O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

 

Derecho a la Agroecología. Uma Concepción Transformadora Para América Latina

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

 

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Derecho a la Agroecología. Uma Concepción Transformadora Para América Latina. Gladstone Leonel Júnior. Rio de Janeiro: Editora Processo, 2019, 148 p.

 

            Com a clara intenção de continentalizar o problema e de alimentar a rede de intercomunicação que o Autor já logrou constituir em seus estudos sobre o constitucionalismo latino-americano, foi preparada essa edição em espanhol de uma obra lançada em 2016, numa primeira edição, pela Editora Prismas, de Curitiba, com 148 páginas.

            Estive no lançamento, em Brasília, da obra, celebrando com Gladstone, a partir da obra publicada, esse seu duplo engajamento, que opera, como poucos, a ligação entre a questão política mais universal inscrita na abordagem do constitucionalismo e o tema concreto inscrito no comunitário, que problematiza o que comemos enquanto dimensão realizadora dos direitos humanos.

           

            No tema constitucional remeto ao que já resenhei quando da publicação da segunda edição de Novo Constitucionalismo Latino-Americano: um estudo sobre a Bolívia (2a. Edição. SILVA JUNIOR, Gladstone Leonel. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2018, 248p), conforme, nesse espaço a minha coluna http://estadodedireito.com.br/novo-constitucionalismo-latino-americano-um-estudo-sobre-bolivia/.

Então, procurei salientar, referindo-me a nossa cooperação interpretativa, a novidade apresentada por Gladstone,  exposta no livro, mas já em sua primeira edição, agora com mais refinamento, que é a aproximação que já havia ensaiado, em co-autoria comigo, nesse sentido, conforme os ensaios La Lucha por La constituyente y reforma Del sistema político en Brasil: caminos hacia un ‘constitucionalismo desde La calle’  La Migraña, n. 17/2016 e a publicação na Revista Direito e Práxis, vol. 8, n. 2 (2017): “A luta pela constituinte e a reforma política no Brasil: caminhos para um ‘constitucionalismo achado na rua’.”

Com efeito, após a primeira edição trazer a apresentação de Rubén Martínez Dalmau e o prefácio de Oscar Vega Camacho, quem contribui no prefácio dessa segunda edição é o Professor Fernando Dantas. Conforme o mesmo salienta, o trajeto do que está sendo chamado Constitucionalismo Achado na Rua, refere-se também ao constitucionalismo achado na Aldeia, nas Comunidades Campesinas ou Sindicatos, nos Rios, na Natureza, nos Laboratórios de alta precisão tecnológica e até na Academia jurídica, tamanha a amplitude do catálogo de direitos e dos processos constituintes democráticos do denominado Novo Constitucionalismo Latino-Americano.

Trata-se, lembrei, de uma grande viagem pela Pátria Grande, um percurso que Gladstone vem trilhando com a pertinência que só um diário logra captar (ver aqui: http://bit.ly/2In7RCJ),  mas que a seu jeito, é uma tradução da novidade que a emoção surpreende, porque: No percurso teórico-conceitual e político desse debate poder avançar a proposta de um Constitucionalismo Achado na Rua, enquanto prática de construção de direitos que expresse essa decolonialidade do direito para compreender por poder constituinte a emergência histórica de sujeitos coletivos dotados de legitimidade política e capacidade social suficientes para irromper violações sistemáticas e instituir novas condições concretas de garantia e exercício de direitos e novos projetos de sociedade.

Ainda mais atualizada e com a vivacidade da fala espontânea, trago em hipernarrativa, a entrevista recente de Gladstone para o Blog de notícias Expresso61 (TV61), na série O Direito Achado na Rua, com acesso aqui pelo Canal Youtube de O Direito Achado na Rua: https://www.youtube.com/watch?v=0w2ApWr2giM.

A edição em espanhol de Derecho a la Agroecología portanto, prorroga o debate da primeira edição (2016) e fortalece o lançamento de uma segunda edição em português, com o selo da Editora Lumen Juris (2020), reconfigurando o tema conforme o seu novo subtítulo: “A Viabilidade e os Entraves de uma Prática Agrícola Sustentável”.

                          

Na nova edição, com ênfase, permanecem as questões geradoras interpelando respostas políticas, postas em relevo pelo Autor, assim compiladas por Darci Frigo,  Coordenador da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos: “Você sabe o que está comendo? De onde vem? Quem produz? Como produz? E o que isso tem a ver com o direito e o direito humano à alimentação saudável? Você está diante de um livro que trata de Direito à Agroecología, mesclado com o debate histórico e atual sobre agriculturas, reforma agrária, meio ambiente, direitos humanos e direitos da natureza. Para muitos se trata de tema novo, novíssimo. Não para agricultores/as, agroecologistas, indígenas e outros povos tradicionais. Um tema invisível – e invisibilizado – pela lógica da agricultura industrial capitalista e sua narrativa dominada pela ideologia do pensamento único do cientificismo. O autor demonstra que existem dois paradigmas conflitantes da biodiversidade. O primeiro é mantido pelas comunidades locais, cuja sobrevivência e sustentabilidade estão ligadas ao uso e conservação da biodiversidade. O segundo é mantido pelos grandes interesses comerciais. Diante disso, quais os reflexos do debate agroecológico no campo do direito e dos direitos humanos? Como a construção do direito é produto das lutas culturais, sociais, econômicas e políticas, o livro vai explorar esse debate, sendo a agroecologia potencial promotora de direitos humanos. O processo de construção da agroecologia se insere no “grande movimento de lutas dos povos contra a mercantilização da vida, comprometendo-se a construir uma nova sociedade sustentável capaz de satisfazer suas necessidades fundamentais e garantir os direitos das gerações futuras”.

Na edição em espanhol, essas questões se projetam para o contexto continental ampliado, para acentuar, conforme indica Miryam Gorban, Coordenadora Geral da Cátedra Livre de Soberania Alimentar na Universidade de Buenos Aires, autora do Prefácio, no sentido de denunciar, com os aportes da obra, e seus conceitos, a denúncia dos avassalamentos e vulneralizações que o agronegócio provoca, pois, “Em contraposição, alimentação adequada e saudável, acesso à terra, direito dos camponeses e camponesas, preço justo, relação direta de consumidores e consumidoras com produtores e produtoras de alimentos, são bandeiras de nossa luta contra o modelo agroindustrial que nos arrebata esses direitos e que muito bem detalha Gladstone neste livro carregado de esperanças. Esperançoso porque vejo nele que as sementes das lutas camponesas no Brasil surgem como referências constantes, como exemplos de conquistas de uma realidade social que se repete em cada território de nossa América Latina, que nos motivam a prosseguir no caminho por uma soberania alimentar sustentada pelo grito de resistência e de ação dos camponeses e camponesas, agricultores e agricultoras familiares, pescadores artesanais e povos originários, com um objetivo claro: o de recuperar plenamente uma agricultura baseada nos princípios da agroecologia” (tradução livre).

Basta ver o arranjo analítico da obra, desde o seu sumário, para inferir o traçado crítico e contra-hegemônico, singular, proposto por Gladstone: Los fundamentos histórico-teóricos del campesinato y los elementos para el desarrollo de la agroecologia (Capítulo 1); La difícil coyuntura para ele debate agroecológico: los entraves y los desafios a uma sostenibilidad concreta (Capítilo 2); Transición de perspectivas: el emergir agroecológico (Capítulo 3); La agroecologia bajo el enfoque constitucional: la promotora de la eficácia em derechos humanos (Capítulo 4); La ponderación de la agroecologia bajo la luz de la utilización contra-hegemónica del derecho (Capítulo 5).

A reflexão trazida por Gladstone Leonel Júnior, nas obras aqui referenciadas, permanecem sob o acicate de sua atenção atualizadora e enunciativa, conforme se pode conferir em (O Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas: enunciados jurídicos. Organizadoras e organizadores Valéria Torres Amaral Burity, Antonio Escrivão Filho, Roberta Amanajás Monteiro, José Geraldo de Sousa Junior (Organizadores). Brasília: FIAN Brasil e O Direito Achado na Rua, 2021, 195 p.), http://estadodedireito.com.br/28954-2/.

No projeto publicado dizem os organizadores e organizadoras: “Embora se vivencie, desde as eleições de 2018, um ambiente de rápido e intenso retrocesso no que tange ao reconhecimento e ao respeito aos direitos humanos em suas múltiplas dimensões, é possível observar e afirmar que no Brasil desenvolvem-se também, desde o advento da Constituição de 1988, agudas tendências de expansão e interferência judicial nas temáticas do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA), hoje talvez associadas ao ascenso do conservadorismo e ao retorno do neoliberalismo, entendido em perspectiva política e econômica.

Diante disso, a FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas e O Direito Achado na Rua reuniram esforços para fomentar uma agenda de discussão sobre os impactos do sistema de justiça na garantia, proteção, efetivação ou violação do DHANA no Brasil e na América Latina, a partir das experiências e concepções de movimentos sociais, entidades de direitos humanos e advocacia popular, juristas e intelectuais, com vistas a produzir uma obra coletiva que debata, com base nessas experiências e concepções, enunciados jurídicos orientados conduzir a uma interpretação e aplicação do direito que sirva à proteção e à efetivação do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas. Tais enunciados expressam, portanto, o olhar de advogados/as populares, movimentos sociais e pesquisadores/as sobre o tema, que buscam dizer como esse direito pode e deve ser garantido e, com isso, criar novos entendimentos que permitam sua realização”.

Ainda na perspectiva dessa construção, em metodologia ativa e participativa, os organizadores e animadores das oficinas e das reuniões virtuais que se seguiram para finalizar o conjunto autoral, cuidaram de “fomentar uma agenda de debates acerca do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas em suas múltiplas e diferentes dimensões, sob o ponto de vista das suas experiências de (des)encontros com a via judicial e o sistema de justiça. Os enunciados e os textos que os explicam tratam dos limites e possibilidades de (i) proteção, garantia e reparação a direitos violados ou ameaçados; (ii) efetivação de direitos sonegados; (iii) implementação de políticas públicas e (iv) reconhecimento jurídico e institucional de modos de ser e viver relacionados ao Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, com especial atenção para o modo como esses direitos – em suas dimensões de posse, territorialidades e agroecologia, considerando o protagonismo das mulheres, as perspectivas étnicas e raciais, além a incidência de tratados internacionais e o impacto da atuação de empresas – são efetivados ou negados, quando se deparam com a via judicial e as diferentes instituições do sistema de justiça”.

No link para o texto completo da obra: https://fianbrasil.org.br/wp-content/uploads/2021/04/Enunciados_Eletronico_.pdf, pode-se identificar duas contribuições de Gladstone, a primeira em co-autoria com Valéria Burity, da FIAN, uma das organizadoras do livro, reafirmando conceitos caros ao Autor, no que corcene à “Agroecologia como meio para a promoção efetiva do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas”; o segundo, com Victória Gonçalves, sua colega na Universidade Federal Fluminense, quanto à “Prioridade da preservação dos costumes e conhecimentos tradicionais em face das regras de vigilância sanitária”.

Do primeiro texto resulta o enunciado preciso, desde que a obra cuida de construir enunciados: As práticas agroecológicas são as mais compatíveis com os elementos do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA). Portanto, às políticas de promoção da agroecologia deve ser aplicado o mesmo regime (princípios e obrigações) que marca esse direito fundamental. Em contexto de agravamento do aquecimento global, aumento da fome e do excesso de peso, o apoio à agroecologia não é uma escolha, mas sim uma obrigação que recai sobre o Estado brasileiro”.

Em Gladstone, assim como nos engajamentos promovidos pela FIAN e pelo Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, reafirma-se a disposição para não ceder à sanha canibalizadora do agronegócio neoliberal. Ponho em relevo essa disposição em artigo para minha coluna mensal digital no Jornal Brasil Popular – https://www.brasilpopular.com/ – denunciando a agonia trazida pelo retorno do País ao quadro de fome (“Ossos de boi, arroz e feijão quebrados e pé de galinha: Fome no Brasil”):

Procuramos deixar essa realidade, agudizada pelo ascenso do conservadorismo e do neoliberalismo no País, bem documentada em estudo que a FIAN BRASIL – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA) e o Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, com o objetivo de fomentar uma agenda de discussão sobre os impactos que os sistemas de governo e de justiça provocam sobre a garantia ou violação desses direitos, indispensáveis à dignidade e à própria vida.

Orienta as experiências e concepções de movimentos sociais, entidades de direitos humanos e advocacia popular, juristas e intelectuais, a salvaguarda de diretrizes do sistema internacional de direitos humanos, dispondo que o DHANA é exercido quando uma pessoa, isolada ou em comunidade, tem acesso físico e econômico, em todos os momentos, a uma alimentação suficiente, adequada e culturalmente aceitável, que se produz e que se consome de forma sustentável, mantendo-se o acesso à alimentação para as gerações futuras”.

Que reflexões assim as de Gladstone Leonel Júnior, ou as que organizam a FIAN, contribuam para redefinir o cenário da dignidade e dos direitos humanos no Brasil. Ou então, que a marreta do padre Lancellotti esmague as serpentes e os sistemas antipovo enquanto alimenta pobres e abriga em sua igreja povo de rua, como está no fecho de meu artigo em Brasil Popular.

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua

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