Ciência & Saúde Coletiva Publicação de: ABRASCO. Condições de Trabalho e Saúde Mental dos Trabalhadores da Saúde no Contexto da COVID-19 no Brasil
Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Título original: Ciência & Saúde Coletiva Publicação de: ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Volume: 28, Número: 10, Publicado: 2023. https://www.scielo.br/j/csc/i/2023.v28n10/.
Valiosa a edição deste número de Ciência & Saúde Coletiva, publicação da ABRASCO, dedicada ao tema “Condições de Trabalho e Saúde Mental dos Trabalhadores da Saúde no Contexto da COVID-19 no Brasil”.
Para lembrar, a ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva é uma organização de apoio ao ensino, pesquisa, cooperação e prestação de serviços no campo da Saúde Pública/Saúde Coletiva. Seu corpo social é formado por técnicos, profissionais, estudantes e professores da área, além de instituições de ensino, pesquisa e serviço.
Vem de longe minha ligação com a institucionalidade e o associativismo civil que se engaja na construção do conceito constitucional da saúde como direito social, não só em interação com a Abrasco, mas com o Cebes (https://www.youtube.com/watch?v=_aGQVP5yN-w – Seminário Cebes 4 anos – entrevista José Geraldo de Sousa Junior) e, sobretudo na interlocução com o sistema público de saúde. Basta ver, neste âmbito, a minha participação na 8ª Conferência Nacional de Saúde, cf. minha participação no painel: Saúde como Direito Inerente à Cidadania e à Personalidade, no qual apresentei o tema: A Construção Social da Cidadania (Anais da 8ª Conferência Nacional de Saúde 1986. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1987). Como se sabe, muito pelo protagonismo do Movimento Sanitarista brasileiro, essa Conferência praticamente desenhou o modelo de saúde que o Constituinte de 1988, aprovou na Constituição.
O acumulado desse processo se projeta em projetos acadêmicos, entre os quais o que se insere nos processos de pesquisa nesse campo, relevo para o que se sintetiza no Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq) publicado na série O Direito Achado na Rua, com dois volumes já publicados, em parceria com a Fiocruz e a OPAS – Organização Panamericana de Saúde: Introdução Crítica ao Direito à Saúde, vol. 4 e Introducción Crítica al Derecho a la Salud, vol. 6 (https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/39282/O%20Direito%20Achado%20na%20Rua.pdf?sequence=2).
A mais recente aplicação desse acumulado, tem sido no bem sucedido esforço programático docente contido no desenvolvimento da Disciplina: DIREITO À SAÚDE, DIREITOS HUMANOS E O DIREITO ACHADO NA RUA: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS DIREITOS, Créditos: 2 (30h/a), já com três semestres integralizados, no Programa de Pós-Graduação – Escola Fiocruz de Governo (EFG/Direb/Fiocruz), com a participação dos professores SWEDENBERGER BARBOSA e MARIA FABIANA DAMASIO PASSOS ESTEVES (Diretora da Fiocruz Brasília), com os quais colaboro.
Neste Semestre/ano: 2º/2023, a disciplina, ainda em desenvolvimento, no momento em que escrevo esta Coluna Lido para Você, segue a seguinte Ementa:
O Direito como “expressão de uma legítima organização social da liberdade”, tal como formulado por Roberto Lyra Filho-marco conceitual original do projeto denominado O Direito Achado na Rua.
“Direitos Humanos como lutas sociais concretas da experiência de humanização,na trajetória emancipatória do homem. “
Democracia e Cidadania. Saúde como conquista social. e como direito humano fundamental Participação e Controle Social em Saúde, Papel do Estado e dos Movimentos Sociais.
Reforma Sanitária. Brasileira, Processo histórico de construção do Sistema Único de Saúde-SUS: arcabouço jurídico, princípios e diretrizes. Financiamento da saúde e Austeridade fiscal. Dilemas e desafios para a consolidação e o futuro do SUS.
