Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Práticas Jurídicas, Extensão e Acesso à Justiça. Rayssa Cavalcante Matos. Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2023, 51 fls.
Com muita alegria e redobrada satisfação participei da banca examinadora da monografia de Rayssa Cavalcante Matos, juntamente com a orientadora professora Talita Tatiana Dias Rampin e com o professor Antonio Escrivão Filho, meus colegas na Faculdade de Direito da UnB. E porque não dizê-lo, ambos meus orientandos por ocasião da apresentação e da defesa de seus doutoramentos, em trabalhos brilhantes. A tese de Talita foi considerada pelo comitê oficial a melhor tese em Direito da UnB, no ano da defesa.
Do que trata a monografia esclarece o seu resumo e dele, logo, se deduz o motivo de minha satisfação: o relevo para um tema e uma experiência de institucionalização que me mobilizam e que me tem em forte protagonismo, político e teórico, aliás, registrado no trabalho.
Transcrevo o resumo e as palavras-chaves, estas porque eu gostaria, à luz da discussão, da bibliografia e do pertencimento acadêmico, para apelar à autora que consigne a expressão O Direito Achado na Rua, até para guardar fidelidade a uma linha teórica e a uma organicidade que engaja a autora e o seu tema:
Considerando a obrigatoriedade da institucionalização da nucleação de práticas jurídicas no bojo das instituições de ensino superior que mantém cursos de graduação em Direito, e a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, foi desenvolvida a pesquisa intitulada “Práticas Jurídicas, Extensão e Acesso à Justiça”, cujos resultados são agora apresentados neste trabalho. O objetivo geral estabelecido à pesquisa foi identificar como e quais são as práticas jurídicas extensionistas que atuam ou já atuaram no Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, localizado em Ceilândia, bem como traçar a relação e o impacto que esses projetos causam na localidade no que diz respeito ao acesso à justiça e à superação das desigualdades existentes nessa área periférica do Distrito Federal. Para tanto, foi realizada análise de conteúdo de documentos relacionados às ações extensionistas desenvolvidas no órgão.
Palavras-chave: Ensino jurídico; educação em direitos humanos; extensões populares; Núcleo de Prática Jurídica; acesso à justiça.
Sobre o conteúdo da monografia remeto ao Sumário, bem compreensivo nos seus enunciados. Depois da Introdução, os itens:
Ensino Jurídico: um Paradigma
Universidade e Extensão Popular
As Origens do Núcleo de Prática Jurídica da UnB
O NPJ/FD/UnB e as Extensões Populares:
Assessoria Jurídica Universidade Popular
Maria da Penha
Promotoras Legais Populares
Vez e Voz
Defensoras e Defensores Populares
Tribunal Popular Internacional sobre Sistema de Justiça Brasileiro
Rexistir
Meu Condomínio Legal
Reformulação da Lei Orgânica e do Regimento Interno da Câmara de Vereadores do município de São João D’Aliança (GO)
Justiça Comunitária
Cidadania e Justiça Também se Aprendem na Escola
Agentes Sociais
Projeto de Apoio a Comunidades de Quilombos do Brasil (PROACQ)
Projetos vinculados ao DEX desenvolvidos no NPJ/FD/UnB
Centro Acadêmico e Fórum de Extensão da FD/UnB
Seguem-se as Considerações Finais e as Referências Bibliográficas.
Prestando-se a se constituir um catálogo das experiências de extensão na Faculdade de Direito, a monografia já é em si valiosa porque revela a cuidadosas pesquisa para identificar os registros que assinalam as práticas que lhe dão origem, culminando num descritivo que é compartilhável, na medida da circulação do trabalho, mas que não é apenas uma exteriorização de eventos e de ocorrências.
Com efeito, localizando a historiografia e os relatórios que designam essas experiências, a monografia logra extrair da descrição, algo mais que um exercício virtual do que foi observado, mas um valor interpretativo que só uma disposição epistemológica pode alcançar. Lembrando Engels em seus relatórios sobre as condições de vida e de moradia dos trabalhadores ingleses (Manchester) em seu tempo, “descrever verdadeiramente é, simultaneamente, explicar”.
