O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

 

Dossiê: “IPDMS, 10 anos de história e desafios”

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

  1. 8 n. 2 (2022): Dossiê: “IPDMS, 10 anos de história e desafios”. Julho a dezembro de 2022. Organização do dossiê: Carla Benitez Martins, Diego Augusto Diehl, Luiz Otávio Ribas e Ricardo Prestes Pazello. DOI: https://doi.org/10.26512/revistainsurgncia.v8i2. Publicado: 31.07.2022, 535 p.

 

                           

 

Eis a boa notícia trazida pelos Editores: É com imensa felicidade que a InSURgência: revista de direitos e movimentos sociais torna público o Dossiê “IPDMS, dez anos de história e desafios”, cuja proposta é celebrar uma década de existência de nosso Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais. Com a curadoria de Carla Benitez Martins, Diego Augusto Diehl, Luiz Otávio Ribas, Ricardo Prestes Pazello, o dossiê narra a trajetória do IPDMS por meio das contribuições teóricas, artísticas e militantes de dezenas de pesquisadoras e pesquisadores participantes do Instituto.

A edição, referente ao semestre de julho a dezembro de 2022, pode ser consultada na página * https://periodicos.unb.br/index.php/insurgencia/issue/view/2441* e está disponível também na íntegra, em arquivo. Agradecemos a contribuição de todo mundo que tornou possível o dossiê de nossos dez anos, mas, sobretudo, de todo o conjunto de investigadoras e investigadores que dedicam parte de sua vida, pesquisa e militância à construção deste necessário instrumento de disputa pela batalha das ideias no campo jurídico crítico.

Além dos artigos que compõem o dossiê e fazem um balanço da produção de seus GTs, a edição conta ainda com as entrevistas do professor da UnB José Geraldo de Sousa Junior e da militante do MST Ayala Lindabeth Dias Ferreira, mas também com verbetes, expressões poéticas, resenhas de publicações do IPDMS e alguns de seus documentos históricos, além de textos inéditos na temática de direitos e movimentos sociais.

Convidamos todas e todos à leitura e ao debate!

Um viva aos dez anos do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais! E que venham as próximas décadas!

Saudações insurgentes,

Equipe editorial e comissão organizadora do dossiê,

31 de julho de 2022

Um viva aos dez anos do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais! é também o título da Apresentação do dossiê “IPDMS, 10 anos de história e desafios”, feita por Carla Benitez Martins, Diego Augusto Diehl, Luiz Otávio Ribase Ricardo Prestes Pazello

Em  2012,  na  Cidade  de  Goiás-GO,  dois  eventos  históricos  significativos  tiveram lugar:  a  formatura  da  primeira  turma  de  graduação  em  Direito  no  âmbito  do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária –PRONERA; e a fundação do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais –IPDMS.

Fruto de dois seminários nacionais de “Direito, Pesquisa e Movimentos Sociais”, organizados em São Paulo-SP (2011) e Cidade de Goiás-GO (2012), o IPDMS foi fundado em Assembleia Geral realizada em 28 de abril de 2012 por 123 (cento e vinte  três)  militantes,  pesquisadoras  e  pesquisadores,  advogadas  e  advogados populares de todas as regiões do Brasil, que viam a necessidade de formar um espaço para  se  configurar  como  um  centro  de  produção  de  saberes  críticos,  militantes  e insurgentes que fortalecessem as lutas dos movimentos sociais por direitos.

Sob o formato de uma  associação de  abrangência nacional, constituída  por  Seções Regionais (Norte, Nordeste 1, Nordeste 2, Centro-Oeste, Sudeste, Sul) e uma seção Estudantil,  que  formam  um  Conselho  das  Seções,  por  uma  Secretaria  Executiva nacional e por dez Grupos Temáticos (aos quais posteriormente se somaram outros três  GTs),  o  IPDMS  foi  criado  para  realizar  pesquisas,  organizar  encontros  e seminários,  ministrar  cursos  e  minicursos,  publicar  obras  individuais  e  coletivas, entre outras tarefas relacionadas à batalha das ideias no campo jurídico.

Ao  longo  dos  dez  anos  de  vida  do  IPDMS,  foram  realizados  oito  seminários nacionais; fundou-se, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade de Brasília –PPGDH-UnB, a InSURgência: revista de direitos   e   movimentos   sociais,   um   periódico   internacional,   sob   a   batuta imprescindível do professor Alexandre Bernardino Costa, que promove produções teóricas  e/ou  empíricas  comprometidas  com  o  conhecimento  crítico  e  libertador sobre o campo dos “direitos e movimentos sociais”, nos contextos brasileiro, latino-americano e internacional; publicaram-se livros de autoria coletiva (entre os quais, a coleção A luta pela  terra, água e  florestas e o direito, com artigos de estudantes  e egressos das turmas de Direito do PRONERA, em parceria com a editora Lumen Juris);  constituiu-se  a  parceria  com  a  Comissão  Pastoral  da  Terra –CPT  para  a realização da pesquisa nacional intitulada “Massacres no campo na Nova República: crime  e  impunidade, 1985-2019”; inaugurou-se a coluna “Direitos e Movimentos Sociais” no portal Brasil de Fato; entre tantas outras iniciativas, como a realização de  cursos  e  minicursos  presenciais  e,  mais  recentemente,  em  formatos  virtuais, passando a constituir uma galeria de conteúdos no canal do IPDMS no YouTube.

Mais importante que essas realizações  em  si  são  as  aprendizagens,  os  novos horizontes,  novos  temas  que  estes  e  outros  fazeres  relacionados  às  atividades  do IPDMS   proporcionaram.   Novas   gerações   de   estudantes, militantes   sociais, advogadas e advogados populares  foram  formadas  a  partir  dessa  experiência,  de modo que já se torna possível estabelecer um balanço sobre a atuação do IPDMS ao longo desta década, além de projetar os próximos dez anos e os novos desafios que deverão ser enfrentados no campo das reflexões sobre a relação entre “direitos e movimentos sociais”.

Essa trajetória se deu em uma décadamarcante –e por que não dizer dramática? –da  história  brasileira.  Anos  de  turbulências  sociais,  ameaças  à  frágil  democracia burguesa do país, retrocessos e retiradas de direitos, intensificação dos processos de mercantilização de todas as dimensões da existência e precarização da vida. Cenário este que trouxe implicações à luta das oprimidas e oprimidos, levando a uma escalada de ameaças e assassinatos de lutadores e lutadoras, bem como ao esgarçamento de suas organizações,  inaugurando  uma nova  etapa de violências  e criminalização de movimentos sociais.

A existência do IPDMS não poderia deixar de se ver impactada por esse quadro de coisas, impondo novos desafios e agendas para sua atuação.

Com  esse  objetivo,  a InSURgencia:  revista  de  direitos  e  movimentos sociais convidou   todas   e   todos   que   participaram   de   sua   história   (comunidade   de pesquisadoras  e  pesquisadores,  bem  como  de  militantes  de  movimentos  sociais)  a produzir  reflexões  que  contemplassem  os  fazeres,  as  aprendizagens  e  os  desafios futuros  que  o  IPDMS  enfrentará  no  campo  das  áreas  temáticas  abordadas  pelos GTs,  dos  territórios  de  abrangência  das  Seções  Regionais,  das  ferramentas  de batalha das ideias mobilizadas pelo Instituto (seminários, publicações, audiovisual, artigos, revista etc.), da necessária internacionalização das agendas e dos grupos de pesquisa, da constituição de novos projetos e equipes de investigação. Sempre com o objetivo de incidir mais qualificadamente na conjuntura das lutas dos movimentos sociais por direitos, marcada nos últimos anos pela ascensão da extrema direita no Brasil e no mundo, é que o décimo-sexto volume da revista traz, a público, o balanço dos dez anos da fundação do IPDMS.