O SUS e as respostas à pandemia do novo coronavírus-covid-19 nos diferentes níveis de governo.
Coordenação Federativa, Instrumentos e estratégia de integração entre :1)os três níveis de governo e2) governos e sociedade . . O Sistema Único de Saúde-SUS e sua relação com as demais políticas públicas de inclusão social.
Direitos Humanos e covid-19: impactos e respostas da sociedade civil e dos grupos vulnerabilizados à pandemia.
A ênfase programática, inferida da ementa e dos objetivos da disciplina foi assim definida: “Direito à Saúde, Direitos Humanos e o Direito Achado na Rua: Reflexões sobre o Futuro no Pós-Pandemia. Mundo do trabalho na saúde: repercussões no cenário pandêmico e pós-pandêmico e aspectos da gestão da ética pública”.
Além dos pressupostos político-epistemológicos que derivam do entendimento de O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática, articulados ao tema da saúde e dos direitos humanos, no contexto programático no semestre letivo em curso, tomou como referência central para o seu desdobramento, definição de agendas de autores-convidados, seminários e análises (resenhas e ensaios) atribuídos aos participantes, duas referências bibliográficas centrais, que permitiram o encontro desses fundamentos:
Os livros (https://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-e-covid-19/) Direitos Humanos e Covid-19. Grupos sociais vulnerabilizados e o contexto de pandemia. Organizadores: José Geraldo de Sousa Junior, Talita Tatiana Dias Rampin e Alberto Carvalho Amaral. Prefácio de Boaventura de Sousa Santos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2021; e (https://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-covid-19-vol-2-respostas-sociais-a-pandemia/) Direitos Humanos & Covid-19, vol. 2. Respostas Sociais à Pandemia. José Geraldo de Sousa Junior, Talita Tatiana Dias Rampin, Alberto Carvalho Amaral (orgs.). Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2022, 918 p.
Nesses livros, alguns trabalhos, além de inscritos nos itens do programa da disciplina, permitiram direta ou indiretamente, correspondência ao número de Ciência & Saúde Coletiva objeto deste Lido para Você:
Pandemia da Covid-19 e profissionais da saúde no Brasil: desafios e violações de direitos vivenciados por trabalhadoras/es da linha de frente, LUCIANA LOMBAS BELMONTE AMARAL
Disputa de narrativas e hermenêutica constitucional: ADPF 822 e a declaração do “estado de coisas inconstitucional” na gestão da saúde pública na pandemia, JOSÉ EYMARD LOGUERCIO, MAURO DE AZEVEDO MENEZES e RICARDO QUINTAS CARNEIRO
Direitos Humanos e Covid-19: a Fiocruz e as respostas à pandemia, SWEDENBERGER DO NASCIMENTO BARBOSA, MARIA FABIANA DAMASIO PASSOS e LEANDRO PINHEIRO SAFATLE.
