O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

quarta-feira, 30 de março de 2022

 

Dicionário de Direitos Humanos

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

Dicionário de Direitos Humanos. José Luiz Quadros de Magalhães; Lucas de Alvarenga Gontijo; Bárbara Amelize Costa; Mariana Ferreira Bicalho (Orgs.). Editora Fi de Acesso Aberto (https://www.editorafi.org/). 572 p. (LINK DO LIVRO: https://www.editorafi.org/323dicionario).

 

                                     

 

         Antes de mergulhar no exame da obra, um registro com sabor de novidade editorial. Conforme Lucas Fontella Margoni, proprietário, editor e fundador da Editora Fi!, a proposta dessa nova Editora é se constituir “um modelo e referência em edição, publicação e distribuição de livros sob Acesso Aberto, focada em produções acadêmicas/científicas de relevância. Um novo e importante conceito de divulgação e disponibilização de pesquisa e conhecimento! Publicamos exclusivamente  monografias, dissertações e teses, destacadas por excelência, assim como projetos e coletâneas de artigos, vinculadas às instituições de ensino superior mais tradicionais e inovadoras. Tenho muito orgulho em ver hoje nomes reconhecidos e de referência fazendo parte do catálogo, apoiando uma proposta voltada à Ciência Aberta. Como os livros não são vendidos, todos se enquadram perfeitamente sob a política de regulação da Creative Commons, o que possibilita melhor aproveitamento de conteúdo de mídia, artístico de terceiros. O trabalho original aprovado tradicionalmente por bancas ou comitês, que segue uma normalização técnica obrigatória (ex.: ABNT), é adaptado para nosso layout/design, elaborando uma capa à altura da qualidade do escrito, sempre aberto a sugestões e inspirações ;)”.

            Portanto, no link da Editora o conteúdo pode ser baixado gratuitamente. Para aferir a qualidade, fiz a encomenda da edição impressa. Até para manuseio à moda antiga, (“estendendo memória e imaginação”, cf. BORGES, Jorge Luis. O Livro. São Paulo: Edusp, 2008, p. 10), tendo-o ali à mão, enquanto circulo entre as estantes para, “sempre, mais reler, do que ler” (BORGES, idem p. 33).

Apresentando a obra os organizadores, entre eles o querido amigo José Luiz Quadros de Magalhães, para marcar a intenção da Obra, pontuam:

O filósofo italiano Franco Berardi, no seu livro lançado também no Brasil “Depois do Amanhã”, oferece-nos uma belíssima reflexão sobre a linguagem. Ele comenta sobre o momento quando os seres humanos começaram a desenvolver um idioma, criando sons, palavras, que eram atribuídas a referências de objetos, animais, sentimentos, eventos, gradualmente criando uma gramática e um sentido de tempo próprio de cada cultura. É sempre importante lembrar que não há uma única relação com o tempo, e que o tempo linear é uma visão universalizada pela violência a partir do início da construção do primeiro sistema mundo, colonial moderno. Entre os milhares idiomas sobreviventes entre outros milhares extintos pela violenta uniformização imposta pelos impérios coloniais europeus, encontramos muitos que não tratam o tempo de forma linear. Existem idiomas em um presente contínuo, em um viver em permanente mutação, como por exemplo muitos povos da floresta. Não há passado, não há futuro e nem um presente congelado, como pretendem os modernos, mas uma vida em permanente mutação, que acompanha o ritmo permanente de mudança das terras férteis e da floresta tropical. Trata-se de uma visão de um mundo em um presente contínuo, em permanente mudança, não congelado, de outras regiões e de outras culturas. O olhar sobre o mundo surge da vida integrada a ambientes naturais. Um futuro de ambientes artificiais vai se afirmando como um futuro monolítico, monocromático, sem vida, onde as mudanças são apenas tecnológicas. Um mundo ideal para o poder centralizado, hierarquizado e opressor. Poder que se pretende permanente, congelado. Este dicionário tem uma intenção: entender algumas dessas novas palavras, ajudar a combater o vazio de sentido do empobrecimento da linguagem e lutar pela possibilidade de volta da comunicação. Só há comunicação efetiva se a palavra é envolvida pelo sentimento, sensibilidade, afeto, olhar, gesto e sons. As palavras viajam no tempo, são aprisionadas pelo poder e libertadas pelo povo, em um combate pela diversidade. O mundo contemporâneo não mais se encaixa nas palavras e conceitos modernos. Sempre converso com meus alunos sobre a tentativa de encaixar o mundo e sua radical transformação nas palavras e conceitos modernos.

 

Um notável esforço, empreendido por um pugilato autoral reunido pelos Organizadores, todos e todas versáteis no tema, que logram articular enunciados (verbetes extendidos), no sentido de emancipar a língua da armadilha de sentido que Roland Barthes denuncia como seu caráter fascista (Aula, São Paulo: Cultrix, s/d – original das Éditions du Seuil, 1978, p. 14: “a língua, como desempenho de toda linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”); e ao mesmo tempo, contribuir para que se projetem em sua viagem (conforme também CANOTILHO, J.J. Gomes. Novos ‘paradigmas’, novos ‘saberes’, novos ‘direitos’, as ‘palavras viajantes’. OAB Anais da XIII Conferência Nacional. Belo Horizonte: Conselho Federal da OAB, 1990: “Em crise estão muito dos ‘vocábulos designantes’ – ‘Constituição’, ‘Estado’, ‘Lei’, ‘Democracia’, ‘Direitos Humanos’… que acompanharam, desde o início, a viagem do constitucionalismo…palavras viajantes”, p. 105-106).

