Marcella Beatriz de Guimarães Carrasco**
Resenha do texto
“Sociologia Jurídica: condições sociais e possibilidades teóricas” de José
Geraldo de Sousa Junior
O texto “Sociologia
Jurídica: condições sociais e possibilidades teóricas” de José Geraldo de Sousa
Junior exprime um panorama sobre a atuação da Sociologia Jurídica, considerando
as dificuldades e oportunidades indicadas por diversos autores sobre o modo
como o âmbito social interage com o Direito, a partir de uma realidade de
transição paradigmática.
Émile Durkheim afirmava
que “é nas entranhas da sociedade que o direito se elabora”, indicando a
necessidade do estudante perceber a influência e pressão das necessidades
sociais sob o modo como o Direito se forma e transforma. É justamente a partir
desse foco nas condições sociais que o texto abre espaço para discussão sobre a
atuação da Sociologia Jurídica.
O autor expressa sua
preocupação acerca da existência da Sociologia Jurídica como sendo, ao mesmo
tempo, útil ao profissional do Direito e a seu teórico, a partir da elaboração
de modos de pensar e da orientação a práticas profissionais. É a coexistência
da utilidade prática com a cientificidade e tecnicismo.
Roberto Lyra Filho abonaum
processo de “autoinvestigação” realizada pelos atores que utilizam e estudam a
Sociologia Jurídica, que consiste em “compreender-se, reflexivamente, no
próprio ato de compreender, transitivamente, a realidade social”. Conceito
semelhante ao de Lyra Filho é a “autorreflexividade”, indicado por Boaventura
de Sousa Santos. Essas perspectivas indicam que a Sociologia Jurídica busca,
além de criticar objetos externos, ser objeto das próprias críticas. Como diz
Sousa Santos, “quer ser autocrítica enquanto produz a sua crítica”.
Para lograr um amplo
entendimento, é possível considerar os elementos anteriores e precursores da
Sociologia Jurídica, como as observações de filósofos e sociólogos apresentados
no texto: Aristóteles, Montesquieu, Comte, Marx, Weber e Durkheim. Ademais, é
exequível buscar a multidisciplinariedade na análise das ideias, bem como o uso
da imaginação e empatia para a devida interpretação, desenvolvimento e até
mesmo exposição das ideias para que se alcance melhores reflexões.
BistraApostolova considera também a arte, principalmente a literatura e o
cinema, como elemento que desenvolve a imaginação, e essa, por sua vez, “cria
condições para que as pessoas aprendam a se colocar no lugar do outro,
envolvendo-se com seus valores e problemas”. Essa técnica corrobora com uma
interpretação social abrangente, que não se limita na realidade de cada ser em
sua individualidade.
ElíasDíaz apresenta a
concepção de Sociologia Jurídica, em relação à sociologia geral, como a “análise
empírica das mútuas e recíprocas conexões existentes entre Direito e
sociedade”. Apesarda limitação do objeto da sociologia colocado por Durkheim
como sendo a “sociedade em si e não em qualquer de suas subunidades”, a
Sociologia Jurídica possui ainda objeto extremamente vasto, multidisciplinar e
mutável.André-Jean Arnaud e Maria José Fariñas Dulce apontam a dificuldade de
determinar um objeto específico para a Sociologia Jurídica considerando as
transições paradigmáticas. Tais autores relacionam a ideia de um projeto de uma
“sociologia jurídica renovada” para alcançar o objetivo de “compreensão tanto
da complexidade crescente dos sistemas jurídicos quanto de sua dinâmica social”.
Para Díaz há de fato um
processo de constituição e desenvolvimento da Sociologia Jurídica na
contemporaneidade. Ao indicar um processo de reconstrução metodológica e
refinamento conceitual, não mais considerando antecedentes e precursores da
sociologia como referência para tal processo, ele apresenta a existência de
“precedentes imperfeitos”. Esses se referem a um cenário antecedente no qual o
Direito era destacado como norma, havendo uma indistinção entre sociologia
jurídica e sociologismo jurídico antinormativista. Boaventura de Sousa Santos
salienta a existência de uma visão normativistasubstantivista do Direito sobre
o que se conhecia desde o século XIX, motivada por concepções jurídicas de
mundo que denotam o Direito como criador da sociedade; as relações dessa seriam
reduzidas apenas a relações jurídicas. O desenvolvimento do “direito vivo” e da
criação judicial do Direito poderiam oferecer condições sociais e
possibilidades teóricas que contribuem para a transição da visão normativista
para a análise do Direito centrada nos conflitos, e não nas normas.