Volto a Ciência & Saúde Coletiva Publicação de: ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Volume: 28, Número: 10, Publicado: 2023. Registro para seu Sumário altamente urgente e convocatório:
Aprender com a pandemia – e não repetir os erros Editorial
Silva, Luiz Inácio Lula da
O olhar da Ética e da Bioética sobre o trabalhador e o trabalho em saúde no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil Debate
Barbosa, Swedenberger do Nascimento
O sujeito, sua práxis e suas consequências Debatedores
Sousa Junior, José Geraldo de
A bioética em tempos de emergência sanitária Debatedores
Costa, Humberto
Em defesa da vida, da ciência e da solidariedade Debatedores
Bezerra, Maria de Fátima
Transformações no mundo do trabalho em saúde: os(as) trabalhadores(as) e desafios futuros Artigo
Machado, Maria Helena; Campos, Francisco; Haddad, Ana Estela; Santos Neto, Pedro Miguel dos; Machado, Antônio Vieira; Santana, Vanessa Gabrielle Diniz; Marengue, Helena da Conceição Ouana; Santos, Renato Penha de Oliveira; Mauaie, Clara Cacilda; Freire, Neyson Pinheiro
Perfil e essencialidade da Enfermagem no contexto da pandemia da COVID-19 Artigo
Santos, Betânia Maria Pereira dos; Gomes, Antonio Marcos Freire; Lourenção, Luciano Garcia; Cunha, Isabel Cristina Kowal Olm; Cavalcanti, Aurilene Josefa Cartaxo de Arruda; Silva, Manoel Carlos Neri da; Lopes Neto, David; Freire, Neyson Pinheiro
A precarização jurídica das relações de trabalho como fator de sofrimento das(os) trabalhadoras(es) no setor da saúde durante a pandemia de COVID-19 Artigo
Militão, João Batista dos Santos; Maior, Jorge Luiz Souto; Silva, Luís Fernando; Barbosa, Swedenberger do Nascimento; Machado, Maria Helena; Gomes, Antônio Marcos Freire; Barreto, José Cláudio Silva; Aguiar Filho, Wilson
Condições de trabalho e biossegurança dos profissionais de saúde e trabalhadores invisíveis da saúde no contexto da COVID-19 no Brasil Artigo
Machado, Maria Helena; Coelho, Maria Carlota de Rezende; Pereira, Everson Justino; Telles, Alexandre Oliveira; Soares Neto, Joaquim José; Ximenes Neto, Francisco Rosemiro Guimarães; Guimarães-Teixeira, Eleny; Bembele, João Niquice; Silva, Luciana Guedes da; Vargas, Filipe Leonel
Comorbidades e saúde mental dos trabalhadores da saúde no Brasil. O impacto da pandemia da COVID-19 Artigo
Guimarães-Teixeira, Eleny; Machado, Antônio Vieira; Lopes Neto, David; Costa, Lilian Soares da; Garrido, Paulo Henrique Scrivano; Aguiar Filho, Wilson; Soares, Rayane de Souza; Santos, Beatriz Rodrigues dos; Cruz, Eliane Aparecida da; Contrera, Marina Athayde; Delgado, Pedro Gabriel Godinho
O Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) como espaço estratégico para a modernização do SUS e para a geração dos empregos do futuro Artigo
Gadelha, Carlos Augusto Grabois; Gimenez, Denis Maracci; Cajueiro, Juliana Pinto de Moura; Moreira, Juliana Duffles Donato
Observatório Covid-19 Fiocruz – uma análise da evolução da pandemia de fevereiro de 2020 a abril de 2022 Artigo
Freitas, Carlos Machado de; Barcellos, Christovam; Villela, Daniel Antunes Maciel; Portela, Margareth Crisóstomo; Reis, Lenice Costa; Guimarães, Raphael Mendonça; Xavier, Diego Ricardo; Saldanha, Raphael de Freitas; Mefano, Isadora Vida
Carregando vidas e mortes: o cotidiano de trabalho de maqueiros hospitalares no contexto da COVID-19 Artigo
Araujo, Luísa Maiola de; Santos, Adriana Kelly
Análise da associação entre níveis de fadiga por compaixão e engajamento no trabalho com a COVID-19 em profissionais de enfermagem Artigo
Lourenção, Luciano Garcia; Penha, José Gustavo Monteiro; Ximenes Neto, Francisco Rosemiro Guimarães; Santos, Betânia Maria Pereira dos; Pantoja, Vencelau Jackson da Conceição; Ribeiro, Josias Neves; Cunha, Ludimila Magalhães Rodrigues da; Nascimento, Vagner Ferreira do
