O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

sábado, 28 de maio de 2022

 

Genocídio: Nós Acusamos Porque Para o Social a Responsabilidade Não Prescreve

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Para a sua 50ª Sessão instalou-se, a partir das cidades de Roma e de São Paulo, o TRIBUNAL PERMANENTE DOS POVOS: Pandemia e Autoritarismo, realizando suas atividades nos dias 24 e 25 de maio.

 

Convocado pelaComissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coalizão Negra por Direitos e a Internacional de Serviços Públicos (PSI), o TPP teve como tema o exame “de violações e crimes contra a humanidade cometidos pelo presidente da República do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, e seu governo, atingindo populações negras, povos indígenas e trabalhadores da área de saúde na pandemia de Covid-19”.

 

O TPP é um tribunal de opinião dedicado aos direitos dos povos, com sede em Roma, na Itália. Criado em pelo advogado, político e militante antifascista Lelio Basso (1903-1978), é herdeiro do Tribunal Russell, constituído em 1966 para investigar crimes e atrocidades na guerra do Vietnã. Por isso, em sua 50ª sessão, o tribunal celebrará também o sesquicentenário de nascimento de Lorde Bertrand Russell (1872-2022), filósofo, ativista político, defensor de direitos humanos e Prêmio Nobel de Literatura.

 

O TPP tem sido uma das expressões mais ativas de mobilização e articulação em defesa da Declaração Universal dos Direitos dos Povos (Argel, 4/7/1976), com ampla participação de entidades e movimentos sociais na denúncia de violações praticadas por autoridades públicas e agentes privados. Ainda que não tenha efeito condenatório do ponto de vista jurídico, serve de alerta para que graves situações não se repitam e de referência na formulação de legislações nacionais e internacionais.

 

De outra parte, nessa mesma época, computando novas evidências de crimes, entidades estrangeiras aumentam a pressão e pedem que a procuradoria-geral do TPI (Tribunal Penal Internacional) acelere o exame das denúncias contra Jair Bolsonaro. Numa petição que foi entregue nesta semana, instituições europeias apresentaram indícios de crimes contra a humanidade por parte do presidente brasileiro por conta da destruição da Amazônia e das ameaças aos povos indígenas. Os documentos são acompanhados, desta vez, por mais de um milhão de assinaturas de pessoaspressionando pela ação contra Bolsonaro (https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/05/19/com-1-milhao-de-assinaturas-denuncia-em-haia-amplia-acao-contra-bolsonaro.htm?cmpid=copiaecola).

 

A expressão filosófica necropolítica, mesmo com seu significado amplo de uso do poder social e político para decidir como algumas pessoas podem viver e como outras devem morrer, num sistema de acumulação em que o econômico e os negócios prevalecem sobre a vida e a dignidade da pessoa humana, é ainda demasiado elegante e abstrata para traduzir toda a iniquidade e a barbárie que se instala na governança de um país rendida aos objetivos de enriquecimento de uns poucos em face da descartabilidade de milhões.

 

De acordo com o estudo “Lucrando com a Dor”, divulgado nesta segunda-feira (23) durante o encontro anual do Fórum Econômico Mundial em Davos (Suíça), a riqueza total dos 2.668 bilionários existentes no planeta hoje equivale a 13,9% do Produto Interno Bruto (PIB) global, quase o triplo do que era em 2000 (4,4%). Juntos eles têm US$ 12,7 trilhões.No Brasil hoje 62 nomes de indivíduos ou famílias acumulam fortunas acima de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 4,6 bilhões na cotação de hoje). A estimativa da FGV é que o PIB do Brasil acumulado no primeiro trimestre de 2022 em valores correntes é de R$ 2,457 trilhões. A desigualdade é um horror.

 

Horror, horror, horror, é a política genocida em curso no País, tema do Tribunal Permanente dos Povos.

 

Na semana em que se instala, a política de (in)segurança do Estado do Rio de janeiro continua deixando sua atuação de morte nos territórios de favelas e periferia. Na Vila Cruzeiro, comunidade carioca localizada no bairro da Penha, Zona da Leopoldina, uma das mais letais operações do Rio de Janeiro, atrás somente da chacina do Jacarezinho, deixou um rastro de mais de 25 mortos e um número ainda não determinado de feridos, com discursos contra-institucionais de autoridades de segurança, dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, a pretexto de combate a criminalidade. Contudo, a primeira pessoa a morrer foi a professora Gabrielle da Cunha, de 41 anos; ela levou um tiro dentro de casa, na entrada da Chatuba, que fica ao lado da Vila Cruzeiro (https://www.portalfavelas.com/single-post/22-mortos-na-opera%C3%A7%C3%A3o-policial-na-vila-cruzeiro).

 

Horror dos horrores é escalada de violações terceirizadas para grupos clandestinos de garimpeiros, grileiros, madeireiros, incentivados e protegidos em suas investidas com a finalidade de estabelecer cabeças-de-ponte no interesse do agro-negócio, sobre os territórios indígenas, a Floresta Amazônica e o Cerrado, desorganizando comunidades, desarticulando modos de vida, mercadorizando o humano e chegando ao estupro seguido de morte de crianças.

