O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

 

Filosofia enquanto Poesia: Sete Cartas a um Jovem Filósofo, Conversação com Diotima, Filosofia Nova e Outros Escritos

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

Agostinho da Silva. Filosofia enquanto Poesia: Sete Cartas a um Jovem Filósofo, Conversação com Diotima, Filosofia Nova e Outros Escritos. Organização, seleção e fixação de textos, posfácio e notas Amon Pinho; prefácio Eduardo Giannetti. (Biblioteca Agostinho da Silva, vol. 1 – 1ª edição – São Paulo: É Realizações, 2019, 432 p.

Agostinho da Silva. Educação, Reinvenção e Liberdade (Biblioteca Agostinho da Silva, volume 2, Tomo 1); organização do volume Romana Valente Pinho, Amon Pinho; prefácio Antônio Nóvoa. – 1ª edição. – São Paulo: É Realizações, 2023, 392 p.

 

 

         Remeto às sinopses preparadas pela editora para a bela edição desses dois volumes que inauguram a Biblioteca Agostinho da Silva:

Vol. 1: Este livro é a primeira amostra de um tesouro: volume 1 da Biblioteca Agostinho da Silva, que publicará, em edição crítica, escritos desse grande pensador luso-brasileiro. Filosofia enquanto Poesia reúne as obras Sete Cartas a um Jovem Filósofo – uma das mais conhecidas do autor –, Conversação com Diotima e Parábola da Mulher de Loth, além de ensaios que Agostinho publicou em O Estado de S. Paulo – incluindo “Filosofia nova” –, na coleção Iniciação: Cadernos de Informação Cultural – sobre os pré-socráticos, Sócrates, Platão, Epicuro, o estoicismo, a escultura grega e a literatura latina – e como prefácios a traduções de Sófocles, Platão, Aristófanes, Lucrécio, Plauto e Terêncio. Trata-se de uma coletânea que apresenta o fazer desse filósofo e escritor. Com organização, posfácio e notas de Amon Pinho, este título conta também com prefácio de Eduardo Giannetti e com depoimentos de Eduardo Lourenço, Joel Serrão, Eugênio Lisboa e o ex-presidente de Portugal Mário Soares.

Vol. 2: Não bastasse a amplitude de seu pensamento, Agostinho da Silva fez história no Brasil e em Portugal com iniciativas educacionais ousadas. Aqui, ajudou a fundar universidades como a UFF, a UFSC, a UFG, a UFPB e a UnB. Lá, idealizou e coordenou coleções de livros educativos, e centros como o Núcleo Pedagógico de Antero de Quental. Dedicar-se ao ensino, afinal, é parte orgânica de uma reflexão que não se separa da vida: de uma obra que se entende como criação e ação. Depois de Filosofia enquanto Poesia, agora a Biblioteca Agostinho da Silva apresenta Educação, Reinvenção e Liberdade, dividido em dois tomos. Este primeiro, Educar para a vida, reúne tanto amostras de publicações didáticas de Agostinho como textos em que ele apresenta os expoentes da Escola Nova – movimento que motivava sua perspectiva educacional e que inspirou, no Brasil, figuras como Rui Barbosa, Roquette-Pinto, Anísio Teixeira e Cecília Meireles. O volume tem prefácio de Antônio Nóvoa, reitor honorário da Universidade de Lisboa.

 

                Fui convidado a participar do ato celebratório promovido pela Cátedra Agostinho da Silva, atualmente compartilhada pelas Universidades de Brasília, onde originalmente se instalou e a Universidade Federal de Uberlândia, e que se incumbiu da iniciativa, juntamente com a Editora É Realizações, da publicação dos dois primeiros volumes da Obra.

Nessa solenidade de lançamento da Biblioteca Agostinho da Silva, a mesa de abertura contou com os organizadores Amon Pinho e Romana Valente Pinho. E ainda com o Embaixador de Portugal Luis Faro Ramos; o professor Carlos Henrique de Carvalho, Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia; a professora Liliane Campos Machado, Diretora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, anfitriã da celebração, realizada no ambiente icônico da Sala Papiros, na FE; a vice-diretora da Faculdade de Educação da UnB, professora Daniele Pamplona Nogueira.

Na mesa, a Reitora professora Marcia Abrahão Moura, a Diretora da Cátedra Agostinho Silva da UnB, a professora Ana Clara Medeiros e, em registro especiaa a sensível apresentação do músico, compositor e cineasta André Luiz Oliveira que cantou poemas musicados de Fernando Pessoa, relevo para Mensagem.

Confesso a surpresa do convite para estar nessa seção, certamente grande cortesia do professor Amon Pinho, precedido de visita que recebi do Professor Roberto Pinho, que em companhia da minha colega Maria Luiza Pereira, o anteciparam e que me agraciaram com os exemplares dos dois volumes agora lançados, com eles compartilhei a mesa acadêmica, completada com a participação de meu colega de UnB professor Marcus Motta e da professora Romana Valente, também co-organizadora dos volumes que inauguram a Biblioteca.

Todos e todas os que compuseram a mesa acadêmica apresentaram comunicações marcantes, recolhidas em gravação de mídia para compor os anais da Cátedra e, espero, formar uma edição que organize as exposições muito densas dos convidados e convidadas.

De minha parte, tal como adverti na ocasião, por ser pouco versado nos fundamentos da obra de Agostinho, mais que com com isso a dizer da surpresa para estar nesta celebração, salientar ser consciente, na condição de integrante da comunidade que constitui a Universidade de Brasília, do dever de trazer um depoimento que honre a importância de Agostinho da Silva, muito em particular para a Universidade de Brasília.

Passados quase trinta anos de sua morte (1994), é ainda muito pertinente, não fugir à questão provocadora posta pela professora Romana Valente Pinho, sobre a trajetória desse grande humanista, “E agora?” (PINHO, Romana Valente. Agostinho da Silva: Quinze Anos Depois de sua Morte. E Agora?. In Nova Águia. Revista de Cultura para o Século XXI. Nº 3 – 1º Semestre de 2009. Tema: O Legado de Agostinho da Silva Quinze Anos Após a sua Morte).

Não me atrevo a seguir a provocação da professora Romana Valente: “ler Agostinho da Silva fria e cruelmente, disseca-lo até à minúcia e ao pormenor, volver-lhe as entranhas até nos depararmos com os variegados aspectos do seu pensamento, com as múltiplas fases intelectuais pelas quais passou” (op. cit. p. 92).

Antes, ou apenas, supondo que o convite que me foi feito se deveu ao fato de ser eu o Reitor da UnB, não no momento, de criação da Cátedra Agostinho da Silva na UnB, em 2006, mas no período de sua implantação, no UnB/IL/TEL o ter acompanhado as injunções para a edição da obra organizada pelo professor Henryk Siewierski, Agostinho da Silva. Universidade: testemunho e memória. Brasília: Universidade de Brasília, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, 2009.

É desse tempo que me vem o despertar para o que representou Agostinho da Silva, para a Filosofia, para a Literatura, para a Teologia, para os Estudos Portugueses, para o Brasil e para a UnB, ele que se constituía como descreveu Santiago Naud “uma alma oceânica”, e mais que isso, como dele ouvi em visitas que me fez várias vezes no Gabinete, referindo-se a Agostinho, “uma seminal presença no Brasil, confirmação iluminada de sua generosa teoria civilizatória”.

Do professor Henryk Siewierski, um polonês que diz ter ganho de Agostinho “o Brasil de presente” (Como ganhei o Brasil de Presente, Presença de Agostinho da Silva no Brasil, org. Amândio Silva e Pedro Agostinho. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa/ Ministério da Cultura, 2007), é afirmação de que “a História tem o sentido e o plano que a move e a transcende. Um plano correspondente aos mais profundos desejos do homem, que ele gostava de exprimir através da linguagem parabólica do culto popular do Espírito Santo, próprio da cultura portuguesa. E procurava humildemente cumprir este plano em todos os campos da vida, na medida das suas próprias possibilidades, pois na medida de seu coração”. Por isso é aquele que ajuda: “ajudar os outros a carregar o peso e confiar no rumo, que estão seguindo o caminho certo – embora às vezes, sim, por linhas tortas -, leva Agostinho da Silva a atuar preferencialmente nas suas margens. Nas margens da História não quer dizer à margem, pois é nas margens que a História toma a sua forma. E são as margens, os barrancos da História, que precisam de mais cuidado, devido à sua fragilidade, que os pode facilmente levar à margem” (Uma Lembrança de Agostinho in Presença de Agostinho da Silva no Brasil, op. cit).