Associações entre as características sociodemográficas e de saúde dos trabalhadores do Ministério da Saúde e COVID-19 Artigo
Matielo, Etel; Artmann, Elizabeth; Costa, Mayara Suelirta da; Meneses, Michele Neves; Silva, Patrícia Ferrás Araújo da
Análise de situações de trabalho na fiscalização sanitária de medicamentos da agência reguladora federal Artigo
Martins, Mary Anne Fontenele; Scherer, Magda Duarte dos Anjos
Qualidade de vida e engajamento no trabalho em profissionais de enfermagem no início da pandemia de COVID-19 Artigo
Carvalho, Taisa Moitinho de; Lourenção, Luciano Garcia; Pinto, Maria Helena; Viana, Renata Andrea Pietro Pereira; Moreira, Ana Maria Batista da Silva Gonçalves; Mello, Leticia Pepineli de; Medeiros, Gilney Guerra de; Gomes, Antonio Marcos Freire
Fatores associados ao estresse ocupacional entre cirurgiões-dentistas do setor privado no primeiro ano da pandemia de COVID-19 Artigo
Pacheco, Elis Carolina; Avais, Letícia Simeoni; Ditterich, Rafael Gomes; Silva-Junior, Manoelito Ferreira; Baldani, Márcia Helena
Condições de trabalho e saúde mental de agentes comunitários de saúde na pandemia de COVID-19 Artigo
Fernandes, Tatiana Fróes; Lima, Clara Cynthia Melo e; Silva, Patrick Leonardo Nogueira da; Rossi-Barbosa, Luiza Augusta Rosa; Pinho, Lucineia de; Caldeira, Antônio Prates
Resiliência, depressão e autoeficácia entre profissionais de enfermagem brasileiros na pandemia de COVID-19 Artigo
Sousa, Laelson Rochelle Milanês; Leoni, Pedro Henrique Tertuliano; Carvalho, Raphael Augusto Gir de; Ventura, Carla Aparecida Arena; Silva, Ana Cristina de Oliveira e; Reis, Renata Karina; Gir, Elucir
Ansiedade e depressão em fisioterapeutas brasileiros durante a pandemia de COVID-19: um estudo transversal Article
Capellini, Verena Kise; Paro, Flavia Marini; Vieira, Rodrigo Daros; Wittmer, Veronica Lourenço; Barbalho-Moulim, Marcela Cangussu; Soares, Samanta Caroline Santos; Oliveira, Christyne Gomes Toledo de; Duarte, Halina
COVID-19 e os sistemas de saúde do Brasil e do mundo: repercussões das condições de trabalho e de saúde dos profissionais de saúde Artigo
Machado, Antônio Vieira; Ferreira, Wagner Eduardo; Vitória, Marco Antônio de Ávila; Magalhães Júnior, Helvécio Miranda; Jardim, Letícia Lemos; Menezes, Marco Antônio Carneiro; Santos, Renato Penha de Oliveira; Vargas, Filipe Leonel; Pereira, Everson Justino
Condições de trabalho na atenção primária à saúde na pandemia de COVID-19: um panorama sobre Brasil e Portugal Artigo
Santos, Renato Penha de Oliveira; Nunes, João Arriscado; Dias, Nicole Geovana; Lisboa, Alisson Sampaio; Antunes, Valeska Holst; Pereira, Everson Justino; Barbosa, Swedenberger do Nascimento
¿Sistemas de salud resilientes para países ya resilientes? Los discursos de la pandemia en la era post COVID-19 Artigo
Arroyo-Laguna, Juan
Contratación de estudiantes de enfermería en el contexto de la pandemia por COVID-19 en México. Una respuesta rápida a la emergencia de salud Artigo
Aristizabal, Patricia; Martínez-Abascal, Alessandra; Macías-Romero, Julio Cesar; Nigenda, Gustavo
Trabajo, teletrabajo y salud mental en el contexto COVID-19 Artigo
Gallegos, Miguel; Martino, Pablo; Quiroga, Víctor; Bonantini, Carlos; Razumovskiy, Anastasia; Gallegos, Walter L. Arias; Cervigni, Mauricio
Alta responsável e relações interprofissionais na perspectiva e no agir da enfermagem em tempos de pandemia de COVID-19 Artigo
Andreazza, Rosemarie; Chioro, Arthur; Bragagnolo, Larissa Maria; Silva, Franciele Finfa da; Pereira, Ana Lucia; Mauri, Leonardo; Rodrigues, Elen Paula; Furtado, Lumena Almeida de Castro; Carapinheiro, Graça