 

Diante das graves e recorrentes situações de violências e vulnerabilizações contra as crianças do povo Yanomami, as mais recentes dizendo respeito aos casos de exploração sexual e de óbito em decorrência de estupro, ações criminosas produzidas por garimpeiros que ocupam ilegalmente a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, um grupo formado por indígenas, deputadas federais, personalidades públicas, professores/as e estudantes universitários/as, e representantes de movimentos sociais, num total de 27 pessoas, se reuniu no dia 20 de maio de 2022, em formato virtual, para organizar a proposição de um conjunto de medidas que visam fortalecer a luta do povo Yanomami na defesa dos direitos de suas crianças e de seu território.

 

Estive entre os que nos reunimos para denunciar essas graves violações de direitos – entre outros Leonardo Boff, Deputadas Maria do Rosário (ex-Ministra dos Direitos Humanos) e Érika Kokay, professor Vicente Faleiros, professora Maria Lúcia Leal e professor Assis Oliveira do Grupo de Estudos Violes da UnB, estudantes indígenas, para deliberar sobre medidas urgentes que incumbem ao social porque constatamos que há um genocídio, que nós acusamos porque para o social a responsabilidade dos perpetradores não prescreve.

 

Entre as deliberações decidiu-se pela “organização de uma mobilização permanente em defesa dos direitos das crianças Yanomami frente as ameaças e violações perpetradas pelos garimpeiros ilegais e pelas omissões do governo federal, convocando as representações dos povos indígenas, da sociedade civil, do Estado, das universidades e dos organismos internacionais, além de crianças, adolescente e jovens, a somar forças com o povo Yanomami e as organizações indígenas e a encampar um conjunto de medidas pactuadas durante a reunião”.

 

O Grupo também arrolou medidas que foram sintetizadas em três eixos: mobilização; diagnóstico; e, proposições legislativas. E são estruturadas nos preceitos da participação indígena e da prioridade absoluta dos direitos das crianças Yanomami.

 

Eixo I – Mobilização:

 

  1. Realizar de uma campanha nacional e internacional em defesa dos direitos das crianças Yanomami, ampliando a rede de apoio participante desta mobilização e buscando sensibilizar agentes estratégicos da sociedade;

 

  1. Prestar total apoio e solidariedade às iniciativas coordenadas pela deputada federal JoêniaWapichana e pela Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, colocando-se a disposição para as ações necessárias;

 

 

  1. Agregar as proposições, atuais ou futuras, contidas nessa mobilização com a iniciativa da Agenda 227: Crianças e Adolescentes em Primeiro Lugar.

 

 

 

Eixo II – Diagnóstico:

 

 

  1. Aprofundar o entendimento das situações de violência e vulnerabilização pelas quais passam as crianças Yanomami, especialmente as relacionadas as ações de garimpeiros ilegalmente presentes em seu território;

 

  1. Consultar as organizações indígenas que atuam diretamente na defesa das crianças e do território Yanomami, em especial a Hutukara Associação Yanomami e o Conselho Indígena de Roraima;

 

 

  1. Constituir uma rede de grupos de pesquisa, professores/as e estudantes universitários que possam contribuir para a condução desta pesquisa, por meio da elaboração de projeto de pesquisa e da realização de seminários e outras atividades que oportunizem a coleta e a análise de informações.

 

 

Eixo III – Proposições Legislativas:

 

 

  1. Exigir dos/das parlamentares do Congresso Nacional a instauração imediata de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para averiguar as graves situações de violência e vulnerabilização pelas quais vem passando as crianças e o povo Yanomami em decorrência da presença ilegal de garimpeiros em seu território, apontando, também, as medidas de responsabilização a tais agentes e as autoridades públicas por suas ações e omissões;

 

 

  1. Realização de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, com a participação de representantes da Hutukara Associação Yanomami e do Conselho Indígena de Roraima, de modo a fortalecer a proposição de medidas para a defesa dos direitos das crianças Yanomami;

 

  1. Apoiar as diligências a serem realizadas por parlamentares do Congresso Nacional na Terra Indígena Yanomami, visando a elucidação dos fatos, a responsabilização dos agentes envolvidos e a proteção das crianças e do povo Yanomami.

 

 

 

Desde então tem havido reuniões, especialmente com representações de povos, comunidades e entidades indígenas, muito destacadamente com discentes universitários indígenas, para incluir entre as ações de denúncia uma Nota Pública pela Mobilização em Defesa dos Direitos das Crianças Yanomami.

 

A Mobilização em Defesa dos Direitos das Crianças Yanomami pretende fortalecer a luta e o protagonismo do povo Yanomami na defesa de suas crianças, território e natureza, assim como sensibilizar a sociedade e o Estado para assegurar seus direitos.

 

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

 

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

 

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

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