Assim que, em Rayssa, a descrição, referida ao catálogo, para mencionar todos os projetos que relaciona, expõe a mirada epistemológica que orienta o seu levantamento, tal como ela indica, com a articulação do afazer universitário (histórica e politicamente designados), nesse passo, com o roteiro proposto por Bistra Apostolova que o conhece bem, por seus estudos e por sua proximidade com o processo da institucionalização universitária, do ensino do direito e da formulação das diretrizes do campo; a própria questão do ensino do direito e aí da inserção da prática jurídica com a sua elementaridade para que “o direito não se ensine errado”, diz Roberto Lyra Filho, nem em decorrência da inadequada apreensão do objeto de conhecimento, nem pela inadequada pedagogia que daí decorre; do componente extensionista que articula a dimensão de realidade que propõe a articulação entre teoria e prática para que o conhecimento não delire da realidade e nem se distancie da pedagogia da autonomia; e, enfim, da própria concepção de conhecimento pela práxis organizada em núcleo de prática jurídica.
Aqui a minha convocação para que as palavras-chaves contemplem a expressão O Direito Achado na Rua. Todas as referências, desde os conceitos, às concepções, às referências bibliográficas, e até a orientação e composição da banca, procedem da vertente de conhecimento e de práxis inscrita em O Direito Achado na Rua, sua concepção e sua prática.
Assim, a concepção de direito como liberdade, em Roberto Lyra Filho e o acervo da Nova Escola Jurídica, com inscrição no ensino do direito e da prática jurídica, estão com absoluta fidelidade, articulados na monografia a partir de seus pressupostos, aplicados ao objeto de estudo.
Assim, por exemplo, para a mediação entre esses elementos que a autora inteligentemente estabeleceu, sobre configurá-la como enlace necessário, põe ela em relevo a categoria acesso à justiça, tomada dos escritos de sua orientadora, mas afinada com o que eu próprio sugeri fosse uma denotação mais precisa, afinal adotada por Rayssa:
Adotamos, aqui, o conceito de acesso à justiça desenvolvido por José Geraldo de Sousa Junior (2008, p.6): “[…] pensá-lo como um procedimento de tradução, ou seja, como uma estratégia de mediação capaz de criar uma inteligibilidade mútua entre experiências possíveis e disponíveis para o reconhecimento de saberes, de culturas e de práticas sociais que formam as identidades dos sujeitos que buscam superar os seus conflitos”. Existem outras abordagens ao fenômeno do acesso à justiça, que enfatizam a efetividade (CAPPELLETTI; GARTH, 1988) e as condições de ingresso dos sujeitos nos canais estatais de resolução de conflitos (SADEK, 2001), que, segundo Talita Rampin (2018, p.129), são limitadas por adotarem uma “perspectiva de ingresso-permanência-saída de determinado espaço-forma de resolução de conflitos.”
No mesmo passo, a concepção de extensão, fundamental para a sua abordagem, de um lado, acentuando a relação imediata, no âmbito universitário com a extensão, todavia mediada pela prática jurídica e nesse enquadramento com a configuração que lhe atribui, na UnB, O Direito Achado na Rua. Aqui, valendo-me de uma referência bibliográfica adotada pela Autora da monografia, num enlace orgânico (http://estadodedireito.com.br/a-experiencia-da-extensao-universitaria-na-faculdade-de-direito-da-unb/):
Tratei do tema extensão universitária aqui mesmo neste espaço em coluna anteriormente publicada – http://estadodedireito.com.br/salao-de-extensao-20-anos/. Então, a propósito de registrar minha participação num evento celebratório do qual participei, 20 anos do Salão de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), deixei marcado o meu posicionamento re-afirmando o que deixei expresso em meu balanço de reitorado (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (Org). Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora UnB, 2012): “Nenhum reitor, desde os tempos medievais de reitores-estudantes no modelo de Bolonha, aos reitores-professores no modelo moderno de universidade, afronta arrogante o espaço público de inter-relacionamento e de diálogo com as comunidades plurais epistêmicas que dão legitimidade ao saber que suas instituições realizam” (p. 60-61). O conhecimento, assim, sobretudo em contexto de diálogo universidade e sociedade, adquire papel social indissociável e a extensão universitária é o seu melhor instrumento de construção.