Fatores de risco à saúde mental dos profissionais da saúde durante a pandemia de COVID-19: revisão sistemática Artigo
Silva, Mariane Alexandra Xavier da; Santos, Mairana Maria Angélica; Araújo, Angélica Barros; Galvão, Cláudia Regina Cabral; Barros, Márcia Maria Mont’Alverne de; Silva, Ana Cristina de Oliveira e; Souza, Marina Batista Chaves Azevedo de; Barroso, Bárbara Iansã de Lima
Impactos da infodemia sobre a COVID-19 para profissionais de saúde no Brasil Artigo
Freire, Neyson Pinheiro; Cunha, Isabel Cristina Kowal Olm; Ximenes Neto, Francisco Rosemiro Guimarães; Vargas, Filipe Leonel; Santiago, Bruna Karoline de Almeida; Lourenção, Luciano Garcia
A resposta de Itália e Vietnã à pandemia de COVID-19: análise de duas experiências internacionais à primeira onda da doença Artigo
Soares, Catharina Leite Matos; Alves, Gerluce; Santos, Elberte dos; Paim, Jairnilson Silva
Olha, você (não) está sozinho: a circulação da dádiva e a saúde mental de profissionais de saúde durante a pandemia de COVID-19 Artigo
Castro, Barbara da Silveira Madeira de; Camacho, Karla Gonçalves; Reis, Adriana Teixeira; Abramov, Dimitri Marques; Gomes Junior, Saint Clair dos Santos; Moore, Daniella Campelo Batalha Cox; Junqueira-Marinho, Maria de Fátima
Ensaio sobre estatísticas do crime e etnografias da insegurança Resenhas
Silva, Martinho
Desde logo devo demarcar, a nota de singularidade – e de prestígio – a demarcação ético-política que abre a edição, com característica editorial, pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, dando a medida pedagógica de sua governança, marcada por uma política que humaniza e jamais mercadoriza a vida:
A pandemia da COVID-19 gravou no coração brasileiro um profundo reconhecimento aos trabalhadores e trabalhadoras da saúde.
Em meio a uma avalanche de desinformação sem precedentes, nossos mais de 4 milhões de profissionais de saúde – sendo 3,5 milhões deles ligados diretamente ao Sistema Único de Saúde (SUS) – formaram uma verdadeira barreira de proteção da vida contra o descaso e o negacionismo. E os artigos presentes nessa revista mostram que eles estão entre os que mais sofreram nos anos de pandemia.
Médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e tantos outros profissionais lidaram com um volume gigantesco de atendimentos – muitas vezes, sem a estrutura de leitos e equipamentos necessários para atender os pacientes. E sem os equipamentos de segurança necessários para protegerem a própria saúde.
Agentes comunitários de saúde, motoristas de ambulâncias, profissionais da limpeza, da segurança ou da cozinha de unidades de saúde compartilharam a mesma carga extenuante de trabalho, os mesmos riscos, e papel igualmente fundamental na defesa da vida.
Em comum a todas essas pessoas, há o cansaço, a tensão e a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, poderiam ser contaminadas – e muitas delas, de fato, contraíram a doença. Há o desgaste físico e psicológico. Há a tristeza pela perda de colegas.
Não bastasse isso, há também o desrespeito dos discursos de ódio gestados na internet contra quem defendeu a ciência, e não contra os objetivos políticos obscuros. E uma condição talvez até mais sofrida: o medo de levar o vírus para o seio de seus lares. A dor de negar um abraço e um carinho aos filhos, aos pais ou à pessoa amada.
O que as trabalhadoras e os trabalhadores de saúde passaram durante a pandemia não pode ser esquecido. Precisa ser estudado e ficar registrado. Precisa, sobretudo, servir de ensinamento para que nossas políticas públicas sejam aprimoradas e para que situações como as enfrentadas justamente por aqueles que salvam vidas nunca mais se repitam.