A Obra, incluindo a Apresentação e o Prefácio, contêm 78 verbetes: Abuso de Autoridade (Jamilla Monteiro Sarkis), Accountability Social (Mateus Vaz e Greco), Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas (Isabela Gonçalves Almeida e Guilherme Scodeler de Souza Barreiro), Autoritarismo (Lilia Schwarcz), Comissão da Verdade (Fernanda Nalon Sanglard),Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Samella de Pinho e Santos e Gabriel de Souza Salema), Comunidades Quilombolas (Márcia Cristina Gama Zanon, Arthur Carvalho Pereira e Matheus de Mendonça Gonçalves Leite), Contratações Públicas Sustentáveis (Daniel Lin Santos), Crianças, Adolescentes e seu Estatuto. Lei n. 8.069/90 (Gabriella Véo Lopes da Silva), Crimes Contra a Humanidade (Ana Carolina de Rezende Oliveira), Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: Uma Breve Revisitação Crítica (Débora Caetano Dahas), Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (Gladstone Leonel Júnior, Antonio Escrivão Filho e Patrick Mariano Gomes), Defensoria Pública (Rômulo Luiz Veloso de Carvalho), Democracia (Lucas de Alvarenga Gontijo e Mariana Ferreira Bicalho), Desastres e Direitos Humanos (Fernanda Dalla Libera Damacena), Desenvolvimento Sustentável (Raíssa Dias de Freitas), Desinformação (Gregório de Almeida Fonseca), Devido Processo Legal e Devido Processo Constitucional (Igor Alves Noberto Soares), Dignidade Humana (Nelson Camatta Moreira), Direito à Alimentação (João Pedro Stédile), Direito à Diferença (José Luiz Quadros de Magalhães), Direito à Diversidade (José Luiz Quadros de Magalhães), Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado (Raíssa Dias de Freitas), Direitos de Acesso à Informação e à      Comunicação (Rene Morais),  Direitos Humanos no Brasil (Robson Sávio Reis Souza), Direitos Políticos (Carolina Lobo e Mariane dos Santos Almeida Costa), Ditadura e Direitos Humanos (Igor Alves Noberto Soares), Educação em Direitos Humanos (Guilherme Scodeler de Souza Barreiro e Raíssa Nayady Vasconcelos Santos), Estado Democrático de Direito (Jordânia Cláudia Gonçalves Torquette), Execução Penal (Flávia Ávila Penido), Familiar de Pessoa em Privação de Liberdade (Monique Pena Kelles e Samuel Rivetti Rocha Balloute), Feminismo e Gênero (Mariana Cardoso Magalhães), Garantias Constitucionais Processuais (Jordânia Cláudia Gonçalves Torquette), Igualdade (Wânia Guimarães Rabello de Almeida), Igualdade das Mulheres na Política e Sub-Representação Feminina (Larissa de Moura Guerra Almeida), Indígenas e Igualdade Eleitoral (Keila Francis de Jesus da Conceição), LGBTQIA+ (Mateus Vaz e Greco), Liberdade (Francisco Celso Calmon), Liberdade de Associação (Bárbara Nascimento), Literatura, Direitos (Humanos) e Democracia (Débora Caetano Dahas), Memória e Verdade (Fernanda Sanglard), Mínimo Existencial Ecológico (Flávia Alvim de Carvalho), Movimentos Feministas no Brasil: Noções Introdutórias (Bruna Camilo de Souza Lima e Silva), Nacionalidade (Nankupé Tupinambá Fulkaxó), Necropolítica (Mariana Lara Corgozinho), Paridade de Gênero (Gisleule Maria Menezes Souto e Luana Mathias Souto), Pena (Monique Pena Kelles), Pessoa com Deficiência (Ligia Veloso), Pessoa de Ocupação (Bárbara Nascimento), Pessoa em Privação de Liberdade (Monique Pena Kelles), Pessoas com Crença Religiosa e/ou Espiritual (Alanys Valença Martins e Guilherme Scodeler de Souza Barreiro), Pessoa em Situação de Rua (Mariana de Souza Godinho e Wânia Guimarães Rabello de Almeida), Poder Executivo, Poder Judiciário e Poder Legislativo (Igor Alves Noberto Soares), Políticas Afirmativas (Pâmela Guimarães-Silva), Políticas Públicas de Direitos Humanos (Bárbara Amelize Costa), População em Situação de Rua (Ana Célia Passos Pereira Campos e Igor de Souza Rodrigues), Populações Atingidas por Desastres (Anna Carolina Murata Galeb, Guilherme Cavicchioli Uchimura, João Marcos Rodrigues Dutra, Leandro Gaspar Scalabrim, Sara Brígido Oliveira e Tchenna Fernandes Maso), Pós-Verdade (Rafael Geraldo Magalhães Vezzosi), Povos e Comunidades Tradicionais (Graziele Aparecida de Jesus, Inara Brenda Luisa de Oliveira e Matheus de Mendonça Gonçalves Leite), Racismo (Gil Ricardo Caldeira Hermenegildo e Laura Alves de Oliveira), Reconhecimento, Resistência e Direitos Humanos da População LGBTQIA+ (Débora Caetano Dahas e Maria Eduarda Parizan Checa), Refugiados, Migrantes, Apátridas e Deslocados Internos (Mayra Thais Andrade Ribeiro), Representatividade LGBT na Política (Ana Clara Serrano Mendes e Guilherme Scodeler de Souza Barreiro), Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (Luana Mathias Souto), Saúde (Luciana de Melo Nunes Lopes), Seguridade Social (Juliana Sequeira Borges Costa e  Guilherme Scodeler de Souza Barreiro), Sistema Prisional (Flávia Ávila Penido), Soberania (Lucas de Alvarenga Gontijo e Mariana Ferreira Bicalho), SUS (Luciana de Melo Nunes Lopes), Testemunho (Fransuelen Silva), Trabalhadora e Trabalhador Sexual (Bárbara Natália Lages Lobo), Trabalho e Direitos Humanos (Cléber Lúcio de Almeida), Trabalho Escravo ou Análogo (Maíra Dias de Freitas), Tribunal Penal Internacional (TPI) (Gabriel de Souza Salema e Sanmella de Pinho e Santo), Tributos e Desigualdades (Marciano Seabra de Godoi), Verdade (Rafael Geraldo Magalhães Vezzosi), Violência (Paulo Henrique Borges da Rocha e Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia), Violência Política e Gênero (Jô Moraes).

São autoras e autores com diferentes graus de inserção no sistema acadêmico e militante de proteção e promoção de direitos e de direitos humanos. Aqui, foram reunidos pelo Grupo de Estudos e Extensão Redes de Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Minas.

O Redes, diz Mariana Bicalho na Apresentação, “é voltado para a efetivação dos Direitos Humanos em Minas Gerais (embora, na Obra, haja pesquisadoras e pesquisadores de todo o Brasil, com diferentes percursos) e para construção de conhecimentos e ações com e para a rede de entidades governamentais e não-governamentais que atuam na proteção e promoção de direitos.

Distingo, entre tantos, companheiros do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, forte também em objetivos próximos: Antonio Sérgio Escrivão Filho, Gladstone Leonel Silva Junior e Patrick Mariano Gomes. O faço pela confiança político-epistemológica. E pela parceria estreita. Escrivão, meu colega na Congregação Docente da Faculdade de Direito da UnB é coautor, comigo, de Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos (Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, cf, aqui, em Lido para Você: http://estadodedireito.com.br/para-um-debate-teorico-conceitual-e-politico-sobre-os-direitos-humanos/Com Gladstone, professor na UFF, tenho investido, em aproximações co-autorais, na tese de um Constitucionalismo Achado na Rua, conforme La Lucha por La constituyente y reforma Del sistema político en Brasil: caminos hacia un ‘constitucionalismo desde La calle’  La Migraña, n. 17/2016 e a publicação na Revista Direito e Práxis, vol. 8, n. 2 (2017): “A luta pela constituinte e a reforma política no Brasil: caminhos para um ‘constitucionalismo achado na rua’”, seguindo o percurso original desse brilhante pesquisador. Ver a propósito: http://estadodedireito.com.br/novo-constitucionalismo-latino-americano-um-estudo-sobre-bolivia/, sobre o seu livro Novo Constitucionalismo Latino-Americano: um estudo sobre a Bolívia, 2a. Edição. SILVA JUNIOR, Gladstone Leonel. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2018.

Com Patrick nossa parceria é a de trincheira, no campo da advocacia pro bono, de interesse público. Junto com colegas advogados e parlamentares do campo progressista, subscrevemos representações no Ministério Público Federal e no Conselho de Ética Pública contra ministros de estado e seu chefe na governança atual, por afronta à Constituição e por desvio de poder ou de finalidade notadamente em suas investidas desdedemocratizantes e desconstituintes tendo como foco a universidade pública, sua autonomia e a liberdade de ensino.

Com respaldo em excelente bibliografia, mas principalmente na combinação de elementos teórico-políticos que se adensam no percurso dos autores, o verbete por eles publicado, começa por caracterizar os sujeitos da sua enunciação:  “Os Defensores e as Defensoras de Direitos Humanos são aquelas pessoas ou coletivos que pautam as suas trajetórias pela luta por direitos para além de si mesmo, apontam um horizonte de respeito ao outro e de transformação das mazelas da vida social. Para isso é fundamental que seus direitos sejam garantidos dentro do contexto das lutas que encampam”.

Ao longo do texto, sem perder de vista a existência de “diversas normas internacionais e nacionais que garantem a proteção de Defensor/a de Direitos Humanos (DDHs) e determinam ao Estado a responsabilidade de assegurar os seus direitos e proteger as ações empreendidas”, os Autores organizam a sua exposição de modo a: 1) Propor uma caracterização do termo; 2) Estabelecer a contextualização internacional do tema;  3) Esboçar a articulação nacional que sobre o tema se formula; 4) Traçar o cenário atual e casos emblemáticos

Nesse último tópico os Autores explicam que “desde 2017, a agenda de direitos humanos no Brasil sofre com o desmantelamento de políticas públicas, diversos conflitos territoriais, crescente militarização no campo político-social, desinformação e violência de todos os tipos. Questões que impactam diretamente a atuação dos defensores e defensoras de direitos humanos, os/as quais vivenciam uma realidade de incertezas, por vezes, ameaças, quando não assassinados.

Segundo a organização Global Witnes (2020), no ano de 2019 foram assassinados 24 defensores do meio ambiente no Brasil, sendo 10 indígenas, o que colocou o Brasil no ranking de 4º país mais violento do mundo para Defensores/as de Direitos Humanos.

No Brasil, cabe salientar, é característica a falta de proteção do Estado às lideranças ameaçadas, mesmo havendo programas públicos voltados para a proteção de defensores/as, dada a sua ineficácia por falta de interesse político, recursos pessoal capacitado.

Em 2018, o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes é um caso emblemático da falta de proteção daqueles que além de lutarem, representam o povo. Passados alguns anos, se mantém a incógnita em relação aos mandantes e as razões do assassinato de Marielle, o que acaba por representar de modo emblemático a característica marcante dos casos de violência e assassinato de defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil: impunidade.

