Campus Online, FAC/UnB
EDUCAÇÃO
19 DE JUNHO DE 2019
Alexandre
Padilha e ex-reitor da UnB fazem representação para o ministro da educação
No dia 24 de maio de 2019, o ministro da
educação, Abraham Weintreub, publicou um vídeo polêmico em seu twitter
afirmando que o MEC recebeu cartas e mensagens de pais de alunos, em que estes
informavam que professores estariam coagindo seus filhos a participarem das
manifestações contra os cortes da educação do dia 30 de maio, e também a
abertura de um portal de “denúncias” e de “provas” contra os professores que
estariam influenciando seus alunos a participarem das manifestações. O ministro
informou que este processo é ilegal.
No dia seguinte após o vídeo, o Ministério da
Educação emitiu uma nota oficial reproduzindo o que foi dito pelo ministro
Weintreub e também declarou que os professores deveriam cumprir sua carga
horária e que não poderiam deixar de exercer suas respectivas funções em prol
de manifestações: “Vale ressaltar que os servidores públicos têm a
obrigatoriedade de cumprir a carga horária de trabalho, conforme os regimes
jurídicos federais e estaduais e podem ter o ponto cortado em caso de falta
injustificada. Ou seja, os servidores não podem deixar de desempenhar suas
atividades nas instituições de ensino para participarem desses movimentos”.
Como resposta ao vídeo e também a nota emitida
pelo MEC, o deputado do PT-SP, Alexandre Padilha, juntamente com o ex-reitor da
universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Sousa Junior e o advogado
Patrick Mariano Gomes que foi encaminhado uma representação para a Procuradoria
dos Direitos do Cidadão.
Conversamos com o ex-reitor da UnB para
sabermos com mais detalhes a respeito dessa representação.
CAMPUS: O que simboliza essa representação contra o ministro?
JOSÉ GERALDO: Atravessamos um momento crítico no qual
a universidade é alvo de agressões sem precedentes, tanto mais inusitadas
porque provenientes das altas autoridades governamentais, entre elas o titular
da presidência da República e seu ministro da Educação. Por isso que em já duas
vezes, acabei por protocolizar, assinando em conjunto com ilustres
parlamentares – Paulo Pimenta, Wadih Damous, Alexandre Padilha e com os
juristas Marcelo Semer e Patrick Mariano, representações em defesa da
universidade, na Comissão de Ética Pública e na Procuradoria Geral da
República.
Penso que o simbólico que atravessa essa
iniciativa expressa que é um grave desvio de finalidade, é uma ofensa direta à
Lei de Diretrizes e Bases da Educação [LDB] e a própria Constituição Federal,
no que toca ao princípio da autonomia e da liberdade de ensinar. No primeiro
caso, com motivação imprópria – reprimir balbúrdia – incide em responsabilidade,
considerando a exigência de adequada fundamentação do ato, que deve respeitar a
impessoalidade, a transparência e a legalidade e não a objeção difusa de
politização. Veja-me o artigo. 37 da Constituição Federal. No segundo caso, com
ofensa também às normas convencionais – Convenção Americana – imiscuindo-se no
âmbito da autonomia. Em época recente, por essas mesmas razões representei
contra o ministro da Educação na PGR [Procuradoria Geral da República] e na
Comissão de Ética Pública [da Presidência da República]. Agora vejo que um
deputado indica que vai entrar com ADPF (Ação por Descumprimento de Preceito
Fundamental) diretamente no STF [Supremo Tribunal Federal]. Somente entidades
nacionais podem fazê-lo, no caso partido. Mas espero que a ANDIFES [Associação
Nacional de Dirigentes e Instituições Federais de Ensino] também o faça, porque
a ameaça é a todo o sistema universitário federal.
Na mais recente (PRG 00265840/2019), já
recebida e acostada ao Inquérito Civil n. 1.29.000.001909/2019-20, ela instrui
o procedimento de apuração do “posicionamento do Ministério da Educação que
veda abordagem, análise, discussão ou debate acerca da participação de
integrantes da comunidade escolar em atos públicos”. Tal como salientamos na
peça que teve ampla repercussão, “No caso dos presentes autos, o Representado
não apenas evidenciou nítida opção antidemocrática, arbitrária e, portanto,
autoritária, como praticou atos de ofício no exercício de função pública para
fazer prevalecer esta visão de mundo sobre milhões de brasileiros e brasileiras
o que, por evidente, o torna passível de responsabilização nas esferas do
direito penal e do direito administrativo”.
Nesta conjuntura, pois, de forte incidência
desconstituinte, colocar-se na trincheira de defesa das conquistas e dos
avanços políticos desenhados no Pacto de 1988, tem sido a convocatória
irrecusável da luta por cidadania e por direitos. Em atos públicos,
mobilizações, artigos, essa tem sido a agenda que nos convoca e compromete.
CAMPUS: Como fica o papel do professor em relação as manifestações
que aconteceram? Cabe a ele o estímulo a seus alunos a participarem?
JOSÉ GERALDO: O espaço de ensino, universitário ou
não, é o do pensamento crítico e interpelante, necessário à formação de
culturas aptas a pensar o mundo e a contribuir para a sua transformação de modo
justo e solidário, tal qual desde a mais remota antiguidade ocidental se
inscreveu como base da Paidéia, a formação e a educação do “homem”(assim entre
aspas, por conta do redutor masculino dessa cultura. Essa noção se expressa na
resposta de Fênix o preceptor de Aquiles, orientando o seu discípulo para o bom
domínio da educação, apta a lhe preparar para saber dizer belas palavras, mas
também a poder orientar sua ação transformadora no mundo. Por isso que a
autonomia e a liberdade de ensinar são princípios que caracterizam a educação
institucionalizada e a nossa Constituição assegura esses fundamentos. Mas
também em sede de direitos humanos internacionais há diretrizes seguras que
asseguram esses princípios. Veja-se, nesse sentido, o Comentário Geral 13 do
Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU), segundo o qual ss
membros da comunidade acadêmica são livres, de forma individual ou coletiva, de
procurar, desenvolver e transmitir o conhecimento e ideias, por meio de
investigação, da docência, do estudo, do debate, da documentação, da produção,
da criação ou da escrita. A liberdade acadêmica inclui a liberdade do indivíduo
para expressar livremente as suas opiniões sobre a instituição ou sistema no
qual trabalham, para desempenhar as suas funções sem discriminação nem medo de
repressão por parte do Estado ou de qualquer outra instituição, de participar
em organismos acadêmicos profissionais ou representativos e de desfrutar de
todos os direitos humanos reconhecidos internacionalmente que se apliquem aos
outros indivíduos na mesma jurisdição. A satisfação da liberdade acadêmica
implica obrigações, como o dever de respeitar a liberdade acadêmica dos outros,
assegurar uma discussão justa de opiniões contrarias e tratar todos sem
discriminação por nenhum dos motivos proibidos. Como disse, num tempo
obscurantista, de mobilizações correcionais, de patrulhamentos ideológicos, de
iniciativas legislativas de interdições, logo denominadas de “mordaças”,
aferições curriculares na suspeição a temas de fronteira, em especial os que
abordam questões de classe, raça ou gênero, preservar esse espaço é um
imperativo democrático. Por isso, também, a representação contra uma autoridade
que não parece ter a dimensão teórica e política da responsabilidade que pesa
sobre ela.
CAMPUS: O MEC estaria excedendo suas funções?
JOSÉ GERALDO: Sem dúvida, e é o que procuramos
demonstrar com a Representação.
CAMPUS: O que justifica esse descumprimento a constituição por parte
do MEC? Seria desconhecimento a respeito de nossas leis e a maneira pela qual
nosso país é regido?
JOSÉ GERALDO: Penso que está se definindo um modo de
governança caracterizado por uma profunda desconsideração à Constituição e à
legislação geral. Não só na educação, mas em vários planos. Uma característica
do autoritarismo e do desprezo ao processo democrático que se experimentava no
País desde a Constituinte e dos esforços de redemocratização empreendidos desde
1988. Note-se as iniciativas nesse sentido, quanto à questão do desarmamento,
da extinção de conselhos, do esvaziamento funcional de órgãos incumbidos de
fiscalização de direitos. As medidas vão sendo tomadas até que no âmbito
legislativo ou judicial medidas restauradoras seja adotadas indicando a
inconstitucionalidade ou a ilegalidade dessas medidas. Assim também no plano
educacional, com iniciativas de intervenção (escolha de dirigentes),
interferência no sistema de comunicação e de transparência (proibição de
manutenção de sites) e cortes orçamentários. Todas essas iniciativas têm
rejeitadas por ação política (manifestações, paralisações, greves) ou por
medidas judiciais que visam a preservar o campo da autonomia prevista na
Constituição.
CAMPUS: Como lidamos com essas inconstitucionalidades por parte do
MEC?
JOSÉ GERALDO: Reagindo do modo como acabei de
enunciar. A própria Representação é uma forma. Em 2018, logo após o afastamento
da Presidente Dilma, também apresentei com os Deputados Wadih Damous, Paulo
Pimenta, o magistrado Marcelo Semer e o jurista Patrick Mariano, Representações
ao Conselho de Ética Pública e à Procuradoria Geral da República, contra o
Ministro Mendonça Filho, quando este declarou que pretendia interferir na UnB
em razão da criação de disciplina para analisar o Golpe de 2016. Como se
recorda, após isso, o Ministro recuou e reconheceu a autonomia da universidade.
CAMPUS: Qual o papel da UnB e de outras instituições públicas
diante de tais inconstitucionalidades?
JOSÉ GERALDO: Exercitar as suas atribuições legais e
constitucionais. No caso da instituição universitária, defender a sua
autonomia, fortalecendo o seu espaço acadêmico, plural e crítico, para a sua
defesa institucional, Fazê-lo de modo teórico por meio de debates e formação de
opinião, valendo-se de sua competência analítico-interpretativa. De modo
político para defender essa institucionalidade, tal como tem sido nosso
percurso histórico. Ainda recentemente nos mobilizamos para expressar nosso
repúdio contra as tentativas de interferência em nosso espaço autônomo. Foi assim
quando a BCE sofreu vandalismo em seu acervo de obras de direitos humanos, no
abraço que simbolizou nossa disposição quando forçam anunciados cortes
orçamentários e assim, toda vez que essas ameaças se armem contra os valores
que nos constituem. E fazê-lo na confiança de que que, a despeito das injunções
e incertezas da conjuntura, há reservas de posicionamento solidário aos
direitos fundamentais e aos princípios constitucionais democráticos, como por
exemplo, na disposição do Supremo tribunal Federal, exatamente quando se
procurou reprimir e interferir no espaço autônomo da universidade e aquela
Corte, atualizou o entendimento de que “Liberdade de pensamento não é concessão
do Estado. É direito fundamental do indivíduo, que pode até mesmo contrapor-se
ao Estado”, afirmando nessa decisão a ministra Cármen Lúcia (ADPF) 548, em
garantia da livre manifestação de ideias em universidades, que “O exercício de
autoridade não se pode converter em ato de autoritarismo.
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