O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

sábado, 29 de setembro de 2012

Parecer da Profa. Nair Bicalho ao Conselho Universitário da UnB para a indicação do Prof. Roberto Aguiar ao título de Professor Emérito da UnB


UnBDoc nº 89012/2012
Indicação do professor Roberto Armando Ramos de Aguiar para o título de Professor Emérito

Parecer ao Consuni

         A Faculdade de Direito da UnB aprovou por unanimidade em reunião de seu Conselho realizada em 26/06/2012 conforme ata anexada, proposta de outorga do título de Professor Emérito previsto no Estatuto da Universidade de Brasília ao professor aposentado ROBERTO ARMANDO RAMOS DE AGUIAR.

         A proposição originária foi encaminhada pelo Programa de Educação Tutorial – PET, pelo Grupo de Pesquisa Movimento Direito e pelo professor Alexandre Bernardino Costa, todos da Faculdade de Direito e veio consubstanciada em mensagem e memorial adequadamente formulados.

         Na mensagem, seus subscritores concluem por designar o professor indicado como “ilustre jurista brasileiro que nos apresenta um legado na área acadêmica, jurídica, filosófica, social, política e cultural de repercussão em todo o Brasil e em tantos outros países”.

         O memorial distribui em 52 páginas, um sumário que compreende a história de vida, a filosofia do pensamento, a formação acadêmica, a experiência profissional, a produção científica, as publicações, as entidades a que pertence e a participação em congressos, encontros e simpósios. Trata-se de um amplo e denso percurso, respeitável no campo universitário e na esfera pública, com grande projeção em seus múltiplos aspectos.

         O parecer que sintetiza o acolhimento pelo Conselho da Faculdade quando deliberou sobre a indicação, foi elaborado pelo professor Menelick de Carvalho Netto e oferece o núcleo essencial para o reconhecimento da concessão do título. Salienta esse parecer:
         Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1975), Pós-Doutor pela Yale University (1979), Professor Titular de Filosofia do Direito da Universidade Federal do Pará, com intensa atuação no ensino de graduação e de pós-graduação em Direito no Brasil, a alimentar a sua significativa produção teórica, o jus-filósofo Roberto Aguiar, a convite do Reitor Antônio Ibañez, assume em 1989 a Procuradoria Geral da UnB. Passa então a atuar concomitantemente como professor do Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais, transferindo-se depois para a Faculdade de Direito como Professor Titular de Filosofia do Direito.
         Como se vê do memorial apresentado, a destacada atuação do jusfilósofo nas searas do ensino, da pesquisa e da extensão, na Graduação e na Pós-Graduação, na UnB e mesmo fora dela, após a sua aposentadoria, precisamente por haver encarado a Filosofia do Direito como a exigência do compromisso de enfrentamento consistente e profundo dos desafios concretos postos pela complexidade do cotidiano, recomendou que a escolha do Conselho Universitário, no momento da maior crise vivenciada pela instituição e que culminou com a renúncia do então Reitor, recaísse sobre o seu nome para assumir a condução da Universidade na condição de Reitor pro-tempore.
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         O Prof. Roberto Aguiar é uma daquelas pessoas únicas, que conseguiram manter-se coerente com os seus ideais ao longo de toda a vida, perpassada de coragem para agir, permeada de sensibilidade para perceber o outro e atuar na defesa dos que dele necessitaram, sem jamais perder de vista o seu compromisso com a redução das desigualdades sociais”.

         Conforme preceituam o Estatuto e o Regimento Geral da UnB, o título de Professor Emérito é concedido pela Universidade de Brasília ao docente, aposentado na universidade, que tenha alcançado uma posição eminente em atividades universitárias. Restringindo apenas a esse âmbito a biografia do professor indicado, isto é, deixando de lado toda a sua trajetória política e social que lhe granjeou notabilidade e reconhecimento nacionais, a sua carreira universitária tem alto relevo e é marcada por registros anteriores e posteriores à sua carreira na UnB, assim como em outras instituições no país e no estrangeiro, como acadêmico, dirigente e pesquisador visitante, incluindo sua passagem pela UNESCO quando, a partir de Paris, representou o organismo das Nações Unidas em países da África.