Um dos casos mais recentes foi o assassinato de Fernando dos Santos Araújo em janeiro de 2021. Ele era sobrevivente e testemunha central de um dos massacres mais violentos dos últimos anos, o massacre de Pau D´Arco, em 2017, no Pará, que tinha como suspeitos policiais militares. Nessa ocasião, dez trabalhadores rurais foram assassinados durante uma ocupação de terra.  Fernando recebia ameaças de morte e foi executado dentro da própria casa”.

O pano de fundo de todas essas questões, postas em evidência em suas relevâncias no conjunto da Obra e dos verbetes que a compõem, pressupõem um viés crítico para seu mais pertinente enquadramento. Tenho tido essa preocupação ao exame de abordagens nesse sentido, podendo ser conferidos aqui neste espaço (Lido para Você), de alguns desses aspectos. Assim, em http://estadodedireito.com.br/diccionario-critico-de-los-derechos-humanos/a propósito de SORIANO DÍAZ, Ramón; ALARCÓN CABRERA, Carlos; MORA MOLINA, Juan (Directores). Diccionario Crítico de los Derechos Humanos. Huelva (España): Universidad Internacional de Andalucia, Sede Iberoamericana, 2000; ou em http://estadodedireito.com.br/enciclopedia-latino-americana-dos-direitos-humanos/, sobre a Enciclopédia Latino-Americana dos Direitos Humanos. Antonio Sidekum, Antonio Carlos Wolkmer e Samuel Manica Radaelli (Organizadores). Blumenau: Edifurb; Nova Petrópolis: Nova Harmonia, 2016.

Essas leituras críticas tem permitido cavucar o terreno inesperado de contribuições notáveis, incluindo aquelas procedentes de um reconhecimento que se poderia dizer até improvável, quando se pensa a concepção e a prática de projetos como aquele a que se vinculam os autores do verbete que pus em relevo.

Esses dias, coincidentemente, a plataforma facebook ativada por seu algoritimo que associa temas que possam guardar interesse para o assinante, resgatou republicando em meu perfil matéria da UOL (Folha de São Paulo), alusiva a pronunciamento do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (aliás, meu colega e do Escrivão na Congregação docente da Faculdade de Direito da UnB), na qual, segundo a minha leitura e também do Escrivão, ele afirma a disposição criativa de O Direito Achado na Rua: “Colocar HC na pauta do STF é “coisa de direito achado na rua”, diz Gilmar… – Veja mais em https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/03/19/colocar-hc-na-pauta-do-stf-e-coisa-de-direito-achado-na-rua-diz-gilmar.htm?cmpid=copiaecola. O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes afirmou nesta segunda-feira (19) que colocar habeas corpus em pauta no pleno da suprema corte brasileira é algo novo e que isso é “coisa de direito achado na rua“. “A rigor nunca ninguém discutiu a pauta ou não de um HC [habeas corpus]. Isso é tudo novo. Digo que isso é coisa de direito achado na rua”, afirmou ao ser questionado sobre o habeas corpus coletivo protocolado no STF por advogados do Ceará contra a prisão de “todos os cidadãos que se encontrem presos e que estão na iminência de serem”. O processo caiu nas mãos de Gilmar Mendes por sorteio….”.

Será esse o Gilmar que é em geral posto de modo hostil a concepções como a de O Direito Achado na Rua, de resto, muito mais no que é dele apropriado do que por ele mesmo exposto. Valho-me de um incidente que anotei em texto por mim publicado na coluna que mantive por anos na Revista do Sindjus-DF – Sindicato dos Servidores do Judiciário e do Ministério Público em Brasília. Em seu nº 51, setembro de 2008, p. 5, com o título O Direito se Encontra na Lei ou na Rua?, fiz referência ao julgamento da ADPF nº 144, na qual o Ministro, então Presidente do Supremo Tribunal Federal fez uma afirmativa que teve ampla repercussão: “cada vez mais nós sabemos que o Direito deve ser achado na lei e não na rua”, logo reivindicada como citação sua pelo jornalista Reinaldo Azevedo, que em Veja (edição 2016, 11/07/2007), arrepia-se também em face de “O Direito Achado na Rua” porque “tal corrente entende que o verdadeiro direito é o que nasce dos movimentos sociais” (quero dizer que a mim, pessoalmente, o Ministro na sala de professores na Faculdade de Direito da UnB afirmou que no julgamento estava falando sobre algemas e não sobre O Direito Achado na Rua enquanto concepção teórica)?

Temos dúvida, Escrivão e eu. Basta aferir, conforme também a Folha de São Paulo – https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/08/sem-decisoes-do-stf-quadro-de-gravidade-da-covid-19-seria-maior-diz-gilmar-em-live-do-mst.shtml – . A matéria faz alusão a live do MST na qual “Gilmar Mendes se diz emocionado com convite e defende decisões do STF na pandemia”, e afirma que “a democracia se constrói com diálogo”. Para o Jornal Brasil de Fato que deu ampla repercussão ao tema (https://www.brasildefato.com.br/2020/08/14/gilmar-mendes-em-reuniao-com-mst-pacto-entre-poderes-evitaria-as-100-mil-mortes), o Ministro qualificou, “a desigualdade social em uma das maiores economias globais, como é o caso do Brasil, é motivo de vergonha e constrangimento”. E se afirmou convicto em face da exigência de atuação na “defesa intransigente da democracia e dos direitos fundamentais”, propondo a criação de uma lei de responsabilidade social”.  Não é essa afinal uma agenda inscrita no programa teórico-jurídico de O Direito Achado na Rua?

O conjunto de enunciados (verbetes) contidos na Obra, remonta, tal como dissemos Antonio Escrivão Filho e eu em nosso Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos, vale dizer, cogitar da teoria e da história dos direitos humanos, especialmente, a partir do Brasil, parece algo pertinente, sobretudo desde uma aproximação que encontra, na America Latina, novos horizontes epistêmicos; no Estado, um complexo agente de garantia e, simultaneamente, de violação de direitos; e nas lutas sociais, o compromisso ético-político que põe em movimento e dá fundamento a uma sociedade livre, justa e solidária.

A edição da obra se faz no memento em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos se reúne em audiência pública – dias 22 e 23 de março – para debater a denúncia sobre o assassinato de Gabriel Sales Pimenta (Caso Sales Pimenta vs Brasil). Trata-se de caso relacionado à suposta responsabilidade do Estado pela suposta situação de impunidade nos fatos relacionados à morte de Gabriel Sales Pimenta, advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá. Em decorrência de seu trabalho, teria recebido diversas ameaças de morte, pelas quais teria solicitado proteção estatal em diversas ocasiões perante a Secretaria de Segurança Pública de Belém, no Estado do Pará. Ele foi finalmente assassinado em 18 de julho de 1982. A referida morte teria ocorrido em um contexto de violência relacionada às reivindicações de terras e reforma agrária no Brasil. A Comissão concluiu que a investigação dos fatos relacionados à morte de Gabriel Sales Pimenta, encerrada em 2006 com decisão de prescrição, foi marcada por omissões do Estado.

O caso está relacionado à suposta responsabilidade do Estado pela suposta situação de impunidade nos fatos relacionados à morte de Gabriel Sales Pimenta, advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá. Em decorrência de seu trabalho, teria recebido diversas ameaças de morte, pelas quais teria solicitado proteção estatal em diversas ocasiões perante a Secretaria de Segurança Pública de Belém, no Estado do Pará. Ele foi finalmente assassinado em 18 de julho de 1982. A referida morte teria ocorrido em um contexto de violência relacionada às reivindicações de terras e reforma agrária no Brasil. A Comissão concluiu que a investigação dos fatos relacionados à morte de Gabriel Sales Pimenta, encerrada em 2006 com decisão de prescrição, foi marcada por omissões do Estado.

                                                 

Caso emblemático porque ele põe em causa, exatamente, a necessidade de proteção a defensores de direitos humanos. Em suma, do que se cuida é compreender os direitos humanos dentro de “um programa que dá conteúdo ao protagonismo humanista, conquanto orienta projetos de vida e percursos emancipatórios que levam à formulação de projetos de sociedade para instaurar espaços recriados pelas lutas sociais pela dignidade”.

