Ensaio
apresentado no módulo “El Pluralismo Juridico hallado en la calle”,
ofertado pelo Professor José Geraldo de Sousa Júnior, no curso de
Especialização Internacional “Pluralismo Jurídico Igualitário y Descolonización”, do Instituto Internacional de Derecho y Sociedad –
IIDS.
Clarissa
Machado de Azevedo Vaz[1]
O
Brasil é palco de uma imensa dicotomia, ao mesmo tempo em que possui uma lei
(4.504/64) que institui e estabelece os procedimentos para a reforma agrária, também
possui o maior movimento de reivindicação de terras do mundo, o Movimento dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais sem Terra – MST. Essa é uma premissa
básica que se utiliza aqui, apenas para demonstrar o ponto de partida de nossa
análise.
O
que pressupõe a necessidade de uma legislação que institua a Reforma Agrária? A
divisão ou distribuição de terras de maneira que, possa se estabelecer o uso
racional da terra e, além disso, auxiliar no desenvolvimento econômico, da
região e da população. Porém, a legislação de 1964 não conseguiu (ou não tinha
esse objetivo) realizar a reforma agrária.
A
análise não se baseia na aplicação ou não da lei, mas em que circunstâncias e
quais forças políticas que engendraram a sua criação. Havia na época, a reivindicação
organizada por camponeses, para que a reforma agrária fosse realizada (Reforma
Agrária na Lei ou na Marra[2]) Porém,
não da mesma forma pela qual ela foi institucionalizada.
Com
o fim do golpe militar, na década de 1980, os camponeses voltam a reivindicar,
politicamente, seu direito a terra, havendo, inclusive, participação dessa
parcela da população na elaboração da Constituição Federal de 1988, que trouxe
ganhos substanciais, do ponto de vista constitucional, garantindo a
desapropriação para fins de reforma agrária no patamar de direito
constitucional.
Assim
a reforma agrária no Brasil desenvolve uma outra dinâmica, enquanto o Estado,
através da legislação e de sua burocratização, dificulta a realização da
distribuição de terras, o movimento social de luta pela terra (aqui
exemplificamos com o MST) desenvolve diversas formas de reivindicação, e, além
disso, ensina que, dentro da reivindicação por terras encontram – se diversos
direitos (novos Direitos) que não podem ser vistos de forma separada , pois
fazem parte da própria dimensão de cidadania dos sujeitos que ali estão. Nesse
sentido:
Os movimentos
sociais instauram um novo espaço público onde a sociedade passa a
ouvir suas mensagens e traduzir as reivindicações em tomada de
decisão política, sem com isso perder a autonomia conquistada no processo de
luta. Como já havia afirmado em outro livro (2001),
os movimentos sociais passam a adotar uma maneira de agir politicamente
criativa e transformadora com motivações culturais, permitindo assim que
as experiências psicológicas e culturais se tornem inovações culturais e
conflitos sociais. (SOUSA JUNIOR. 2011, p. 158).
Avançando
para a análise de O Direito Achado na Rua, o espaço político no qual se
desenvolvem as práticas sociais é a Rua, ou seja, os espaços de convivência e
de organização, como por exemplo nas assembleias populares, nas manifestações e
ocupações. Até mesmo, no trabalho do campo, no manuseio da terra.
Os
sujeitos envolvidos nesse projeto classificam-se como novos sujeitos sociais ou
novos sujeitos coletivos, ou ainda, “ali entendidas as expressões de sujeitos
que reivindicam novos direitos ou a efetivação daqueles já legalmente
instituídos”.