Assim  é  que,  neste  dossiê  intitulado “IPDMS, dez anos de história e desafios”,  a trajetória do Instituto é contada  em cada uma das seções da revista. A narração  é estimulada  pelo  comitê  organizador  do  volume,  composto  pelo  atual  secretário nacional  e  anteriores –Ricardo  Prestes  Pazello  (2012-2016),  Luiz  Otávio  Ribas (2016-2018), Carla Benitez Martins (2018-2021) e Diego Augusto Diehl (2021-) –,  que  fizeram  a  curadoria  do  conjunto  de  contribuições  de  autoras  e  autores integrantes da edição.

Desde  a  capa,  assinada  por  Anna  Galeb  e trazendo  recortes  fotográficos  das Assembleias  Gerais do  IPDMS   (de   baixo   para  cima,   estão  respectivamente registradas as AGs de 2012, na Cidade de Goiás, de 2014, em Curitiba, de 2016, em Vitória da Conquista, de 2018, no Rio de Janeiro, e de 2022, em Brasília),este objetivo se cumpre, uma vez que elas simbolizam a construção do Instituto no curso desses  dez  anos.  Por  sua  vez,  a  abertura  do  dossiê,  como  sempre,  marca  nossa proposta de interlocuções. Nessa oportunidade, os “Diálogos insurgentes” foram feitos  com  José  Geraldo  de  Sousa  Junior  e  Ayala  Lindabeth Dias  Ferreira.  Com Sousa Junior, professor da UnB (sede do nosso seminário de dez anos), a conversa foi “Dos 30 anos do Direito Achado na Rua aos 10 anos do IPDMS: a relação entre direito  e  movimentos  sociais  mediada  pela  crítica  dos  juristas”,  em  que  Diego Augusto  Diehl,  Ricardo  Prestes  Pazello  e  Anna  Caroline  Kurten  (estudante  da graduação da Universidade Federal do Paraná) puderam situar, no diálogo, o papel do IPDMS dentro de um quadro mais amplo das teorias críticas do direito no Brasil. Já com Ayala Ferreira –paraense e representante do Setor de Direitos Humanos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra –, a conversa “Sobre reaprender o  significado  do  trabalho  de  base,  reinventá-lo  diante  das  atuais  configurações  da realidade e poder ‘arrancar alegria ao futuro’”, conduzida por Carla Benitez Martins e Luiz Otávio Ribas, nos brindou com afiada análise da conjuntura latino-americana e brasileira, tecendo os desafios que se impõem à reconstrução das lutas sociais em um tempo que exige coragem  e ousadia na  reinvenção de nossos  instrumentos de intervenção na realidade social.

Os treze textos que compõem o “Dossiê”, por seu turno, dão conta de expressar a riqueza da produção enraizada no (e pelo) IPDMS. O primeiro artigo, como enuncia seu  título –“10 anos do IPDMS: realizações, limites e desafios” –,  se  propõe  a realizar um breve histórico do que seria a antessala da construção do Instituto, bem como  os  intuitos  e  realizações  nesta  sua  década  de  existência  desde  um  balanço prospectivo  tomando  em  conta  o ponto  de  vista  de  dois  de  seus  fundadores  e  ex-secretários gerais: Carla Benitez Martins (professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira) e Luiz Otávio Ribas (doutor em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Em  seguida,  apresentamos  as  contribuições  de  professores  internacionais  que participaram dos nossos seminários nos três primeiros anos do Instituto. O texto de Jesús  Antonio  de  la  Torre  Rangel,  professor  da  Universidade  Autônoma  de Aguascalientes (México), é o exato conteúdo preparado por ele para nosso seminário de fundação, em 2012, na cidade de Goiás, para o qual ele fora convidado para falar sobre “La experiencia indígena mexicana –Pluralismo jurídico: derecho al margen del sistema”. No semináriode  2013, realizado  em  Natal, houve a contribuição de Norman   José   Solórzano-Alfaro,   professor   da   Universidade   Nacional   e   da Universidade da  Costa Rica  (Costa Rica)  e,  para o  presente dossiê, foi realizada  a reelaboração da temática de então, a qual agora se intitulou de “Reflexiones sobre pensamiento  crítico  e  inversión  ideológica  de  derechos  humanos”.  No  caso  do terceiro  texto  internacional,  houve  a  degravação  (feita  por  Anna  Sandri)  da conferência de abertura do IV Seminário Nacional do IPDMS, realizada por George Andrew Mészáros, professor da Universidade de Warwick (Inglaterra), relativa aos “Movimentos sociais, direito e políticas de reforma agrária”.

O  conjunto  dos  demais  artigos  representa,  na  maioria  dos  casos,  um  exercício  de avaliação  dos  dez  anos dos  GTs  do  IPDMS,  trazendo  consigo  um  balanço  das atividades do período bem como formulações teóricas a respeito. É o caso do ensaio denominado “Entre o equilíbrio catastrófico e um jardim suspenso: dez anos de direito e marxismo, em movimento”, escrito por Ricardo Prestes Pazello (professor da   Universidade   Federal   do   Paraná)   e   Moisés   Alves   Soares   (professor   da Universidade Federal de Jataí), que resgata a organização do GT de “Direito e Marxismo” e as principais produções teóricas realizadas pelos autores que, em vários momentos, assumiram a coordenação do GT.

Já  o  artigo  “Lutas  Socioambientais  e  os  desafios  da  pesquisa-ação  junto  aos movimentos populares”, de autoria de Anna Galeb (integrante da atual secretaria nacional do IPDMS), Emiliano Maldonado (professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul) e Tchenna Fernandes Maso (coordenadora do GT de “Pensamento crítico e pesquisa militante na América Latina”), propõe repensar o modo de fazer investigações participativas, contribuindo para o campo de “direitos e movimentos sociais”, em geral, e para o GT dedicado a trabalhar as epistemologias do sul, dentro do IPDMS, em especial.

Ainda, seguindo a linha do balanço, no artigo “Questão agrária e direitos: o desmonte do Estado e da democracia nos últimos 10 anos”, Erika Macedo Moreira (professora da  Universidade  Federal  de  Goiás),  Mariana  Trotta  Dallalana  Quintas  e  Ana Claudia  Diogo  Tavares  (ambas  professoras  da  Universidade  Federal  do  Rio  de Janeiro) evidenciam, desde o GT “Povos e comunidades tradicionais, questão agrária e conflitos socioambientais”, uma incisiva conclusão à qual se pode chegar ante a destruição  da  política  de  reforma  agrária  no  Brasil:  a  profunda  crise  do  estado democrático de direito, notabilizada pela implementação de contrarreformas.

Em  seguida, temos a contribuição “Por um direito crítico além do patriarcado: a inserção da abordagem de gênero e sexualidades na agenda do IPDMS” de Fabiana Cristina Severi (professora da Universidade de São Paulo) e Mariana Prandini Assis (professora  da  Universidade  Federal  de  Goiás).  Situando-se  em  dois  lugares diferentes na história do Instituto, da fundação ao encabeçar de tarefas mais recentes, as autoras ensaiam historicizar a inserção da abordagem de gênero e sexualidades no direito crítico brasileiro, nas articulações militantes nesse campo e, dentro disso, no próprio IPDMS.