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua

sábado, 26 de março de 2022

 

O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. Organizadores: SOUSA JÚNIOR, José Geraldo. et al.  (Resenha)

 

Bruna Martins Costa[1]

 

Em uma das primeiras aulas da disciplina O Direito Achado na Rua, oferecida pelo professor José Geraldo de Sousa Júnior nos programas de pós-graduação em Direito e Direitos Humanos da Universidade de Brasília (UnB), compartilhei uma inquietação sobre de que forma podemos nos reapropriar da rua. Parti do entendimento de que ela foi expropriada, pelos conservadores, reacionários, mantenedores do status quo, de quem tem na rua seu local de vida, de lazer, de sobrevivência, de direito, como, por exemplo, movimentos sociais, pessoas periféricas, camelôs, vendedores ambulantes, pessoas em situação de rua, artistas, trabalhadores, etc.

Fui enredada em uma armadilha: ao tentar costurar e fortalecer o pleito de retomada do espaço público, tratei esse locus a partir de uma visão maniqueísta, como se nós, pessoas de esquerda, progressistas, militantes, fossemos os bons, enquanto os “usurpadores” seriam os maus. Vi-me traída em minha própria inquietação, sob risco de endossar um discurso purista, supostamente progressista.

O professor da disciplina, José Geraldo de Sousa Júnior, trouxe para o debate, a partir do método infradialético, de Roberto Lyra Filho, o apontamento de que a rua é a contradição, é a tensão, é a impureza. Nós disputamos e tensionamos a rua, numa performance simbólica. A rua é o “lá fora”, é onde mora o acontecimento. Na rua, não há coisa alguma que não seja passível de contradição. É o espaço do privado querendo ser público. É a “apropriação possessiva da normatividade”, conforme pontua Boaventura de Sousa Santos.

A rua não é um lugar cativo de O Direito Achado na Rua; ele extravasa esse limite. Ele pode ser achado também nos becos, nas florestas, nos quilombos, nas favelas, nas encruzilhadas, nos hospícios, nas aldeias, nos cárceres, nas águas dos rios e mares. Os artigos que compõem essa coletânea nos dão uma pista sobre a pluralidade dos lugares e territórios que são fonte de O Direito Achado na Rua. Essa coletânea de textos também nos mostra que, mesmo tendo transcorrido 30 anos do que podemos tomar, pedagogicamente, como seu “início”, O Direito Achado na Rua continua relevante e atual.

O Direito como “expressão de uma legítima organização social da liberdade” constitui o marco do projeto O Direito Achado na Rua. Nascido no Brasil, durante os diálogos da Assembleia Constituinte, no final da década de 1980, trata-se de um projeto que se pautou na possibilidade de formulação de uma nova concepção de Direito, compatível com a nova sociedade, que se desenhava no contexto pós-ditatorial como mais livre, justa e solidária.

Hoje, a concepção de O Direito Achado na Rua está diante de dilemas e desafios, que nos convocam a assumirmos uma postura simultaneamente ativa e reflexiva (p. 19). Essa coletânea é a reunião de artigos inter/multidisciplinares, produzidos a partir da troca de experiências entre academia e rua, movimentos populares, políticos e sociais, oportunizada pelo Seminário “30 anos de O Direito Achado na Rua: o Direito como Liberdade”.

O mote do evento foi a revisão dos conceitos teóricos e epistemológicos do movimento, desde sua concepção até os momentos atuais, de modo a se projetar em novas formulações teóricas e práticas, sem abandonar temas que há 30 anos tiveram sua relevância reconhecida e sem os quais não é possível a formulação de um projeto de sociedade livre, justa e solidária.

A presente obra se propôs a refletir sobre o atual momento de crise paradigmática do Direito e da sociedade brasileira, bem como entender os lugares de O Direito Achado na Rua nesse contexto. Talvez, a pergunta de partida que, direta ou indiretamente, norteia todos os artigos, e norteou as abordagens do Seminário, consiste em: “No momento que se comemora os 30 anos do Direito Achado na Rua, o que se pode dizer sobre o surgimento dessa proposta? Que contribuições ela trouxe para o campo jurídico ao longo das três últimas décadas? (p. 20).

O Direito Achado na Rua se articula a partir de dimensões prática e teórica. A sua origem remonta à proposta formulada por Roberto Lyra Filho da chamada Nova Escola Jurídica Brasileira (NAIR), embasando-se em uma teoria crítica do direito eminentemente brasileira, com raízes na sociologia e filosofia jurídica que adotam perspectiva dialética. Um importante marco desse projeto é a revista Direito e Avesso, de 1982.

Nesse contexto, Lyra Filho articula seu pensamento com outras obras e outros intelectuais brasileiros e estrangeiros, especialmente Hegel e Marx, na tentativa de elaborar uma nova concepção do Direito, que emerge das ruas como espaço concreto de manifestação e como metáfora da esfera pública democrática.

Outro importante marco do pensamento de O Direito Achado na Rua é o programa Introdução crítica ao direito: O Direito Achado na Rua, de 1987, organizado por Sousa Júnior. Trata-se de um curso que ocorreu utilizando a ferramenta das cartas para a formação e comunicação de pessoas dos mais diversos lugares, resultando na produção de artigos de figuras expressivas nos campos da filosofia e sociologia crítica do direito, e das ciências sociais, em um momento de profunda transformação do direito, do Estado e da sociedade brasileira, uma vez que tudo isso ocorria simultaneamente ao processo da realização da Assembleia Constituinte.

A utilização das cartas como ferramenta de concretização desse projeto me trouxe à memória a metodologia utilizada por Paulo Freire para dialogar com seus alunos. De forma mais ou menos proposital, O Direito Achado na Rua bebeu na fonte freireana. Conforme uma anedota trazida em um dos escritos introdutórios desta coletânea sobre a qual me debruço, Nita Freire, colaboradora e viúva de Paulo Freire, contatou Sousa Júnior com o intuito de identificar possíveis intersecções entre o pensamento do educador, forte numa pedagogia de autonomia, e o direito emancipatório, uma vez que buscavam reconhecer e privilegiar o potencial popular, a vivência cotidiana do sujeito em seu processo de aprendizado e de feitura do direito.

No início da década de 1990, o projeto O Direito Achado na Rua adquiriu o caráter de curso de extensão, sendo realizado a partir da UnB, colocando em diálogo setores críticos do campo jurídico. Alguns dos desdobramentos da atuação extensionista estão agrupados nos livros da série que antecedem esta obra. Se neste material o foco é apresentar o percurso desse projeto-movimento ao longo de seus 30 anos, em outros volumes foram tratados, especificamente, temas como direito do trabalho, direito agrário, direito à saúde, direito das mulheres, justiça de transição, direito à comunicação e informação, e direito urbanístico.

Pode-se dizer que nessa coleção se desenvolve uma teoria eminentemente brasileira da relação entre Direito e movimentos sociais, em suas mais diversas expressões temáticas, o que constitui o marco teórico-prático da contribuição e impacto de O Direito Achado na Rua para a práxis do direito no Brasil.

Diante da materialidade da realidade contemporânea que se impõe, desafiadora e demandante, talvez possamos pensar nessa comemoração de 30 anos como o ápice do projeto-movimento, em virtude de seu amadurecimento, sua abertura para a transformação, sua capacidade de autorreflexão e revisão.

A obra se divide em nove sessões temáticas – “30 Anos de O Direito Achado na Rua: desafios da teoria crítica do Direito no Brasil e na América Latina”; “Teorias Críticas dos Direitos Humanos”; “Pluralismo Jurídico e Constitucionalismo Achado na Rua”; “O Combate ao Racismo e ao Patriarcado: a Epistemologia Jurídica Afro-diaspórica e Feminista”; “Educação para a Paz e Práticas Emancipatórias de Mediação de Conflitos – 30 anos do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos (NEP)”; “Expansão Judicial, Direitos Humanos e Acesso à Justiça no Brasil”; “O Direito Achado nos Rios e nas Florestas: Conflitos Socioambientais, Direitos Indígenas e de Povos e Comunidades Tradicionais”; “Movimentos Sociais e os Desafios da Assessoria Jurídica e Advocacia Popular”; “Direito como Liberdade: Perspectivas para um Novo Projeto de Sociedade” -, além de trazer textos prefaciais que reúnem artigos balizadores para as seções subsequentes, seja pela inspiração teórica, seja pela inspiração prática.