Para
melhor compreensão utilizamos a explicação dada por Marilena Chauí no prefácio
do livro de Eder Sader:
Por que sujeito
novo? Antes de mais nada – ela própria responde – porque criado pelos próprios
movimentos sociais no período: sua pratica os põe como sujeitos sem que
teorias previas os houvessem constituído ou designado. Em segundo lugar, porque
se trata de um sujeito coletivo e descentralizado, portanto, despojado das duas
marcas que caracterizam o advento da concepção burguesa da subjetividade: a
individualidade solipsisto ou monádica, como centro de onde partem ações livres
e responsáveis e o sujeito como consciência individual soberana, de onde
irradiam ideias e representações, postas como objeto, domináveis pelo
intelecto. O novo sujeito é social; são os movimentos populares em cujo
interior indivíduos, até então dispersos e privatizados, passam a definir-se a
cada efeito resultante das decisões e atividades realizadas. Em terceiro lugar,
porque é um sujeito que, embora coletivo, não se apresenta como portador da
universalidade definida a partir de uma organização determinada que operaria
como centro, vetor e telos das ações sociopolíticas e para a qual não haveria
propriamente sujeitos, mas objetos ou engrenagens da máquina organizadora.
Referido à Igreja, ao sindicato e às esquerdas, o novo sujeito neles não
encontra o velho centro, pois já não são centro organizadores no sentido
clássico e sim “instituições em crise” que experimentam “a crise sob a forma de
um deslocamento com seus públicos respectivos” precisando encontrar vias para
reatar relações com eles. (ACYPRESTE; BELLODULTRA; FERREIRA; PRATES. 2015, p.
134 – 135 apud CHAUÍ, SADER. 1995, p. 10 - 11).
Diferente
do que acontecia nos antigos sindicatos e associações, onde mantinham o
controle dos sujeitos e suas reivindicações centralizados, os novos sujeitos
sociais tornam-se protagonistas da própria história demonstrando serem
“potenciais criadores de novos direitos”.
A
partir dessa prática de novos sujeitos coletivos e novos movimentos sociais é
que se reflete, dialeticamente, as práticas criadoras de novos direitos, no
caso aqui analisado, o movimento dos trabalhadores e trabalhadoras
rurais sem-terra, o que se inicia com a necessidade de um pedaço de terra,
reivindicam e conquistam : 1. O direito de estudar em universidades públicas,
2. Cursos voltados para o campo, 3. Educação popular que considere a cultura e
as experiências de vida, 4. Soberania alimentar com o desenvolvimento da
agroecologia, 5. Prática de produção coletiva através das cooperativas e
associações, 6. Saúde pública, entre outros.
Concretamente,
uma pluralidade de necessidades e reivindicações, para além da necessidade
econômica, que se organizam coletivamente, estabelecendo relações solidarias e
que superam o caráter individual liberal desenvolvido na modernidade.
Desenvolvem um projeto político popular para a construção de uma sociedade mais
igualitária, menos opressora, “legitima organização social da liberdade”.
BIBLIOGRAFIA
SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Coord. O direito achado na rua: concepção e
prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.
___________. Direito
como Liberdade: o direito achado na rua. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Ed., 2011.
WEBGRAFIA:
VIA CAMPESINA:
https://viacampesina.org/es/quienes-somos/regiones/
MST: http://www.mst.org.br/quem-somos/#objectives
_____http://www.mst.org.br/2015/01/05/reforma-agraria-na-lei-ou-na-marra-ligas-camponesas-completam-60-anos.html
[1] Advogada Popular da ABRAPO.
Especialista e Mestre em Direito Agrário pela UFG. Doutoranda em Direito UnB.
[2] Palavra de ordem das Ligas
Camponesas, movimento de reivindicação de reforma agrária, surgiu em 1955 no
Estado de Pernambuco e foram extintas logo após o golpe militar de março de
1964 “conseguiram levar o camponês para a sala de estar da política nacional -
a reivindicação de reforma agrária conseguiu assento na agenda de prioridades
do Brasil e tornou-se o principal item das Reformas de Base idealizadas pelo
governo João Goulart”. (Disponível em:
http://www.mst.org.br/2015/01/05/reforma-agraria-na-lei-ou-na-marra-ligas-camponesas-completam-60-anos.html).
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