         Na UnB, a culminância de sua atuação se deu com a sua indicação, pelo Conselho Universitário, para exercer a função de Reitor pro-tempore em 2008, cargo para o qual, em seguida à indicação, foi nomeado pelo Ministro da Educação. Só essa distinção, que lhe permite figurar na galeria de ex-reitores da universidade, já bastaria para caracterizar o perfil, conforme a previsão estatutária para reconhecimento como professor emérito.

         Na universidade, antes disso, alcançou a mais alta posição na carreira, professor titular, em razão de concurso, mas também graças a um currículo no qual pontuam todos os requisitos do universo indissociável do ensino, da pesquisa e da extensão, sintetizados em produção relevantíssima, de grande acolhimento editorial, incluindo prêmios que consagraram alguns de seus títulos.

         Com trajetória militante acadêmica, publicou em 1980 seu primeiro livro Direito, poder e opressão ( S. Paulo: Alfa-Ômega) onde apresenta uma nova concepção do direito “sempre parcial por conter a ideologia do poder legiferante” e elabora uma crítica  da “simbiose oficial entre o saber teórico e o saber burocrático”. Em 1982 editou seu segundo livro O que é justiça: uma abordagem dialética (S. Paulo: Alfa Ômega), onde denuncia o caráter opressor da justiça nas mãos das elites em relação às classes populares.

         Em 1985 recebeu o prêmio Alceu Amoroso Lima da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de S. Paulo pelo ensaio publicado em 1983, “LSN – a lei da insegurança popular”. Em 1986 publica novo livro Os militares e a Constituinte ( S. Paulo: Alfa-Ômega), além de diversos ensaios e artigos sobre o tema.

         Em 1991 lançou A crise da advocacia no Brasil (S. Paulo, Alfa-Ômega, ), onde realiza uma reflexão entre direito, ciência e tecnologia e afirma que o “ Direito é uma expressão de um processo que faz do advogado um sujeito partícipe de sua criação, na medida em que ele representa interesses, expectativas e projetos de grupos sociais e de coletividades emergentes. O advogado é um explicitador de direitos”.

         Nos anos seguintes o professor Roberto Aguiar se dedicou à publicação de ensaios e artigos sobre os temas da justiça, da ética, da bioética, da cidadania e dos direitos humanos. Em 2000, publica Os filhos da flecha do tempo: pertinência e rupturas (Brasília: Letraviva), um marco teórico fundamental na sua trajetória de jurista e filósofo. Além de refletir sobre a opressão, as repressões, as violências (“estranhamento do outro”) e desigualdades presentes no mundo contemporâneo, ele propõe a constituição de um ser integral : “Os entes sociais , para viver em liberdade, necessitam ser unos e plurais (...) Só as convivências da unidade na variedade, da totalidade com as diferenças poderá construir sistemas unos, porém dinâmicos e mutáveis, e manter seu sentido de complexidade e possibilidade de saltos para patamares mais avançados de ser”.

         Como síntese de sua postura acadêmica comprometida com a história e a sociedade brasileira, cabe lembrar suas palavras em entrevista concedida à SECOM/UnB: “Sempre fui estimulado pela prática. A teoria para mim só tem significado se estou com o pé na história. Nós , intelectuais, devemos contribuir para a solução dos problemas do Brasil”.

 Como gestor na UnB, além da direção da Procuradoria Jurídica, antes de essa se integrar ao sistema da advocacia pública, foi coordenador do NEP -Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos (1992/1993) e diretor do CEAM- Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares em  1993/1994. Atualmente, integra o Conselho Editorial da Editora da UnB e preside a recém-criada Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB, para a qual traz a sua experiência como ex-integrante da Comissão Nacional de Anistia.

Como gestor público, exerceu o cargo de dirigente da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro ( 2002), ano que recebeu o título de Cidadão do Estado do Rio de Janeiro e também dirigiu a Secretaria de Segurança Pública do D. F. de 1996 a 1998. Ao nível da sociedade civil, foi membro da Comissão de Ciência e Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil entre 1992 e 1994 e membro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça de 2003 a 2004.