Nesta mesma toada, como literalmente o nome do artigo nos evidencia, “Balanço do Grupo   de   Trabalho   Cidade   e   Direito   do   Instituto   de   Pesquisa,   Direitos   e Movimentos Sociais”, escrito a muitas mãos por aquelas e aqueles que se dedicaram a essa história, André Felipe Soares Arruda (professor da Universidade Federal de Jataí),  Anna  Carolina  Lucca  Sandri  (advogada  popular),  Henrique  Botelho  Frota (advogado,   pesquisador   e   consultor),   João   Aparecido   Bazzoli   (professor   da Universidade   Federal   do   Tocantins)   e   Marcelo   Eibs   Cafrune   (professor   da Universidade  Federal  do  Rio  Grande),  apresentam  um  panorama  crítico  das reflexões  e  desenvolvimentos  teóricos  que  foram  apresentadas  e  debatidas  nos espaços  coletivos  do  GT,  especialmente  durante  os  Seminários  Nacionais  e  na organização  de  um  dos  dossiês  da Revista  InSURgência,  refletindo  sobre  a pertinência dessa agenda de pesquisa, especialmente em tempos de tantos ataques a direitos e desmonte de políticas sociais.

Em “Uma década contra o trabalho: debates desde o direito sobre os desafios postos ao movimento de trabalhadores e trabalhadoras”, Paula Talita Cozero (professora universitária em Curitiba), Alexandre Mandl (advogado popular) e Gustavo Seferian (professor  da  Universidade  Federal  de  Minas  Gerais)  se  debruçam  sobre  o contraditório  cenário  em  que  tanto  contrarreformas –que  em  suas  perspectivas individuais e coletivas, afetando trabalhadores e trabalhadoras da iniciativa privada e do serviço público, marcaram o período –quanto reinvenções da luta sindical se deram. Passando por aspectos concernentes à reorganização do mundo do trabalho voltada ao aprofundamento da acumulação do capital, seus impactos na subjetividade de  trabalhadores  e  trabalhadoras  e  suas  interdições  no  âmbito  organizativo –sobretudo na lida com o direito de greve –, o texto frisa os desafios que se colocam ao movimento sindical no empenhar de suas lutas para o próximo período.

Depois temos “Por uma política criminal não fascista”, contribuição de fôlego de Diogo Pinheiro Justino de Souza (professor do Mestrado em Ciência, Tecnologia e Educação  da  Faculdade  Vale  do  Cricaré)  e  Marco  Alexandre  Serra  (professor universitário   em   Maringá),   na   qual   nos   proporcionam   apurada   análise   das continuidades e vicissitudes da política criminal brasileira nos últimos trinta anos, destacando as tendências desde o retrocesso advindo do governo de Jair Bolsonaro e sua  política de morte, caracterizando-o como um “neofascismo dependente”, que tem na militarização das vidas e recrudescimento do sistema penal seus elementos centrais.

Na mesma linha de analisar os retrocessos brasileiros nesta última quadra histórica, “Balanço  crítico  de  um  triste  tempo  pandêmico  para  a  infância  e  juventude brasileira”,  escrito  a  seis  corações,  Italo  Guedes  (pesquisador),  Márcio  Berclaz (promotor de justiça no Paraná), Assis Oliveira (professor da Universidade Federal do Pará), Homero Bezerra (professor da Universidade de Pernambuco), Jenair Alves (psicóloga e pesquisadora) e Ilana Paiva (professora da Universidade Federal do Rio Grande  do  Norte)  realizam  uma  análise  de  conjuntura  marcada  pelas  lentes  dos retrocessos  das  políticas  contra  a  infância  e  contra  a  juventude,  especialmente  a negra, indígena, periférica e LGBTQIA+, com ênfase do período que vai do golpe de 2016 aos anos de (des)governo de Jair Bolsonaro.

Para encerrar a seção “Dossiê”, contamos com o texto “Disputas narrativas sobre prisões e pandemia: o projeto Infovírus à luz da criminologia jornalística”, de Marília de  Nardin  Budó  (professora  da  Universidade  Federal  de  Santa  Catarina),  Julia  de David Chelotti (pesquisadora) e Pietra Lima Inácio (advogada e pesquisadora), que expõe fundamental iniciativa de alguns grupos de criminologia espalhados pelo país ao realizarem um exercício de controle social, em busca de parceria com movimentos de familiares de pessoas em situação de prisão, da situação dramática e invisível dos impactos  da  pandemia  do  novo  coronavírus  no  sistema  prisional  brasileiro.  O IPDMS  acompanhou  e divulgou  a  iniciativa  deste  Projeto,  considerando  sua relevância  social  e  a  possibilidade  de  incidirmos  neste  contexto  de  crise  sanitária. Contar  com  esse  balanço  do  Infovírus  por  algumas  de  suas  participantes  é significativo nessa edição comemorativa.

Após  a  dialogicidade  insurgente  e  os  artigos  científicos  do  dossiê,  a  edição  abre espaço  aos  “Temas  Geradores”,  momento  em  que  se  pode  acessar  de  maneira didática  e  sintética  algumas  das  mais  presentes  idéias  que  fazem  parte  das investigações do IPDMS. Para o contexto do dossiê de nossos dez anos, contamos com  os  verbetes  sobre  “Advocacia  Popular”,  de  Flávia  Carlet  (pesquisadora), “Assessoria  Jurídica Popular”, de  José Humberto de Góes  Junior (professor da Universidade Federal de Goiás), e “Direitos Humanos das Mulheres”, de Diana Melo Pereira (advogada popular), nos quais as autoras e o autor trazem conceituações e reflexões sobre problemáticas tão candentes ao campo direitos e movimentos sociais.

Todo dossiê conta, também, com a seção de “Poéticas políticas”, porque nem só de ciência vivem os pesquisadores militantes. Como prova da diversidade artística que, igualmente,  integra  o  IPDMS  temos  um  conjunto  de  expressões  estéticas  que desenovelam uma parte significativa de nossa história. O primeiro texto é o poema “O  abraço”,  de  Carlos  Rodrigues  Brandão  (educador  popular,  com  carreira universitária na Universidade Estadual de Campinas), nosso mestre –discípulo de Paulo Freire –que participou do seminário de fundação do IPDMS e que, agora, nos oferece este abraço para que saiamos da pandemia, que a modernidade capitalista nos impôs,  o  mais  pujantemente  fortalecidos.  O  segundo  texto  é  obra  de  Ana  Lia Almeida (professora da Universidade Federal da Paraíba), quem vem se dedicando, além de à assessoria jurídica popular, também à literatura, sendo Rita, a personagem de suas curtinhas na quarentena, alguém que não poderia deixar de visitar o IPDMS no  marco  de  seus  dez  anos.  Em  seguida,  Pádua  Fernandes  (pesquisador  em  São Paulo),  um  de  nossos  poetas  mais  sofisticados,  ofereceu  um  trecho  de  sua  última produção  literária,  nos  fazendo  refletir  sobre  o  território  da  juridicidade  e  nos levando à conclusão de que é um “Lugar nenhum”. Como o não-ser  também  é,  o próximo  poema  é  fruto  do  espírito  irrequieto  de  um  dos  membros  da  comissão editorial  da InSURgência,  Guilherme   Cavicchioli  Uchimura  (doutorando   em políticas públicas pela UFPR), que dá nome ao não-lugar, exterioridade subsumida ao  capital:  Gesteira  Velho,  uma  das  localidades atingidaspelos  crimes,  ainda  sem reparação, das mineradorasSamarco, Vale e BHP Billiton. A quinta aparição literária são os “Retratos estéticos de uma trajetória”, de Ana Hupp (advogada popular e mestra em direito pela UFPR), que, com sua jovem sensibilidade, conta a trajetória de  uma  estudante  do  PRONERA  no  ecossistema  do  direito,  da  universidade  e  da desconhecida cidade fria e grande, realizando um mundo de descobertas. “Viveremos um amanhã” é a mensagem otimista e esperamos que não utópica de Assis da Costa Oliveira (professor da Universidade Federal do Pará e da Universidade de Brasília), pesquisador  que  integrou  a  primeira  secretaria  nacional  do  IPDMS  e  agora  vem prognosticar  boas-novas  para  nosso  futuro  breve.  Por  fim,  se  o  abraço  inicial  era poético, agora ele pode ser imagético, a partir do conjunto de fotografias que o “Foco na luta”, de Isabella Cristina Lunelli (pesquisadora em Brasília), não só proporciona mas instiga e também sugere como compromisso de toda a comunidade do IPDMS. Para completar, cada um dos textos vem acompanhado por uma imagem, escolhida pelas pessoas autoras das poéticas.