O Direito Achado na Rua é, até os dias de hoje, uma das principais referências no campo crítico do Direito brasileiro, tanto é que tem sua influência e incidência perdurando e se imiscuindo nos espaços de formação de intelectuais, profissionais e até mesmo de “leigos” que exercem cotidianamente sua ocupação no campo do Direito. Este volume é a expressão do trabalho que vem sendo executado ao longo de 30 anos pelo projeto de formação em direitos com lideranças sociais e juristas, no campo da assessoria jurídica e advocacia popular, e das carreiras estatais do sistema judicial. Trabalho esse que fomenta a interlocução entre espaços sociais e institucionais, na medida em que busca compreender os problemas jurídicos a partir da perspectiva dos sujeitos coletivos,

 

[...] realizando a tradução social e política do Direito na forma de interlocução crítica e interpeladora das respostas estatais (em sentido político, econômico e sobretudo judicial), sem se deixar encantar pelo fetiche ou mito da via judicial e das suas instituições como plataforma prioritária de solução de conflitos, considerados em suas mais diversificadas expressões, dimensões e intensidades econômicas, sociais, políticas, étnicas e culturais (p. 23-24).

 

A ideia é que esta resenha figure como um prelúdio dos seminários que acontecerão ao longo da disciplina ministrada nos primeiros meses deste ano de 2022. Dessa forma, destaco a importância da existência de seções marcadamente voltadas tanto para a apresentação de experiências plurais de O Direito Achado na Rua, como de epistemologias e metodologias contra-hegemônicas. Fica evidente que a luta de grupos historicamente marginalizados e vulnerabilizados deram frutos também no meio acadêmico, uma vez que essas epistemologias e metodologias diversas firmaram seu lugar de direito nesta obra.

Aproveito, ainda, para endossar a relevância de incorporarmos permanentemente essas abordagens antirracistas, feministas, anti/de(s)coloniais, subversivas, emancipadoras, à nossa crítica ao direito conservador vigente, e à nossa produção, acadêmica, profissional e cidadã, do direito crítico e contrário ao status quo vigente.

Estamos, aqui, juntas, juntos, juntes a esta obra pensando as possibilidades de reinvenção de um repertório que, de forma mais ou menos intuitiva, de forma mais ou menos formalmente aprendida e apreendida, tem O Direito Achado na Rua como ferramenta central de articulação. Trata-se de uma grande oportunidade, pois temos diante de nós um instrumental com trajetória consolidada, significativamente maduro, que, entretanto, não incide em obsolescência. Ao contrário, conforme podemos ver nos textos compilados, O Direito Achado na Rua está cada vez mais atual.

 

REFERÊNCIA

SOUSA JÚNIOR, José Geraldo et al. O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica ao Direito como Liberdade. Brasília: OAB Editora; Editora UnB, 2021. (Volume 10).

 



[1] Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília (PPGD/UnB). Mestra (PPGD/UFRJ) e bacharela (UFSC) em Direito. Integrante da International Research Network on Global Enforced Disappearances (ROAD) e do grupo de pesquisa e extensão Mulheres Encarceradas, vinculado ao LADIH/UFRJ. E-mail: brubmcosta@gmail.com.

quarta-feira, 23 de março de 2022

 

Se o Pastor Veste a Pele de Lobo a Ovelha é Tosquiada. Sobre o Gabinete Paralelo que Controla Agenda e Verbas do MEC

  •  em 



O título do artigo deriva de matéria publicada em diferentes veículos de comunicação. No Estado de São Paulo (Breno Pires, Felipe Frazão e Julia Affonso, O Estado de São Paulo, 18 de março de 2022, https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pastores-controlam-agenda-e-liberacao-de-dinheiro-no-ministerio-da-educacao,70004012011), a chamada para a matéria estarrece: “Gabinete paralelo de pastores controla agenda e verba do Ministério da Educação. Com livre circulação no MEC, religiosos ligados ao titular da pasta, Milton Ribeiro, atuam na intermediação com prefeitos que buscam recursos federais para a área”.

 

O corpo da matéria expõe uma situação que beira o escândalo se, não tiver a característica de notitia criminis, fossem ágeis, a Controladoria Geral da União, o Ministério Público Federal e o Ministério Público de Contas: “O gabinete do ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi capturado por um grupo de pastores ligados a ele. Embora não tenham vínculos com a administração pública nem com o setor de ensino, segundo apurou o Estadão, eles formam um gabinete paralelo que facilita o acesso de outras pessoas ao ministro e participam de agendas fechadas onde são discutidas as prioridades da pasta e até o uso dos recursos destinados à educação no Brasil. Com trânsito livre no ministério, os pastores atuam como lobistas. Viajam em voos da FAB e abrem as portas do gabinete do ministro para prefeitos e empresários. O grupo é capitaneado pelos pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade”.

 

Outros veículos trazem áudios, com personagens identificados, confirmando uma prática envolvendo agentes públicos e personagens da vida privada ou econômica, operando no sentido de apropriação de recursos públicos para benefício privado ou corporativo.

 

Um absurdo que oscila entre a transgressão da ética pública (há uma Comissão de Ética Pública instalada na Presidência da República e o crime (Prevaricação, definida pelo glossário do Conselho Nacional do Ministério Público como prática de funcionário público contra a administração em geral que consiste em retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. A pena prevista é de detenção, de três meses a um ano, e multa, conforme o artigo 319 do Código Penal; Desvio de Finalidade no Ato Administrativo como dolo presumido do administrador público). Em último caso, uma afronta aos princípios definidos no art. 37 da Constituição Federal, que impõe a todos quantos integram os Poderes da República nas esferas compreendidas na Federação, obediência aos princípios da moralidade, legalidade, impessoalidade, eficiência e publicidade.

 

Depois de um processo intenso de controle material da ética e da legalidade no serviço público, com a inibição das práticas de favor, entre clientes e afilhados, por prebendas e seletividade de associados (basta conferir Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal, ex-Ministro Do Supremo Tribunal Federal; Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, ex-Presidente do Conselho Federal da OAB), estandares foram sendo estabelecidos, entre eles o contido na súmula Vinculante do STJ (Superior Tribunal de Justiça), para conter o nepotismo, nos âmbitos administrativos, legislativos e sobretudo, no judiciário.

 

Em todos os casos, as premissas de proporcionalidade (ou de razoabilidade), mesmo considerando os cuidados de não incidir em objeções genéricas, não se rendem a situações que afrontem princípios (constitucionais), na constatação dos ilícitos demonstrados. Principalmente, no intuito de prevenir o desvio de finalidade inscrito na referência conceitual da ideia de deturpação do dever-poder atribuído a determinado agente público que, embora atue aparentemente dentro dos limites de sua atribuição institucional, mobiliza a sua atuação à finalidade não imposta, ou não desejada pela ordem jurídica, ou pelo interesse público.

 

O farto material reunido pelas matérias dos principais meios (de comunicação) não permite qualquer leniência no dever funcional de apurar –ética e juridicamente – os fatos noticiados.

 

Não se trata apenas de controle da execução orçamentária, em qualquer âmbito, fundado em corpo de normas que é, a um só tempo, “estatuto protetivo do cidadão -contribuinte” e “ferramenta do administrador público e de instrumento indispensável ao Estado Democrático Direito para fazer frente a suas necessidades financeiras“, para usar termos que são constitutivos de decisões judiciais produzidas no exame de ocorrências dessa natureza.

 

Trata-se de atuar de modo indisponível, como lembra Vilmar Agabito Teixeira, em seu ensaio O Controle da Corrupção: Desafios e Oportunidades para o TCU (em livro que organizei, em seguida a curso que igualmente coordenei: SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (org). Sociedade Democrática, Direito Público e Controle Externo. Brasília: Tribunal de Contas da União/Universidade de Brasília, 2006), e não se deixar enredar no “subdesenvolvimento institucional, o clientelismo, o comportamento dos agentes ‘caçadores-de-renda’, [aproveitando-se maliciosamente], das fragilidades do sistema político e eleitoral” (p. 333-356).

 

Se não por dever de ofício, que a Sociedade Civil (Partidos, Associações nacionais) ou a Institucionalidade (Bancadas Parlamentares), promovam representações, notitia criminis, ações constitucionais, para conter esse descalabro. Cidadãos não são ovelhas que se deixem tosquiar por seus pastores.

 

 

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

 


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

 

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

 

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).