Então, procurei uma nesga dessa faixa, de um tema que talvez possa ser adequadamente desenvolvido em novos tomos da edição: o projeto da UnB como universidade necessária, tantas vezes interrompido, mas sempre retomado para se constituir universidade emancipatória.

No livro Presença de Agostinho da Silva no Brasil há uma entrevista com o Professor João Ferreira, realizada pela Professora Neila Flores, da qual recorto uma passagem: A pergunta: “E como foi a saída de Agostinho da Universidade de Brasília, em 1969?”.

O Professor João Ferreira certifica em relação a Agostinho uma nota de posicionamento, em geral desconsiderada nos demais estudos que se debruçaram sobre esse período sombrio. Não há registro no livro-referência de Roberto Salmeron – A Universidade Interrompida: Brasília 1964-1965, com depoimentos e dados históricos, da diáspora

Digo isso no prefácio que fiz para a edição comemorativa do cinquentenário da UnB (2012), no qual distingo as suas duas partes, a primeira que se concentra na reconstrução da memória de fundação da UnB, tratando dos acontecimentos que a cercam e da crônica dos fatos que caracterizaram as bases conceituais e políticas da proposta da nova universidade; a segunda, que descreve a crise e a violência com que o golpe se impôs sobre a universidade, intimidando alunos e professores, desorganizando-a, reprimindo seu poder criativo e ferindo antagonistas.

Tomo o pressuposto de que A Universidade Interrompida, nesse duplo aspecto, integra a antologia explicativa de criação da UnB, sua promessa utópica, as vicissitudes que sofreu, seu começo e permanente recomeços. Sustento que o livro tem lugar cativo na mesma estante na qual se classificam outras preciosidades, como os títulos de Darcy Ribeiro: Universidade de Brasília, editado em 1962 e reeditado pela UnB em 2011; A Universidade Necessária, de 1969; e UnB: Invenção e Descaminho, de 1978. A obra de Heron Alencar A Universidade de Brasília. Projeto Nacional da Intelectualidade Brasileira, comunicação que o Autor apresentou à Assembleia Mundial de Educação, no México, em 1964, que Darcy publicou como apêndice ao seu Universidade Necessária. Também Antônio Luiz Machado Neto, coordenador do Instituto Central de Ciências Humanas, no período de 1962-1965, quando da diáspora de 1965, em um ensaio sofrido publicado na antiga Revista da Civilização Brasileira, basta ver o título: A Ex-Universidade de Brasília (cf. SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Prefácio, in SALMERON, Roberto A. A Universidade interrompida: Brasília 1964-1965. Edição Comemorativa. Brasília: Editora UnB, 2012).

Não há referências diretas a Agostinho da Silva, nessas memórias Por isso o valor do depoimento de João Ferreira à indagação da professora Neila Flores:

Como fundador, como Coordenador do Centro Brasileiro de Estudos Portugueses em Brasília, e também por suas convicções políticas, sociais e humanitárias, Agostinho tinha uma linha da qual não se afastava. Democrata convicto, serviu em muitos projetos no Ministério da Educação, no tempo de Darcy Ribeiro, e foi um dos fundadores da Universidade de Brasília. Como a partir de 1964 surgiu o governo militar, Agostinho, embora sem partido político, lutava por uma sociedade livre em suas formas de organização e de expressão. Disso não abriu mão nunca. Na Universidade, tentou tocar seus projetos culturais enquanto pôde, apesar da ditadura. A partir de 1968, porém, a nova Reitoria via com desconfiança a liberalização política dos que frequentavam o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, e também o Centro de Estudos Clássicos, e foi pensando na extinção dos Centros a curto prazo…Agostinho sabia que, em determinada altura, a Reitoria começaria a fazer pressão, pegando pequenas coisas e tentando incomodar…o que ele rapidamente entendeu é que não teria ambiente de trabalho, sobretudo o ambiente de que precisava para seus projetos… foi para Portugal, onde rapidamente se transformaria num guru da juventude, e onde teria o apreço dos jovens, dos políticos e da sociedade..”.

 

Os elementos narrativos aqui encontrados, confirmam um dos achados da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB, em seu Relatório (https://www.comissaoverdade.unb.br/images/docs/Relatorio_Comissao_da_Verdade.pdf). A gravidade das violações não alcançaram apenas os indivíduos na sua integridade e dignidade, mas atingiram as estruturas institucionais democráticas, notadamente as universitárias. Aliás, essa percepção ficou sufragada pelo comentário de meu colega Marcus Motta, que em sua exposição, reagindo a esse pressuposto, levantou a hipótese de que a ação destituinte dos dois Centros – de Estudos Portugueses (Agostinho) e de Estudos Clássicos (Eudoro de Sousa), deveu-se não só a uma hostilidade política, mas a uma objeção epistemológica: a perspectiva de interdisciplinaridade que caracterizava os estudos e as pesquisas neles desenvolvidas, em face da resistência paradigmática do disciplinar tão confortável ao positivismo tout court e ainda atual.

Em artigo de memória, publicado para marcar 30 anos da UnB (UnB 30 Anos), no vol. 8, da Revista Humanidades, nº 4, 1992) e republicado para segunda leitura, no nº 65, dezembro de 2021, da mesma Revista, a professora Geralda Dias Aparecida, lembra que “a história da Universidade de Brasília precisa ser contada no plural. Encontram-se em suas formas arrojadas as aspirações de políticos e intelectuais encantados com o Brasil do futuro”. No texto ela sintetiza seu material de pesquisa que foi aplicado ao processo de anistia das vítimas do período autoritário, conforme a periodicidade inscrita na norma de remissão.

Nessa periodização ela localiza as ocorrências pela caracterização das situações de crise e de disciplinarização exercitadas nas formas mais exacerbadas. Mas ela recupera uma espécie de roteiro para o que fazer com a UnB. Para um desses setores interessados na Instituição, o Serviço Nacional de Informações (SNI), conforme um informe especial sobre a UnB, em setembro de 1965, um diagnóstico e possíveis soluções para reordenar a UnB trazia 11 orientações. Dessas, no aspecto administrativo, a) a mudança de reitor não era suficiente para garantir uma mudança de filosofia e objetivos da UnB; b) a equipe de Darcy Ribeiro era eficiente e envolvia a reitoria através de assessoramento técnico com a constituição de laços de amizade; c) havia necessidade de substituir os detentores de cargos-chaves e transformá-los em cargos de confiança; d) a reitoria deveria criar um órgão do tipo ‘Centro Social’ para centralizar as vantagens e benefícios concedidos aos alunos e pessoal docente e técnico-administrativo. Seguiam-se orientações para a área de pessoal e corpo discente.

Essa uma nova realidade que vai contrapor-se a tudo que pensava Agostinho e que se constituía seu ideário filosófico. Basta consultar suas Notas para uma posição ideológica e pragmática da Universidade de Brasília. Esse texto anteriormente publicado em pelo menos duas edições em Lisboa (1964-1965 e 1988), consta de Presença de Agostinho Silva no Brasil, citado.

Seus enunciados podem ser também encontrados em Agostinho da Silva: Filosofia e Espiritualidade, Educação e Pedagogia, de Luís Carlos Rodrigues dos Santos, Tese orientada pelo Prof. Doutor Paulo Alexandre Esteves Borges e pelo Prof. Doutor Jorge Manuel Bento Pinto, especialmente elaborada para a obtenção do grau de doutor em Filosofia, especialidade de Filosofia da Educação, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de Filosofia.

Distingo-a, entre outros escritos sobre diferentes aspectos da vida e obra de Agostinho da Silva, porque nela há um capítulo (2.4) sobre a Universidade de Brasília e um capítulo (2.4.2) “Depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito”.

Aqui reporto ao texto na tese. O Autor registra que, “no final do Verão de 1967, depois de uma “viagem pela Europa Central (Suiça, Alemanha, Holanda, Bélgica, França)”, Agostinho passa por Portugal e as relações com a Universidade de Brasília, embora as desavenças registadas, ainda não se tinham extinguido. Ele veio com a missão que lhe fora dado pelo Reitor da Universidade de Brasília para recrutar novos professores. “Nessa altura, a Universidade estava abalada pela decisão, política, de autodemissão coletiva de uma grande parte dos seus professores, no ano de 1965, em sinal de protesto contra a ditadura militar. A Universidade precisava, entretanto, de retomar o seu caminho, e Agostinho trabalhava entusiasmado para isso. Para criar uma Universidade educada e livre, cujo sucesso passava por uma qualificação do corpo docente.”