         A indicação, pela Faculdade de Direito, do professor Aguiar para receber a outorga do título de Professor Emérito, feita no ano do jubileu da universidade, confere à distinção um modo singular de marcar também o cinqüentenário de uma unidade acadêmica, a cujos mestres incumbiu-se proferir as primeiras aulas maiores da nova instituição (Ministros Hermes Lima e Victor Nunes Leal).

         Meu parecer é, assim, pela concessão do título de Professor Emérito ao professor  Roberto Armando Ramos de Aguiar.



                                   Professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa
                                        Conselheira-Relatora do CONSUNI
        
        

Parecer da Prof. Nair Bicalho ao Conselho Universitário para a concessão de título de Professor Emérito ao Professor José Carlos Córdova Coutinho


UnB/Doc nº 194/2012
Indicação do professor José Carlos Córdova Coutinho para título de Professor Emérito

Parecer ao Consuni

         A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB decidiu indicar para outorga do título de professor emérito, após análise e deliberação favorável de seu Conselho, conforme reunião nº 328, realizada em 12/07/2012, o professor aposentado JOSÉ CARLOS CÓRDOVA COUTINHO.

         A proposição original, assinada pelos professores Benny Schvasberg, Elane Peixoto e Márcio Buson, apóia-se no estatuto e regimento da universidade, arts. 66 e 174, fundamentando a proposta em justificativa cuja síntese transcrevo:
         “O Professor Coutinho ingressou na UnB em 1968. Após esta data realizou estudos de pós-graduação no exterior, retornando ao Brasil para o desenvolvimento de atividades docentes na graduação e na pós-graduação do curso de arquitetura e urbanismo, somente encerrados após 37 anos de casa, mediante sua aposentadoria compulsória, em 2005. Ao longo de sua carreira acadêmica o Professor Coutinho teve profícua atuação docente e em órgãos e instâncias da Universidade, assim como fora dela, em instituições profissionais e organismos de representação pública ligados à Arquitetura e ao Urbanismo, às Artes e à Cultura. Em particular, destacamos seu papel como um permanente ativista e militante da cidade de Brasília, contribuindo há mais de quatro décadas como um intelectual crítico, independente e propositivo, para o aprofundamento e a qualificação do debate sobre Brasília, sua preservação como Patrimônio Cultural da Humanidade, e contribuindo para traçar os rumos do seu desenvolvimento urbano e territorial”.

         O exame do memorial descritivo que acompanha a proposição, traduz bem o que ali se expressa como “trajetória acadêmica e intelectual e atuação profissional e cidadã”. Desse memorial se vê que o professor Coutinho, vindo a integrar os quadros da UnB a partir de 1968, forma parte do grupo de reconstrução da universidade após a diáspora de 1965, tão bem descrita por Roberto Salmeron em seu livro A universidade interrompida  (Brasília, ed. UnB, 2ª. edição, 2012). Como tal, ele integra o núcleo crítico de retomada do projeto da UnB, apesar do vigor fortemente restritivo do grupo interventor, apoiado no modelo de segurança derivado do AI-5 e de sua expressão universitária, o Decreto-lei nº 477.
         Tendo assumido, nesse período a direção do Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, então ainda vinculada ao Instituto de Artes, passou a ser o diretor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo quando este se tornou autônomo.

         Em tempos difíceis, de autoritarismo cruento, o professor Coutinho enquanto contribuía para o trabalho de reconstrução de sua unidade e da UnB o fez de modo a preservar a integridade de seu comprometimento com a resistência democrática, na universidade e na cidade. Conforme anotam os autores do memorial:
         “Cabe destacar que, ao longo dos anos de vigência do regime militar, especialmente quando o obscurantismo e a perseguição política e ideológica abateram-se sobre a UnB, o Prof. Coutinho manteve uma postura clara e firme em defesa das liberdades democráticas, sendo sempre uma referência solidária e intransigente no repúdio a toda e qualquer prática autoritária, tanto no ambiente universitário como, mais amplamente, no âmbito das sociedades brasileira e latino-americana em geral”.