No registro dos eventos daquela celebração, a propósito de estabelecer uma conexão entre a experiência da UFRGS e da minha UnB, aludi a um texto originado de balanço do projeto extensionista da Faculdade de Direito desta universidade, para salientar que, com efeito, a extensão é tradução de reconhecimento, na medida da disponibilidade de uma prática de intervenção que se reorienta reflexivamente a partir da extensão universitária e que se irradia indissociavelmente nos elementos que designam o afazer universitário: o ensino e a pesquisa. Mencionei, nessa Desde a perspectiva de O Direito Achado na Rua não é pouco essa denotação, se se tem em mente, por exemplo a constatação levada a cabo pela ex-Decana de Extensão da UnB Leila Chalub Martins, ao afirmar que “O Direito Achado na Rua, a meu juízo, foi a primeira e mais significativa iniciativa intelectual, no sentido de responder ao que cobrava Darcy Ribeiro, no momento do ‘renascimento’ da Universidade de Brasília” (Uma Universidade intrometida na vida – a experiência da Faculdade de Direito com a extensão universitária. In COSTA, Alexandre Bernardino (org). A Experiência da extensão universitária na Faculdade de Direito da UnB. Brasília: Faculdade de Direito. Coleção O que se Pensa na Colina)
No mesmo sentido, com contribuições igualmente significativas –http://estadodedireito.com.br/a-pratica-juridica-na-unb-reconhecer-para-emancipar/. Aqui, chamo a atenção para os apontamentos de André Macedo de Oliveira, nosso professor, o qual, embora não filiado a O Direito Achado na Rua, coordenou o NPJ/UnB e de sua experiência construiu a sua dissertação de mestrado. André acumulou no período uma densa bibliografia com base nessa experiência, incluindo o seu texto Advogados voluntários do Núcleo de Prática Jurídica da UnB: uma nova causa. Essa é outra linha de abordagem única experimentada na construção extensionista do NPJ/UnB, conforme outros importantes textos in Colaboradores Voluntários do Núcleo de Prática Jurídica (Coleção ‘O que se pensa na Colina’, Brasília: Faculdade de Direito/CESPE, UnB, 2002.
De resto, considerando que a minha contribuição na arguição se dirija mais à necessidade de completude de bibliografia pertinente, não posso deixar de lembrar à graduanda, as contribuições de sua orientadora, aliás Coordenadora do NPJ (conforme a sua própria tese) e do colega Escrivão, examinador, atualmente coordenador da AJUP Roberto Lyra Filho, com seu trabalho interpelante sobre a exigência de leituras alargadas de acesso à justiça e sua perspectiva para a sua democratização e para os direitos humanos.
Além de Justiça e Direitos Humanos: Perspectivas para a Democratização da Justiça, vol. 2. Antonio Escrivão Filho et al organizadores. Curitiba: Terra de Direitos, 2015), também http://estadodedireito.com.br/experiencias-compartilhadas-de-acesso-a-justica-reflexoes-teoricas-e-praticas/, sobre as obras REBOUÇAS, Gabriela Maia; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; CARVALHO NETO, Ernani Rodrigues de (Organizadores). Experiências Compartilhadas de Acesso à Justiça: Reflexões teóricas e práticas. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2016, 281 p. Texto Eletrônico. Modelo de Acesso World Wide Web (gratuito). www.esserenelmondo.com.br; e REBOUÇAS, Babriela Maia; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; ESTEVES, Juliana Teixeira (Organizadores). Políticas Públicas de Acesso à Justiça: Transições e Desafios. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2017, 177 p. E-Book (gratuito). www.esserenelmondo.com.br, nas quais, ambos, têm importantes contribuições, além de outros e outras colegas vinculados ao Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua que colaboram com textos nessas duas edições sobre acesso à justiça.
A outra vertente, não negligenciável, remete à educação popular inserida na acepção de prática jurídica. Para ela aponta Inês da Fonseca Porto com sua obra seminal sobre ensino do direito e imaginação – http://estadodedireito.com.br/ensino-juridico-dialogos-com-a-imaginacao/ – e de modo autêntico, Nita Freire (http://estadodedireito.com.br/o-direito-achado-na-rua-v-8/), com Acesso à Justiça e a pedagogia dos vulneráveis | Ana Maria Araújo Freire (Nita Freire), publicado em Série O Direito Achado na Rua, vol. 8 – Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação, obra em que tanto eu quanto a orientadora Talita Rampin somos co-organizadores.
