Agora que passou o
carnaval... (Cartas do Mondego)
Ludmila
Cerqueira Correia*
Coimbra, 12 de fevereiro de 2016.
Ao
contrário do calendário brasileiro, o mês de janeiro em Portugal é repleto de
atividades acadêmicas. Nosso recesso terminou no dia 6 de janeiro... e muitas
coisas aconteceram por aqui nesse período. Quero destacar algumas delas, por
estarem entrelaçadas e, de alguma forma, me remeterem a um dos lugares que se
tornou uma importante referência há muito tempo: O Direito Achado na Rua.
O
Primeiro Encontro da Seção Temática da Associação Portuguesa de Sociologia
“Sociologia do Direito e da Justiça”, que reuniu diversas pesquisadoras e
pesquisadores, além de outras pessoas interessadas durante dois dias, foi
marcado pela homenagem ao professor André-Jean Arnaud (falecido em
dezembro/2015), com as palavras dos professores Pierre Guibentif (IUL/ISCTE),
Adam Czarnota (IISJ) e Boaventura de Sousa Santos, tendo, ao final, a entrega
de um diploma do encontro em memória do mesmo à professora Wanda Capeller.
Em
seguida, houve a palestra do professor Boaventura de Sousa Santos, com o tema:
“Pode o Direito ser emancipatório? – revisitado”. A abordagem retomou um texto
dele de 1994, que também foi publicado em Vitória (ES), num livro da Faculdade
de Direito. A partir de algumas perguntas, o percurso escolhido incluiu a sua
pesquisa de Doutorado no Brasil, nos anos 70 (que cunhou a expressão “Direito
de Pasárgada”), uma menção aos estudos jurídicos críticos, a contribuição da
perspectiva sociológica para o estudo do direito, o debate em torno da
regulação e da emancipação social, até chegar às condições para o
direito ser emancipatório, com destaque para as ameaças atuais.
Durante
a sua apresentação, me chamaram a atenção as seguintes questões: o direito pode
ser um aliado das lutas sociais; a mobilização jurídica deve ser precedida de
mobilização política; na luta jurídica, busca-se a possibilidade de alterações
legislativas e interpretações das constituições conforme os direitos dos
oprimidos; o papel dos advogados e advogadas populares na mobilização das
causas populares; as concepções de direito que olham as classes populares e os
seus conhecimentos (ecologia de saberes jurídicos); e o olhar para as sociedades a partir daqueles
que não têm direitos, dos que estão excluídos.
Todas
essas questões estão presentes desde o princípio das discussões de O Direito
Achado na Rua, como pode ser observado nos sete volumes da série que leva o
mesmo nome, publicados desde 1987**, e, mais recentemente, resgatadas e
atualizadas no livro lançado em outubro/2015 no Brasil: “O Direito Achado na Rua:
concepção e prática”, sob a coordenação do professor José Geraldo de Sousa
Junior***. Além disso, também são questões que estão refletidas nas pesquisas
dos integrantes do nosso grupo de pesquisa, seja da graduação em Direito, dos
mestrados em Direito e em Direitos Humanos e do Doutorado em Direito (Universidade de Brasília).
Destaca-se,
ainda, no referido encontro, uma das sessões temáticas intitulada “Experiências
do Direito na Rua”, que oportunizou às pessoas que participaram naquela manhã
de sábado um bom debate, puxado, inicialmente, pela apresentação do trabalho “Exigências críticas para a assessoria jurídica popular:
contribuições de O Direito Achado na Rua”****, seguido de outra apresentação sobre o direito à cidade. A rua foi o ponto de ligação entre as apresentações e o
debate oportunizou o conhecimento sobre as pesquisas atuais do Grupo de
Pesquisa O Direito Achado na Rua, sobre as suas contribuições teórico-práticas e como estas têm tido repercussão dentro e fora do Brasil.
Por fim, outro evento ocorrido
ainda em janeiro e que dialogou com as questões acima foi o Seminário do DIJUS
– Diálogos Interdisciplinares sobre Direito e Justiça, com o tema: “Direitos
sociais: competências do legislativo e do judiciário”. Na oportunidade, dialoguei
com o magistrado brasileiro Diógenes Ribeiro e com o professor António Casimiro
Ferreira (FEUC/UC), focando na atuação dos movimentos sociais na
construção das políticas públicas de saúde mental no Brasil, na perspectiva de
O Direito Achado na Rua. Refletindo sobre a atuação do legislativo e do
judiciário, discuti a repercussão do primeiro caso em que o Brasil foi
condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o caso Damião Ximenes
Lopes, que envolve questões de ativismo jurídico transnacional, instrumentos e
mecanismos de garantia de direitos humanos e, sobretudo, a atuação dos movimentos
da Luta Antimanicomial no Brasil, que continua intensa.
E o que o carnaval tem a ver com isso?! O carnaval
acontece na rua, nos espaços públicos, “onde se dá a formação de sociabilidades
reinventadas”, como já lembrou o professor José Geraldo... ou, como refletido
na proposta de “epistomologia jurídica carnavalizada”, de Luis Alberto Warat, assim
seguimos... “eu quero é botar meu bloco na rua...”*****.
*
Ludmila Cerqueira Correia é advogada popular, extensionista e pesquisadora. Doutoranda
em Direito, Estado e Constituição no Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade de Brasília, integrante do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na
Rua, bolsista CAPES em estágio doutoral no Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra. Professora do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade
Federal da Paraíba e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e
Cidadania.
Integrante da RENAP e do IPDMS.
** Disponível em:
<http://odireitoachadonarua.blogspot.pt/p/publicacoes.html>.
*** Disponível em: <https://www.lumenjuris.com.br/product/o-direito-achado-na-rua-concepcao-e-pratica-2015/>
**** Trabalho em
co-autoria: Ludmila Cerqueira Correia, Antônio Sérgio Escrivão Filho e José
Geraldo de Sousa Junior.
***** Música de Sérgio Sampaio: <https://www.letras.mus.br/sergio-sampaio/236958/>
Lud, excelente! Obrigada por compartilhar conosco um pouco dessas vivências e experiências no além-mar. O ano começou agitado e é muito bom ver o DANR bem representado em terras portuguesas. Beijo grande!
ResponderExcluirObrigada, Lud! Muito bom poder acompanhar as experiências no CES através de suas percepções. Beijos.
ResponderExcluirQue bom, Érika e Ísis! Estamos juntas! Beijos.
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