Salmeron em seu livro dá relevo à Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara dos Deputados em 1966. Claro, estando sua obra demarcada pela crise de 1964-1965, alude apenas aquele enquadramento de uma CPI que não chegou a aprovar seu Relatório. Mesmo assim ele reproduz seu próprio e lúcido depoimento e também o do Reitor Laerte Ramos de Carvalho. Ambos. No seu antagonismo, compõem um mosaico de interpretações sobre a condição da UnB e da universidade brasileira naquela conjuntura.

Entretanto, também Agostinho da Silva contribuiu para a interpretação dessa realidade. Conforme o professor Luiz Carlos dos Santos em sua tese,

Em Maio de 1968, ano anterior ao do regresso do Professor a Portugal, Agostinho da Silva ainda vai perante a Câmara dos Deputados Brasileiros que o convoca para conhecer a sua opinião sobre a organização do ensino superior no país.

Reteremos aqui o desenrolar sintético do seu testemunho que nos permitirá apreender sobre o modo como, para ele, deveria funcionar uma Universidade.

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Com o capitalismo, a partir do século XV/XVI, a Universidade começou tomando formas que traíram a sua origem. “Do que se queixam todas as Universidades ou todos os homens que pensam a Universidade em termos gerais é que está muito formando técnicos, está muito formando especialistas, está formando homens cuja linguagem deixa de ser inteligível para outros homens (…) A Universidade americana, a alemã, podem formar técnicos excelentes mas rarissimamente formam homens (…) A Universidade passa a ser alguma coisa que se frequenta para ter um diploma para poder exercer legalmente a profissão mas não alguma coisa que se frequenta para adquirir uma capacidade plenamente humana.”

Para Agostinho a Universidade passa, por vários motivos, a não consolidar a natureza humana, mas a formar técnicos com dificuldades de compreensões humanistas.  Professores e alunos que, de alguma forma, estão divorciados dos reais problemas do seu país, como da fome, da doença, do abandono a que as pessoas estão votadas. É preciso que se construa uma Universidade que promova o desenvolvimento tecnológico, é certo, mas que ao mesmo tempo saiba utilizar esse desenvolvimento como um meio de progresso humano e pensar numa humanidade que seja mais compreensiva do que aquela que ia surgindo nos países mais industrializados.

As Universidades na Europa ficaram no século XIX e os alunos já estão, pela imaginação, pela energia, no século XXI. Quando um aluno sai da Universidade, por mais incrível que pareça, a verdade é que sai bastante amputado da sua capacidade de criação, de originalidade. Um dos pontos mais importantes porque uma Universidade deve vigiar é que, mais importante do que ensinar, é fazer com que os alunos descubram por si próprios, mais do que ensinar apostar na investigação. Há que se utilizar cada vez mais os métodos de uma “nova pedagogia”, em que o professor fala menos e o aluno pesquisa mais. Mais liberdade de pensamento, mais liberdade de crítica. “A Universidade não deve obedecer àquilo que (outrora) fez o seu fundador, deve obedecer àquilo que os estudantes querem”, ao mundo que querem construir

 

Não perderam fôlego as ideias de Agostinho da Silva sobre o tema. Elas ainda pavimentam o percurso que, ao menos na UnB, em suas interrupções e recomeços, ainda agora passamos por um período bem turbulento, conduz o seu projeto desde uma concepção de universidade necessária para se constituir plenamente, também emancipatória (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (org). Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora UnB, 2012).

Ainda estamos engolfado nesse processo que afeta a liberdade acadêmica, não só no Brasil mas em muitos âmbitos do hemisfério. No dia 9/11, aconteceu o lançamento formal do Free To Think 2023 ! O relatório, divulgado em 31 de outubro de 2023, analisa 409 ataques à comunidade do ensino superior em 66 países e territórios, entre 1 de julho de 2022 e 30 de junho de 2023. Destaca como os ataques à liberdade académica ameaçam ainda mais a sociedade democrática e o progresso social. de forma ampla e apela às partes interessadas para que criem proteções robustas para académicos, estudantes e instituições de ensino superior.

O lançamento aconteceu durante a Segunda Conferência Regional sobre Liberdade Acadêmica nas Américas, organizada pela Coalizão pela Liberdade Acadêmica nas Américas (CAFA). e sediado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUCPR em Curitiba, Brasil. O lançamento contou com um painel de especialistas apresentando perspectivas regionais sobre a liberdade acadêmica e discutirá respostas aos ataques.

A Conferência acontece depois que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou, 182º Período Ordinário de Sessões, entre 6 a 17 de dezembro de 2021, Princípios Interamericanos sobre Liberdade Acadêmica e Autonomia Universitária. Mobilizada por constantes violações e denúncias, esses princípios têm em vista que “a liberdade acadêmica é um direito humano independente e interdependente, que cumpre uma função capacitadora para o exercício de uma série de direitos que incluem a proteção do direito à liberdade de expressão, educação, liberdade de associação, igualdade perante a lei. A liberdade acadêmica implica o direito de toda pessoa de buscar, gerar e transmitir conhecimento, de fazer parte de comunidades acadêmicas e de realizar atividades autônomas e independente para realizar atividades de acesso à educação, ensino, aprendizagem, pesquisa, descoberta, transformação, debate, divulgação de informações e ideias livremente e sem medo de represálias. Além disso, a liberdade acadêmica tem uma dimensão coletiva, consistindo no direito da sociedade e de seus membros de receber informações, conhecimentos e opiniões produzidas no âmbito da atividade acadêmica e de ter acesso aos benefícios e produtos da pesquisa, inovação e progresso científico” (https://www.brasilpopular.com/principios-interamericanos-sobre-a-liberdade-academica/https://www.brasilpopular.com/violacao-da-autonomia-universitaria-punicao-ao-abuso-de-poder/https://estadodedireito.com.br/a-tutela-juridica-da-liberdade-academica-no-brasil-a-liberdade-de-ensinar-e-seus-limites/https://www.brasilpopular.com/o-reitor-cancellier-o-absurdo-e-o-suicido-reparar-a-injustica/https://www.brasilpopular.com/intervencoes-nas-universidades-autonomia-e-nomeacao-de-reitores/;

Realizar esses princípios implica diria Agostinho da Silva, tal como ele lançou em seu texto Notas para uma posição ideológica e pragmática da Universidade de Brasília, do qual, muito que nele se contêm está em seu depoimento na Câmara dos Deputados, “um esforço de inteligência, temendo acima de tudo a imbecilidade que nos espreita”.

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua

sábado, 25 de novembro de 2023

 

Ciência & Saúde Coletiva Publicação de: ABRASCO. Condições de Trabalho e Saúde Mental dos Trabalhadores da Saúde no Contexto da COVID-19 no Brasil

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

Título original: Ciência & Saúde Coletiva Publicação de: ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Volume: 28, Número: 10, Publicado: 2023. https://www.scielo.br/j/csc/i/2023.v28n10/.

            Valiosa a edição deste número de Ciência & Saúde Coletiva, publicação da ABRASCO, dedicada ao tema “Condições de Trabalho e Saúde Mental dos Trabalhadores da Saúde no Contexto da COVID-19 no Brasil”.

            Para lembrar, a ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva é uma organização de apoio ao ensino, pesquisa, cooperação e prestação de serviços no campo da Saúde Pública/Saúde Coletiva. Seu corpo social é formado por técnicos, profissionais, estudantes e professores da área, além de instituições de ensino, pesquisa e serviço.

            Vem de longe minha ligação com a institucionalidade e o associativismo civil que se engaja na construção do conceito constitucional da saúde como direito social, não só em interação com a Abrasco, mas com o Cebes (https://www.youtube.com/watch?v=_aGQVP5yN-w – Seminário Cebes 4 anos – entrevista José Geraldo de Sousa Junior) e, sobretudo na interlocução com o sistema público de saúde. Basta ver, neste âmbito, a minha participação na 8ª Conferência Nacional de Saúde, cf. minha participação no painel: Saúde como Direito Inerente à Cidadania e à Personalidade, no qual apresentei o tema: A Construção Social da Cidadania (Anais da 8ª Conferência Nacional de Saúde 1986. Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1987). Como se sabe, muito pelo protagonismo do Movimento Sanitarista brasileiro, essa Conferência praticamente desenhou o modelo de saúde que o Constituinte de 1988, aprovou na Constituição.