Na minha Coluna Lido para Você (Jornal Estado de Direito), dirigido pela jurista Carmela Grüne que assiste presencialmente esta defesa, aludo a propósito:
Reside nesse passo, a segunda motivação que me compromete com a obra e que dá sentido ao meu depoimento. Ou seja, essa apreensão que pode se encontrar entre Paulo Freire, de uma ligação entre educação, justiça, direito e direitos humanos, que não seja apenas uma evocação de sua originária formação em Direito, depois de um rápido ensaio inicial na advocacia.
Anoto que essa ligação foi desde logo estabelecida por Nita Freire. É dela a leitura que desvela uma “pedagogia dos direitos humanos” como proposta freireana de “inserção crítica dos homens e das mulheres nas suas sociedades ao possibilitar-lhes terem voz, dizerem a sua palavra, biografarem-se” (FREIRE, Ana Maria Araújo (Nita Freire). Acesso à Justiça e a Pedagogia dos Vulneráveis. In SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et al. Organizador. Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação. Série O Direito Achado na Rua, vol. 8. Brasília: FAC/UnB Livros, 2017).
A meu ver, a notável apreensão dessa imbricação emancipatória se apresentou de forma inesperada quando recebi um pedido de Nita Freire que me solicitava referências jurídicas de uma possível relação que se pudesse estabelecer entre o pensamento do educador brasileiro, forte numa pedagogia de autonomia, e o direito. É que ela havia sido convidada a proferir uma conferência na Escuela del Servicio de Justicia, a Escola de Magistratura argentina, e gostaria de focalizar a sua apresentação pondo em relevo essa relação.
Diante do pedido de Nita, enviei-lhe duas dissertações de mestrado, ao final, fortemente citadas em sua conferência – “Acesso à Justiça e a pedagogia dos vulneráveis”; ou “O pensamento de Paulo Freire e sua relação com o Direito como prática para a libertação” – em base as quais desenvolveu os seus argumentos afirmativos da relação procurada (FREIRE, 2014): FEITOZA, Pedro Rezende Santos. O direito como modelo avançado de legítima organização social da liberdade: a teoria dialética de Roberto Lyra Filho. Dissertação apresentada em 2014, na UnB; GÓES JUNIOR, José Humberto de. Da Pedagogia do Oprimido ao Direito do Oprimido: Uma Noção de Direitos Humanos na Obra de Paulo Freire. Dissertação de Mestrado, Mestrado em Ciências Jurídicas, UFPB, João Pessoa, 2008.
Tal como exponho em outro escrito meu (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. O Direito Achado na Rua: Condições Sociais e Fundamentos Teóricos. Revista Direito e Praxis, Rio de Janeiro, vol. 10, n º 4, 2019, p. 2776-2817).
Não deixou, entretanto, de ser uma surpresa, rica e inesperada, acompanhar o modo como a conferencista estabelece a relação e sabe se valer das contribuições que lhe foram oferecidas, tanto mais valiosas quanto elaboradas por dois bem investidos do conhecimento e da prática que balizam O Direito Achado na Rua, para operar com as categorias formuladas por Roberto Lyra Filho e designar, na interconexão que logra estabelecer, entre Roberto Lyra Filho e Paulo Freire, entre o Direito e a Pedagogia da Autonomia, na sua leitura, tornada possível pela mediação de O Direito Achado na Rua. Percebe-se isso na conclusão que propõe (FREIRE, Ana Maria Araújo Freire (nita freire). Conferência proferida em Buenos Aires, em 25 de setembro de 2014, na Escola de Serviço de Justiça, em programa de especialização em Magistratura. www.odireitoachadonarua.blogspot.com, acesso em 03.02.2015):
“Por tudo que foi exposto torna-se possível asseverar, que, a relação de Paulo Freire com o Direito nega veemente a concepção tradicional do direito da Modernidade e se alia ___ talvez fosse mais correto dizer que ele, ao lado de outros intelectuais que enriqueceram o pensamento da esquerda mundial criaram um nova leitura do mundo, humanista e transformadora, dentro da qual meu marido concebeu uma teoria epistemológico-ético-político-antropológico-critica de educação, que está alinhada com a concepção do Direito Achado na Rua, a Teoria Dialética Social do Direito. Entretanto, cabe aqui uma ressalva: o jurista Roberto Lyra Filho, que embasa Feitoza e Góes, como também este meu trabalho, não cita Paulo Freire em nenhum dos seus mais de 40 livros. Porém, fica evidente, com uma simples leitura dos trabalhos deles, que Lyra sorveu princípios e utilizou algumas categorias fundamentais da teoria do educador brasileiro, seu conterrâneo”.