 

Entre Relações de Cuidado e Vivências de Vulnerabilidade: dilemas e desafios para o trabalho doméstico e de cuidados remunerado no Brasil

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

 

Entre Relações de Cuidado e Vivências de Vulnerabilidade: dilemas e desafios para o trabalho doméstico e de cuidados remunerado no Brasil / organizadores: Luana Pinheiro, Carolina Pereira Tokarski, Anne Caroline Posthuma. – Brasília: IPEA; OIT, 2021. 236 p. : il. Judith Cavalcanti. PDF da obra para acesso livre: file:///C:/Users/Jos%C3%A9%20Geraldo/Downloads/Entre%20rela%C3%A7%C3%B5es%20de%20cuidado%20e%20viv%C3%AAncias%20(2).pdf

                           

 

         No espaço de reflexão do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, o tema dos direitos inscritos no mundo do trabalho e as resistências de trabalhadores e de trabalhadoras tem um lugar fortemente estabelecido. Inclusive no que toca às trabalhadoras domésticas.

            Na edição do volume 2 de Direitos Humanos & Covid-19: Respostas Sociais à Pandemia (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; RAMPIN, Talita Tatiana Dias; AMARAL, Alberto Carvalho – Orgs – Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2022), um eixo inteiro da obra é dedicado ao tema (Parte 3 – Quando o mundo do trabalho confronta o capital e defende a vida) e nele se dá relevo – p. 509-538 – ao assunto, com um artigo elaborado pelas pesquisadoras Eneida Vinhaes Bello Dultra, Myllena Calasans de Matos e  Adriana Andrade Miranda com o título: “Denúncias de Trabalho Escravo – Direitos e Resistências das Trabalhadoras Domésticas na Pandemia”.

            Coincidentemente, as Autoras fazem referência à Convenção 189 da OIT, para advertir:

O Relatório da OIT, lançado em junho de 2021, intitulado Hacer del trabajo doméstico un trabajo decente – Avances y perspectivas una década después de la adopción del Convenio sobre las trabajadoras y los trabajadores domésticos, (núm. 189) avalia as condições de trabalho dos trabalhadores domésticos dez anos após a adoção da Convenção 189 e informa a gravidade da situação dessas trabalhadoras no mundo com a pandemia da Covid 19. Segundo a OIT:

Desde la adopción del Convenio sobre las trabajadoras y los trabajadores domésticos, 2011 (núm. 189), los trabajadores domésticos han obtenido protección legal en muchos países. Cabe señalar, no obstante, que para demasiados trabajadores domésticos el trabajo decente sigue sin ser una realidad. Al menos 75,6 millones de personas en todo el mundo realizan este trabajo esencial en los hogares. Un sorprendente número de trabajadores domésticos –ocho de cada diez (61,4 millones) – están empleados de manera informal, por lo que carecen de protecciones laborales y sociales efectivas.

Los trabajadores domésticos se encuentran entre los más afectados por las consecuencias de la actual pandemia de COVID-19. En comparación con otros trabajadores, el número de trabajadores domésticos que ha perdido su puesto de trabajo o está registrando una drástica reducción de sus horas de trabajo con la correspondiente disminución de su salario es mayor. En comparación con el último trimestre de 2019, en el segundo trimestre de 2020 el número de trabajadores domésticos disminuyó entre un 5 y un 20 por ciento en la mayoría de los países europeos cubiertos, y en alrededor del 50 por ciento en América Latina y el Caribe, llegando a reducirse en más de un 70 por ciento en el Perú. Hasta la fecha, la pérdida de puestos de trabajo entre los trabajadores domésticos ha sido, por lo general, mayor para aquellos con un empleo informal y sistemáticamente mayor que para otros trabajadores. Los trabajadores domésticos migrantes internos se enfrentan a situaciones especialmente extremas. A pesar de prestar servicios esenciales a clientes a menudo vulnerables, es frecuente que carezcan de un acceso adecuado a equipos de protección personal. Los trabajadores domésticos informales son los que menos posibilidades tienen de acceder a ayudas a los ingresos u otras medidas de emergencia adoptadas para hacer frente a la pandemia de COVID-19. (OIT, 2021; p. 7 – Resumo Executivo)”. 

Também Entre Relações de Cuidado e Vivências de Vulnerabilidade: dilemas e desafios para o trabalho doméstico e de cuidados remunerado no Brasil guarda relação direta com a Convenção 189.

Com efeito, na Apresentação da Obra a cargo de Carlos Von Doellinger, Presidente do Ipea e de Martin Georg Hahn, Diretor do escritório da OIT no Brasil, eles destacam que seu objetivo é convidar a uma reflexão “sobre o quanto o trabalho doméstico e de cuidados remunerado é uma ocupação vulnerável, desvalorizada e desprestigiada socialmente, faltando ainda o pleno reconhecimento jurídico das trabalhadoras domésticas como categoria profissional. Contudo, ela segue sendo essencial para a sociedade brasileira, a qual investe pouco em políticas públicas de cuidado e tem um nível limitado de compartilhamento entre homens e mulheres”. Para eles, conforme a Apresentação, “talvez seja apenas em momentos de intensa crise, como a vivenciada com a pandemia da covid-19, que o manto da invisibilidade do trabalho doméstico e de cuidados caia e sua relevância e importância saltem aos olhos de toda a sociedade. São em momentos como esses, em que muitas trabalhadoras domésticas não podem estar mais presentes na casa de seus patrões por motivo dos riscos de contágio e transmissão do novo coronavírus, que a sociedade passa a perceber a quantidade de trabalho que é, todos os dias, delegada a mulheres dos mais diferentes perfis, sejam elas remuneradas ou não para tanto. É necessário zelar por uma sociedade mais igualitária, com compartilhamento dos trabalhos de cuidados entre famílias, Estado e mercado. Por enquanto, contudo, a realidade nos impõe a necessidade de garantir condições dignas e decentes de trabalho para uma categoria que é muito expressiva tanto em termos de seu tamanho quanto em termos da importância do trabalho que executa para o bom desempenho da sociedade, das famílias e da sua força de trabalho”.

            Em seguida à Apresentação, o Sumário da obra se desdobra em Introdução e Prefácio, este a cargo de Nadya Araujo Guimarães: Entre Relações de Cuidado e Vivências de Vulnerabilidade: Dilemas do Viver, Desafios do Interpretar, em consonância com o título do Livro.

            Na Introdução, que expõe o conteúdo da publicação, há a referência de sua motivação: a celebração de dez anos de adoção da Convenção 189, aprovada na Conferência Internacional do Trabalho (CIT), conduzida anualmente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT):

relativa ao trabalho digno para trabalhadores e trabalhadoras domésticas remuneradas (OIT, 2011). Esse documento é um importante marco na luta da categoria pela redução da vulnerabilidade do emprego doméstico e para a garantia de melhores condições de vida e trabalho para os milhões de trabalhadores, especialmente, de mulheres, que ganham suas vidas trabalhando diariamente no cuidado dos domicílios de seus empregadores e das pessoas que neles habitam, sejam elas dependentes (em geral, crianças, idosos, doentes, pessoas com deficiência) ou não”.

            Assim é que, Entre relações de cuidado e vivências de vulnerabilidade: dilemas e desafios para o trabalho doméstico e de cuidados remunerado no Brasil”, está no Prefácio, “ocupará um lugar importante no conhecimento produzido sobre o trabalho doméstico no Brasil contemporâneo. Do ponto de vista acadêmico, este livro inova ao articular o tema com o debate em curso sobre as relações de cuidado. Isso lhe permite fertilizar o conhecido, agregando novas formas de mirar o fenômeno do trabalho assalariado em domicílios brasileiros e capturando tanto as suas múltiplas personagens quanto a variedade de formas pelas quais as desigualdades nas condições de emprego e nas relações de trabalho ali se expressam. Ademais, esta obra é igualmente rica em consequências e indicações para as políticas públicas, urgentes em um país em que tem sido exígua a presença do Estado, seja na proteção às condições de trabalho de quem cuida, seja no provimento de formas de cuidado, em especial aos idosos dependentes”.