Além  de  diálogos,  artigos,  temas  e  poéticas,  o  espaço  destinado  às  resenhas  que chegam  às  edições  de  nossa  revista  via  “Caderno  de  retorno”  representa  a possibilidade,  nesta  ocasião  de  celebração  da  militância,  de  sistematizar  algumas leituras das publicações coletivas que o IPDMS  estimulou  e organizou. Daí que o presente  volume  traz  interpretações  sobre  algumas  das  obras  que  o  Instituto viabilizou: Maria do Socorro Diógenes Pinto (advogada popular e pesquisadora no Rio  Grande  do  Norte)  escreve  sobre  o  livro Direitos  territoriais  de  povos  e comunidades  tradicionais  em  situação  de  conflitos  socioambientais,  de  2015,  que teve  a  organização  coletiva  de  Carlos  Frederico  Marés  de  Souza  Filho,  Priscylla Monteiro Joca, Assis da Costa Oliveira, Bruno Alberto Paracampo Miléo, Eduardo Fernandes de Araújo, Erika Macedo Moreira e Mariana Trotta Dallalana Quintans; já  Kerlley  Diane  Silva  dos  Santos  (pesquisadora  no  Pará)  apresenta  o  primeiro volume da série A luta pela terra, água, florestas e o direito, de 2017, organizado por Luiz Otávio Ribas, Carla Benitez Martins e Euzamara de Carvalho; em seguida, Jéferson  da  Silva  Pereira  (advogado  popular  de  Pernambuco)  resenha  o  livro  de Rodrigo de Medeiros Silva, Dano existencial coletivo ascomunidades tradicionais, com ênfase nas comunidades quilombolas, publicado em 2017; Ana Beatriz Castro do  Prado  (graduanda  na  Universidade  Federal  do  Paraná)  comenta  as Lutas Populares no Paraná, também de 2017, livro sob organização de Ana Inês Souza, Jonas  Jorge  da  Silva  e  Ricardo  Prestes  Pazello;  e,  por  fim,  Daiane  Machado (advogada popular no Paraná) sintetiza a obra Saúde, direito e movimentos sociais, de 2020, organizada por Elda Coelho de Azevedo Bussinguer, André Filipe Pereira Reid dos Santos e Ricardo Prestes Pazello.

A última seção da revista é a da “Práxis de Libertação”, que conta com documentos históricos  e  relevantes  sobre  a  temática  em  destaque  no  dossiê.  Neste  número, trazemos   uma   coletânea   de   dez   documentos   que   representam   importantes momentos e iniciativas nesta década de trajetória.

Conforme  a  história  do  Instituto,  contada  em  alguns  dos  artigos  desta  edição,  o primeiro documento trata-se de um relato publicado no blogue Assessoria Jurídica Popularsobre o I Seminário de Direito, Pesquisa e Movimentos Sociais, ocorrido na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo –USP, na capital paulista, um ano  antes  da  fundação  do  Instituto.  O  segundo  é  justamente  uma  cartilha  de apresentação e uma Carta-conviteaos pesquisadores e lutadores para a construção do Instituto recém-criado, em 2012.

Os três próximos documentos são aqueles mais afetuosamente concebidos em nossa trajetória,   quais   sejam,   os Cadernos   Insurgentes.   O   primeiro,   de   2013, representante da “Coleção Pedras e Galos”, contém proposta  metodológica  para estudos de caso de processos de criminalização de movimentos sociais. O segundo, de  2015,  é  a  coletânea Poesia  Crítica  do  Direito,  contendo  poesias  e  outras expressões artísticas de várias pessoas associadas ao Instituto, além da recuperação de  poesias  de  Noel  Delamare,  pseudônimo  literário  de  Roberto  Lyra  Filho.  Já  o último,   publicado   em   2018   e   intitulado Caderno   insurgente   3:   a   luta   dos movimentos sociais populares em tempos de golpe e o papel do direito na resistência, foi lançado e distribuído no VII Seminário Nacional, no Rio de Janeiro, e se deu desde a  abertura  de  um  edital  para  contribuições  de  integrantes  de  movimentos  sociais parceiros  quanto  à  conjuntura,  trazendo  reflexões  sobre  o  espaço  do  direito  nos processos de resistência.

Em  seguida,  trouxemos  a  petição  na  qual  o  IPDMS,  junto  à  Clínica  de  Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro –UERJ, atuou como amicus curiaena Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4650, em 2013, referente à violação de princípios constitucionais na legislação brasileira quanto ao financiamento privado de campanhas.

O sétimo documento é aqui reunido com a finalidade de simbolizar a busca contínua pela  construção  de  apoios  e  parcerias  do  Instituto  junto  às  turmas  de  Direito  do PRONERA. No caso, trata-se da “Carta de compromisso das advogadas, advogados e  estudantes  de  direito  da  Via  Campesina  Brasil  e  dos  movimentos  camponeses  e sindical  dos  trabalhadores  e  das  trabalhadoras  rurais  da  agricultura  familiar”, documento resultante do Encontro das Turmas de Direito do PRONERA, em abril de 2017, no qual pudemos participar, colaborando em algumas atividades de rodas de discussão e apresentação de trabalhos, mas, mais do que tudo, como convidados a celebrar aquele importante momento.

Os  dois  materiais  seguintes  se  referem  a  articulações  políticas  que  o  IPDMS participa ou mesmo  promove. Um deles é  a nota de divulgação da assinatura, por parte do Instituto, do pedido coletivo e popular de impeachment de Bolsonaro. Essa assinatura foi fruto de debates internos quanto à importância desta movimentação, combinada  com  outras  de  enfrentamento  ao  (des)governo  nas  ruas,  e  resultou  na participação das articulações em torno da apresentação deste pedido, bem como na promoção de atividades sobre o tema. A outra seria uma Carta Pública do IPDMS sobre a prisão ilegal e ilegítima do advogado popular José Vargas Júnior, importante defensor dos trabalhadores rurais no sul do Pará e que vem sofrendo processos de criminalização   no último   período.   A   Carta   Pública   foi   apresentada   aos desembargadores  que  julgariam Habeas  Corpus de  sua  prisão,  coletando  mais  de duzentas assinaturas de juristas e intelectuais na área criminal.

Por fim, mas não menos importante, temos a satisfação de poder republicar artigo escrito  pela  coordenação  da  pesquisa  nacional  “Massacres  no  campo  na  Nova República:  crime  e  impunidade,  1985-2019” que compõe o Caderno Conflitos no Campo,  de  2021,  organizado  pela  Comissão  Pastoral  da  Terra  e  o  Centro  de Documentação Dom Tomás Balduíno. O texto, intitulado “Conflitos agrários e massacres  no  campo  na  Nova  República:  um  balanço  no  marco  dos  35  anos  dos relatórios da CPT”, nos fornece um importante panorama dos conflitos no campo neste período de atuação da CPT e, mais, uma análise das próprias transformações e  aperfeiçoamentos  metodológicos  e  conceituais  nessas  mais  de  três  décadas  de registros e análises da violência no campo brasileiro.