            O acumulado desse processo se projeta em projetos acadêmicos, entre os quais o que se insere nos processos de pesquisa nesse campo, relevo para o que se sintetiza no Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq) publicado na série O Direito Achado na Rua, com dois volumes já publicados, em parceria com a Fiocruz e a OPAS – Organização Panamericana de Saúde: Introdução Crítica ao Direito à Saúde, vol. 4 e Introducción Crítica al Derecho a la Salud, vol. 6 (https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/39282/O%20Direito%20Achado%20na%20Rua.pdf?sequence=2).

A mais recente aplicação desse acumulado, tem sido no bem sucedido esforço programático docente contido no desenvolvimento da  Disciplina: DIREITO À SAÚDE, DIREITOS HUMANOS E O DIREITO ACHADO NA RUA: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS DIREITOS, Créditos: 2 (30h/a), já com três semestres integralizados, no  Programa de Pós-Graduação – Escola Fiocruz de Governo (EFG/Direb/Fiocruz), com a participação dos professores SWEDENBERGER BARBOSA e MARIA FABIANA DAMASIO PASSOS ESTEVES (Diretora da Fiocruz Brasília), com os quais colaboro.

Neste Semestre/ano: 2º/2023, a disciplina, ainda em desenvolvimento, no momento em que escrevo esta Coluna Lido para Você, segue a seguinte Ementa:

O Direito como “expressão de uma legítima organização social da liberdade”, tal como formulado por Roberto Lyra Filho-marco conceitual original do projeto denominado O Direito Achado na Rua.

“Direitos Humanos como lutas sociais concretas da experiência de humanização,na trajetória emancipatória do homem. “

Democracia e Cidadania. Saúde como conquista social. e como direito humano fundamental Participação e Controle Social em Saúde, Papel do Estado e dos Movimentos Sociais.

Reforma Sanitária. Brasileira, Processo histórico de construção do Sistema Único de Saúde-SUS: arcabouço jurídico, princípios e diretrizes. Financiamento da saúde e Austeridade fiscal. Dilemas e desafios para a consolidação e o futuro do SUS.

O SUS e as respostas à pandemia do novo coronavírus-covid-19 nos diferentes níveis de governo.

Coordenação Federativa, Instrumentos e estratégia de integração entre :1)os três níveis de governo e2) governos e sociedade . . O Sistema Único de Saúde-SUS e sua relação com as demais políticas públicas de inclusão social.

Direitos Humanos e covid-19: impactos e respostas da sociedade civil e dos grupos vulnerabilizados à pandemia.

A ênfase programática, inferida da ementa e dos objetivos da disciplina foi assim definida: “Direito à Saúde, Direitos Humanos e o Direito Achado na RuaReflexões sobre o Futuro no Pós-Pandemia. Mundo do trabalho na saúde: repercussões no cenário pandêmico e pós-pandêmico e aspectos da gestão da ética pública”.

Além dos pressupostos político-epistemológicos que derivam do entendimento de O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática, articulados ao tema da saúde e dos direitos humanos, no contexto programático no semestre letivo em curso, tomou como referência central para o seu desdobramento, definição de agendas de autores-convidados, seminários e análises (resenhas e ensaios) atribuídos aos participantes, duas referências bibliográficas centrais, que permitiram o encontro desses fundamentos:

Os livros (https://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-e-covid-19/) Direitos Humanos e Covid-19. Grupos sociais vulnerabilizados e o contexto de pandemia. Organizadores: José Geraldo de Sousa Junior, Talita Tatiana Dias Rampin e Alberto Carvalho Amaral. Prefácio de Boaventura de Sousa Santos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2021; e (https://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-covid-19-vol-2-respostas-sociais-a-pandemia/) Direitos Humanos & Covid-19, vol. 2. Respostas Sociais à Pandemia. José Geraldo de Sousa Junior, Talita Tatiana Dias Rampin, Alberto Carvalho Amaral (orgs.). Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2022, 918 p.

Nesses livros, alguns trabalhos, além de inscritos nos itens do programa da disciplina, permitiram direta ou indiretamente, correspondência ao número de Ciência & Saúde Coletiva objeto deste Lido para Você:

Pandemia da Covid-19 e profissionais da saúde no Brasil: desafios e violações de direitos vivenciados por trabalhadoras/es da linha de frente, LUCIANA LOMBAS BELMONTE AMARAL         

Disputa de narrativas e hermenêutica constitucional: ADPF 822 e a declaração do “estado de coisas inconstitucional” na gestão da saúde pública na pandemia, JOSÉ EYMARD LOGUERCIO, MAURO DE AZEVEDO MENEZES e RICARDO QUINTAS CARNEIRO        

Direitos Humanos e Covid-19: a Fiocruz e as respostas à pandemia, SWEDENBERGER DO NASCIMENTO BARBOSA, MARIA FABIANA DAMASIO PASSOS e LEANDRO PINHEIRO SAFATLE.

Volto a Ciência & Saúde Coletiva Publicação de: ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Volume: 28, Número: 10, Publicado: 2023. Registro para seu Sumário altamente urgente e convocatório:

Aprender com a pandemia – e não repetir os erros Editorial

Silva, Luiz Inácio Lula da

O olhar da Ética e da Bioética sobre o trabalhador e o trabalho em saúde no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil Debate

Barbosa, Swedenberger do Nascimento

O sujeito, sua práxis e suas consequências Debatedores

Sousa Junior, José Geraldo de

A bioética em tempos de emergência sanitária Debatedores

Costa, Humberto

Em defesa da vida, da ciência e da solidariedade Debatedores

Bezerra, Maria de Fátima

Transformações no mundo do trabalho em saúde: os(as) trabalhadores(as) e desafios futuros Artigo

Machado, Maria Helena; Campos, Francisco; Haddad, Ana Estela; Santos Neto, Pedro Miguel dos; Machado, Antônio Vieira; Santana, Vanessa Gabrielle Diniz; Marengue, Helena da Conceição Ouana; Santos, Renato Penha de Oliveira; Mauaie, Clara Cacilda; Freire, Neyson Pinheiro

Perfil e essencialidade da Enfermagem no contexto da pandemia da COVID-19 Artigo

Santos, Betânia Maria Pereira dos; Gomes, Antonio Marcos Freire; Lourenção, Luciano Garcia; Cunha, Isabel Cristina Kowal Olm; Cavalcanti, Aurilene Josefa Cartaxo de Arruda; Silva, Manoel Carlos Neri da; Lopes Neto, David; Freire, Neyson Pinheiro

A precarização jurídica das relações de trabalho como fator de sofrimento das(os) trabalhadoras(es) no setor da saúde durante a pandemia de COVID-19 Artigo

Militão, João Batista dos Santos; Maior, Jorge Luiz Souto; Silva, Luís Fernando; Barbosa, Swedenberger do Nascimento; Machado, Maria Helena; Gomes, Antônio Marcos Freire; Barreto, José Cláudio Silva; Aguiar Filho, Wilson

Condições de trabalho e biossegurança dos profissionais de saúde e trabalhadores invisíveis da saúde no contexto da COVID-19 no Brasil Artigo

Machado, Maria Helena; Coelho, Maria Carlota de Rezende; Pereira, Everson Justino; Telles, Alexandre Oliveira; Soares Neto, Joaquim José; Ximenes Neto, Francisco Rosemiro Guimarães; Guimarães-Teixeira, Eleny; Bembele, João Niquice; Silva, Luciana Guedes da; Vargas, Filipe Leonel

Comorbidades e saúde mental dos trabalhadores da saúde no Brasil. O impacto da pandemia da COVID-19 Artigo

Guimarães-Teixeira, Eleny; Machado, Antônio Vieira; Lopes Neto, David; Costa, Lilian Soares da; Garrido, Paulo Henrique Scrivano; Aguiar Filho, Wilson; Soares, Rayane de Souza; Santos, Beatriz Rodrigues dos; Cruz, Eliane Aparecida da; Contrera, Marina Athayde; Delgado, Pedro Gabriel Godinho

O Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) como espaço estratégico para a modernização do SUS e para a geração dos empregos do futuro Artigo

Gadelha, Carlos Augusto Grabois; Gimenez, Denis Maracci; Cajueiro, Juliana Pinto de Moura; Moreira, Juliana Duffles Donato

Observatório Covid-19 Fiocruz – uma análise da evolução da pandemia de fevereiro de 2020 a abril de 2022 Artigo

Freitas, Carlos Machado de; Barcellos, Christovam; Villela, Daniel Antunes Maciel; Portela, Margareth Crisóstomo; Reis, Lenice Costa; Guimarães, Raphael Mendonça; Xavier, Diego Ricardo; Saldanha, Raphael de Freitas; Mefano, Isadora Vida