            Em torno desses dilemas e desafios vão se desdobrar os capítulos da Obra:

 CAPÍTULO 1

A ECONOMIA DE CUIDADO E O VÍNCULO COM O TRABALHO DOMÉSTICO: O QUE AS TENDÊNCIAS E POLÍTICAS NA AMÉRICA LATINA PODEM ENSINAR AO BRASIL, Anne Caroline Posthuma

CAPÍTULO 2

O TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO: UM ESPAÇO RACIALIZADO, Angélica Kely de Abreu

CAPÍTULO 3

OS DESAFIOS DO PASSADO NO TRABALHO DOMÉSTICO DO SÉCULO XXI: REFLEXÕES PARA O CASO BRASILEIRO A PARTIRDOS DADOS DA PNAD CONTÍNUA, Luana Pinheiro, Fernanda Goes, Marcela Rezende, Natália Fontoura

CAPÍTULO 4

A HETEROGENEIDADE DO TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL, Natália Fontoura, Adriana Marcolino

CAPÍTULO 5

CARACTERÍSTICAS DEMOGRÁFICAS E SOCIOECONÔMICAS DAS FAMÍLIAS CONTRATANTES DE TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO NO BRASIL, Maria de Fátima Lage Guerra,Lúcia Garcia dos Santos, Edgard Rodrigues Fusaro

CAPÍTULO 6

NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL: O CASO DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO DO SINDICATO DOS TRABALHADORES DOMÉSTICOS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, Laura Tereza Benevides, Luísa Cruz, Anna Bárbara Araujo, Krislane de Andrade Matias

CAPÍTULO 7

VULNERABILIDADES DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19 NO BRASIL, Luana Pinheiro, Carolina Tokarski, Marcia Vasconcelos

CAPÍTULO 8

CUIDADOS PARA A POPULAÇÃO IDOSA E SEUS CUIDADORES: DEMANDAS E ALTERNATIVAS, Ana Amélia Camarano

NOTAS BIOGRÁFICAS

SOBRE A CAPA DESTE LIVRO

AGRADECIMENTOS

Por muitas razões me interessei pela leitura desse livro, preparado como ação da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais, dirigida há um longo tempo pela querida amiga Lenita Maria Turchi. Nesse ambiente, onde atuou até a sua aposentadoria a minha esposa a professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa, ela também Técnica de Planejamento e Pesquisa do IPEA pude, observando o seu trabalho, acompanhar muitos dos relevantes projetos do Instituto (Nair, inclusive, entre outros trabalhos de pesquisa, foi editora, entre 1994 e 1995, da Revista Planejamento e Políticas Públicas, do IPEA), conhecer seus excelentes quadros e partilhar de relações de afeto e de amizades. Assim é que, também da Disoc, partilhei do companheirismo da competentíssima Beth Barros, que acaba de nos deixar de modo precoce. Com Beth também convivi ao tempo da preparação da 8ª Conferência Nacional de Saúde, na qual tomei parte em estudos preparatórios e nos debates plenários, sendo a saudosa amiga uma das mais destacadas formuladoras no campo das políticas de saúde. Fazer este Lido para Você é meu modo de render homenagem a Elizabeth Diniz Barros.

E ainda, ao conjunto de mulheres (só há um pesquisador homem) que, provenientes do próprio IPEA, de agências públicas governamentais e não governamentais, sindicais e da academia, se associaram para a realização dos estudos trazidos para o livro:

Adriana Marcolino, Técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Doutoranda em sociologia do trabalho pela Universidade de São Paulo (USP). Tem experiência nas áreas de sociologia econômica e ciência política, com ênfase nas temáticas relacionadas ao trabalho e aos movimentos sindicais e sociais.

Ana Amélia Camarano, Pesquisadora na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea. Pós-doutora pela Universidade Nihon (Tóquio/Japão) na área de envelhecimento populacional e arranjos familiares. Doutora em estudos populacionais pela London School of Economics. Mestra em demografia e graduada em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tem como temas de interesse de pesquisa o envelhecimento populacional, os cuidados e arranjos familiares.

Angélica Kely de Abreu, Pesquisadora nos grupos de pesquisa Direito, Justiça e Pluralismo Étnico-Racial Anastácia Bantu; e no grupo de estudo do mundo do trabalho (Gemut). É bolsista da Coordenação de Igualdade de Gênero, Raça e Gerações na Disoc/Ipea. Mestra e doutoranda em ciências sociais e ciências jurídicas pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Bacharel em direito pela mesma instituição.

Anna Bárbara Araújo, Pesquisadora de pós-doutorado (processo Fapesp 2020/05176-3) no departamento de sociologia da USP. Pesquisadora em um projeto sobre cuidadoras de idosos e pandemia da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Neseg/UFRJ) e ao Laboratório de Estudos de Gênero e Interseccionalidade (Labgen/UFF). Foi professora substituta no Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da UFF e realizou consultoria técnica para a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres) sobre a organização política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Doutora e mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA/UFRJ). Tem interesse nos seguintes temas: cuidado, trabalho doméstico, trabalho intermediado, interseccionalidades, desigualdades, políticas públicas e emoções.

Anne Caroline Posthuma, Diretora do Centro Interamericano para o Desenvolvimento de Conhecimento na Formação Profissional da Organização Internacional do Trabalho (Cinterfor/OIT). Doutora e mestra em desenvolvimento industrial e trabalho pela Universidade de Sussex. Antropóloga social pela Universidade de Stanford. Tem como temas de interesse e de publicações a formação profissional, a economia de cuidado, o trabalho doméstico, o emprego juvenil e a governança do trabalho nas cadeias globais de produção.

Carolina Pereira Tokarski, Especialista em políticas públicas e gestão governamental, atua como pesquisadora na Coordenação de Igualdade de Gênero, Raça e Gerações, na Disoc/Ipea. Trabalhou na Secretaria de Políticas para as Mulheres e na Escola Nacional de Administração Pública. Foi coordenadora no Ministério da Educação. Mestra e graduada em direito pela Universidade de Brasília (UnB).

Edgard Rodrigues Fusaro, Técnico do Dieese, com atuação na pesquisa de emprego e desemprego (PED) e consultoria estatística em demandas associadas ao movimento sindical e ao mundo do trabalho. Consultor e assessor técnico para grandes projetos, com experiência de trabalho junto a entidades renomadas, como o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), USP, Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), Fiocruz, Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), entre outras. Bacharel em estatística pela USP, com formação complementar em software estatísticos, análise do mercado de futuros e geoprocessamento.

Fernanda Lira Góes, Técnica de planejamento e pesquisa do Ipea, atualmente em exercício na Divisão de Compliance, Integridade e Gestão de Riscos (Dicor), no Gabinete da Diretoria de Administração e Planejamento (DAP), do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Doutora e mestra em geografia pela UnB. Graduada em relações internacionais na Faculdades Integradas da Bahia (FIB). Coordenadora do Atlas das Periferias no Brasil (Ipea/no prelo). Vivência com pesquisas nas áreas de política externa entre Brasil e África, diáspora africana, racismo estrutural e financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para exportação de empresas de engenharia e construção, desigualdade racial, população negra, especialmente juventude, violência perpetrada contra população negra e quantificação de sobreviventes a homicídios, racismo ambiental e situação social de catadores de material reciclável, território negro, pesquisas de uso do tempo relacionadas ao trabalho doméstico e políticas para as mulheres.

Krislane de Andrade Matias, Consultora da área de gênero da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). Foi pesquisadora do Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Coordenação de Igualdade de Gênero, Raça e Gerações na Disoc/Ipea. Foi professora substituta do Instituto Federal de Goiás (IFG) e lecionou sociologia na rede pública e particular do Distrito Federal. Mestra em antropologia e graduada em ciências sociais (bacharelado e licenciatura) pela UnB. Possui experiência nas seguintes áreas: violência doméstica e familiar contra mulheres e sistema de justiça, antropologia do direito, estudos de gênero.

Laura Tereza de Sá e Benevides Inoue, Técnica do Dieese, atuando nas áreas de pesquisas sindicais, gênero e negociação coletiva. Atualmente também ministra aulas no curso de bacharelado da Escola Dieese de Ciências do Trabalho. Em trabalho de assessoria técnica ao movimento sindical de trabalhadores e trabalhadoras, já atuou em estudos sobre negociação coletiva, gênero, pesquisas de perfil de categoria, trabalho doméstico, entre outros temas. Foi responsável pela elaboração do estudo Negociação de Cláusulas de Trabalho relativas à Igualdade de Gênero e Raça 2007-2009. Mestra em educação pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Graduada em Ciências Sociais pela USP.