Afora  todo o  material que compõe o  Dossiê, a presente  edição da revista  também contacom a seção “Em defesa da pesquisa” que é integrada por artigos científicos de temas livres, selecionados no âmbito do fluxo contínuo do periódico e que já estavam pré-publicados na página da InSURgência. Ou seja, além de tudo, o presente volumecelebra  ainauguração  do sistema  dePré-publicação (Ahead  of  rint) da  revista InSURgência. É o caso dos  textos; de Sandra  Helena Ribeiro  Cruz (professora da Universidade  Federal  do  Pará),  Taynah  Marinho  e  Ana  Caroline  dos  Santos Ferreira (ambas também pesquisadoras da Universidade Federal do Pará), intitulado de “Grandes projetos e conflitos pelo território em cidades paraenses”, de Ana Gabriela Camatta Zanotelli, intitulado “A contribuição da sociologia das profissões jurídicas  à  teoria  crítica  do  direito:  a  assessoria  jurídica  popular  em  pauta” (doutoranda em pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro); bem como de Leura Dalla Riva (doutoranda pela Università degli studi della Campania Luigi Vanvitelli, na Itália), intitulado “Bem viver e o ‘constitucionalismo achado na rua’: um olhar a partir da teoria da ruptura metabólica”. As três pesquisas são completamente afins aos  propósitos  para  os  quais  o  IPDMS  foi  criado,  confirmando  o  Instituto  e  sua revista como referências para a investigação crítica na área do direito.

A grandeza deste Dossiê,  em quantidade de materiais, mas,  mais do que  tudo, em qualidade  das  reflexões  e  conteúdos  aqui  trazidos,  nos  evidencia  a  pulsação  desta primeira  década  da  jornada  de  nosso  Instituto. Até  por  isso,  gostaríamos  de agradecer imensamente, por todo o empenho, a dedicação e a militância voluntária, a  comissão  editorial  da  InSURgência,  especialmente  na  pessoa  de  Guilherme Cavicchioli Uchimura e, a seu lado,nas de Leonardo Evaristo Teixeira, Júlia Carla Duarte  Cavalcante  e  Diogo  Pinheiro  Justino  de  Souza,  que  tornaram  possível  a finalização deste número da revista, dando corpo ao axioma dialético da passagem da  quantidade  à  qualidade.  Nesse  sentido,  incomensurável  é  a  contribuição  do trabalho desses camaradas ao nosso periódico!

Assim,  clamamos  para  que,   enquanto  houver  injustiça  social,  desigualdades, exploração   e   opressões   de   toda   ordem,   saibamos   reinventar   este   e   outros instrumentos  de  fortalecimento  das  resistências  das  classes  trabalhadoras.  Que venham  mais  dez  anos  e  que  possa,  em  breve,  o  IPDMS  deixar  de  existir  apenas porque  o  tempo  da  abundância  e  da  solidariedade  se  imponha  e  o  IPDMS  seja superado em sua própria razão de existência.

Boa leitura a todas, todos e todes!

Essa introdução elaborada pelos editores sintetiza o substancioso conteúdo desse dossiê que completa o ciclo de celebração de 10 anos do IPDMS, forte no Seminário Nacional que se instalou em Brasília, na Universidade de Brasília.

Participei da sessão de encerramento do Seminário que se pautou por inserir O Direito Achado na Rua, sua concepção e prática como campo crítico do direito e dos direitos humanos e sua relação com os movimentos sociais e a insurgência. Em minha participação cuidei de sintetizar o que havia sido objeto de uma longa entrevista realizada às vésperas do Seminário e que é trazida, em sua extensão e alcance nesta edição de InSURgência: Dos 30 anos do Direito Achado na Rua aos 10 anos do IPDMS: a relação entre direito e movimentos sociais mediada pela crítica dos juristas.

Na publicação é indicado como citar o trabalho: SOUSA JÚNIOR, José Geraldo de. Dos 30 anos do Direito Achado na Rua aos 10 anos do IPDMS: a relação entre direito e movimentos sociais mediada pela crítica dos juristas.Entrevista concedida aDiego Augusto Diehl e Ricardo Prestes Pazello.Transcrição Anna Caroline Kurten. InSURgência: revista de direitos e movimentos sociais, v. 8, n. 2, jul./dez. 2022, Brasília, p. 19-56.

A longa entrevista está assim resumida: “Dos 30 anos do Direito Achado na Rua aos 10 anos do IPDMS: a relação entre direito e movimentos sociais mediada pela crítica dos juristas Entrevista com José Geraldo de Sousa Junior, realizada por Diego Augusto Diehl e Ricardo Prestes Pazello e transcrita por Anna Caroline Kurten. Nossa  entrevista  com  o  professor  José  Geraldo  de  Sousa  Junior  marca  um  dia muito  feliz  na  história  do  Instituto  de  Pesquisa,  Direitos  e  Movimentos  Sociais (IPDMS). Integra o presente volume especial da InSURgência: revista de direitos e  movimentos  sociais,  periódico  construído  em  parceria  entre  o  IPDMS  e  o Programa  de  Pós-Graduação  em  Direitos  Humanos  e  Cidadania  (PPGDH)  da Universidade  de  Brasília  (UnB),  tendo  o  professor  Alexandre  Bernardino  Costa como seu editor-chefe. Além disso, foi feita às vésperas de começar o “8° Seminário Nacional Direitos,  Pesquisa  e  Movimentos  Sociais:  10  anos  do  IPDMS  nos  200 anos da independência do Brasil” (de 15 a 18 de junho de 2022), também realizado na  UnB,  no  qual  o  entrevistado –e  seu  grupo  de pesquisa  e  extensão –foi homenageado.  Ou  seja,  nada  melhor  do  que  convidar  para  este  diálogo  José Geraldo de Sousa Junior, professor titular da mesma UnB onde se tornou mestre sob a orientação de Roberto Lyra Filho (em 1981), doutor sob a orientação de Luis Alberto  Warat  (em  2008),  professor  dos  cursos de  Graduação  e  Pós-Graduação em  Direito,  assim  como  do  Centro  de  Estudos  Avançados  Multidisciplinares (CEAM) e de seu PPGDH, reitor entre 2008 e 2012 e que reivindicou o legado de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. Sousa Junior tem, ainda, destacado papel na práxis da extensão universitária, com os cursos e publicações dedicados a O Direito Achado na Rua e o projeto de Assessoria Jurídica Universitária Popular –AJUP Roberto Lyra Filho; bem como na pesquisa e no ensino, a partir de uma perspectiva crítica sobre o direito, em que a formulação teórica a respeito de um Direito Achado na Rua atualiza a Nova Escola Jurídica (NAIR) –proposta por Lyra Filho entre os anos de 1970 e 1980 –e se realiza em campos de estudos como os que envolvem a teoria do direito, a sociologia jurídica ou os direitos humanos, entre outros. A conversa se deu, por meio virtual, no dia 27 de maio de 2022 e tratou de temas amplos tais como a conjuntura das lutas populares e o papel dos juristas; o campo de pesquisa sobre “direito e movimentos sociais”; as teorias críticas do direito, hoje; e o  legado  de  O  Direito  Achado  na  Rua.  O  roteiro  da  entrevista  foi  pensado no coletivo  organizador  do  dossiê,  mas  a  mesma  foi  realizada  por  Diego  Augusto Diehl e Ricardo Prestes Pazello, contando com a colaboração, na degravação, de Anna  Caroline  Kurten.  A  gravação,  que  ora  transcrevemos,  captou  uma  fala Dos 30 anos do Direito Achado na Rua aos 10 anos do IPDMS: a relação entre direito e movimentos sociais mediada pela crítica dos juristas introdutória  de  Sousa  Júnior  sobre  a  teoria  crítica,  a  qual  incluímos  como  uma espécie de epígrafe de nossa entrevista por representar o fio condutor do diálogo. Uma boa leitura para todo mundo.

Para além dos excelentes textos, destaco ainda o texto seminal de Jesús Antonio de la Torre Rangel – La experiência indígena mexicana – Pluralismo jurídico: derecho al margen del sistema. Faço-o por reconhecer no artigo os fundamentos de uma leitura pioneira na afirmação da condição de insurgência, que tem sido, junto com a hipótese teórica do pluralismo jurídico, uma referência marcante no pensamento jurídico crítico latino-americano. Com efeito, pude constatar essa referência ainda recentemente ao ser convidado pelo Autor para elaborar o prólogo a seu mais recente livro já no prelo no qual ele articula os fundamentos do pluralismo e da insurgência enquanto filosofia e teoria do Direito que nasce do povo, assertivamente, “uma nova teoria do Direito”, e o faz desde 1986, com El Derecho que nasce del pueblo, depois, em 2012, com El Derecho que sigue nascendo del pueblo. Movimientos sociales y pluralismo jurídico; e agora. 2022, com El Derecho que Nasce del Pueblo como Derecho Insurgente, de la Torre Rangel percorre um caminho disciplinado, imaginativo e criativo que consolida uma referência para o campo.

Finalmente, ponho ainda em relevo na publicação o artigo de Leura Dalla Riva (p. 406-421). Leura é doutoranda em Diritto Comparato e Processi di Integrazione pela Università degli Studi della Campania Luigi Vanvitelli, Italia. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Especialista em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela Faculdade Educacional da Lapa (FAEL). Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Pesquisadora do CONSTINTER-FURB e da REDEMARX, e o seu texto tem como título Bem viver e o “Constitucionalismo Achado na Rua”: um olhar a partir da teoria da ruptura metabólica.

Tomando o Resumo desse artigo temos que a Autora parte de uma análise da crise ecológica hodierna como resultado da ruptura metabólica existente  entre  seres  humanos  e  natureza  e  suas  consequências,  este  artigo  focaliza  o desenvolvimento  do  novo  constitucionalismo  latino-americano  como  um  movimento “achado na rua”. A pesquisa tem como problema de pesquisa: em que medida o novo constitucionalismo   latino-americano   abre   caminhos   para   a   superação   da   ruptura metabólica ao consagrar a ideia de Bem Viver? Para tanto, utiliza-se abordagem dedutiva. Primeiramente,   aborda-se  a  categoria  “ruptura  metabólica”  com  especial  foco  na exploração da natureza na América Latina, o que envolve a abordagem de questões como capitalismo dependente no continente e o histórico extrativismo. Num segundo momento, analisa-se qual o papel das constituições da Bolívia e do Equador como construtoras de um  constitucionalismo  achado  na  rua  e  apresentam-se  as  origens,  conceitos  e  aspectos principais da ideia de “Bem Viver” a partir dos povos latino-americanos. Por fim, aborda-se em que aspectos essas constituições apontam para a superação da ruptura metabólica em prol da ideia de Bem Viver.

Esse texto vem se agregar a um bem constituído modo de pensar o constitucionalismo, enquanto constitucionalismo achado na rua, tal como temos os pesquisadores do Grupo de Pesquisa com a mesma denominação – O Direito Achado na Ria (certificado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPQ), tal como o mais atualizado, até aqui, percurso dos estudos com essa concepção, conforme descrito a seguir.

 Desde logo, uma mais estendida e circunstanciada aproximação entre O Direito Achado na Rua e o Direito Insurgente, foi apresentada pelo professor De la Torre Rangel, durante o Seminário Internacional O Direito como Liberdade 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua, em sua contundente comunicação Constitucionalismo Achado na Rua en México: de los acuerdos de San Andrés al concejo indígena de gobierno (De la TORRE RANGEL, 2021).

As experiências registradas no México, tendo como base as lutas sociais por emancipação, têm o caráter de uma revisão crítica da historiografia do país, na percepção da insurgência e do processo instituinte de direitos, repondo o tema do constitucionalismo desde baixo, nas anotações de planos e acordos estabelecidos nos embates para estabelecer projetos de sociedade. Relevo para os acordos de San Andrés, pela conformação constitucional que os caracterizam.

Como anota a peruana Raquel Yrigoyen Fajardo (YRIGOYEN, 2011), aferindo as experiências constitucionais na América Latina, incluindo o Canadá, há um primeiro ciclo caracterizado como “constitucionalismo multicultural” (Canadá, 1982), (Guatemala, 1985), (Nicarágua 1987) e (Brasil, 1988). O segundo ciclo referente ao “constitucionalismo pluricultural” (Colômbia, 1991), (México e Paraguai, 1992), (Peru, 1993), Bolívia e Argentina, 1994), (Equador, 1996 e 1998) e (Venezuela, 1999). E o terceiro ciclo, finalmente, é reconhecido pelo alcance de um “constitucionalismo plurinacional”, a partir das inovadoras Constituições do (Equador, 2008) e (Bolívia, 2009), nas quais, diz Raquel, já se trata de um ciclo pluricultural, plurinacional e ecológico, nas quais “se pluraliza a definição de direitos, a democracia e a composição dos órgãos públicos e as formas de exercício do poder”.

Raquel Yrigoyen, que já inscrevera em sua concepção a tese de um constitucionalismo plurinacional, tem avançado fortemente, desde seu diálogo com as cosmogonias e cosmovisões dos povos ancestrais, em direção a um constitucionalismo ecológico ou eco-constitucionalismo (YRIGOYEN, 2021), sem contudo abdicar de suas teses originais sobre o pluralismo jurídico.

Ainda que nessa passagem o foco da leitura do pluralismo jurídico, desde a leitura de Raquel Yrigoyen, compreendido propriamente como pluralismo jurídico igualitário (consulte-se entre outros estudos, os escritos fundamentais com aberturas inéditas para a aplicação dessa categoria, de Boaventura de Sousa Santos – sempre presente nas atividades do IIDS -, até o mais recente de Antonio Carlos Wolkmer e de Maria de Fatima S. Wolkmer, (WOLKMER; WOLKMER, 2020), se dirija aos povos indígenas e originários, essa acepção, orientada “por uma racionalidade jurídica diferente”, que nela, alcança também os ronderos campesinos, em enfoque autoral bem conhecido:

“Outro claro ejemplo de racionalidade jurídica diferente, resulta em palavras de Raquel Yrigoyen, la de las Rondas Campesinas, que si bien nacen em uma primera etapa, como respuesta a uma demanda de seguridade, frente al robo y el abigeato se traduce finalmente, en prácticas sociales de auto administración de justicia” (SONZA, Bettina. 1993).

Tal como dissemos eu e meu colega Antonio Escrivão Filho (ESCRIVÃO FILHO; SOUSA JUNIOR, 2019), mais que reconhecimento de direitos, tais ciclos tratam do grau de abertura à efetiva participação constituinte das distintas identidades, aliado à efetiva incorporação de seus valores sociais, econômicos, políticos e culturais não apenas no ordenamento jurídico, mas no desempenho institucional dos poderes, entes e entidades públicas e sociais.

Ou seja, a partir do que atualmente, com as experiências constituintes em curso na América Latina, com as novidades trazidas pela proposta de Constituição do Chile, aprofundam-se temas emergentes de um constitucionalismo em chave decolonial, que para Antonio Carlos Wolkmer em texto publicado há poucos dias – Notas para Pensar la Descolonización del Constitucionalismo en Latinoamérica in Constitucionalismo en clave descolonial / Amélia Sampaio Rossi … [et al.].; Liliana Estupiñán- Achury, Lilia Balmant Emerique, editoras académicas. — Bogotá: Universidad Libre, 2022.

A novidade agora vem do Chile, e aponta para o que Wolkmer identifica como propostas de um constitucionalismo crítico na ótica do sul global referida a aportes do constitucionalismo transformador de que fala Boaventura de Sousa Santos, do constitucionalismo andino, pluralista, horizontal decolonial, comunitário da alteridade, ladino-amefricano e, ainda, do constitucionalismo achado na rua.

É a partir dessa perspectiva, algo que deixo como sugestão ao autor para suas pesquisas futuras considerando que o que vou dizer não se colocava quando o trabalho foi publicado. Ou seja, a partir do que atualmente, com as experiências constituintes em curso na América Latina, aprofundar temas emergentes de um constitucionalismo em chave decolonial.

Disso cuida Antonio Carlos Wolkmer em texto publicado há poucos dias – Notas para Pensar la Descolonización del Constitucionalismo en Latinoamérica in Constitucionalismo en clave descolonial / Amélia Sampaio Rossi … [et al.].; Liliana Estupiñán- Achury, Lilia Balmant Emerique, editoras académicas. — Bogotá: Universidad

Para Wolkmer, “la propuesta de un constitucionalismo crítico bajo la óptica del sur global puede ser contemplada en los aportes innovadores de la propuesta del consti tucionalismo transformador de Sousa Santos, B. de y de las variaciones presentes que tienen en cuenta las epistemologías del sur y, más directamente, del constitucionalismo andino, ya sea en la vertiente del constitucionalismo pluralista (Yrigoyen Fajardo, 2011; Wolkmer, 2013, p. 29; Brandão, 2015), del constitucionalismo horizontal descolonial (Médici, 2012), constitucionalismo comunitario de la alteridad (Radaelli, 2017), constitucionalismo crítico de la  liberación (Fagundes, 2020), constitucionalismo ladino-amefricano (Pires, 2019) o aún del constitucionalismo hallado en la calle (Leonel Júnior, 2018)”.

Realmente Gladstone Leonel Junior trouxe essa designação, ainda sem a aprofundar em seu livro de 2015, reeditado – Novo Constitucionalismo Latino-Americano: um estudo sobre a Bolívia, 2a. Edição. SILVA JUNIOR, Gladstone Leonel. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, (SILVA JUNIOR, 2018).

Na segunda edição, novas questões ensejam novas análises para a construção de um projeto popular para a América Latina a partir do que a experiência na Bolívia e em outros países nos apresenta. Das novidades dessa edição, a Editora e o Autor destacam: Um capítulo a mais. Esse quarto capítulo debate “O Constitucionalismo Achado na Rua e os limites apresentados em uma conjuntura de retrocessos”. A importância do mesmo está na necessidade de configurar um campo de análise jurídica que conjugue a Teoria Constitucional na América Latina com o Direito Achado na Rua, situando então, o Constitucionalismo Achado na Rua.

O livro, aliás, pavimenta o caminho para estudos e pesquisas nessa dimensão do constitucionalismo e o próprio professor Gladstone Leonel, em sua docência na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, criou a disciplina “O Constitucionalismo Achado na Rua e as epistemologias do Sul”, ofertada no programa de pós-graduação em Direito Constitucional na UFF.  O programa da disciplina e maiores informações podem ser obtidos no seguinte site: http://bit.ly/2NqaABn.

Resenhei esse percurso em http://estadodedireito.com.br/novo-constitucionalismo-latino-americano-um-estudo-sobre-bolivia/. Claro que em O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática, volume 2, cit., no capítulo (Parte IV): O Direito Achado na Rua: Desafios, Tarefas e Perspectivas Atuais, já inscrevemos uma anotação programática nessa direção, ao indicar (p. 224): que “Essas experiências refletem uma espécie de ‘Constitucionalismo Achado na Rua’, em que os atores constituintes, os protagonistas desses processos, que envolveram povos indígenas, feministas, campesinas e campesinos, trabalhadoras e trabalhadores e setores historicamente excluídos, arrancam do processo constitucional novas formas de pluralismo jurídico e conquistas de Direitos”.

Com Gladstone eu também trabalhei o tema, procurando fixar a sua mais precisa enunciação. Assim, em Revista Direito e Práxis, On-line version ISSN 2179-8966 (http://old.scielo.br/scielo.php?pid=S2179-89662017000201008&script=sci_abstract&tlng=pt). LEONEL JUNIOR, Gladstone  and  GERALDO DE SOUSA JUNIOR, José. A luta pela constituinte e a reforma política no Brasil: caminhos para um “constitucionalismo achado na rua”. Rev. Direito Práx. [online]. 2017, vol.8, n.2, pp.1008-1027. ISSN 2179-8966.  https://doi.org/10.12957/dep.2017.22331, valendo o resumo: “A crise política brasileira, evidenciada a partir de junho 2013, enseja novas reflexões para a conjuntura recente. A reforma do sistema político é necessária e um das formas de viabilizá-la é por meio de uma Assembleia Constituinte. Sobretudo, se observado os movimentos político-jurídicos dos últimos 15 anos nos países da América Latina. Cabe refletir sobre o momento e as possibilidades dessa aposta pautando-se em um ‘constitucionalismo achado na rua’”.

Quase que simultaneamente, também com Gladstone publicamos em La Migraña… Revista de Análisis Político, nº 17/2016. Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolívia: La Paz, o artigo La lucha por la constituyente y reforma del sistema político em Brasil: caminhos hacia um ‘constitucionalismo desde la calle’.

Com essas referências, alcança-se o patamar que, juntamente com Antonio Escrivão Filho (ESCRIVÃO FILHO; SOUSA JUNIOR, 2016), especialmente no Capítulo V – América Latina, desenvolvimento e um Novo Constitucionalismo Achado na Rua, páginas 123-150), enunciamos, vale dizer, que o Constitucionalismo Achado na Rua vem aliar-se à Teoria Constitucional que percorre o caminho de retorno a sua função social. Uma espécie de devolução conceitual para a sociedade, da função constitucional de atribuir o sentido político do Direito, através do reconhecimento teórico-conceitual da luta social como expressão cotidiana da soberania popular. Um reencontro entre a Teoria Constitucional, e o Direito compreendido como a enunciação dos princípios de uma legítima organização social da liberdade (p. 149).

Com pesquisadores do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq), organizamos o livro O Direito Achado na Rua: questões Emergentes, revisitações e travessias (SOUSA JUNIOR, 2021), um capítulo é dedicado ao tema: Constitucionalismo Achado na Rua, com os temas A Democracia Constitucional e a Proposta para um Constitucionalismo Inclusivo no Brasil, de Bárbara R. R. C. de Oliveira, Jean Patrício da Silva, João Paulo Santos Araújo, Samuel Barbosa dos Santos e Betuel Virgílio Mvumbi; e O Constitucionalismo Achado na Rua, os Sujeitos Coletivos Instituintes de Direito e o Caso APIB na ADPF nº 709, de Marconi Moura de Lima Barum, Mauro Almeida Noleto, Priscila Kavamura Guimarães de Moura e Renan Sales de Meira.

É sempre estimulante poder construir com os compromissos de engajamento, sobretudo epistemológico, escoras teóricas para anaçar nessas emergências, revisitações e travessias, em arcos de cooperação não apenas orgânicos – os Grupos de Pesquisa – mas nos encontros conjunturais com aliados acadêmicos nos eventos, disciplinas e projetos que nossos coletivos de ensino, extensão e pesquisa proporcionam.

É nesse ambiente que podemos localizar abordagens instigantes que acolhem os achados desse processo, assimilando-os as suas estruturas de análise e de aplicação, e prorrogando seu alcance heurístico para novos níveis de discernimento. Assim, nesse recorte aqui realizado, o texto de Antonio Carlos Bigonha (Subprocurador-Geral da República, atua na 2a. Seção do Superior Tribunal de Justiça, proferindo pareceres em Direito Privado. Foi presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (2007/2011) e coordenador da 6a. Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais da PGR (2019/2021), além de destacado compositor, pianista e mestre em Música pela Universidade de Brasília. O texto, originalmente publicado na página do IREE, Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, foi reproduzido pelo Expresso 61 (https://expresso61.com.br/2022/02/17/darcy-ribeiro-a-unb-e-o-constitucionalismo-achado-na-rua/), com o título Darcy Ribeiro, a UnB e o constitucionalismo achado na rua:

“A interpretação constitucional que setores retrógrados da magistratura e do Ministério Público adotaram para o exercício arbitrário de suas prerrogativas e atribuições, ao longo dos últimos 30 anos, faria corar monges de mármore, para usar uma expressão muito referida pelo ministro Gilmar Mendes, em sessões de julgamento no STF. Desconheço em que fonte foram beber seu fundamento teórico, fruto talvez de uma corrupção semântica, resultado da leitura equivocada da matriz germânica ou estadunidense. Neste contexto, o Direito Achado na Rua afirma-se como um poderoso vetor hermenêutico, uma abertura capaz de barrar os exageros do neoconstitucionalismo e oferecer novas epistemologias que conduzam à interpretação da Constituição e das leis do País para a afirmação e o fortalecimento dos direitos humanos, segundo uma agenda comprometida com os interesses do nosso povo. E ouso supor que Darcy Ribeiro e Machado Neto subscreveriam, novamente, esta virada hermenêutica”.

Em comunicação oral realizada no GT 12- Constitucionalismo achado na rua, por ocasião do Seminário Internacional O Direito como Liberdade – 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua, Menelick de Carvalho Netto e Felipe V. Capareli, com o título “O Direito Encontrado na Rua, a Luta por um Constitucionalismo Plural e Inclusivo, e a necessidade de enfrentar o risco autoritário de uma política simplista e privatizante. Visão dicotômica do Estado e do Direito” (Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal (RDPDF, 2019, vol. 1, n. 2) – Dossiê Ordenamentos jurídicos, monismos e pluralismos: O Direito Achado na Rua e as possibilidades de práticas jurídicas emancipadoras), também extraem consequências dessa dimensão constitucional estabelecida na rua.

É com esse acumulado que chegamos ao Seminário Internacional O Direito como Liberdade: 30 Anos do Projeto O Direito Achado na Rua, realizado em Brasília, na UnB, em dezembro de 2019. No programa toda uma seção (Seção III) para o tema Pluralismo Jurídico e Constitucionalismo Achado na Rua. Esse material veio para o volume 10 da Série O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. Brasília: Editora UnB/Editora da OAB Nacional, 2021. Na seção podem ser conferidos os textos: Pluralismo Jurídico Comunitário-Participativo: processos de descolonização desde o Sul, de Antonio Carlos Wolkmer; A Contribuição do Direito Achado na Rua para um Constitucionalismo Democrático, de Menelick de Carvalho Netto; Constitucionalismo Achado na Rua em México: de los acuerdos de San Andrés al concejo indígena de gobierno, de Jesús Antonio de la Torre Rangel; O Direito à Alimentação como um Direito Humano Coletivo dos Povos Indígenas, de Raquel Z. Yrigoyen Farjado; e Constitucionalismo Achado na Rua: reflexões necessárias, de Gladstone Leonel Júnior, Pedro Brandão, Magnus Henry da Silva Marques (SOUSA JUNIOR, 2021).

É importante “recordar que o constitucionalismo é permanente tentativa de se instaurar e se efetivar concretamente a exigência idealizante que inaugura uma modernidade no nível da organização de uma sociedade complexa, incapaz de lançar mão de fundamentos absolutos e que, por isso, só pode legitimar seu próprio sistema de direitos na medida em que os potenciais podem se reconhecer como coautores e autoras das normas que os regem. Ou seja, ou o direito é constitucionalmente achado na rua e nas ruas, e com as ruas, é construído e reconstruído de forma plural e inclusiva, ou, sem dúvida, tende-se a privatizar o próprio Estado, mediante a colonização do direito por uma lógica simplista binária de cunho plebiscitário e na da democrática, pois infensa a qualquer eficaz de bate”.

Para o constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho, em sede de debate que envolve teorias de sociedade, teorias de justiça e teorias constitucionais, cuida-se de ter atenção à multiplicidade de sujeitos que se movem no debate constitucional contemporâneo que tende a abrir expectativas de diálogo político estruturado na linguagem do direito, gerando na expressão dele, “posições interpretativas da Constituição” que emergem desse processo  e formam uma luta por posições constituintes, luta que continua depois de aprovada a constituição (CANOTILHO, J. J. Gomes. Cf. Entrevista que me concedeu: Pela Necessidade de o Sujeito de Direito se Aproximar dos ‘Sujeitos Densos’ da Vida Real.  Constituição & Democracia. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, n. 24, julho de 2008, p.12-13), luta travada pela disposição a ir para o meio da rua, pois “do outro lado da rua, o ‘direito achado na rua’ e, perante o sangue vivo que brota dos vasos normativos da realidade e a sedução de um direito outro, ao direito formal das constituições, códigos e leis, compreende-se que o discurso hermenêutico dos juristas mais não seja que um manto ocultador do insustentável peso do poder” (CANOTILHO, 2008a).

Ao final uma nota para novas aproximações a partir do diálogo que a instigante reflexão do professor Jesús Antonio de la Torre Rangel provoca, considerando que a sua obra atual, em ser uma continuidade adensadora de pressupostos epistemológicos para a crítica jurídica, é um completo catálogo de experiências confirmadoras do direito alternativo, do uso alternativo do Direito, do pluralismo jurídico e, ao fim e ao cabo, do direito insurgente, que surge do povo, pela emergência de sujeitos coletivos de direitos (SOUSA JUNIOR, 1990), que se inscrevem nos movimentos sociais, protagonistas de sua própria experiência de humanização e de emancipação, já que o humano é projeto, experiência na história (ESCRIVÃO FILHO; SOUSA JUNIOR, 2019a): “El derecho insurgente, del que trata este libro, forma parte de um processo de liberación de la alienación u opresión; se opone a la legalidade de la injusticia. Em el texto hemos destacado, sobre todo, las luchas indígenas y campesinas, por la autonomia y la defensa del território, como uma práctica jurídico-política de pueblos índios y campesinos; práctica en que [se materializa] el derecho que nace del pueblo como derecho insurgente”.

Por tudo recupero a exortação dos organizadores e editores dessa edição de InSURgência: Boa leitura a todas, todos e todes!

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

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