         Em depoimento para fundamentar a proposta, o professor Marco Antonio Rodrigues Dias que foi vice-reitor da UnB entre 1976 e 1980, tornando-se depois Diretor da Divisão de Ensino Superior da UNESCO, em Paris, até se aposentar em 1999, confirma o papel desempenhado pelo professor Coutinho. E o faz também para por em relevo a sua atitude na crise de 1977, em que greve estudantil resultou na expulsão de mais de 30 alunos, que só foram reintegrados por posterior decisão judicial, uma vez que no Conselho Universitário somente duas vozes se opuseram ao ato de expulsão adotado com base no DL 477: a do próprio Marco Antonio Dias e a do professor Coutinho.

         Vale transcrever esta parte do depoimento mencionado:
         É difícil de se analisar uma atitude como a do Professor Coutinho, hoje, passados 35 anos. Na época, era necessária uma grande força de convicção e uma coragem a toda a prova para se opor ao que estava impondo a administração da Universidade. A prova é que apenas um tomou a atitude de enfrentar as pressões. Os demais, ou eram favoráveis a uma repressão cega, ou não encontraram força para reagir à pressão que sobre eles se fazia e à violência institucional imposta aos jovens estudantes. O professor Coutinho, que liderava um grupo de professores competentes e inovadores, que dirigia uma unidade que se destacava pela excelência do ensino ministrado e pela visão social dos membros que compunham sua comunidade e ainda pela qualidade dos trabalhos de pesquisa sobre novas formas ali realizadas, foi capaz de se posicionar segundo sua consciência. Era um grande acadêmico na sala de aula, um bom gestor da unidade acadêmica a ele entregue, e um professor capaz de defender os princípios humanistas e os ideais universitários nas condições as mais difíceis. Um exemplo para a comunidade acadêmica”.

Este episódio está registrado no livro Sonho e realidade:  o movimento docente na Universidade de Brasília 1977-1985 . Publicado em 1994 pela Adunb, o livro conta a história da fundação da entidade numa conjuntura de afirmação democrática da liberdade de cátedra e de organização profissional dos professores e de defesa da própria UnB ainda sob forte intervenção. A narrativa reafirma a participação do professor Coutinho mas faz mais do que isso. No capítulo Nasce o Conselho Universitário da UnB mostra que esse colegiado, previsto no estatuto mas não instalado, foi formado então para as circunstâncias descritas de cumprir requisito legal de fundamentação do ato do reitor, expulsando os estudantes e de modo muito submisso àquela autoridade investida de poderes derivados dos atos de exceção do governo ditatorial. A coragem e a independência do professor Coutinho, naquela ocasião altiva e solitária, assinalaram contudo, o que viria ser no futuro, que é o presente do colegiado máximo desta universidade, o órgão soberano, plural e plenamente deliberativo da instituição.

O memorial descreve ainda outras atribuições desempenhadas pelo professor Coutinho na universidade e indica a produção mais relevante do professor. Além disso, traça a sua trajetória fora da universidade. Com efeito, segundo o memorial “De forma simultânea e complementar a sua trajetória no âmbito acadêmico, o Prof. Coutinho ofereceu inúmeras contribuições externas à Universidade de Brasília. Atuou na esfera do governo federal como membro da Comissão de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (CEAU) do DAU/MEC entre 1973 e 1979 e na esfera do Governo do Distrito Federal, como membro dos Conselhos de Cultura entre 1990 e 1992 e de Educação entre 1996 e 1998. Cabe ressaltar o papel do Prof. Coutinho como liderança da categoria profissional dos arquitetos de Brasília (IAB/DF), durante o período de 1982 a 1984. Nesta esfera de atuação, participou da Coordenação do Programa Educativo da Bienal de Arquitetura de Brasília em 2002, foi membro do júri do Prêmio Rodrigo Mello Franco outorgado pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 2006 e representou Brasília no Simpósio sobre Cidades Contemporâneas em Le Havre, França, em 2007”.

O professor José Carlos Córdova Coutinho é reconhecidamente um dos mais destacados intérpretes do projeto urbanístico de Brasília na sua expressão social e cultural. Neste aspecto, aliás, é uma referência, sendo invariavelmente apresentado como um árbitro para a definição dos princípios e valores que fundamentam os discursos interpretativos sobre a cidade.