A verdade é que o Brasil tem todas as condições de fazer isso. O SUS é uma conquista democrática e um exemplo para o mundo, seja pelo seu gigantismo, pela sua organização federativa ou pela sua capacidade de atendimento. Nossa regulação de saúde, assim como nossa regulação trabalhista, é sólida e eficiente. E temos uma sociedade civil forte e organizada, capaz de defender os direitos das categorias profissionais.
Contamos, também, com a ciência. Com pesquisadoras e pesquisadores gerando e registrando o conhecimento, como o que está presente nesta revista. Conhecimento que nos ajudará a saber o que fazer para sempre garantir que todos – inclusive os profissionais da área – possam exercer seu direito à saúde.
Encontro nesse editorial, também a nota pedagógica que o vírus trouxe para desafiar nossas concepções de mundo, de sociedade e de existência. Nos livros que co-organizei sobre Direitos Humanos e Covid-19, destaco, nesse aspecto, recorte do Prefácio de Boaventura de Sousa Santos que é como uma senha para a sua compreensão: “Uma lição que a história pode nos ensinar se estivermos dispostos a aprender, nessa quadra em que a pandemia parece acentuar a deriva da participação da pertença, sobretudo no colapso que os governos autoritários e antipovo revelam, é a que encontramos nas respostas sociais, autogestionadas, comunitárias que os movimentos e organizações sociais estão a oferecer. Neste livro há uma boa mostra dessas respostas, que representam um alento para conter a deriva, extremamente dramática, na realidade brasileira”.
Felizmente voltamos a encontrar de novo na governança, com a retomada do projeto democrático-popular, cuja recuperação se inicia com as eleições de outubro de 2022. Por isso, detenho-me sobre o texto de Swedenberger do Nascimento Barbosa – O olhar da Ética e da Bioética sobre o trabalhador e o trabalho em saúde no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil Debate – ele participa co-autoralmente em outros trabalhos da edição – cujo resumo expõe o alcance ético da publicação:
O artigo versa sobre ética e bioética com foco no trabalhador e no trabalho em saúde no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil. Traz de forma inédita o debate sobre as desigualdades sociais e econômicas, evidenciadas no mundo, quanto ao acesso a vacinas, medicamentos, testes, EPIs, entre outros, que trouxeram sofrimento e morte. A disputa por esses produtos ocorreu em escala global e países produtores fecharam seus mercados e a dependência comercial levou a situações dramáticas. Durante a pandemia, diversas questões éticas foram evidenciadas: conflitos, dilemas e infrações éticas ocorreram em diferentes situações como nos ambientes de assistência à saúde, na relação entre gestores e trabalhadores de saúde, no âmbito das equipes de saúde e destas para com a sociedade. O artigo também traz o polêmico debate se as mortes ocasionadas pela COVID-19 no Brasil devem ser encaradas como fenômenos biológicos ou sociais: fatalidade, homicídio, mistanásia ou eutanásia social. O artigo conclui que na gestão pública é imperativo que seja aplicada a Ética da Responsabilidade e a Humanização do Cuidado. Nesse contexto de incertezas e desafios para a humanidade é fundamental a participação da sociedade em torno de uma agenda pautada por princípios éticos, dignidade humana, meio ambiente e democracia, com políticas públicas e econômicas inclusivas.
Um ganho para o programa da disciplina está em que além do texto de Swedenberger do Nascimento Barbosa, a edição tenha requisitado em relação a eles, comentários. O senador e ex-ministro da saúde Humberto Costa e a governadora Fátima Bezerra, o fizeram com brilho de gestores/legisladores e eu próprio recebi essa incumbência, pensando como professor. Reproduzo meu comentário, publicado na edição:
Recebi como uma convocação o encaminhamento que me fez Maria Helena Machado, coordenadora da equipe das pesquisas “Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19 no Brasil” (pesquisa mãe)[Machado MH, coordenadora. Pesquisa: Condições de trabalho dos profissionais de saúde no contexto da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: ENSP/CEE-Fiocruz; 2020/2021] e “Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil” (subprojeto)[Machado MH, coordenadora. Pesquisa: Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: ENSP/CEE-Fiocruz; 2021/2022] para comentar o texto “O olhar da Ética e da Bioética sobre o trabalhador e o trabalho em saúde, no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil”, do professor Swedenberger Barbosa, ciente de que o artigo integrará uma edição temática na Revista Ciência & Saúde Coletiva.