Mas, de Escrivão Filho sobretudo, importa remeter a http://estadodedireito.com.br/mapa-territorial-tematico-e-instrumental-da-assessoria-juridica-e-advocacia-popular-no-brasil/:
o estudo trata a assessoria jurídica e advocacia popular como indicadores do grau de qualidade democrática do sistema de justiça, compreendendo o papel dessas organizações tradutoras e mediadoras das lutas políticas dos movimentos sociais com as instituições do poder público, em especial as da justiça. Presente na história institucional da Terra de Direitos e da Dignitatis, a Renap – Rede de Advogadas e Advogados Populares está entre as motivações para a realização da pesquisa. A Rede foi criada em 1995 com o propósito de fortalecer a comunicação e a interlocução entre os diversos advogados e advogadas que atuam junto aos movimentos sociais no Brasil. Desde a criação da Rede, a advocacia popular se expandiu acompanhando o movimento histórico próprio do desenvolvimento da luta por direitos no Brasil. Aliado à Renap, a pesquisa surge também no âmbito dos debates da JusDh – Articulação Justiça e Direitos Humanos, que vem atuando sobre uma agenda política voltada para a democratização da justiça.
Segundo levantamento feito pela pesquisa, o cenário da assessoria e advocacia popular no Brasil conta com 96 entidades, distribuídas por 117 pontos de atuação, considerando que há organizações com escritórios em mais de uma cidade. A maior concentração está nas regiões metropolitanas e nas capitais, o que reafirma a atuação da advocacia popular no trabalho de tradução entre o mundo dos movimentos sociais e as instituições públicas das três esferas de poder, agrupados principalmente nas capitais.
Já os escritórios localizados no interior estão principalmente nas regiões Norte. Estado com de alto de conflitos fundiários, o Pará se destaca pelo número de entidade espalhadas pelo seu território, voltadas especialmente aos temas agrários, como Terra e Território, Meio Ambiente e Trabalho Escravo. Dados da Comissão Pastoral da Terra, publicados no Relatório de Conflitos no Campo, mostram que houve registro de 89 conflitos por terra no estado em 2012, despontando como o mais violento da região e o 4º estado com o maior número de conflitos no país.
A pesquisa traz, ainda, outras duas abordagens: a identificação da variação temática da atuação das entidades de assessoria jurídica e advocacia popular, e o instrumental manejado em sua atuação. No âmbito do “mapa temático”, foram identificados 13 temas de direitos humanos usualmente defendidos pelas entidades pesquisadas. Segundo Antonio Escrivão Filho, co-coordenador da pesquisa pela Terra de Direitos, “um dado interessante foi a revelação de que há variações na distribuição e presença de temas, na medida das diferentes regiões do país. Neste sentido, destacaram-se, por exemplo, a elevada incidência do tema “LGBTT” no Nordeste, ao passo em que a temática de “Criança e Adolescente” se concentrou na região Sudeste”.
No que se refere à dimensão instrumental, a pesquisa buscou verificar quais as ferramentas e estratégias presentes no cotidiano de atuação das entidades, confirmando a análise que aponta para uma utilização combinada de instrumentais políticos e jurídicos na solução de demandas referentes à violação ou efetivação dos direitos humanos no Brasil.