Notável, nesse sentido, é a percepção que trouxe da dimensão política que deveria balizar o plano orientador da cidade. Segundo Coutinho (Polis, aos 30. Brasília na Constituinte, Jornal de Brasília, 15/11/87, Caderno Especial Brasília), “era intenção explícita do autor de seu plano que Brasília, além de uma moderna urbs, no seu sentido mais pragmático e funcional, fosse também uma bela e monumental civitas, digna de sua condição de capital nacional. Esta dupla exigência estaria, segundo Lúcio Costa, atendida pelas características de seu plano vencedor. Mas havia uma outra exigência que não poderia se conter nos limites técnicos ou estéticos de um plano urbanístico, nem poderia ser alcançada através da outorga de qualquer ato de vontade oficial. Era a exigência de que Brasília, além de uma urbs e de uma civitas, fosse também uma polis. Esta terceira condição só poderia ser conquistada por sua população, quando se tornasse numérica e qualitativamente significativa, maturando suas formas de organização social e desenvolvendo meios próprios que lhe permitissem enfrentar a árdua prática de sua luta cotidiana, apropriando-se da urbs e da civitas, para acrescentar-lhe, finalmente, a dimensão da polis”.

O que se apresenta como síntese da trajetória e da biografia do professor Coutinho é o que se expressa na apresentação dos proponentes do título: “exemplo de conduta acadêmica, ética e cidadã”, perfil que diz bem, para todos que o conhecem, como efetivamente é reconhecido esse notável professor da UnB.

Aposentado por implemento de idade, continua a oferecer destacadamente sua contribuição à cidade e a UnB. Na universidade, depois de integrar a Comissão UnB nos 50 anos de Brasília, é membro muito ativo atualmente do Conselho Editorial da Editora UnB e da Comissão UnB 50 anos.

Conforme preceituam o Estatuto e o Regimento Geral da UnB, o título de Professor Emérito é concedido pela Universidade de Brasília (UnB) ao docente, aposentado na universidade, que tenha alcançado uma posição eminente em atividades universitárias. O professor José Carlos Córdova Coutinho detém, em sua plenitude, os requisitos que o habilitam a receber essa honraria.


O meu parecer é, pois, pela concessão do título de Professor Emérito ao professor José Carlos Córdova Coutinho.



                Professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa
                    Conselheira Relatora do CONSUNI

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O que é o movimento waratiano?

De Rafael Zanatta, mestrando em Sociologia Jurídica na USP.

http://rafazanatta.blogspot.com.br/2012/09/o-que-e-o-movimento-waratiano.html

O que é o movimento waratiano?

Luis Alberto Warat infelizmente ainda é um jurista muito pouco estudado no Brasil. Uma pena. Na opinião do português Boaventura de Sousa Santos (este sim, muito lido na sociologia jurídica), quem não conhece Warat sabe muito pouco sobre filosofia jurídica latino-americana, que vai muito além do mistificado Miguel Reale. Independentemente da qualidade ou sofisticação teórica produzida pelo pensador argentino, falecido em dezembro de 2010, o fato é que Warat, portenho que optou viver no Brasil e dedicar-se à estruturação da pós-graduação em Direito no país, produziu obras importantes sobre filosofia do direito, a relação entre direito e arte e formas mais humanas de solução de conflitos, como a mediação, "capaz de produzir devires de sensibilidade", como ele mesmo dizia.
É difícil dar um rol completo de temáticas da produção de Warat, visto que o autor flertava com diversas áreas e pensadores transgressores, em especial os franceses. Nas palavras de Jorge Fontoura (Instituto Rio Branco), "Warat foi um iconoclasta lúdico que transcendeu os limites da leitura jurídica tradicional. Sob as vestes de professor de filosofia do direito, versava semiótica, antropologia, sociologia e psicanálise, para um alunado extasiado diante de tanta sabença e novidade". Difícil discordar de Fontoura. Os títulos das obras de Warat deixam claro essa versatilidade de suas áreas de pesquisa, sempre em transformação.

Warat não foi um teórico, mas sim um errante. Talvez não haja uma "teoria waratiana", mas sim uma "postura waratiana" de enxergar e criticar o racionalismo científico e o positivismo jurídico, em especial o senso comum teórico dos juristas, em defesa de uma gramática dos desejos e da liberdade intelectual. Como legado, Warat não deixa uma obra sistematizada, mas sim os impactos de seus textos e aulas na Universidade Federal de Santa Catarina, na Universidade de Brasília, na Universidade Federal de Santa Maria e na Universidade Federal do Paraná, locais que teve mais influência. Ao contrário de muitos pares, que também eram juristas práticos (advogados, juízes, promotores, etc), Warat dedicou-se integralmente à pesquisa (inicialmente à compreensão e crítica do pensamento kelseniano) e à docência. Foi um legítimo acadêmico latino-americano, mas de postura rebelde. Como ressaltou Fontoura, "professor dentro e fora da aula, [Warat] considerava o ensino pacto essencial de liberdade, indissociável do livre-arbítrio. Por isso não fez concessões, rasgou os programas e ensinou o que quis, confiando no discernimento privilegiado e na capacidade dos que o escutavam".

No ambiente acadêmico-jurídico brasileiro do século XX, Warat ficou conhecido por ter fundado a Associação Latino-americana de Metodologia do Ensino do Direito (Almed) na década de 1970. A associação tinha como objetivo, entre outros, a "reformulação das bases epistemológicas da produção do conhecimento na área do direito, considerado como fetichizante". A Almed foi responsável pela realização das "Jornadas Latino-americanas de Metodologia do Ensino do Direito", que, em 1981 no Rio de Janeiro, na sua sexta edição, promoveu um encontro com juristas estrangeiros de orientação crítica, entre eles Antoine Jeammaud e Michel Miaille, autor do livro Une Introduction Critique au Droit (1976). Warat foi reponsável por introduzir Carlos Alberto Platino e José Ribas Vieira a Jeammaud e Miaille, que orientaram os juristas brasileiros em estudos de pós-graduação na França. O próprio Warat, em 1982, realizou uma turnê acadêmica em Montpellier, Lyon, Grenoble, Paris, Sant-Etienne e Nice. No mesmo ano, a revista Procès, referência do movimento crítico francês, publicou uma edição especial dedicada à abordagem crítica do direito na América Latina. Nesta edição, foi publicado o clássico texto "Saber Crítico e Senso Comum Teórico dos Juristas", reprisado na revista Sequência da UFSC. Na opinião de Roberto Fragoso, Warat é o elo entre o movimento Critique du Droit, cujo objetivo consistia em fazer uma leitura do direito fundada no materialismo histórico dialético de forma a inserir o direito em uma teoria da produção da vida social, e algumas "escolas críticas" no direito brasileiro (cf. o excelente artigo 'O movimento Critique du Droit e seu impacto no Brasil').

Mas Warat não se prendeu à orientação crítica de inspiração francesa. Como sustenta Fragoso, após diagnosticar que a crítica que se fecha em um marco teórico específico termina em um beco sem saída, Warat "dialoga com a psicanálise e com o surrealismo, convencido de que este último lhe possibilita a construção de uma nova visão sobre o direito, uma visão que ele reputa emancipatória". Em 1988, o jurista argentino anunciou o seu "Manifesto do Surrealismo Jurídico" e aprofundou as reestruturações da grade da pós-graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (ajudando a criar novas disciplinas como Lingüística e Teoria da Argumentação, Epistemologia Jurídica, Direito e Ecologia Política, Direito Ambiental, Direito Sanitário, Pesquisas em Direito e Psicanálise, Teoria Jurídica Contemporânea, Pesquisa em Filoestética e Direito). O espírito reflexivo e inovador da UFSC é declarado por Luis Alberto Warat, em um texto de 1992 intitulado Mal-Estares de um Final de Milênio, no qual ele afirma: "Ser inovador significa, basicamente, tentar interpretar e avaliar o novo, sem atenuar nem suprimir sua pluralidade. Acredito que somos o único curso de pós-graduação em direito tão abertamente direcionado para o novo. O novo e o interdisciplinar formam parte de nosso capital permanente, é - dir-se-ia - nosso mandato institucional".

Warat embarcou então em uma antropofagia interdisciplinar (para-além do discurso acadêmico, pois voltado também à literatura), mesclando Julio Cortázar com Giles Deleuze & Félix Guattari, Milan Kundera com Michel Foucault, Jean Baudrillard com "um marxismo capaz de redefinir-se aceitando o amor e o desejo como dimensões políticas", pois o marxismo, num excesso economicista como alegam Deleuze e Guattari, não atentou para as razões do desejo na constituição da realidade. Na década de 1990, Warat definiu uma nova proposta, a Filoestética, isto é, o amor simultâneo pela filosofia e pela poética. Em resumo, "uma filosofia carente de homogeneidade, que renuncie a fazer o elogio das certezas, que abandone os claustros universitários para ir ganhando a rua, que se vá definindo pelas singularidades que atravessa e que terá inumeráveis pontos de enfrentamento, núcleos duros de instabilidade. Uma filosofia da praça pública que tente encontrar seus fundamentos, precisamente nos lugares que foram excluídos pelos controles metódicos do modelo filosófico das certezas. Uma filosofia que para transitar na rua terá que relativizar o rigor de seus discursos incorporando a estética como meio de expressão, a psicanálise como estratégia de interpretação, a cartografia (no lugar da teoria) como produto (em permanente processo de recriação) e a criatividade como destino: verdades carnavalizadas, fora do lugar instituído, para elas, pela mentalidade cientificista".

O desafio proposto por Warat era o de aproximar a filosofia acadêmica da filosofia espontânea da quotidianidade: "Sustento o valor de uma filosofia que troque a contemplação pela criatividade, que substitua um modelo abstrato por uma permanente observação inaugural; uma filosofia que olhe as coisas do mundo como se fosse pela primeira vez, num permanente retorno de um olhar inicial. Um olhar intempestivo (como diria Nietzsche), sem os fantasmas da antecipação materna. O olhar criativo. O olhar que, acredito, unicamente pode ser alcançado através da estética", escreveu ele há 20 anos.

Entre 1982 e 1992, Luis Alberto Warat deu uma enorme guinada, passando da crítica ao senso comum teórico à filoestética, incluindo neste trajeto manifestos pela "carnavalização do direito" e pelo "surrealismo jurídico". O risco que o jurista correu foi grande. Ao se virar contra o racionalismo aplicado à filosofia e o direito, foi ignorado pelos círculos acadêmicos, sempre preocupados com a temática dominante. "Graças a esta postura docente fui condenado pela tribo dos lógicos, estereotipado como um professor em eterna dependência do delírio. E poderiam dizer agora que o delírio - e não por minha causa - ameaça converter-se em epidemia", afirmou Warat.

Mas Warat foi precavido. Ao invés de esperar o reconhecimento de seus pares, tratou de estruturar, por conta própria, um espaço para divulgação de sua radical proposta filoestética. Trata-se do movimento "Casa Warat", originalmente criado em Buenos Aires e pensado como uma rede de casas de reflexão, sem estrutura organizacional ou hierarquia. A trajetória da "Casa Warat" é contada por dois de seus membros, Eduardo Rocha e Marcia Puydinger de Fazio: "nos últimos anos de sua vida, Luis Alberto Warat dedicou-se à construção do Movimento Casa Warat, uma rede de “casas”, ou seja, lugares de acolhimento, que funcionam autonomamente, mas integradas, constituindo um rizoma. São responsáveis por desenvolver ações de acordo com sua proposta, o neosurrealismo. Procura-se questionar o espaço acadêmico por meio da carnavalização, para isso utiliza-se de estratégias como os saraus surrealistas; os cafés filosóficos; encontros de literatura e cinema; o estudo sistemático de autores que fundamentam a proposta: Onfray, Bauman, Foucault, Barthes, Bakhtin, Maffesoli e outros. Atualmente, há três Casas em funcionamento, em Goiás, vinculada à Universidade Federal de Goiás, Campus Cidade de Goiás; em São Paulo, composta por estudantes da graduação e pós-graduação, mestrado e doutorado, de Direito da USP; e em Buenos Aires, sem vínculos com nenhuma instituição de ensino".


A proposta da Casa Warat não está centrada no estudo do direito, na produção normativa ou na formulação e aplicação das leis, mas "propõe-se a trabalhar com a subjetividade do jurista". As questões levantadas por Rocha e Fazio, inspiradas pela biopolítica foucaultiana, indagam o modo como os juristas pensam o fenômeno jurídico, ignorando a questão da subjetividade: "As leis, antes mesmo da sua aplicação, já se realizaram nos corpos daqueles que a submetem e foram submetidos por elas. Então, por que continuamos pensando os macro-efeitos, as macro-produções legais, sem discutir os efeitos biopolíticos? Por que as teorias política, filosófica e jurídica descartam essa dimensão de suas análises? Por que esquecemos a estrutura de poder que molda os corpos, e criticamos apenas sua dimensão pública? Por que a categoria subjetividade passa a largo das discussões jurídicas? (...) O que é a subjetividade? Como ela se relaciona com os diversos campos do conhecimento? Como ela é moldada e oferece resistência aos fenômenos do poder? Essas são algumas indagações que devem ser enfrentadas".

O manifesto dos novos waratianos é apaixonado, em defesa da transgressão. No texto explicativo sobre o movimento Casa Warat, publicado em 2011 na revista Direito & Sensibilidade, Rocha e Fazio afirmam: "Qual indivíduo, qual sujeito este encontro cartográfico chamado Casa Warat pretende formar? O criminoso. Não queremos nos tornar estudantes, professores pinguinizados: seres que agem da mesma forma e sempre obedecem ordeiramente às regras. Queremos criar sentidos novos e valorosos, pois ser criativo está diretamente associado à transgressão do que está posto. É questionar os processos normalizados, é resistir aos caminhos dados; a resistência torna-se o caminho. É agir contra a violência, que marca a ética do guerreiro. É ter sempre como horizonte quotidiano a insurgência civil".

É com esta perspectiva que acontece anualmente o Encontro Internacional do Movimento Casa Warat, que este ano (4ª edição) acontecerá em São Paulo, no feriado da Independência. O encontro é uma oportunidade para membros de diversas "Casas Warat" se encontrarem e levarem adiante a proposta filoestética do falecido pensador portenho. A programação deste ano contém eventos distintos dos tradicionais encontros acadêmicos, enclausurados em prédios universitários.

Na sexta-feira (07/09), às 14h, haverá uma dinâmica de abertura intitulada "Cronopiando na cidade: o que há em São Paulo para além do concreto?", que será realizada no Vão livre do MASP – Av. Paulista. Às 17h acontecerá o Café Filosófico “Cidade e Sensibilidade”, com os facilitadores Wilson Levy (SP) e Leopoldo Fidyka (Argentina). O café será no Centro Cultural São Paulo (Ao lado do Metrô Vergueiro). No sábado (08/09), os waratianos farão um almoço, às 13h, seguido do Painel "Práticas waratianas - Qual a relação possível entre as instituições e a sensibilidade?", coordenado por Marcio Berlaz (MP-PR). O local será o Ecomercato (Restaurante dentro do Edifício Copan - Av. Ipiranga, 200). Às 17h, no Café Girondino (Ao lado do metrô São Bento - Centro), acontecerá o  painel “O movimento waratiano”, que contará com os facilitadores André Copetti, Jaqueline Sena, Eduardo Rocha, Mariana Galvão e André Jorgetto..


O encontro encerra no domingo (10/09), com um balanço e definição de metas, no Café da Pinacoteca (Ao lado do Metrô Luz). Obviamente, haverá uma festa no sábado. Afinal, os waratianos compartilham da velha ideia grega de que um debate intelectual é muito melhor quando acompanhado de vinho ou alguma bebida dionísica. A Casa Warat, aliás, conta com um Merlot da Bodega de Coppetti, lançado um ano antes da morte de Luis Alberto. O argentino, aliás, sabia desfrutar os prazeres da vida. Seu corpo se foi, mas suas ideias ficam. As casas e o encontro são a prova de que, apesar da resistência dos ortodoxos, Warat vive.