Considerando o que foi
exposto, é claro perceber que a análise da sociedade ratifica a importância do
âmbito social no Direito. Não obstante, há problemas na relação entre o Direito
positivo e os fatos sociais. Para Roberto Lyra Filho, essa objeção deve-se à
antítese marcada pelo jusnaturalismo e juspositivismo, podendo se desvanecer a
partir da análise de processos histórico-sociais, introduzindo a ideia de uma
Sociologia Histórica.
Além desse artifício, existem
múltiplas propostas de renovação do campo sociojurídico, que colocam o Direito
em um contexto de globalização, pluralidade, informalidade e alternatividade.
Boaventura de Sousa Santos reporta-se a um processo de “repolitização global da
prática social” e “renovação da teoria democrática”, possibilitando uma
articulação entre democracia representativa e participativa. Esse processo
favoreceria o exercício de uma cidadania ativa, ou um “civismo ordinário”, como
mencionado por Patrick Pharo. A transição de certa visão normativista para uma
concepção processual, institucional e organizacional do Direito, como fora
apontado por Boaventura, é possível ao se considerar uma “reelaboração teórica
dos conceitos de juridicidade e de direito”, como visto por Eliane Junqueira.
Essa reelaboração corrobora com a desconstrução de imagens derivadas de um
dogmatismo tradicional precedente, e torna real o desenvolvimento de novas
condições sociais e teóricas que promovam reorientar o ensino jurídico com um
viés pluralista.
Saindo de uma
perspectiva formalista, a Sociologia Jurídica encara a trama social formada por
novos movimentos, caracterizando um dinamismo social formado por sujeitos
novos, coletivos e descentralizados (retomando a designação de Marilena Chauí).
Meu entendimento é de que o Direito, neste momento, passa a ser conjuntamente
fruto da sociedade, e não somente seu criador.O “Direito Achado na Rua”,
expressão criada por Lyra Filho e que denomina uma linha de pesquisa na
Universidade de Brasília, oportuniza o entendimento de que a rua, lugar
simbólico que representa a dinâmica social, portanto, é o intermédio no qual os
indivíduos percebem a capacidade de se relacionarem de maneira autônoma com o
Estado e o Direito, exercendo assim uma “cidadania ativa”.
Considerando
minha compreensão do texto e percepção pessoal, tal posicionamento da
Sociologia Jurídica é imprescindível para o Direito brasileiro. A autocrítica,
a meu ver, se afasta de um enfoque puramente sistemático ese aproxima de um
pensamento problemático, que pode proporcionara identificação das melhores
maneiras de atuação da Sociologia Jurídica, considerando diferentes métodos e
meios que se atualizem conforme o processo de transformação da realidade
social. Assim, a Sociologia Jurídica pode corroborar com possíveis mudanças no
Direito brasileiro em relação a uma realidade que antigamente não era sequer
cogitada, como os problemas envolvendo o uso da Internet.
Depreende-se, então, do
texto de José Geraldo, que apreender uma nova formulação do Direito, longe de
um dogmatismo tradicional e de certo formalismo estrito, a partir da
visualização do âmbito social, possibilita obter um olhar crítico aberto às
transições paradigmáticas e, consequentemente, propiciar melhorias ao Direito
tanto em um quadro acadêmico quanto em um quadro profissional.
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O ensaio objeto da resenha está publicado no livro com o mesmo título,
de José Geraldo de Sousa Junior, publicado por Sergio Fabris Editor,
Porto Alegre,2002, págs. 11-51.
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A autora é aluna do segundo período do curso de Direito da UnB e a
resenha foi elaborada como parte das atividades da disciplina Sociologia
Jurídica, incluída no segundo semestre do currículo do curso de Direito, da Faculdade de Direito da UnB.
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