Tudo isso contribui para explicar a outorga do (https://www.youtube.com/watch?v=DaSY1saZryg) Premio Esdras Borges da Costa de Ensino do Direito FGV, categoria prêmio destaque, ao Grupo Proponente Professores José Geraldo de Sousa Junior, Eduardo Lemos e Renata Vieira e Estudantes Maria Antonia Melo, Júlia Taquary, Rafael Santos, Lucca Dal Sochio e Juliana Machado. Projeto Pesquisa em (que) Direito. Integrou a documentação da candidatura o vídeo produzido pelos estudantes monitores da disciplina Pesquisa Jurídica [2020.1] sobre a Extensão na Faculdade de Direito da UnB (https://www.youtube.com/watch?v=Q65Ks3B_xHY).
Entre os projetos destacados está a AJUP Roberto Lyra Filho. Sobre essa forma de prática jurídica é relevante considerar a sua base teórica tal como o fez Adda Luisa, em sua monografia de conclusão de curso na Faculdade de Direito da UnB (cf. http://estadodedireito.com.br/o-papel-da-extensao-popular-na-democratizacao-da-justica-a-experiencia-da-assessoria-juridica-universitaria-popular-roberto-lyra-filho/):
Tendo como base teórica, principalmente O Direito Achado na Rua e o Direito Insurgente, Adda sustenta como hipótese de pesquisa “que AJUP-RLF, assim como muitos projetos de extensão, vivenciou, ao decorrer da sua história, gerações, muito marcadas pelos membros que estavam à frente do projeto na época”, todos mobilizados por uma concepção emancipatória de jurídico, notadamente na UnB (http://estadodedireito.com.br/a-pratica-juridica-na-unb-reconhecer-para-emancipar/; também (http://estadodedireito.com.br/o-direito-achado-na-rua-e-as-possibilidades-de-praticas-juridicas-emancipadoras/) e a sua proposta “é desenvolver essa tese ao decorrer da escrita do artigo, assim como, apresentar a atuação do projeto com os movimentos sociais no DF”.
Folgo em que a base teórica em que se quer apoiar Adda Luisa também esteja presente nos pressupostos conceituais que orientam a elaboração do Mapa, sobretudo quando os autores da pesquisa, constatam o reaparecimento dos “movimentos sociais no cenário político da reivindicação de direitos civis, políticos, econômicos e sociais como sujeitos coletivos de direitos”, capazes de, “Instituir novos modos de vida e de juridicidade, não apenas do ponto de vista semântico (como fonte de argumentos que ajudam a criar novas interpretações para velhas categorias), mas também do ponto de vista pragmático (como fonte de práticas que inspiram novas formas de operabilidade do fenômeno jurídico)”, valendo-se, nesse passo, de fontes que se organizam no Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua: ‘Esses movimentos sociais, segundo Sousa Júnior, constituem-se como sujeitos coletivos a partir da elaboração do modo como vivem suas relações e identificam seus interesses. Para o autor, o que dá o caráter de sujeito coletivo a esses grupos “é a conjugação do processo de identidades coletivas, como forma do exercício de suas autonomias e a consciência de um projeto coletivo de mudança social a partir das próprias experiências” (1999, p. 257). Ainda de acordo com Sousa Júnior (1999, p. 258), a ação desses sujeitos coletivos na defesa de interesses reflete o entendimento por parte deles de negação de um Direito, daí a luta para conquistá-lo. É justamente essa luta por Direitos, fundada nas necessidades desses grupos, articuladores de vontades gerais, que realça o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, constituindo novos espaços sociais de participação política nos quais se enunciam novos Direitos e que torna os movimentos sociais como novos sujeitos de Direito, os sujeitos coletivos de Direito’.
Confira-se, sobre isso, notadamente as páginas 22 e 23 do texto. Ali se verá ainda, conforme os autores que “Pensar a democratização da justiça a partir dessa ótica exige um duplo movimento de observação, análise e reflexão: primeiro, em torno dos processos e práticas de lutas sociais concretas, em cujos horizontes se instituem os direitos humanos (nesse sentido, Sousa Júnior, 1999); segundo, a respeito das formas – de reconhecimento e abertura, ou de invisibilização e indiferença, ou ainda de escancarada repressão – como os órgãos do sistema estatal de justiça relacionam-se ou não com essas lutas”.