Desde logo reconheço no artigo a mesma disposição que o autor já projetara em anteriores que conheço e sobre os quais já tive oportunidade de opinar. Notadamente o livro A Bioética no Estado Brasileiro. Situação Atual e Perspectivas Futuras3 que se inscreve num campo político-epistemológico, presente também no texto que comento, no qual o autor estabelece uma relação cogente entre bioética e direitos humanos. Com efeito, depois que a UNESCO, em 2005, aprovou o teor da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, operou-se, inevitavelmente, essa relação, passando o campo a incorporar, além dos aspectos biomédicos e biotecnológicos tradicionais nos estudos da área, os temas da bioética social com foco na universalização dos direitos e do acesso aos serviços públicos de saúde e outros que dão concretude aos direitos de cidadania.
No livro, o autor aprofunda a abordagem interdisciplinar que já vinha fazendo ao uma mais estreita aproximação entre esses campos. Ali, ele começara a problematizar as questões que estão presentes no artigo, voltado para condições de trabalho de profissionais de saúde:
Como, por exemplo, avançar para que os direitos pessoais, morais, sociais sejam garantidos à luz das novas tecnologias biomédicas? Como gerar a interface entre os princípios constitucionais de cidadania e dignidade humana e as urgentes decisões que envolvem condutas e normas morais em sua dimensão bioética e que interferem na vida humana? Como a atual ordem jurídica e as decisões judiciais podem ser consideradas e atualizadas como ‘justas’ sob os aspectos dos princípios e fundamentos do direito e da bioética? Como lidar com recursos escassos em saúde e as decisões sobre a vida? Entendemos que estas e outras questões devam se constituir em uma agenda de discussões multidisciplinares, não restrita à Academia, em que estejam resguardados entre outros elementos, a dignidade humana e as liberdades fundamentais. Um importante instrumento para que se faça este estudo e debate é a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, avaliando-se a sua aplicação à realidade brasileira, sua relação com a legislação do país e eventuais contradições existentes, o que implica necessariamente numa profunda análise de nossa ordem jurídica e de nossas condutas éticas e morais [Barbosa SN. A Bioética no Estado Brasileiro. Situação Atual e Perspectivas Futuras. Brasília: Editora UnB; 2010].
Assim, pois, com Marilena Chauí, o autor assume no artigo que a ação ética é aquela que torna o sujeito inseparável de sua práxis e consequências. Isto remete à noção de consciência moral, ou seja, o sujeito ético é aquele que sabe o que faz, o que o motivou e responde pelo seu desejo e ação. E isso o remete ao pensador que é a sua referência na Bioética, Hans Jonas, com o qual considera ser necessário e urgente, assumir uma concepção de responsabilidade que opere como princípio ético para conduzir ações, sobretudo políticas, para preservar a integridade o humano que vai constituir as gerações vindouras.
Por isso que, uma outra importante contribuição do autor, sempre presente em suas obras, é atenção às exigências de realização dos direitos e da cidadania, numa sociedade complexa e desigual não é possível sem que se invente, construa e experimente novos paradigmas para a ação política transformadora, uma tarefa que, no estado de direito democrático passa pela sociedade organizada, mas que não pode prescindir da atuação dos agentes e das políticas públicas estatais. Esta dimensão, forte na abordagem de Swedenberger, vai aparecer, por exemplo, em livro que ele organizou para o Ipea, com base em Seminário do qual decorre a obra: Bioética em debate – aqui e lá fora [Barbosa SN, organizador. Bioética em debate – aqui e lá fora. Brasília: Ipea; 2011].