Carregando vidas e mortes: o cotidiano de trabalho de maqueiros hospitalares no contexto da COVID-19 Artigo

Araujo, Luísa Maiola de; Santos, Adriana Kelly

Análise da associação entre níveis de fadiga por compaixão e engajamento no trabalho com a COVID-19 em profissionais de enfermagem Artigo

Lourenção, Luciano Garcia; Penha, José Gustavo Monteiro; Ximenes Neto, Francisco Rosemiro Guimarães; Santos, Betânia Maria Pereira dos; Pantoja, Vencelau Jackson da Conceição; Ribeiro, Josias Neves; Cunha, Ludimila Magalhães Rodrigues da; Nascimento, Vagner Ferreira do

Associações entre as características sociodemográficas e de saúde dos trabalhadores do Ministério da Saúde e COVID-19 Artigo

Matielo, Etel; Artmann, Elizabeth; Costa, Mayara Suelirta da; Meneses, Michele Neves; Silva, Patrícia Ferrás Araújo da

Análise de situações de trabalho na fiscalização sanitária de medicamentos da agência reguladora federal Artigo

Martins, Mary Anne Fontenele; Scherer, Magda Duarte dos Anjos

Qualidade de vida e engajamento no trabalho em profissionais de enfermagem no início da pandemia de COVID-19 Artigo

Carvalho, Taisa Moitinho de; Lourenção, Luciano Garcia; Pinto, Maria Helena; Viana, Renata Andrea Pietro Pereira; Moreira, Ana Maria Batista da Silva Gonçalves; Mello, Leticia Pepineli de; Medeiros, Gilney Guerra de; Gomes, Antonio Marcos Freire

Fatores associados ao estresse ocupacional entre cirurgiões-dentistas do setor privado no primeiro ano da pandemia de COVID-19 Artigo

Pacheco, Elis Carolina; Avais, Letícia Simeoni; Ditterich, Rafael Gomes; Silva-Junior, Manoelito Ferreira; Baldani, Márcia Helena

Condições de trabalho e saúde mental de agentes comunitários de saúde na pandemia de COVID-19 Artigo

Fernandes, Tatiana Fróes; Lima, Clara Cynthia Melo e; Silva, Patrick Leonardo Nogueira da; Rossi-Barbosa, Luiza Augusta Rosa; Pinho, Lucineia de; Caldeira, Antônio Prates

Resiliência, depressão e autoeficácia entre profissionais de enfermagem brasileiros na pandemia de COVID-19 Artigo

Sousa, Laelson Rochelle Milanês; Leoni, Pedro Henrique Tertuliano; Carvalho, Raphael Augusto Gir de; Ventura, Carla Aparecida Arena; Silva, Ana Cristina de Oliveira e; Reis, Renata Karina; Gir, Elucir

Ansiedade e depressão em fisioterapeutas brasileiros durante a pandemia de COVID-19: um estudo transversal Article

Capellini, Verena Kise; Paro, Flavia Marini; Vieira, Rodrigo Daros; Wittmer, Veronica Lourenço; Barbalho-Moulim, Marcela Cangussu; Soares, Samanta Caroline Santos; Oliveira, Christyne Gomes Toledo de; Duarte, Halina

COVID-19 e os sistemas de saúde do Brasil e do mundo: repercussões das condições de trabalho e de saúde dos profissionais de saúde Artigo

Machado, Antônio Vieira; Ferreira, Wagner Eduardo; Vitória, Marco Antônio de Ávila; Magalhães Júnior, Helvécio Miranda; Jardim, Letícia Lemos; Menezes, Marco Antônio Carneiro; Santos, Renato Penha de Oliveira; Vargas, Filipe Leonel; Pereira, Everson Justino

Condições de trabalho na atenção primária à saúde na pandemia de COVID-19: um panorama sobre Brasil e Portugal Artigo

Santos, Renato Penha de Oliveira; Nunes, João Arriscado; Dias, Nicole Geovana; Lisboa, Alisson Sampaio; Antunes, Valeska Holst; Pereira, Everson Justino; Barbosa, Swedenberger do Nascimento

¿Sistemas de salud resilientes para países ya resilientes? Los discursos de la pandemia en la era post COVID-19 Artigo

Arroyo-Laguna, Juan

Contratación de estudiantes de enfermería en el contexto de la pandemia por COVID-19 en México. Una respuesta rápida a la emergencia de salud Artigo

Aristizabal, Patricia; Martínez-Abascal, Alessandra; Macías-Romero, Julio Cesar; Nigenda, Gustavo

Trabajo, teletrabajo y salud mental en el contexto COVID-19 Artigo

Gallegos, Miguel; Martino, Pablo; Quiroga, Víctor; Bonantini, Carlos; Razumovskiy, Anastasia; Gallegos, Walter L. Arias; Cervigni, Mauricio

Alta responsável e relações interprofissionais na perspectiva e no agir da enfermagem em tempos de pandemia de COVID-19 Artigo

Andreazza, Rosemarie; Chioro, Arthur; Bragagnolo, Larissa Maria; Silva, Franciele Finfa da; Pereira, Ana Lucia; Mauri, Leonardo; Rodrigues, Elen Paula; Furtado, Lumena Almeida de Castro; Carapinheiro, Graça

Fatores de risco à saúde mental dos profissionais da saúde durante a pandemia de COVID-19: revisão sistemática Artigo

Silva, Mariane Alexandra Xavier da; Santos, Mairana Maria Angélica; Araújo, Angélica Barros; Galvão, Cláudia Regina Cabral; Barros, Márcia Maria Mont’Alverne de; Silva, Ana Cristina de Oliveira e; Souza, Marina Batista Chaves Azevedo de; Barroso, Bárbara Iansã de Lima

Impactos da infodemia sobre a COVID-19 para profissionais de saúde no Brasil Artigo

Freire, Neyson Pinheiro; Cunha, Isabel Cristina Kowal Olm; Ximenes Neto, Francisco Rosemiro Guimarães; Vargas, Filipe Leonel; Santiago, Bruna Karoline de Almeida; Lourenção, Luciano Garcia

A resposta de Itália e Vietnã à pandemia de COVID-19: análise de duas experiências internacionais à primeira onda da doença Artigo

Soares, Catharina Leite Matos; Alves, Gerluce; Santos, Elberte dos; Paim, Jairnilson Silva

Olha, você (não) está sozinho: a circulação da dádiva e a saúde mental de profissionais de saúde durante a pandemia de COVID-19 Artigo

Castro, Barbara da Silveira Madeira de; Camacho, Karla Gonçalves; Reis, Adriana Teixeira; Abramov, Dimitri Marques; Gomes Junior, Saint Clair dos Santos; Moore, Daniella Campelo Batalha Cox; Junqueira-Marinho, Maria de Fátima

Ensaio sobre estatísticas do crime e etnografias da insegurança Resenhas

Silva, Martinho

 

            Desde logo devo demarcar, a nota de singularidade – e de prestígio – a demarcação ético-política que abre a edição, com característica editorial, pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, dando a medida pedagógica de sua governança, marcada por uma política que humaniza e jamais mercadoriza a vida:

A pandemia da COVID-19 gravou no coração brasileiro um profundo reconhecimento aos trabalhadores e trabalhadoras da saúde.

Em meio a uma avalanche de desinformação sem precedentes, nossos mais de 4 milhões de profissionais de saúde – sendo 3,5 milhões deles ligados diretamente ao Sistema Único de Saúde (SUS) – formaram uma verdadeira barreira de proteção da vida contra o descaso e o negacionismo. E os artigos presentes nessa revista mostram que eles estão entre os que mais sofreram nos anos de pandemia.

Médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e tantos outros profissionais lidaram com um volume gigantesco de atendimentos – muitas vezes, sem a estrutura de leitos e equipamentos necessários para atender os pacientes. E sem os equipamentos de segurança necessários para protegerem a própria saúde.

Agentes comunitários de saúde, motoristas de ambulâncias, profissionais da limpeza, da segurança ou da cozinha de unidades de saúde compartilharam a mesma carga extenuante de trabalho, os mesmos riscos, e papel igualmente fundamental na defesa da vida.

Em comum a todas essas pessoas, há o cansaço, a tensão e a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, poderiam ser contaminadas – e muitas delas, de fato, contraíram a doença. Há o desgaste físico e psicológico. Há a tristeza pela perda de colegas.