Nessa linha de especificação e de continuidade de uma experiência que de fato “revoluciona” o ensino jurídico e contribui para o processo de democratização da justiça (Justiça como categoria de reconhecimento e de emancipação e não como sistema funcional e burocrático), tal como propõe Boaventura de Sousa Santos – http://estadodedireito.com.br/para-uma-revolucao-democratica-da-justica/ – guardo grande expectativa do estudo que Adda Luisa de Melo Sousa, estudante de graduação na UnB, dirigente do Centro Acadêmico e do Projeto de Extensão Universitária Assessoria Jurídica Roberto Lyra Filho, está desenvolvendo no PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica): “Histórico, concepção e prática da Assessoria Jurídica Universitária Popular da UnB – Roberto Lyra Filho“.
A própria autora da monografia tem sua cota de explicitação desse marcante projeto. No canal youtube de O Direito Achado na Rua (www.odireitoachadonarua.blogspot.com), uma consulta à playlist do Programa O Direito Achado na Rua (Expresso 61, TV 61 – https://expresso61.com.br/), pode ser baixado o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=lOeLZk6j66Y, que apresenta o projeto em seus 10 anos. Conforme a sinopse:
A Assessoria Jurídica Universitária Popular (AJUP), da Universidade de Brasília (UnB), está completando dez anos. Para falar sobre o papel histórico dela, o programa O Direito Achado na Rua, pela TV 61, recebe duas de suas integrantes.
São elas: Kelle Cristina Silva e Rayssa Cavalcante Matos. Elas são graduandas em Direito pela UnB e extensionista da AJUP Roberto Lyra Filho, sendo que Rayssa é também diretora do Centro Acadêmico.
Conversamos com elas sobre o contexto de surgimento do projeto, seus objetivos e formas de atuação e das relações com os movimentos sociais do Distrito Federal e as extensões universitárias. O papel social do Direito e da universidade também está em nossa pauta.
Todas essas injunções têm contribuído para configurar o grande esforço interinstitucional de curricularização da extensão no sistema universitário brasileiro. Chamo a atenção para o ciclo instalado na UFPR, com o Seminário “Curricularização da Extensão Universitária em Direito: debates e experiências”, com o objetivo de construir um espaço interinstitucional de reflexão sobre a Extensão Universitária nos Cursos de Direito e o processo de curricularização regulado na Resolução nº 7 MEC/CNE/CES, de 18 de dezembro de 2018. O Seminário é um projeto interinstitucional concebido e organizado pelas seguintes instituições parceiras: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), UNDB Centro Universitário, Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade Federal de Jataí (UFJ), Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). Em seu 4º encontro 4º Encontro, o Seminário pautou o tema “Promotoras Legais Populares: extensão universitária para a autonomia das mulheres” e nele, atuaram como Facilitadoras: Lívia Gimenes Dias da Fonseca (UFRJ) e Helga Maria Martins de Paula (UFJataí-GO), sendo debatedora a professora Talita Tatiana Dias Rampin (UnB). O encontro aconteceu na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Anoto que Lívia e Helga participaram da instalação do projeto Promotoras Legais Populares da UnB e Lívia, atualmente, é docente do corpo de professores da Faculdade de Direito da UnB, coordenando o projeto de Extensão Promotoras Legais Populares: Capacitação de Mulheres em Gênero e Direitos Humanos.
Eu próprio participei desse projeto, no espaço da UFPR, conforme se poderá conferir em https://www.youtube.com/watch?v=CpPF2wlgUoE, no Ciclo com a Extensão: Desafios da Curricularização no Direito (UFPR). Mesa: Extensão e o Direito. O que é, seus fundamentos e suas práticas.
Volto ao catálogo de vídeos do canal youtube de O Direito Achado na Rua (www.odireitoachadonarua.blogspot.com) e entre as muitas sugestões, também ligadas ao tema, por seu vínculo com a orientadora, veja-se https://www.youtube.com/watch?v=ds73hjR-pm8, Lançamento da Denúncia do Tribunal Popular Internacional sobre o Sistema de Justiça.
Assim que, estando de acordo no geral com o trabalho apresentado por Rayssa Cavalcante Matos em sua monografia, oriento minha arguição para oferecer complementos necessários, à bem posta bibliografia oferecida pela Autora, com alguns novos registros.
