“Em um país de desigualdade social e com graves problemas de segurança pública, é estarrecedor pensar que uma pessoa que decidiu por muitos anos a vida de brasileiros aja assim”. A afirmação é do professor Eduardo Xavier Lemos, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB), ao analisar o pacote anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro ao Congresso Nacional.
Esta semana que passou, o projeto do ex-juiz da Operação Lava Jato teve mais uma rodada de debates na Câmara dos Deputados. Trata-se de uma proposta extremamente polêmica que vem encontrando muita oposição por parte de renomados estudiosos sobre o tema. O professor Eduardo Lemos, que também é da Comissão Justiça e Paz da e membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, afirma que a proposta de Sérgio Moro é “um documento autoritário, autocentrado e em descompasso com o Estado Democrático de Direito”.
“É importante reforçar o caráter ultrapunitivista da Lei Anticrime, sem negar o eventual respaldo sanguinário do senso comum, é a temperança e razão que se espera do Ministério da Justiça, e ao inverso do esperado, o ordenamento proposto vai à contramão do pensamento contemporâneo das ciências penais e é um sério agravante para um país que vive relevante crise econômica e significativos índices de encarceramento”, sentencia o professor. “Por esse sentido, avançar sob as reflexões de penas alternativas, o desencarceramento, o estímulo à mediação e alternativas para lidar com o conflito penal, são uma necessidade social e demonstram o grau de sapiência do administrador público”, acrescenta.
“De pronto, salta aos olhos que é um anteprojeto que causa significativas alterações ao ordenamento jurídico pátrio, que sequer tenha uma exposição de motivos para respaldar e esclarecer seu significado e justificativa, bem como os elementos técnicos, teóricos que norteiam o material que, caso aprovado, transformará profundamente a vida da população brasileira”, critica o professor Eduardo lemos.
Segundo ele, a proposta de Moro alterará substancialmente Código Penal brasileiro. “O texto equivocadamente clama para a estratégia normativa e ultrapunitivista, a partir do endurecimento da legislação penal e da diminuição das garantias processuais aos réus, soluções essas, que há tempos são demonstradas pela ciência penal como meramente populistas e inócuas para lidar com os conflitos sociais, servindo apenas para inflar o sistema carcerário e reforçar o ciclo da violência”, alerta o professor.
“O equivocado e mal redigido anteprojeto parte do pressuposto que a lei controlará a sociedade, sem avaliar os reflexos secundários que as alterações legislativas terão no cotidiano da sociedade brasileira e no dia a dia da Justiça do país, e assim, na ganância por punição desmedida, olvida-se da misericórdia e da redenção. Pergunte-se: haverá justiça na sede de vingança?”, indaga o professor.
De acordo com o professor Eduardo Lemos, a proposta de Sérgio Moro “transparece a intenção de oficializar eventuais ‘lacunas’ legislativas, à margem da legislação”, movido “por aquilo que cientificamente se denomina ativismo judicial”.
Outro ponto é que o pacote “procura oficializar os convênios, acordos e compartilhamento de provas entre órgãos investigativos nacionais e estrangeiros, não exigindo qualquer previsão em tratado internacional assinado pelo Brasil com a justiça conveniada ou qualquer formalização ou autenticação especial para o compartilhamento de tais informações, o que também causa estranheza, vez que é uma questão delicada e sigilosa da Operação Lava Jato”.
As propostas, alerta o professor, além de superdimensionar o Ministério Público, “autorizando a proposição de acordos de não investigação ou mesmo de aplicação imediata da pena pelo Parquet à defesa, a partir da confissão do delito pelo réu, o que ademais de fortalecer em demasia o órgão ministerial”, potencializa a arbitrariedade dos procuradores e promotores, “uma vez que o acordo poderá (e não deverá!), ser oferecido”. Esta situação, em um país de imensa desigualdade no acesso à Justiça, acrescenta Eduardo Lemos, “transformará o instrumento em acordos forçados com réus fragilizados sem a devida assistência de seu defensor, servindo o instrumento para, mais uma vez, favorecer os polos mais fortes da relação jurídica”.
O professor aponta ainda equívocos técnicos de redação no trecho do texto de Sérgio Moro que cria as polêmicas excludentes de punição penal. O alerta é em relação a expressões subjetivas como “medo” e “surpresa”, termos pouco técnicos e dúbios, “que empoderam a já hipertrofiada autoridade judiciária, possibilitando-a absolver ou condenar o cidadão em face da diferente experiência emocional vivida pelo magistrado”.
“No mesmo sentido causa profunda preocupação que as excludentes do medo, surpresa e violenta emoção, sirvam, para bem da verdade, como instrumentos que reforcem o preconceito e a perseguição de vulneráveis a partir da rotulação e da estigmatização social de raça e cor, orientação sexual, religião e gênero, gerando a impunidade sob a alcunha do receio, do espanto e da defesa da honra”, acrescenta.
Eduardo Lemos atenta ainda para a possibilidade de as alterações que Sérgio Moro pretende na legislação brasileira possa gerar “significativo conflito nos tribunais, gerando lentidão e tumulto no Poder Judiciário”. Isto porque “toda legislação criada no país deve acordar com posições pacificadas nas cortes superiores e, por esse sentido, a melhor técnica desaconselha que temas em dissonância com decisões recorrentes, sumuladas e por muitas décadas assentadas, sejam apresentados como nova legislação”.
O pacote também desrespeita o princípio da individualização das penas, previsto no artigo 5º da Constituição Federal, estabelecer o regime obrigatoriamente fechado em diversas situações, impondo o regime inicial fechado em outras e vedando as saídas temporárias aos aprisionados. “No mesmo caminho, propôs ao estabelecimento prisional federal um sistema de execução penal típico do Regime Disciplinar Diferenciado. Ocorre que o RDD tem limite temporal de 360 dias e somente ocorre em caso de falta grave, não havendo qualquer dispositivo legal que autorize o tratamento distinto para as pessoas encarceradas em prisão federal, o que levará tumulto às cortes brasileiras e tratamento desigual para cidadãos do mesmo país”, pontua.
A proposta do ministro da Justiça também é ambígua, aponta o professor, dando margem a interpretação do magistrado, o que sempre foi criticado pelo próprio Sérgio Moro quando juiz. “É possível perceber esse padrão legislativo quando do endurecimento do crime de resistência que passa para penas de seis a 30 anos quando causar risco de morte a autoridade, novamente hiperinflando o poder dos agentes do estado, que em regra tendem a reforçar o arbítrio estatal frente ao cidadão”, exemplifica.
“É importante reforçar que qualquer proposição de alteração processual penal sem profunda discussão com os atores processuais causará profundos danos no cotidiano dos tribunais brasileiros, pois a visão de um único agente não pode refletir a complexidade do sistema processual brasileiro”, acrescenta.
Por fim, o professor critica a falta de debate sobre o projeto de Moro. “Elaboração de uma melhor estratégia para o sistema penal brasileiro deve necessariamente passar por profundos debates com a sociedade civil organizada, com a Ordem dos Advogados do Brasil, com o Ministério Público, a Defensoria Pública, os diversos órgãos de representação da Magistratura, o próprio Ministério da Justiça, com o Congresso Nacional e com a Academia, em comunhão de ideais e espaço equânime para deliberação de problemas, expectativas, anseios e frustrações. A participação dessas entidades em longo e profundo debate se faz fundante para que qualquer alteração legislativa seja verdadeiramente democrática”, propõe.
E dá um último alerta: “ão há como fechar os olhos para o avanço das pesquisas, as experiências bem sucedidas de administração do sistema penal em outros países, fazendo-se necessário um olhar iluminado, voltado para as garantias ao cidadão e proteção do indivíduo, e não para o pensamento obscuro que apenas fortalece o despotismo e a tirania”.
“Em um país de desigualdade social e com graves problemas de segurança pública, é estarrecedor pensar que uma pessoa que decidiu por muitos anos a vida de brasileiros aja assim”. A afirmação é do professor Eduardo Xavier Lemos, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB), ao analisar o pacote anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro ao Congresso Nacional.
Esta semana que passou, o projeto do ex-juiz da Operação Lava Jato teve mais uma rodada de debates na Câmara dos Deputados. Trata-se de uma proposta extremamente polêmica que vem encontrando muita oposição por parte de renomados estudiosos sobre o tema. O professor Eduardo Lemos, que também é da Comissão Justiça e Paz da e membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília, afirma que a proposta de Sérgio Moro é “um documento autoritário, autocentrado e em descompasso com o Estado Democrático de Direito”.
“É importante reforçar o caráter ultrapunitivista da Lei Anticrime, sem negar o eventual respaldo sanguinário do senso comum, é a temperança e razão que se espera do Ministério da Justiça, e ao inverso do esperado, o ordenamento proposto vai à contramão do pensamento contemporâneo das ciências penais e é um sério agravante para um país que vive relevante crise econômica e significativos índices de encarceramento”, sentencia o professor. “Por esse sentido, avançar sob as reflexões de penas alternativas, o desencarceramento, o estímulo à mediação e alternativas para lidar com o conflito penal, são uma necessidade social e demonstram o grau de sapiência do administrador público”, acrescenta.
“De pronto, salta aos olhos que é um anteprojeto que causa significativas alterações ao ordenamento jurídico pátrio, que sequer tenha uma exposição de motivos para respaldar e esclarecer seu significado e justificativa, bem como os elementos técnicos, teóricos que norteiam o material que, caso aprovado, transformará profundamente a vida da população brasileira”, critica o professor Eduardo lemos.
Segundo ele, a proposta de Moro alterará substancialmente Código Penal brasileiro. “O texto equivocadamente clama para a estratégia normativa e ultrapunitivista, a partir do endurecimento da legislação penal e da diminuição das garantias processuais aos réus, soluções essas, que há tempos são demonstradas pela ciência penal como meramente populistas e inócuas para lidar com os conflitos sociais, servindo apenas para inflar o sistema carcerário e reforçar o ciclo da violência”, alerta o professor.
“O equivocado e mal redigido anteprojeto parte do pressuposto que a lei controlará a sociedade, sem avaliar os reflexos secundários que as alterações legislativas terão no cotidiano da sociedade brasileira e no dia a dia da Justiça do país, e assim, na ganância por punição desmedida, olvida-se da misericórdia e da redenção. Pergunte-se: haverá justiça na sede de vingança?”, indaga o professor.
De acordo com o professor Eduardo Lemos, a proposta de Sérgio Moro “transparece a intenção de oficializar eventuais ‘lacunas’ legislativas, à margem da legislação”, movido “por aquilo que cientificamente se denomina ativismo judicial”.
Outro ponto é que o pacote “procura oficializar os convênios, acordos e compartilhamento de provas entre órgãos investigativos nacionais e estrangeiros, não exigindo qualquer previsão em tratado internacional assinado pelo Brasil com a justiça conveniada ou qualquer formalização ou autenticação especial para o compartilhamento de tais informações, o que também causa estranheza, vez que é uma questão delicada e sigilosa da Operação Lava Jato”.
As propostas, alerta o professor, além de superdimensionar o Ministério Público, “autorizando a proposição de acordos de não investigação ou mesmo de aplicação imediata da pena pelo Parquet à defesa, a partir da confissão do delito pelo réu, o que ademais de fortalecer em demasia o órgão ministerial”, potencializa a arbitrariedade dos procuradores e promotores, “uma vez que o acordo poderá (e não deverá!), ser oferecido”. Esta situação, em um país de imensa desigualdade no acesso à Justiça, acrescenta Eduardo Lemos, “transformará o instrumento em acordos forçados com réus fragilizados sem a devida assistência de seu defensor, servindo o instrumento para, mais uma vez, favorecer os polos mais fortes da relação jurídica”.
O professor aponta ainda equívocos técnicos de redação no trecho do texto de Sérgio Moro que cria as polêmicas excludentes de punição penal. O alerta é em relação a expressões subjetivas como “medo” e “surpresa”, termos pouco técnicos e dúbios, “que empoderam a já hipertrofiada autoridade judiciária, possibilitando-a absolver ou condenar o cidadão em face da diferente experiência emocional vivida pelo magistrado”.
“No mesmo sentido causa profunda preocupação que as excludentes do medo, surpresa e violenta emoção, sirvam, para bem da verdade, como instrumentos que reforcem o preconceito e a perseguição de vulneráveis a partir da rotulação e da estigmatização social de raça e cor, orientação sexual, religião e gênero, gerando a impunidade sob a alcunha do receio, do espanto e da defesa da honra”, acrescenta.
Eduardo Lemos atenta ainda para a possibilidade de as alterações que Sérgio Moro pretende na legislação brasileira possa gerar “significativo conflito nos tribunais, gerando lentidão e tumulto no Poder Judiciário”. Isto porque “toda legislação criada no país deve acordar com posições pacificadas nas cortes superiores e, por esse sentido, a melhor técnica desaconselha que temas em dissonância com decisões recorrentes, sumuladas e por muitas décadas assentadas, sejam apresentados como nova legislação”.
O pacote também desrespeita o princípio da individualização das penas, previsto no artigo 5º da Constituição Federal, estabelecer o regime obrigatoriamente fechado em diversas situações, impondo o regime inicial fechado em outras e vedando as saídas temporárias aos aprisionados. “No mesmo caminho, propôs ao estabelecimento prisional federal um sistema de execução penal típico do Regime Disciplinar Diferenciado. Ocorre que o RDD tem limite temporal de 360 dias e somente ocorre em caso de falta grave, não havendo qualquer dispositivo legal que autorize o tratamento distinto para as pessoas encarceradas em prisão federal, o que levará tumulto às cortes brasileiras e tratamento desigual para cidadãos do mesmo país”, pontua.
A proposta do ministro da Justiça também é ambígua, aponta o professor, dando margem a interpretação do magistrado, o que sempre foi criticado pelo próprio Sérgio Moro quando juiz. “É possível perceber esse padrão legislativo quando do endurecimento do crime de resistência que passa para penas de seis a 30 anos quando causar risco de morte a autoridade, novamente hiperinflando o poder dos agentes do estado, que em regra tendem a reforçar o arbítrio estatal frente ao cidadão”, exemplifica.
“É importante reforçar que qualquer proposição de alteração processual penal sem profunda discussão com os atores processuais causará profundos danos no cotidiano dos tribunais brasileiros, pois a visão de um único agente não pode refletir a complexidade do sistema processual brasileiro”, acrescenta.
Por fim, o professor critica a falta de debate sobre o projeto de Moro. “Elaboração de uma melhor estratégia para o sistema penal brasileiro deve necessariamente passar por profundos debates com a sociedade civil organizada, com a Ordem dos Advogados do Brasil, com o Ministério Público, a Defensoria Pública, os diversos órgãos de representação da Magistratura, o próprio Ministério da Justiça, com o Congresso Nacional e com a Academia, em comunhão de ideais e espaço equânime para deliberação de problemas, expectativas, anseios e frustrações. A participação dessas entidades em longo e profundo debate se faz fundante para que qualquer alteração legislativa seja verdadeiramente democrática”, propõe.
E dá um último alerta: “ão há como fechar os olhos para o avanço das pesquisas, as experiências bem sucedidas de administração do sistema penal em outros países, fazendo-se necessário um olhar iluminado, voltado para as garantias ao cidadão e proteção do indivíduo, e não para o pensamento obscuro que apenas fortalece o despotismo e a tirania”.
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