Não bastasse isso, há também o desrespeito dos discursos de ódio gestados na internet contra quem defendeu a ciência, e não contra os objetivos políticos obscuros. E uma condição talvez até mais sofrida: o medo de levar o vírus para o seio de seus lares. A dor de negar um abraço e um carinho aos filhos, aos pais ou à pessoa amada.

O que as trabalhadoras e os trabalhadores de saúde passaram durante a pandemia não pode ser esquecido. Precisa ser estudado e ficar registrado. Precisa, sobretudo, servir de ensinamento para que nossas políticas públicas sejam aprimoradas e para que situações como as enfrentadas justamente por aqueles que salvam vidas nunca mais se repitam.

A verdade é que o Brasil tem todas as condições de fazer isso. O SUS é uma conquista democrática e um exemplo para o mundo, seja pelo seu gigantismo, pela sua organização federativa ou pela sua capacidade de atendimento. Nossa regulação de saúde, assim como nossa regulação trabalhista, é sólida e eficiente. E temos uma sociedade civil forte e organizada, capaz de defender os direitos das categorias profissionais.

Contamos, também, com a ciência. Com pesquisadoras e pesquisadores gerando e registrando o conhecimento, como o que está presente nesta revista. Conhecimento que nos ajudará a saber o que fazer para sempre garantir que todos – inclusive os profissionais da área – possam exercer seu direito à saúde.

Encontro nesse editorial, também a nota pedagógica que o vírus trouxe para desafiar nossas concepções de mundo, de sociedade e de existência. Nos livros que co-organizei sobre Direitos Humanos e Covid-19, destaco, nesse aspecto, recorte do Prefácio de Boaventura de Sousa Santos que é como uma senha para a sua compreensão: “Uma lição que a história pode nos ensinar se estivermos dispostos a aprender, nessa quadra em que a pandemia parece acentuar a deriva da participação da pertença, sobretudo no colapso que os governos autoritários e antipovo revelam, é a que encontramos nas respostas sociais, autogestionadas, comunitárias que os movimentos e organizações sociais estão a oferecer. Neste livro há uma boa mostra dessas respostas, que representam um alento para conter a deriva, extremamente dramática, na realidade brasileira”.

Felizmente voltamos a encontrar de novo na governança, com a retomada do projeto democrático-popular, cuja recuperação se inicia com as eleições de outubro de 2022. Por isso, detenho-me sobre o texto de Swedenberger do Nascimento Barbosa – O olhar da Ética e da Bioética sobre o trabalhador e o trabalho em saúde no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil Debate – ele participa co-autoralmente em outros trabalhos da edição – cujo resumo expõe o alcance ético da publicação:

O artigo versa sobre ética e bioética com foco no trabalhador e no trabalho em saúde no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil. Traz de forma inédita o debate sobre as desigualdades sociais e econômicas, evidenciadas no mundo, quanto ao acesso a vacinas, medicamentos, testes, EPIs, entre outros, que trouxeram sofrimento e morte. A disputa por esses produtos ocorreu em escala global e países produtores fecharam seus mercados e a dependência comercial levou a situações dramáticas. Durante a pandemia, diversas questões éticas foram evidenciadas: conflitos, dilemas e infrações éticas ocorreram em diferentes situações como nos ambientes de assistência à saúde, na relação entre gestores e trabalhadores de saúde, no âmbito das equipes de saúde e destas para com a sociedade. O artigo também traz o polêmico debate se as mortes ocasionadas pela COVID-19 no Brasil devem ser encaradas como fenômenos biológicos ou sociais: fatalidade, homicídio, mistanásia ou eutanásia social. O artigo conclui que na gestão pública é imperativo que seja aplicada a Ética da Responsabilidade e a Humanização do Cuidado. Nesse contexto de incertezas e desafios para a humanidade é fundamental a participação da sociedade em torno de uma agenda pautada por princípios éticos, dignidade humana, meio ambiente e democracia, com políticas públicas e econômicas inclusivas.

Um ganho para o programa da disciplina está em que além do texto de Swedenberger do Nascimento Barbosa, a edição tenha requisitado em relação a eles, comentários. O senador e ex-ministro da saúde Humberto Costa e a governadora Fátima Bezerra, o fizeram com brilho de gestores/legisladores e eu próprio recebi essa incumbência, pensando como professor. Reproduzo meu comentário, publicado na edição:

Recebi como uma convocação o encaminhamento que me fez Maria Helena Machado, coordenadora da equipe das pesquisas “Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19 no Brasil” (pesquisa mãe)[Machado MH, coordenadora. Pesquisa: Condições de trabalho dos profissionais de saúde no contexto da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: ENSP/CEE-Fiocruz; 2020/2021] e “Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil” (subprojeto)[Machado MH, coordenadora. Pesquisa: Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da Covid-19 no Brasil. Rio de Janeiro: ENSP/CEE-Fiocruz; 2021/2022] para comentar o texto “O olhar da Ética e da Bioética sobre o trabalhador e o trabalho em saúde, no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil”, do professor Swedenberger Barbosa, ciente de que o artigo integrará uma edição temática na Revista Ciência & Saúde Coletiva.

Desde logo reconheço no artigo a mesma disposição que o autor já projetara em           anteriores que conheço e sobre os quais já tive oportunidade de opinar. Notadamente o livro A Bioética no Estado Brasileiro. Situação Atual e Perspectivas Futuras3 que se inscreve num campo político-epistemológico, presente também no texto que comento, no qual o autor estabelece uma relação cogente entre bioética e direitos humanos. Com efeito, depois que a UNESCO, em 2005, aprovou o teor da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, operou-se, inevitavelmente, essa relação, passando o campo a incorporar, além dos aspectos biomédicos e biotecnológicos tradicionais nos estudos da área, os temas da bioética social com foco na universalização dos direitos e do acesso aos serviços públicos de saúde e outros que dão concretude aos direitos de cidadania.

No livro, o autor aprofunda a abordagem interdisciplinar que já vinha fazendo ao            uma mais estreita aproximação entre esses campos. Ali, ele começara a problematizar as questões que estão presentes no artigo, voltado para condições de trabalho de profissionais de saúde:

Como, por exemplo, avançar para que os direitos pessoais, morais, sociais sejam garantidos à luz das novas tecnologias biomédicas? Como gerar a interface entre os princípios constitucionais de cidadania e dignidade humana e as urgentes decisões que envolvem condutas e normas morais em sua dimensão bioética e que interferem na vida humana? Como a atual ordem jurídica e as decisões judiciais podem ser consideradas e atualizadas como ‘justas’ sob os aspectos dos princípios e fundamentos do direito e da bioética? Como lidar com recursos escassos em saúde e as decisões sobre a vida? Entendemos que estas e outras questões devam se constituir em uma agenda de discussões multidisciplinares, não restrita à Academia, em que estejam resguardados entre outros elementos, a dignidade humana e as liberdades fundamentais. Um importante instrumento para que se faça este estudo e debate é a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, avaliando-se a sua aplicação à realidade brasileira, sua relação com a legislação do país e eventuais contradições existentes, o que implica necessariamente numa profunda análise de nossa ordem jurídica e de nossas condutas éticas e morais [Barbosa SN. A Bioética no Estado Brasileiro. Situação Atual e Perspectivas Futuras. Brasília: Editora UnB; 2010].

Assim, pois, com Marilena Chauí, o autor assume no artigo que a ação ética é aquela que torna o sujeito inseparável de sua práxis e consequências. Isto remete à noção de consciência moral, ou seja, o sujeito ético é aquele que sabe o que faz, o que o motivou e responde pelo seu desejo e ação. E isso o remete ao pensador que é a sua referência na Bioética, Hans Jonas, com o qual considera ser necessário e urgente, assumir uma concepção de responsabilidade que opere como princípio ético para conduzir ações, sobretudo políticas, para preservar a integridade o humano que vai constituir as gerações vindouras.

Por isso que, uma outra importante contribuição do autor, sempre presente em suas obras, é atenção às exigências de realização dos direitos e da cidadania, numa sociedade complexa e desigual não é possível sem que se invente, construa e experimente novos paradigmas para a ação política transformadora, uma tarefa que, no estado de direito democrático passa pela sociedade organizada, mas que não pode prescindir da atuação dos agentes e das políticas públicas estatais. Esta dimensão, forte na abordagem de Swedenberger, vai aparecer, por exemplo, em livro que ele organizou para o Ipea, com base em Seminário do qual decorre a obra: Bioética em debate – aqui e lá fora [Barbosa SN, organizador. Bioética em debate – aqui e lá fora. Brasília: Ipea; 2011].

