O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

terça-feira, 27 de outubro de 2015

As pontes do arquipélago

Por Gustavo Barbosa*

Não há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino, disse Paulo Freire. Se o ato de ensinar corresponde ao processo mútuo de desvelamento do mundo entre educadores e educadoras e alunos e alunas, que ensinam ao passo que aprendem ao mesmo tempo que aprendem ao ensinar, o processo deixa de ter um mero caráter instrumental para, também, compartilhar da própria natureza-fim da prática da educação progressista e transformadora.   
Não por menos, Paulo Freire também afirma que ninguém educa ninguém, mas nos educamos uns aos outros mediatizados pelo mundo. Foi esta filosofia, azeitada por um admirável espírito de integração, que pude presenciar durante os dias em que tive contato com pesquisadores e pesquisadoras da linha de pesquisa “O Direito Achado na Rua” durante o IX Congresso da Rede Latino-Americana de Antropologia Jurídica (RELAJU) no início de outubro em Pirenópolis, Goiás.
Minha experiência numa pós-graduação se soma aos relatos de muitos amigos e amigas que integram programas de mestrado e doutorado nas mais diversas universidades do Brasil e do mundo. A concepção atomizada da pesquisa, onde impera absoluta a lógica do "cada um na sua", aparenta ser uma das mais comuns características que permeiam os programas de pós-graduação de hoje em dia. Um arquipélago formado por ilhas sem qualquer comunicação, reconhecendo-se tão somente enquanto nacos de terra à deriva ao invés de partes de um conjunto maior parece ser a metáfora que melhor contempla esse quadro, onde o contato se restringe a dúvidas acerca de prazos para a entrega de artigos e divisões das responsabilidades em seminários.
Tamanho foi o alento que tive ao presenciar uma dinâmica que vai totalmente de encontro a essa noção individualista de pesquisa, onde objetos de estudos se entrelaçam a experiências que se compartilham não apenas no sentido de conferir densidade acadêmica aos trabalhos, mas também de promover uma integração de vida, de propósitos comuns, de uma visão emancipatória e contra-hegemônica em um meio marcado por academicismos estéreis e visões estritamente abstratas e conservadoras do mundo. Aqui, senti outra máxima de Paulo Freire tomar forma: a do apelo emancipatório como produto tanto da ação como da reflexão, motores de uma integração que, pelo que pude presenciar, não se limita aos muros da faculdade.
Um arquipélago cujas ilhas se comunicam intensamente por pontes – utilizando-se da célebre metáfora de outro renomado educador, Rubem Alves - e por meio das quais transmitem-se não apenas conhecimentos, experiências e descobertas, mas a argamassa sob a qual se constroem relações que convergem numa visão de mundo que compreende que o caminho é longo, árduo e com o agravante de que, muito provavelmente, não se vislumbre em vida sequer o esboço das utopias comuns, mas que traz a certeza que a caminhada, definitivamente, será feita de mãos dadas.

*Gustavo Henrique Freire Barbosa é membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/RN, membro da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP), integrante do Instituto de Pesquisa e Estudos em Justiça e Cidadania (IPEJUC), participa do Programa Motyrum de Educação Popular em Direitos Humanos do curso de Direito da UFRN e é mestrando em Constituição e Garantia de Direitos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

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