No artigo que examino, esses pressupostos estão presentes, sobretudo quando a pesquisa põe inteiramente a descoberto, em relação aos profissionais de saúde no contexto da pandemia, o que se passou no Brasil nos últimos quatro anos. Na contramão de todos os princípios morais e sanitários que recomendam esforços responsáveis, o que se viu, em meio à desorientação funcional e errática de autoridades das quais um mínimo de coordenação devesse ser esperada, concedendo que não se atenham a intenções dolosas, uma postura que ultrapassa “todos os limites” ao impulso da “estupidez assassina” que implica o próprio “presidente diante da pandemia de coronavírus” ao ponto de uma “irresponsabilidade delinquente”, que sequer finge “capacidade e maturidade para liderar a nação de 212 milhões de habitantes num momento dramático da sua trajetória coletiva”. É o que disse em editorial o Jornal Folha de São Paulo (“O que Pensa a Folha”, 12/12/2020), ao apostrofar: “Chega de molecagens com a vacina!”.
O artigo de Swedenberger Barbosa abre perspectivas atuais e futuras para orientar políticas públicas de concretização de direitos. E serve de referência para apontamentos posteriores no sentido de não perder de vista a relação necessária entre bioética e direito à saúde, incluindo os direitos dos trabalhadores de saúde e, a partir dessa relação identificar e confrontar os dilemas que se abrem para a discussão e a aplicação dos fundamentos éticos das ações e políticas de saúde pública.
Mas, com autenticidade, melhor diz sobre a publicação, seus pressupostos, contexto e alcance, um artigo visceral. Vou ao sumário da publicação para por em relevo esse artigo – Transformações no mundo do trabalho em saúde: os(as) trabalhadores(as) e desafios futuros –, assinado por Maria Helena Machado com a co-autoria, pode-se dizer, do núcleo duro que coordenou o processo de pesquisa e de edição. Confira-se o resumo do texto:
O artigo versa sobre o mundo do trabalho da saúde, especialmente no SUS no contexto da pandemia no Brasil. O artigo utilizou dados das pesquisas “Condições de trabalho dos profissionais de saúde no contexto da COVID-19 no Brasil” e “Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da COVID-19 no Brasil”. A análise dos dados comprova que a pandemia evidenciou problemas estruturais existentes no âmbito do Sistema Único de Saúde, envolvendo a gestão da FTS o que pode ser interpretado como mais um dos reflexos das desigualdades socioeconômicas já existentes no país. Destacam-se: a reduzida oferta de educação permanente, a regulação do cuidado híbrido, precarização, desproteção no ambiente de trabalho, frágil biossegurança levando a trágicas taxas de adoecimento e mortes de trabalhadores da saúde. Conclui mostrando a importância de formulação de políticas públicas no âmbito da gestão da educação e do trabalho no SUS que assegurem a discussão sobre cuidado híbrido como nova forma de atuar sem perder qualidade, a necessidade de se rever questões referentes a: educação permanente, proteção, valorização e redução das desigualdades apontadas entre os contingentes profissionais analisados nesse artigo.
Em boa hora se dá a publicação, por todas as razões declinadas. Mas também por uma razão pragmática. A de poderem, as alunas e os alunos da disciplina DIREITO À SAÚDE, DIREITOS HUMANOS E O DIREITO ACHADO NA RUA: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS DIREITOS, com a ênfase: “Direito à Saúde, Direitos Humanos e o Direito Achado na Rua: Reflexões sobre o Futuro no Pós-Pandemia. Mundo do trabalho na saúde: repercussões no cenário pandêmico e pós-pandêmico e aspectos da gestão da ética pública”, ainda a tempo, de uma interlocução muito substantiva, fazerem suas escolhas temáticas e seus enquadramentos na interpretação da realidade brasileira, em face de um de seus mais graves desafios: a saúde como um bem público, social, direito de todos, de todas e de todes.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua. |
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