O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

 

1º Fórum de Ouvidores das Américas – “Democracia e Inclusão Social”

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Porta de entrada para as sugestões, reclamações e críticas dos cidadãos aos serviços prestados pelo poder público, as ouvidorias são essenciais para o aprimoramento das políticas e um canal de participação da sociedade.  Agora em novembro, entre 21 e 24,realizou-se em Brasília, sob convocação do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o 1º Fórum de Ouvidorias das Américas – Democracia e Inclusão Social.

 

Organizado pela Ouvidoria-Geral do MDS, o fórum buscou promover a discussão sobre o papel das ouvidorias na promoção da democracia e inclusão social nas Américas, além de ser um espaço para compartilhar boas práticas, experiências e desafios enfrentados pelas ouvidorias da região. “Vamos estar juntos, fortalecendo as ouvidorias, porque assim estaremos fortalecendo a própria democracia, e queremos fazer isso integrados a outros países”, declarou o Ministro Wellington Dias, na abertura do Fórum.

 

O Fórum também serviu para estimular o diálogo entre ouvidores, autoridades, sociedade civil e demais interessados, além de proporcionar oportunidades de aprendizado e networking. “Esse encontro reflete todo o espírito do nosso governo, que é o espírito de democracia, de transparência, de permitir que o nosso povo possa viver a plenitude de todos os aspectos da vida. A ouvidoria é um instrumento capaz de nos levar nesta direção”, apontou Osmar Júnior, secretário-executivo do MDS.

 

O presidente do Conselho Nacional de Ouvidoria das Defensorias do Brasil, Guilherme Pimentel, ressaltou a importância da participação dos movimentos sociais e da sociedade civil para a melhoria da qualidade do serviço público. “A sociedade civil e os movimentos sociais têm conhecimento da realidade, mas não têm estrutura para dar conta do atendimento em massa. Não há como se falar de inclusão social e democracia num país continental como o Brasil sem defender o serviço público”.

 

No primeiro dia do evento, também foi lançado o Pacto das Ouvidorias pela Democracia e Inclusão Social, que tem por premissas a articulação, a diversidade, a intersetorialidade e a capilaridade que se estrutura nos seguintes eixos: Ampliação, estruturação e fortalecimento das ouvidorias públicas; Garantia dos direitos políticos e sociais, econômicos, culturais e ambientais;  Garantia de acesso aos serviços públicos e à informação verídica e tempestiva; Enfrentamento das estratégias de colonização cultural, territorial e econômica.

 

Com muita satisfação, a convite a Ouvidora-Geral do MDS Eliana Pinto, participei do evento, como expositor numa mesa de comunicações internacionais, a partir da realidade do continente, incumbindo-me, na perspectiva Democracia e Inclusão Social no Contexto Continental, do tema Democracia nas Américas: América do Sul (Brasil).

 

Na minha apresentação, sobre avaliar a realidade sul-americana e em particular, a brasileira, tomei como referência experiências em curso, a título de efeito-demonstração, na Colômbia, na Bolívia, no Peru, no Chile, na Argentina e, claro, no Brasil, para acentuar o que pode ser considerado uma realidade marcada por polarizações assimétricas, revelando recorrências de experiências autoritárias, em alguma medida proto-fascistas, ou ao menos necropolíticas (caso do Brasil, entre 2016 e 2022), cujas contradições apontam para um horizonte marcado por desilusões, esperanças e incertezas, mas com um cenário razoavelmente progressista.

 

Integrante da Comissão de Análise de Conjuntura que assessora a CNBB, participei da construção de documento recente (novembro), em cujas conclusões, anotamos o que, neste sentido, em relação ao Brasil, denominamos de sinais de esperança, no sentido, de é possível que as sementes plantadas em 2023 – depois de 11 meses de um governo democrático-popular –“tendam a germinar e dar frutos nos próximos anos para melhorar o desempenho e, sobretudo, redirecionar a economia brasileira”.

 

Ainda que a permanência daquelas condições de alienação que a origem colonial, acentuada pelo traço neocolonial que o neoliberalismo trouxe para o país e para a sociedade, possa ceder a mobilizações emancipatórias para a construção democrática, incidindo não apenas nas formas institucionais democráticas, mas nos processos mesmos, no sentido material da democratização de toda a sociedade.

 

Voltando às conclusões da Análise de Conjuntura apresentada a CNBB, o que ali indicamos é que é razoável, como sinal de esperança acreditar “nas realidades e na força que surge das comunidades: a luta em defesa dos territórios e a teia dos povos das florestas, das cidades, dos campos e das águas, o trabalho da “Economia de Francisco e Clara”, a presença constante de tantos projetos de solidariedade, a força dos movimentos sociais, como o movimento negro116 e o movimento indígena117, o papel das escolas nas comunidades, a organização e a mobilização das mulheres, a forte articulação das pastorais sociais, as Campanhas da Fraternidade , tão proféticas, a presença da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e 37 os projetos de economia solidária e agroecologia, são sinais importantes, dentre tantos  outros que nos inspiram”.

 

De levar a sério “a proposta de retomada da industrialização está sendo construída com a pegada da “inovação, descarbonização, inclusão social e crescimento sustentável”, um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas”, mesmo sabendo “que há muito a ser debatido para transformar proposições em consistentes relações sociais e de produção. Mas é um início que merece toda a nossa atenção”.

 

De poder esperar, portanto, eu o disse aqui neste espaço do Jornal Brasil Popular, de que se trata de pensar um projeto de sociedade, que se funde no“Direito e a Justiça concebidos como liberdade, emancipação e não restrição, vivo, instituinte, emergindo do social e aspirando a formas e modos legítimos de institucionalização, para se constituir como normatividade democrática, afluente, ativada por uma cidadania participativa” (https://www.brasilpopular.com/vaticano-conferencia-sobre-colonialismo-descolonizacao-e-neocolonialismo/).

 

Num Fórum de Ouvidorias, não pude deixar e evocar aqueles fundamentos que me levaram, como Reitor, a conduzir a institucionalização, na minha universidade, a UnB, de uma Ouvidoria autônoma, no topo da estrutura, ancorada nesses fundamentos – democracia e inclusão social – portanto, orientada para estabelecer posições interpretativas e de realização democrática (constitucionais), balizadas pelos parâmetros do trabalho decente, da cidadania e dos direitos humanos (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de – Org – Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora UnB, 2012).

 

Com certeza, para além dos ganhos de intercâmbio de experiências, da oportunidade política de estabelecer um pacto das ouvidorias pela democracia, vale por em relevo os enunciados educadores, no sentido de uma as Ouvidorias Públicas são um instrumento pedagógico fundamental para inovar e criar condições compartilhadas de gestão participativa para dar efetividade ao controle social sobre as políticas públicas e sociais realizadas por meio dos serviços públicos e que realizam, assim, um papel democrático mediador entre a administração pública e a sociedade.

 

A partir de a firmação de princípios e de compromissos, se apresentaram os participantes, representantes de Ouvidorias Públicas credenciadas para o Fórum, determinados a: Seguir em permanente vigília em defesa da democracia e retomar a agenda dos direitos humanos como requisito para a existência dela;Trabalhar em rede e intensificar as trocas de boas práticas, cientes da relevância dessa sinergia para a efetiva participação cidadã nos destinos do Estado;Prezar pelo contínuo aprimoramento das políticas públicas, fazendo devolutivas e viabilizando a comunicação tempestiva e em mão dupla entre a cidadania e o Estado;Buscar novas formas de arranjo social nas quais a liberdade e a dignidade da pessoa humana e o apego a instituições inclusivas sejam respeitados pelos líderes políticos;Dar visibilidade às problemáticas que afligem a cidadania, tais como pobreza, deslocamento forçado, guerras, ameaças ambientais e mudanças climáticas, violência, insegurança, discriminação, corrupção e ameaças à saúde mental, para criar incômodo e impelir a ação;Lançar mão de todos os meios legais possíveis para chamar a administração pública à ação, de modo que devolva resolutividade aos anseios populares em tempo oportuno; Trabalhar pela educação em direitos humanos e sobre direitos humanos; Ter o bem-viver como horizonte para a garantia da defesa de direitos; Firmar o Pacto pela Democracia e pela Inclusão Social, materializando os compromissos reavivados neste I Fórum de Ouvidorias das Américas;Disseminar os conhecimentos e as trocas obtidos neste espaço de diálogo e ampliar a interlocução com outros atores sociais, coletivos e organizações dos países do continente americano e também da África.

 

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

 

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

 

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

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