O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

sábado, 30 de março de 2013

Lei Áurea 2013

Dois anos atrás o ex-ministro Delfim Netto quase foi mandado ao pelourinho para levar chibatadas, embora as tenha recebido verbalmente, por conta de um destempero também verbal que cometeu.
Destempero em que tinha muita razão, entende-se agora...
Durante uma entrevista na qual discorria sobre os avanços da economia brasileira e sobre a mudança do perfil do trabalhador e a reformatação do mercado de trabalho, ele disse algo mais ou menos assim: a empregada doméstica tal como nós conhecemos é um "animal em extinção"; quem teve, teve, quem não teve não terá mais.
Foi o que bastou para choverem protestos de sindicatos, ONGs, associações de empregados e para "especialistas" em geral caírem de pau no economista. Como assim comparar o nobre trabalhador do lar com um reles animal?
Ele chegou a ser notificado judicialmente a acabou desculpando-se publicamente.
Não deveria, pois estava basicamente certo.
Claro que referir-se a um trabalhador como animal, na expressão que foi usada, não é algo de bom tom, mas também nada que se deva levar ao pé da letra --mesmo porque somos todos animais, alguns até razoavelmente racionais...
O que importava ali, dentro da análise que estava sendo feita, era o contexto, e o contexto estava absolutamente correto: a empregada doméstica tipo casa-grande-e-senzala, aquela pessoa "quase da família" disponível 24 horas por dia, aquela mocinha do interior que a gente ajuda e que nos faz de um tudo, já era, acabou, foi-se, viu, madame?
As muitas e absurdas reações ao Projeto de Emenda Constitucional que amplia e garante os direitos dos trabalhadores domésticos dentro apenas daquilo que é justo e básico mostra bem que a expressão infeliz do ministro refletia o que pensam muitas "patroas" que não se conformam em perder a mamata colonial de que desfrutam em pleno século 21. Quem vai pegar o cocô do cachorrinho agora?!
Como diria a Barbara Gancia, dou um picolé de limão a quem não conheça ao menos uma família abastada que não disponha de uma escravinha do lar, uma mucama de mesa e banho, um ser qualquer cuja existência justifica-se, a estes patrões senhores de engenho, apenas por sua capacidade de servir. Servir bem, a qualquer hora e sem dar um pio.
Acabou a mamata, portanto.
E que fique claro que, para as pessoas de bem que sempre fizeram questão de tratar digna e corretamente suas assistentes, a PEC das empregadas vai significar apenas e tão somente algo em torno de 11% a mais de despesa. Ou seja, nada que não possa ser contornado com planejamento ou boa vontade.
Vai dar trabalho? Vai. Vai ter gente demitida? Vai, mas o mercado se reorganiza rapidamente. Vai ser uma tragédia? Não!
Ah, sim, vai haver bastante desconforto para quem gosta do chazinho na cama pela manhã bem cedo e quer sempre a mesma temperatura da água do escalda pé no fim da noite. Há de se pagar por isso viu?
No mais, bem-vindas ao século 21 trabalhadoras do lar!
Luiz Caversan Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos "Cotidiano", "Ilustrada" e "Dinheiro", entre outras funções. Escreve aos sábados no site da Folha.

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