE SOUSA
JUNIOR, Ex-reitor da UnB; membro benemérito do Instituto dos Advogados
Brasileiros (IAB); membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de
Brasília; coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.
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