No artigo que examino, esses pressupostos estão presentes, sobretudo quando a pesquisa põe inteiramente a descoberto, em relação aos profissionais de saúde no contexto da pandemia, o que se passou no Brasil nos últimos quatro anos. Na contramão de todos os princípios morais e sanitários que recomendam esforços responsáveis, o que se viu, em meio à desorientação funcional e errática de autoridades das quais um mínimo de coordenação devesse ser esperada, concedendo que não se atenham a intenções dolosas, uma postura que ultrapassa “todos os limites” ao impulso da “estupidez assassina” que implica o próprio “presidente diante da pandemia de coronavírus” ao ponto de uma “irresponsabilidade delinquente”, que sequer finge “capacidade e maturidade para liderar a nação de 212 milhões de habitantes num momento dramático da sua trajetória coletiva”. É o que disse em editorial o Jornal Folha de São Paulo (“O que Pensa a Folha”, 12/12/2020), ao apostrofar: “Chega de molecagens com a vacina!”.

O artigo de Swedenberger Barbosa abre perspectivas atuais e futuras para orientar políticas públicas de concretização de direitos. E serve de referência para apontamentos posteriores no sentido de não perder de vista a relação necessária entre bioética e direito à saúde, incluindo os direitos dos trabalhadores de saúde e, a partir dessa relação identificar e confrontar os dilemas que se abrem para a discussão e a aplicação dos fundamentos éticos das ações e políticas de saúde pública.

Mas, com autenticidade, melhor diz sobre a publicação, seus pressupostos, contexto e alcance, um artigo visceral. Vou ao sumário da publicação para por em relevo esse artigo – Transformações no mundo do trabalho em saúde: os(as) trabalhadores(as) e desafios futuros –, assinado por Maria Helena Machado com a co-autoria, pode-se dizer, do núcleo duro que coordenou o processo de pesquisa e de edição. Confira-se o resumo do texto:

O artigo versa sobre o mundo do trabalho da saúde, especialmente no SUS no contexto da pandemia no Brasil. O artigo utilizou dados das pesquisas “Condições de trabalho dos profissionais de saúde no contexto da COVID-19 no Brasil” e “Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da COVID-19 no Brasil”. A análise dos dados comprova que a pandemia evidenciou problemas estruturais existentes no âmbito do Sistema Único de Saúde, envolvendo a gestão da FTS o que pode ser interpretado como mais um dos reflexos das desigualdades socioeconômicas já existentes no país. Destacam-se: a reduzida oferta de educação permanente, a regulação do cuidado híbrido, precarização, desproteção no ambiente de trabalho, frágil biossegurança levando a trágicas taxas de adoecimento e mortes de trabalhadores da saúde. Conclui mostrando a importância de formulação de políticas públicas no âmbito da gestão da educação e do trabalho no SUS que assegurem a discussão sobre cuidado híbrido como nova forma de atuar sem perder qualidade, a necessidade de se rever questões referentes a: educação permanente, proteção, valorização e redução das desigualdades apontadas entre os contingentes profissionais analisados nesse artigo.

Em boa hora se dá a publicação, por todas as razões declinadas. Mas também por uma razão pragmática. A de poderem, as alunas e os alunos da disciplina DIREITO À SAÚDE, DIREITOS HUMANOS E O DIREITO ACHADO NA RUA: A CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS DIREITOS, com a ênfase: “Direito à Saúde, Direitos Humanos e o Direito Achado na Rua: Reflexões sobre o Futuro no Pós-Pandemia. Mundo do trabalho na saúde: repercussões no cenário pandêmico e pós-pandêmico e aspectos da gestão da ética pública”, ainda a tempo, de uma interlocução muito substantiva, fazerem suas escolhas temáticas e seus enquadramentos na interpretação da realidade brasileira, em face de um de seus mais graves desafios: a saúde como um bem público, social, direito de todos, de todas e de todes.

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

 

SEPÚLVEDA PERTENCE: Consciência radicalmente democrática em defesa da Liberdade

  •  em 



Entre os dias 21 e 23 de novembro realizou-se na UnB, na Faculdade de Direito (Auditório Esperança Garcia), um Seminário Sepúlveda Pertencepara homenagear esse grande brasileiro, professor, advogado, jurista, ex-Procurador-Geral da República, Ministro do Supremo Tribunal Federal (do qual foi Presidente), falecido em julho deste ano.

 

 

 

O Seminário desdobrou-se em três sessões, constituídas pelos organizadores, como um fio condutor que alinhava o percurso político-jurídico do homenageado: a Democracia, a Constituição e a Liberdade, a nervura de uma trajetória sobejamente celebrada em diferentes repositórios biobibliográficos, na Procuradoria Geral da República, no Supremo Tribunal Federal, na Ordem dos Advogados do Brasil, na Universidade de Brasília, com uma nota abrangente no verbete com seu nome na enciclopédia livre wikipedia.

 

 

 

Estiveram presentes nas mesas que em três sessões proporcionaram, por meio de comentários, depoimentos e interpretações, a restauração memorialista de suas vivências com o homenageado, podendo-se dizer, atingindo a nervura dos seus radicais comprometimentos às interpelações desse eixo temático, pernonalidades, como seu filho Evandro Pertence, hoje titular do Escritório Sepúlveda Pertence cuja equipe se incumbiu da organização do evento, o Presidente José Sarney, a Ministra Carmen Lúcia (STF), o Ministro Dias Toffoli (STF), o Ministro Gilmar Mendes (STF), o Ex-Procurador-Geral da República Aristides Junqueira Alvarega, o professor Menelick de Carvalho Netto (UnB); o jornalista e Advogado, ex-constituinte Miro Teixeira (Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais do Instituto dos Advogados Brasileiros), o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), antigo dirigente do Centro Acadêmico de Direito da UnB, a Ministra Daniela Teixeira (STJ), o advogado Nabor Bulhões. As sessões foram abertas pela Diretora da Faculdade de Direito da UnB, professora Daniela Marques Moraes, pelo professor titular da UnB Marcelo Neves e por Evandro Pertence, num auditório repleto, com muitas personalidades do mundo político e jurídico e, sobretudo, estudantes, que Pertence, ex-Vice Presidente da UNE, tanto estimava e tinha grande consideração.

 

 

 

Por isso que, também presente no temário, tomo como balizador para a intervenção que fiz, da Entrevista que José Paulo Sepúlveda Pertence concedeu à Comissão Editorial da Revista dos Estudantes de Direito da UnB, em Brasília, no dia 16 de outubro de 2007 (v. 6 n. 1 (2007): Revista dos Estudantes de Direito da UnB), uma passagem, em tudo pertinente aos temas do Seminário:

 

 

Revista  dos  Estudantes  de  Direito  da  UnB:  O  senhor  falava  da  completa   surpresa   que   foi   a   interrupção   da   ordem   política   e   institucional  que  ocorreu,  a  suspensão  dos  direitos  de  liberdade.  A  Constituição de 1988 está às vésperas de completar vinte anos. Seria possível  comparar  a  situação  de  hoje  àquela  de  45  anos,  de  uma  ingênua confiança na existência consolidada de uma democracia ao menos   formal,   com   as   garantias   de   liberdade   seguramente   protegidas?

 

 

PERTENCE:Essas últimas três décadas alteraram toda a geografia ideológica do mundo, então a crença, não sei se novamente ingênua, na  consolidação  da  retomada  do  processo  democrático  desde  1985  me parece mais realística do que a daquela época.

 

 

Revista  dos  Estudantes  de  Direito  da  UnB:  O  senhor  acha  que  a  Constituição   de   1988   tem   sido   efetivamente   concretizada   na   satisfação dos direitos fundamentais que garante em seu texto?

 

 

PERTENCE:É  óbvio  que  a  Constituição  de  1988  coincidiu  com  a  grande  transformação  da  economia  e  de  toda  a  sociedade  mundial,  com esta onda de globalização neoliberal que se seguiu, e isso a fez frustrar-se  em  muito  dos  seus  compromissos  de  avanço  social.  Mas,  no  plano  institucional  ela  tem  resistido  às  pressões  com  razoável  segurança.

 

 

 

Meu enfoque, entre emocionado e evocativo, foi o de buscar Sepúlveda Pertence, como consciência radicalmente democrática em defesa da Liberdade. Não apenas no sentido do pensamento, da visão crítica da realidade, da exigência de posicionamento do papel social das funções e das profissões, mas de engajamento, na ação, na encarnação, na práxis.