Além dos anotados no correr da exposição, os imprescindíveis: O Direito Achado na Rua: 25 Anos de Experiência de Extensão. Nair Heloisa Bicalho de Sousa, Alexandre Bernardino Costa, Lívia Gimenes da Fonseca e Mariana de Faria Bicalho. In Participação. Revista do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília – Ano 10 nº 18 – dezembro de 2010, p. 41-52; Direitos Humanos e Educação em Direitos Humanos na Extensão da Universidade de Brasília. Nair Heloisa Bicalho de Sousa, Regina Coelly Fernandes Saraiva, Rosamaria Giatti Carneiro e Vanessa Alves Carneiro. In João Batista Moreira Pinto (org). Direitos Humanos como Projeto de Sociedade: Caracterização e Desafios, vol. 1. Belo Horizonte: Editora Instituto DH, 2018, p. 297-322.
O tema escolhido por Rayssa Cavalcante Matos para além de todos os fundamentos por ela arrolados que avalizam a sua relevância, encontra um respaldo cabal em leituras de grande valor homologador. Indico para corroborar as escolhas de Rayssa, o enfoque equivalente de Boaventura de Sousa Santos (Para uma Revolução Democrática da Justiça, 3ª edição. São Paulo: Cortez, 2011).
Para realçar sua abordagem do tema acesso à justiça, Boaventura distingue dois projetos de extensão da Faculdade de Direito da UnB, relativos à prática jurídica. Num caso, para destacar “dentre as iniciativas em curso no Brasil, o curso de promotoras legais populares do Distrito Federal, cuja característica distintiva reside na articulação entre as práticas de capacitação jurídica e as práticas de extensão da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília”. No outro caso, relativo às assessorias jurídicas universitárias populares, para acentuar que “a participação dos estudantes de direito em tais projetos favorece a aproximação a espaços muitas vezes ignorados e que servirão de ‘gatilhos pedagógicos’ para uma formação mais sensível aos problemas sociais, o que nem a leitura de um ótimo texto descritivo de tal realidade poderia proporcionar. É a interação entre estudantes e sociedade a agir como protagonista do processo de ensino e aprendizagem”.
Nesse ensaio Boaventura dá concretude à sua percepção geral sobre o que considera a passagem da ideia de universidade à universidade de ideias (cf. com o mesmo título, in Cristiano Paixão (org). Redefinindo a relação entre o professor e a universidade: emprego público nas Instituições Federais de Ensino?. Brasília: UnB/Faculdade de Direito/CESPE, Coleção ‘O que se Pensa na Colina’, vol. 1, 2002), especialmente quando propõe, seguindo a sugestão do então Reitor da UnB Cristovam Buarque, forte no entendimento de que ‘a política de universidade deve combinar o máximo de qualidade acadêmica com o máximo de compromisso social’, que se atribua relevo, entre as experiências da UnB, ao projeto O Direito Achado na Rua, que visa, entende ele, a “recolher e valorizar todos os direitos comunitários, locais, populares, e mobilizá-los em favor das lutas das classes populares, confrontadas, tanto no meio rural como no meio urbano, com um direito oficial hostil ou ineficaz”, p. 111.
Aplicadas imediatamente à educação jurídica, Boaventura de Sousa Santos infere que essa dimensão teórico-prática e compromisso social designa o sentido da reforma do ensino do direito, desencadeada pela Portaria nº 1886, de 30 de dezembro de 1994, “ao perseguir o propósito de fazer com que as faculdades adotassem uma prática diferente da assistência jurídica técnico-burocrática típica dos escritórios-modelo, [investindo] na ideia de criação de Núcleos de Prática Jurídica como espaços de germinação de uma práxis diferenciada e progressista”.
Folgo em que a abordagem de Rayssa Cavalcante Matos seja confortada por essa igual constatação em Boaventura de Sousa Santos, que também me engaja porque, nessa passagem o autor português remete ao meu O Direito como Liberdade. O Direito Achado na Rua (Tese de Doutorado UnB, 2008), no tópico relativo ao ensino do direito.
| José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua |