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quarta-feira, 28 de outubro de 2020

 

Direito, Religião e esfera pública

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

ANA CAROLINA GRECO PAES, DIREITO, RELIGIÃO E ESFERA PÚBLICA: bases para discussão do ensino religioso nas escolas públicas. Tese de Doutorado. Orientador: Professor Dr. Eduardo Carlos Bianca Bittar.  São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2020, 213 p.

 

         Cuido, neste Lido para Você, como sugestão a Editores mas, principalmente como indicação a pesquisadores, de Tese cujo tema por si já o indica, tem alta relevância teórica e mais ainda, dimensão política mobilizadora, histórica e conjunturalmente.

         Isso logo se depreende do seu resumo, pondo em relevo que a Tese “destina-se a apresentar bases para a discussão do ensino religioso nas escolas públicas através da perspectiva do Estado Democrático de Direito do filósofo Jürgen Habermas. O objeto da pesquisa foi analisado na linha crítico-metodológica, postulada pela teoria do discurso, através da vertente jurídico-sociológica. A partir do retrospecto histórico da religião na esfera pública brasileira, observou-se a manutenção da religião no espaço público apesar da secularização do Estado. Para compreensão desse fenômeno, os conceitos de direito, modernidade, secularização, política, democracia e esfera pública foram analisados à luz da filosofia de Jürgen Habermas. A partir da construção destes conceitos, concluiu-se que a religião tem muito a contribuir com o Estado Democrático de Direito, contudo, para que o faça, deve ter seus conteúdos construídos de modo universal, a partir da tradução, que é feita de modo compartilhado por cidadãos crentes e não crentes. Essa uma exigência do Estado Secular Liberal que constitui o Estado Democrático de Direito. Sendo assim, o ensino religioso confessional nas escolas públicas só pode ser realizado através de conteúdos traduzidos, que podem ser cognoscíveis a todos os cidadãos”.

         O impulso temático, conduzido no bem orientado enquadramento trazido pela Autoria, ganhou precisão e atualidade interpretativa no diálogo interpelante com a Comissão Julgadora, de cuja composição participei, formada por seu Presidente e Orientador, professor Eduardo Carlos Bianca Bittar e pelos professores e professoras Ari Marcelo Solon, Dalmo de Abreu Dallari, Maria Victoria de Mesquita Benevides Soares e Roseli Fischmann.

         Embora traga a discussão no âmbito acadêmico, um tema que acumula rica documentação, em diferentes dimensões e mais especificamente, em sede de direito constitucional, não é um assunto de fácil enquadramento, até porque, deixa claro a Autora, desde logo e com apoio bibliográfico, que é, ao contrário, matéria daquelas chamadas questões difíceis, sobretudo quando elas se situam nas intersecções, entre moral, religião e civismo, tal como acentua Luís Antônio Cunha, submetidas ao que ele denomina “sintonia oscilante”, referindo-se dada a relação problemática, desde a modernidade ocidental, entre Igreja e Estado.

         A Autora, atenta a essa oscilação, previne-se, em cuidado, ao que assenta como seu ponto de partida: “No mundo contemporâneo, os dilemas existentes entre o direito e a religião são diferentes dos dilemas que existiam no passado. A grade questão é que atualmente a interferência da religião na política e no direito não se dá de forma polarizada como um conflito entre duas instituições: o Estado e a Igreja. O dilema e a tensão entre o direito e a religião se dá de forma difusa, não há mais uma única Igreja que exerce poder e monopólio. Muito pelo contrário, há pluralidade religiosa, pluralidade de ideias no âmbito espiritual e esta pluralidade deve se acomodar nos termos de um Estado laico” (p. 11).

         Essa a sutileza da Tese. Não se trata de definir o que seja laicidade e o papel do Estado no tocante a seu posicionamento estrutural e simbólico com a religião. Sobre esse aspecto, não há discordâncias relevantes entre os principais contendores e na sua esgrima interpretativa. Como na dialética de Abelardo, do sic et non, os contendores tendem a empregar os meus fundamentos. Isso transparece no quase empate do termo empírico estudado, a ADI 4439, cujo julgamento no Supremo Tribunal Federal revela um núcleo comum entre o entendimento sobre a exigência de laicidade do Estado e a possibilidade de haver ensino religioso confessional nas escolas públicas. No quase empate dá-se como que uma troca de sinais quando se define o posicionamento de cada campo de entendimento.

         Assim é que a Autora, depois de fazer a historiografia do direito e da religião na realidade histórico-político-constitucional brasileira; e antes de adentrar ao estudo de caso, acerca do par ensino laico e ensino confessional, conforme o julgamento da ADI 4439/STF, vê-se compelida e ai sente-se o prumo orientador da Tese, a balizar o exame de fundo da questão, a partir da exigente questão filosófica, que desenvolve com suporte em Habermas, do problema da modernidade, da secularização e da religião, para aferir a intrincabilidade racional entre direito, política e religião na constituição da esfera pública. Ainda que, nesse passo, se possa recuar a uma maior radicalidade entre os fundadores da Escola de Frankfurt, mais intensos ao limite de um certo fundamentalismo atenuado em Habermas, entretanto, conforme sustentou o professor Solon na arguição, mais carregado de emancipação.

         A Tese, diz a Autora, “procurou analisar a possibilidade ou não do ensino religioso confessional nas escolas públicas a partir das reflexões filosóficas de Jürgen Habermas, com objetivo de oferecer novas bases para a discussão de um assunto que sempre volta à esfera pública.

         Habermas constrói sua teoria a partir da realidade, a primeira questão tratada na tese foi a constatação de que a religião não desapareceu do espaço público. Ao contrário do que Max Weber afirmava, a religião não foi totalmente privatizada e ainda tem força no espaço público. Diante desta constatação há a construção da ideia de sociedade pós seculares, as quais ainda convivem com a religião apesar da secularização ter indicado, entre outras questões, a separação entre Igreja e Estado.

         Apesar da persistência da religião no cenário público, tem-se que a modernidade foi exitosa ao construir os pressupostos normativas do Estado Liberal Secular. O Estado Liberal Secular através do Estado Constitucional Secular não mais precisa da religião para manter a coesão social ou para lhe fornecer fundamentação e legitimação, apesar disso ele ainda pode se nutrir de questões religiosas, desde que elas sejam compatíveis com seus preceitos de um Estado Democrático de Direito.

         A ordem liberal depende da solidariedade dos cidadãos e se a secularização do Estado não for realizada de maneira adequada, esta solidariedade pode ser prejudicada. O fundamentalismo religioso que, por vezes, propaga intolerâncias e violência, é fruto da secularização feita de modo apressado, sem levar em conta a fé que constituiu a base de determinadas sociedades”.

         A Autora, bem apoiada em seu orientador que a conduz pelo percurso de Habermas, recupera em Eduardo Bittar (Democracia, Justiça e Emancipação Social: reflexões jusfilosóficas a partir do pensamento de Jürgen Habermas. São Paulo: Quartier Latin, 2013), no que ele chama atenção para o fato de que, a esfera pública são as redes e não o aglomerado de pessoas e que, portanto, quando a comunicação na esfera pública falha, um dos resultados é a solução de conflitos através da violência: “Percebe-se, portanto, que o conflito gerado pela falha de comunicação, pela distorção da comunicação, pela corrupção da comunicação, pela negação da participação na comunicação, pela impossibilidade da comunicação, e uma vez gerado, se desencadeia socialmente de diversas formas, como resultado de um processo malsucedido de interação social. Por isso, a ideia de razão comunicativa vem a preencher a necessidade de reconhecimento do espaço do diálogo como espaço da não violência. Isso porque a repressão à linguagem e à comunicação livre e desimpedida representa uma fonte de opressão geradora de violência. Como supressão do discurso e de possibilidade de entendimento que estariam vinculadas à dinâmica de funcionamento de um espaço público fundado na articulação comunicativa humana, a violência somente pode representar um mecanismo de impossibilitação da política, uma vez que institui a ditadura do medo na vida social. Quando a linguagem não possui vias de expressão de reinvindicações, permanece em aberto a sensação do injusto não reparado. Diversos estudos teóricos e empíricos demonstram essa correlação completa entre a questão da falta de alternativas de comunicação social e institucional, e a questão da emergência da violência” (p. 151).

         Daí que em suas conclusões ela persevere em acentuar esse sentido comunicativo próprio à esfera pública. De fato, diz ela, “A construção de um sentimento de solidariedade entre os cidadãos pode ser feita a partir de elementos religiosos, o Estado pode se nutrir de questões de fé, desde que elas sejam traduzidas para uma linguagem universal, esta linguagem universal é estabelecida a partir da interação comunicativa que tem como pressupostos: a) a publicidade e a inclusão; b)direitos comunicativos iguais; c)exclusão de engano e ilusões; d) a não coação e esta comunicação tem o fim de encontrar “validade” de aceitabilidade racional”.

         E prossegue: “É fato que a religião possui sua própria linguagem, seus próprios dogmas e preceitos, oferece ao crente uma cosmovisão própria. Sendo assim, para que esse cidadão consiga participar da interação comunicativa na esfera pública, ele deve fazer isso de modo que todos entendam, sua contribuição não deve ser excluída. Para construir argumentos que possam ser entendidos por todos, o cidadão crente deve fazer a tradução de seus conteúdos de fé de maneira compartilhada.

         Esse não é um esforço somente do cidadão crente, a tradução de conteúdos de fé e a possível apropriação desses conteúdos pelo Estado, deve ser feita de maneira compartilhada e cooperativa, em construção mútua, cidadãos crentes e não crentes procuraram meios, através dos pressupostos comunicativos, de construir argumentos racionais que podem ser utilizados na esfera pública liberal e secular.

         O Direito, bem como a política, não precisam e nem devem se fechar para as contribuições que as religiões podem lhes oferecer, porém essas contribuições devem levar em conta a atual construção do Estado Democrático de Direito, que é antes de tudo um Estado Liberal Secular.

         Aplicando estas considerações à ministração do ensino religioso nas escolas públicas, tem-se que o fato do Estado ser laico, não expulsa a religião da esfera pública, ela pode sim estar lá, desde que respeite os limites dados pelo Estado Democrático de Direito.

         Não obstante, uma vez que o ensino religioso confessional de matrícula facultativa e não proselitista foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, deve-se ter em mente como a religião poderá se expressar nesse local público. Ela deverá fazê-lo a partir de conteúdos que possam ser universalmente entendidos, ou seja, ela terá que traduzir seus conteúdos para linguagem secular.

         A história já demonstrou que esse esforço é possível, durante a Tese foram citados exemplos de traduções que permitiram a apropriação de conteúdos religiosos no Estado Democrático de Direito, ressalta-se, que a tradução de conteúdos religiosos não retira desses conteúdos o seu potencial ou característica essencial, pois sua essência será preservada a fim de que todos possam se beneficiar dela e isso somente poderá ser feito através de uma tradução realizada de forma compartilhada entre cidadãos crentes e não crentes.

         O ensino religioso confessional construído com conteúdos que podem ser cognoscíveis a todos os cidadãos e não somente aos cidadãos crentes da religião tratada, tem a possibilidade de auxiliar o Estado e o Direito a encontrar potenciais na religião que ainda não foram explorados porque não estão acessíveis a todos devido a sua linguagem específica.

         Deste modo, o ensino religioso pode ser confessional, desde que construído a partir das exigências que o Estado Democrático de Direito pressupõe, que é a manifestação da religião no espaço público através da linguagem acessível a todos, não obstante deve-se manter a facultatividade da matrícula e a vedação do proselitismo.

         Contudo, apesar da possibilidade de transmissão de um ensino confessional em linguagem não excludente e acessível a todos, deve-se levar em conta que um dos argumentos utilizados tanto pelos amici curie quanto por alguns Ministros foi o da impossibilidade de oferta de ensino religioso confessional para todas as confissões existentes no Brasil.

         Com Habermas, tem-se que o direito deve ser construído a partir da sociedade e do agir comunicativo, buscando sempre a inclusão de todos e, sobre essa questão, indaga-se se a impossibilidade de oferta do ensino religioso confessional a todas as religiões não seria um impeditivo para a interpretação de que o ensino religioso possa ser confessional?

         Sabendo-se que haverá casos em que o aluno poderá solicitar o ensino religioso confessional de determinada religião e o Estado não poderá responder a essa demanda, é preferível que o ensino religioso seja o ensino da história da religião, pois, o Estado não pode criar uma política pública facultativa que de antemão sabe que será excludente, contrariando seus próprios princípio fundamentadores.

         Sendo assim, o princípio de universalização pode se mostrar como um impeditivo para o ensino religioso confessional nas escolas públicas, ainda que este ensino ministrado de modo compatível com o Estado Liberal Secular. Sendo que, conforme dito anteriormente, a religião e o Estado não se mostram em clara oposição, uma vez que a secularização não se mostra como resultado de duas forças opostas que constituem um “jogo de soma zero”. A religião pode contribuir com o Estado e o Direito, da mesma forma que os agentes públicos podem expressar sua fé, desde que o façam de forma compatível com o Estado Liberal Secular, respeitando as balizas adotadas pelo Estado Democrático de Direito!” (p. 198-200).

         Sob esse aspecto, o tema ganha outros contornos e apela em desafio a outras considerações sobre o contexto de laicidade. Os teólogos franceses Anthony Feneuil e Jean-Sébastien Rey, professores da Universidade de Lorraine, na França, em artigo publicado em Le Monde, 13-10-2020, nesse sentido, convocam para a elevação do debate desde uma altura teológica, de modo, dizem eles, que se possa “contribuir para a expressão das convicções religiosas e favorecer a sua formulação fundamentada e crítica, em diálogo e em debate com as outras convicções e todos os âmbitos do saber. Há um lugar privilegiado para isso: a universidade, pública mas autônoma, que desempenha o papel de interface entre o Estado e a sociedade. E existe uma disciplina cujo propósito próprio é permitir o encontro entre a fé sob todas as suas formas e as questões científicas ou políticas: a teologia. Ao contrário do que se pensa, ela não pertence às Igrejas nem às comunidades religiosas. É um bem público”.

         Assim é que tenho aferido, em minha própria experiência, certamente muito próxima de meus colegas de banca, sobre essa dimensão do debate quando ele se coloca racional e argumentativamente nos termos propostos por Habermas. E o tenho feito muito instigado pelo meu velho mestre Roberto Lyra Filho, desde suas leituras de mais ampla implicação interdisciplinar, conforme aparece em seu instigante estudo Filosofia, Teologia e experiência mística (Kriterion: Revista da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, vol. XXII, nº 69, jan-dez 1976, p, 136-145, sobre as fronteiras da imanência-transcendência: “O racionalismo acende a luz que não sabe que o seja; mas ela não ilumina o universo e, sim, o terreno de sua limitada incidência; sobretudo, não ilumina a si mesma, enquanto poder clarificante. O misticismo se embebeda de uma luz mais forte, porém, ao cabo, implica a fundamentação racional que validaria sua experiência de transrazão. Dessa maneira, a Filosofia, sendo insuficiente, permanece de todo indispensável, nela se preparando o terreno, através da decantação crítica das vivências. A rendição é o desfecho de uma busca e, não, a ingênua foi du charbonier ou o produto de uma graça, pura e simples, que se há de distinguir, em todo caso, como elucidações teológicas. A sugestão aqui proposta ao diálogo resume-se nisto que, pelas razões expostas, o filósofo, o teólogo e o místico, sem prejuízo da especificidade de suas órbitas de atuação, ainda e sempre permanecem unidos e hão de sustentar-se, reciprocamente, sob pena de se frustrar, ao limite radical, a própria busca a que se entregam. Não se trata de subordinação. Mas será possível negar a interdependência?”.

         Não estará aí, o que na arguição o professor Solon invocou como modelagem de matriz alemã, um sistema de cooperação entre religião, política e direito, uma outra maneira de considerar um problema que em desenho de formulação francesa se construiu como laicidade tout court? Ainda em terreno propriamente epistemológico, volto a Roberto Lyra Filho, para inferir até o que se busca estabelecer como indispensável fio da meada histórica, “que o rumo do progresso permanece, contudo, nas coordenadas subjacentes do movimento em espiral cuja penetração é transempírica, não porque esteja acima, abaixo, aquém ou além do fenômeno, e sim porque o Ser, já disse com Tillich e repito, é ‘a força de ser em tudo o que é’, ainda que isto nos valha o rótulo de ‘panteístas’ (que confunde o Deus sive natura e a onipresença divina cá, não ‘lá’, ‘além’, ab extra: a separação cortante de imanência e transcendência é mais um dos vícios pré-dialéticos do pensamento). Deus ‘guia por dentro a universal marcha do Mundo (Teilhard du Chardin)”(conforme Lyra Filho, RobertoDesordem e Processo: Um Posfácio Explicativo. In Lyra, Doreodó Araujo (organizador). Desordem e Processo. Estudos sobre o Direito em Homenagem a Roberto Lyra Filho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986).

Membro da Comissão Justiça e Paz, em cuja representação prestei depoimento na Assembleia Constituinte em 1988, pude oferecer como resultado do entendimento do grupo formado (Dalmo Dallari, Fábio Comparato, Candido Mendes, Plínio de Arruda Sampaio, Sebastião Rios Correia, Luis Carlos Sigmaringa Seixas, padre Vírgilio Leite Uchoa, José Geraldo de Sousa Junior) para assessorar a Presidência da CNBB (primeiro Dom Ivo Lorscheiter e depois Dom Luciano Mendes de Almeida e por meio deles ao Conselho Episcopal de Pastoral), os elementos eminentemente republicanos e construídos no diálogo com o laicato, nitidamente assumidos pela Entidade episcopal como próprios à constituição do Estado de Direito Democrático, no momento constituinte, sintetizados na Declaração Pastoral Por uma Nova Ordem Constitucional aprovada na 24ª Assembleia Geral da CNBB em 1986.

         Esses posicionamentos estão todos ratificados e desenvolvidos analiticamente nos debates enunciativos e interpretativos dessa conjuntura, aliás, dos quais participei, como se pode inferir em Que BRASIL emerge da constituição? Petrópolis: Revista de Cultura Vozes, ano 82, volume LXXXII, julho-dezembro 1988, nº 2; CNBB Seminário “Exigências Éticas da Ordem Democrática”. Sociedade, Igreja e Democracias. São Paulo: Edições Loyola, 1989; Participação Popular e Cidadania. A Igreja no Processo Constituinte. Estudos da CNBB 60. São Paulo: Edições Paulinas, 1990. Não importa muito que, naquela altura, por impulso de uma polifonia de vozes no espaço pastoral, ao fim e ao cabo, na reunião das emendas populares subscritas pelas comunidades de crentes e de homens e mulheres de boa vontade e apresentadas à ANC sob os auspícios da CNBB, tenham se organizado num conjunto de enunciados amplamente seculares e num outro conjunto de representações do chamado “Povo de Deus”: as emendas pelo direito à vida e à família; por educação, liberdade religiosa e a invocação do nome de Deus para a garantia da dignidade da vida humana; a relativa aos princípios da ordem econômica (primazia do trabalho sobre o capital); e a relativa a função social da propriedade particular (reforma agrária); superando a marca de 12 milhões de assinaturas.

         Nos anos 2006 a 2009 integrei a coordenação, a partir de Grupos de Pesquisa da Faculdade de Direito da UnB, de um Observatório da Constituição e da Democracia, com uma edição mensal em modelo tablóide (de 24 páginas). O tema central da edição n. 23, de junho de 2008, foi “Religião e Estado Democrático”. Entre as seções propostas, pode-se encontrar “repensar a religião”, em texto de Boaventura de Sousa Santos, aludindo a colóquio ocorrido na Universidade de Coimbra, sobre o diálogo entre o islão e o cristianismo, no qual o Autor salienta as injunções do secularismo que afetam e sustentam limites de possibilidade para o diálogo intercultural e até interreligioso, em âmbito de esfera pública (p. 24).

         Nesse mesmo número, discorrendo sobre Ensino Religioso nas Escolas Públicas, a partir de lei do Estado do Rio de Janeiro, Fábio Portela Lopes de Almeida (p. 06-07), levanta a preocupação de não crentes e também de crentes sobre o problema, para o risco de “uso religioso das instituições públicas sempre temido pelos membros de minorias religiosas”.

         Todos esses elementos estão inscritos no recenseamento temático e argumentativo organizado pela Autora. E de modo muito bem articulado conforme afinal confirmou, por unanimidade a Comissão Julgadora, decidindo pela aprovação da Tese. Com um acréscimo de parecer na ata da sessão, sobre a relevância e o alto esforço de ordenação da matéria em estudo e como contribuição a um debate que não se encerra mas que continuamente se incrementa na atualização de suas formas de interpelação.

         Por isso se pode dizer com Douglas Pinheiro, autor de referência na Tese, aqui trazido a partir de seu ensaio publicado no Observatório da Constituição e da Democracia já referido (p.  14-15), Liberdade religiosa à moda evangélica. Nesse texto o Autor traz um questionamento que pode ser dirigido à Autora e mais ainda, a partir dela, ao próprio tema: o debate atual, mobilizando a disputa argumentativa, num processo de evidente teocratização do social e do político, esvazia a esfera pública ou é uma abertura, mesmo que se ponha a questão em termos de uma religião civil, reocupada semanticamente e percebida como patriotismo constitucional podendo assim se mostrar uma alternativa mais que oportuna à reflexão da laicidade?

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua

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