 

 

 

Algo a que seu filho Evandro deu relevo em seu depoimento nas exéquias do pai (depois publicado no jornal Correio Braziliense – https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2023/07/5108890-artigo-sepulveda-meu-pai.html: “Meu pai me ensinou que a fortuna é o que conquistamos e o que a vida nos dá. Mas que a vida é sempre maior que a fortuna, e o que vale na vida é o que a gente faz com ela. Meu pai me ensinou que viver em sociedade é respeitar as instituições, é entender que leis e regras, que cargos e encargos, são feitos para a convivência humana, pacífica. Que todos podem divergir, mas que em momentos em que a força prepondera, nosso lugar é do outro lado das metralhadoras”.

 

 

Isso significa estar ao lado da vida digna, justificada, investida de cidadania, fortalecida em seu contínuo humanizar-se. Dizer não ao autoritarismo, ao despotismo, ao fascismo, ao arbítrio, à subjugação desumanizadora.

 

 

Na minha exposição, recuperando de meus arquivos registros que não traiam a memória, mas que atestem o lugar biográfico de posicionamentos, mostrei a edição amarelecida da edição 35 (1982) do Jornal Voz do Advogado da OAB DF, e a matéria Advogados repudiaram massacre de Beirute Ocidental. Um desagravo ao ato genocida de milícias maronitas aos campos de refugiados de Sabra e Chatila, com o apoio logístico do exército ocupante de Israel. Ali o depoimento do representante da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) no Brasil Fawzi El-Masshni, marcado pela memória de sobrevivente criança de outro massacre em DeirYassin(referente à matança de entre 107 e 120 civis palestinos desarmados após a batalha ocorrida na vila de DeirYassin, nas proximidades de Jerusalém, no que então era o Mandato Britânico da Palestina, cometida pelas forças de guerrilha judaico-sionistas (Irgun e Stern Gang) entre 9 de abril e 11 de abril de 1948).

 

 

Na ocasião falei pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-DF. Pertence, representando o Conselho Federal da OAB e a própria Seccional, também se manifestou, tal como registra a matéria: “Mais que uma corporação classista, a Ordem dos Advogados do Brasil afirma-se, nos últimos tempos, neste país, por uma atenção marcantemente política, através de duas vertentes fundamentais: a luta pela construção de uma sociedade democrática e a luta consequente pelo respeito aos direitos humanos”. Num juízo antecipador, próprio para a crítica aos paroxismos recrudescentes de guerras coloniais em curso, inclusive na região palestina, disse ainda Pertence: “a abstinência tradicional da Ordem em relação aos assuntos internacionais tem um limite, que é o compromisso com os direitos humanos, que não pode respeitar fronteiras”.

 

 

Não era trivial a convocação da Ordem para exercitar seu compromisso com a democracia e com a liberdade. Na minha exposição, para acentuar em Pertence, o alcance de sua convocação, fiz a observação recolhida em mais de uma participação na Comissão de Temário de Conferências Nacionais da OAB e, portanto, da avaliação de seus temas erecorrentes, que apenas dois temas tinham localização reiterada em todas as Conferências desde a primeira realizada em 1958: o ensino jurídico e o acesso à justiça.

 

 

No tema do ensino jurídico, iniciando com a preocupação manifestada em 1958 por Ruy de Azevedo Sodré acerca da proliferação dos curso de direito (cerca de 20 em seu tempo, mais de 2 mil atualmente), até a preocupação epistemológica com “a praga do positivismo presente de forma redutora na educação jurídica brasileira”, ensejando a criação da Comissão de Ensino Jurídico para velar pela qualidade da formação em Direito; no acesso à justiça, a perspectiva inicial com procedimentalidade e a processualística da jurisdição, seguindo-se a perspectiva de modernização e refuncionalização do sistema de justiça, até no presente, conferir ao acesso à justição a dimensão finalística de realização de direitos humanos, debatendo assim não só o acesso mas a reflexão sobre a justiça a que se quer acesso.

 

 

Todavia, alguns temas não figuram em algum tempo, em circunstâncias temáticas ou conjunturais. Assim, por exemplo, o tema da globalização (ou mundialização) só aparece depois da XIV Conferência, a de Foz do Iguaçu, numa mesa em que estavam Marcelo Neves e NiklasLuhmann, depois ratificada por André-Jean Arnaud, ao referir à ocorrência de uma lexmercatoriase sobrepondo à regulação estatal nacional.

 

 

Mas um outro tema nem sempre esteve presente nas Conferências. Esteve ausente inacreditavelmente entre os anos 1968 e 1980: o tema da Democracia e da Liberdade. É na VIII Conferência da OAB, em Manaus, que esses temas serão retomados e serão firmemente discutidos até a redemocratização em 1985, com o encerramento do ciclo pretoriano imposto ao país num regime autoritário fundado numa doutrina de segurança nacional.

 

 

E mais uma vez é Pertence, certamente em companhia de uma estirpe de advogados também engajados no mesmo compromisso pela democracia e pela liberdade, que vão ativar o protagonismo da OAB para pautar o tema necessário. Exibi no Seminário o texto da Folha de São Paulo, edição de 11 de maio de 1980 – OAB Deverá Concluir por Constituinte – a tal indicava a convocatória da VIII Conferência Nacional instalada naquele ano em Manaus:“Após a promulgação da Lei da Anistia, em 1979, uma vitória da sociedade brasileira com grande apoio da advocacia, a VIII Conferência Nacional dos Advogados desembarcou em Manaus entre os dias 18 e 22 de maio de 1980. O tema principal do encontro foi “Liberdade como fundamento e finalidade última da democracia”(https://www.oab.org.br/noticia/55639/viii-conferencia-nacional-em-1980-teve-a-liberdade-como-tema-principal). Entre os formuladores do tema José Paulo Sepúlveda Pertence com a tese: Liberdade e Direito de Asilo.

 

 

Pertence, um pensamento que toma forma na ação. Ao impulso dessa consigna , a liberdade como fundamento e finalidade última da democracia, em Brasília, em 1983, em plena aplicação de medidas de emergência para sufocar a cidade engajada na luta pela democracia por meio de eleições gerais, os advogados se reuniram para o I Encontro dos Advogados do Distrito Federal (21, 22 e 23 de outubro de 1983). A posição altiva e desobediente traduziu-se na Carta dos Advogados de Brasília, lida e aprovada por aclamação ao final do evento.

 

 

O Presidente Maurício Corrêa me incumbiu redigir a Carta. Convoquei dois “assessores” consciente do “tamanho” da tarefa: Antonio Carlos Sigmaringa Seixas e José Paulo Sepúlveda Pertence. Nossos princípios, meus, do Doutor Antonio Carlos e de Pertence, traduzindo o apelo da conjuntura estão ali impressos. Mas devo confidenciar revelando os dois enunciados que marcaram a Carta, literalmente formulados por Sepúlveda Pertence:

 

 

 

A Ordem dos Advogados do Brasil tem uma missão política, fruto e instrumento do consenso democrático dos advogados. Este compromisso democrático da classe e de sua entidade não se deve afirmar apenas nos momentos agônicos das instituições representativas e de vigência declarada do autoritarismo, ainda não superados no Brasil de hoje. A construção da democracia é uma obra sempre inacabada, na qual a Ordem tem uma esfera permanente de atuação, como órgão da sociedade civil, no caminho da conquista de novas liberdades e de novos mecanismos de sua proteção.

 

 

Ainda:

 

 

Os advogados brasilienses declaram que o dever fundamental de defender a ordem jurídica e de contribuir para o aperfeiçoamento de suas instituições supõe avaliar a sua legitimidade e estabelecer um pensamento crítico sobre os conceitos de Justiça e de Direito.

 

 

 

No dia seguinte a Ordem sofria sua interdição determinada pelo Executor das Medidas de Emergência, e nós resistimos com o testemunho de nossa recusa democrática e emancipatória. De braços dados, como está em foto histórica, dissemos não até o fim ao arbítrio. Pertence, os dois Sigmaringa Seixas – Antonio Carlos e Luiz Carlos, com Maurício Corrêa à frente, pousamos para a História, no exato instante em que o arbítrio escorria para a sua lata de lixo.

 

 

Memória e verdade pavimentam o caminho de uma contínua transição para a emancipação e, sempre que surtos autoritários de incrustem no percurso, como obstáculo a um movimento emancipatório, que contínuo e constante, esse processo eminentemente político encontrará sempre em protagonismos como o de José Paulo Sepúlveda Pertence, os marcodores quais sinais de referência, de umaconsciência radicalmente democrática em defesa da liberdade, da cidadania, da justiça e dos direitos.

 

 

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

 

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

 

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).