Luana Pinheiro, Técnica de planejamento e pesquisa da Coordenação de Igualdade de Gênero, Raça e Estudos Geracionais na Disoc/Ipea. Foi coordenadora geral de planejamento e gestão da informação na Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, entre 2007 e 2011. Foi coordenadora de gênero e raça no Ipea entre 2011 e 2016. Doutora e mestra em sociologia pela UnB, graduada em economia pela mesma instituição. Tem elaborado e publicado estudos na área de gênero, especialmente sobre desigualdades de gênero no mercado de trabalho e trabalho doméstico remunerado e não remunerado.

Lucia Garcia dos Santos, Técnica do Dieese e professora na Escola de Ciências do Trabalho da mesma instituição. Integrante do núcleo de pesquisa em economia feminista da Faculdade de Ciências Econômicas e do grupo de pesquisa em trabalho e contexto digitais da Escola de Administração, ambos vinculados à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi coordenadora da Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA) e do Sistema de Pesquisas de Emprego e Desemprego (SPED). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS. Economista pela mesma instituição. Especialista em mercado de trabalho e pesquisas socioeconômicas domiciliares.

Luisa Cruz de Melo, Técnica do Dieese, atuando nas áreas de pesquisas sindicais, negociação coletiva, entre outros temas do mundo do trabalho. Graduada em geografia pela USP.

Marcela Rezende, Pesquisadora da Coordenação de Igualdade de Gênero, Raça e Gerações, na Disoc/Ipea. Mestra em antropologia social pelo Museu Nacional/UFRJ. Especialista em políticas públicas e gestão governamental. Trabalha com questões de gênero.

Marcia Vasconcelos, Co-fundadora da Associação Internacional Maylê Sara Kali e consultora da ONU-Mulheres. Mestra em sociologia pela UnB. Possui mais de vinte anos de experiência e atuação em Organizações não Governamentais e Internacionais em temas relacionados à promoção da igualdade de gênero e raça.

Maria de Fátima Lage Guerra, Integrante e ex-coordenadora do grupo temático de população e trabalho da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep). Técnica do Dieese, na subseção da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT/MG). Foi supervisora técnica do escritório regional do Dieese em Minas Gerais. Doutora em demografia e mestra em economia pela UFMG.  Possui interesse de pesquisa nas áreas de demografia, políticas públicas, economia do trabalho e economia da família e gênero.

Natália Fontoura, Trabalhou na Secretaria de Políticas para as Mulheres, entre 2002 e 2006, e no Ipea, na área de igualdade de gênero, entre 2006 e 2019. Foi coeditora do periódico Políticas Sociais: acompanhamento e análise e compôs seu conselho editorial por alguns anos. Doutoranda em política social no Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Mestra em ciência política pela UnB. Especialista em políticas públicas e gestão governamental. Pesquisa sobre trabalho doméstico, trabalho doméstico não remunerado, políticas de cuidado, desigualdades de gênero, pesquisas de uso do tempo e políticas para as mulheres.

            Uma nota para o trabalho de ilustração do livro. Retiro da Edição a Ficha Técnica SOBRE A CAPA DESTE LIVRO. Judith-Karine (Judith Cavalcanti), a artista – www.judithcavalcanti.com – é a mesma curadora de arte da edição do volume 10 da Série O Direito Achado na Rua: O Direito como Liberdade (conferir em http://estadodedireito.com.br/o-direito-achado-na-rua-volume-10-introducao-critica-ao-direito-como-liberdade/).

Judith Cavalcanti é também pesquisadora do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua e tem em seu percurso acadêmico estudos no tema, conforme “Quebrando as correntes invisíveis: uma análise crítica do trabalho doméstico no Brasil. 2010. 120 f., il. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2010” (https://repositorio.unb.br/handle/10482/8484).

A dissertação, que tive a oportunidade de orientar, tem o seguinte Resumo: “A presente dissertação apresenta um debate crítico sobre o trabalho doméstico no Brasil, com base no novelo patriarcado racismo-capitalismo. A proposta foi reconstruir as bases históricas do trabalho doméstico em si e da luta sindical, assim como acompanhar o desenvolvimento normativo sobre o tema, e a partir daí analisar as condições de discriminação e precariedade nas relações de trabalho doméstico no país. No entanto, a pesquisa revelou que, para além dessa realidade excludente em que há pouco reconhecimento social e jurídico, a categoria das trabalhadoras domésticas constitui-se como um sindicalismo heróico. Com estrutura física pouco adequada, baixa sindicalização, ausência de contribuição sindical efetiva e reconhecimento jurídico-legal restrito, as trabalhadoras domésticas redimensionaram as estratégias de ação e criaram formas alternativas de luta e construção de direitos”.

Logo, trata-se de arte que não é só suporte mas é também conceito. Título: Cabeça Feita #2. Técnica (original): Acrílico s/papel 120g. Dimensão (original): 40,5 x 29,5 cm. Ano: 2020

DESCRIÇÃO DA OBRA

A obra Cabeça feita #2, de Judith Cavalcanti, faz parte de uma série chamada Cabeça Feita, em que a artista se utiliza do figurativo de uma mulher como elemento de engate de uma discussão sobre gênero. Na série, a mulher não é meramente um objeto pictórico, senão a representação de uma ancestralidade feminina, tendo em vista que os cachos dos seus cabelos contêm os nomes de mulheres importantes por sua contribuição no mundo das artes, ciências, esportes, política etc.

Essa simbologia enfatiza ainda, para a artista, a importância daquelas que “vieram antes”, ao mesmo tempo que traduz a esperança no futuro construído pelas que as terão como referencial. Em Cabeça Feita #2, são destacadas várias lideranças do movimento nacional de trabalhadoras domésticas. Mais uma vez, os elementos são escolhidos com um propósito. Aqui, a escolha de uma mulher negra tem um caráter político, dado que a maior parte da categoria é formada por este grupo social. Espera-se que tal alusão funcione como registro das pessoas que foram, são e serão sempre importantes para o movimento de trabalhadoras domésticas, mas sobretudo para a democracia, no Brasil e na América Latina.

SOBRE A ARTISTA

Judith Cavalcanti é artista visual. Nasceu em Recife (PE), em 1981. É feminista e ativista de direitos humanos há mais de vinte anos. Em 2006, foi educadora no Projeto Trabalho Doméstico Decente em Pernambuco, quando passou a se considerar parceira do movimento de trabalhadoras domésticas no Brasil. Entre 2008 e 2010, debateu a legislação trabalhista constitucional sobre o trabalho doméstico no Mestrado em Direito, na Universidade de Brasília (UnB). Nos anos seguintes, na Universidade Católica de Brasília (UCB), coordenou o projeto de Extensão Promotoras Legais Populares para o Trabalho Doméstico Decente. Atualmente, dedica-se ao ativismo político por meio da arte. Vive e trabalha em Lisboa, Portugal.

Finalmente, oriento a atenção especialmente para o Capítulo 7, “Vulnerabilidades das Trabalhadoras Domésticas no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil”, autoria de Luana Pinheiro, Carolina Tokarski e Marcia Vasconcelos. Aí está a contribuição de Carolina Tokarski, também co-organizadora do livro e pesquisadora sênior do Grupo O Direito Achado na Rua, âmbito no qual foi pioneira na institucionalização do Projeto Promotoras Legais Populares – PLPs, capacitação de mulheres em gênero e direitos humanos (cf. http://estadodedireito.com.br/promotoras-legais-populares-movimentando-mulheres-pelo-brasil-analises-de-experiencias/).

Com elas fecho este Lido para Você: “É importante ressaltar que a manutenção da sobrecarga do trabalho doméstico sobre as mulheres, que sempre foi penosa e injusta, agrava os custos e a penalidade sobre as mulheres – trabalhadoras domésticas ou não – em um contexto de pandemia. Estes custos podem estar associados à sua saúde física e mental, por exemplo, ou a avaliações negativas em suas vidas profissionais – como é o caso de reportagem que mostra que as mulheres em quarentena produziram muito menos que os homens no campo científico (Kitchener, 2020). A experiência vivida pelas famílias ao redor do mundo, sem apoio do Estado ou de trabalhadoras domésticas para compartilhar o trabalho reprodutivo, pode provocar uma reflexão sobre o papel de homens e mulheres no interior das famílias. Pode também alterar, em alguma medida, o entendimento do que é o trabalho diário de cuidado da casa e das famílias, seu peso, seu impacto e sua relevância para que as famílias e a sociedade em geral funcionem, contribuindo, assim, para sua visibilidade, sua valorização e seu reconhecimento”.

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua