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- Eduardo Xavier Lemos, Mestre e Doutorando em Direito, Estado e Constituição – UnB. Especialista em Ciências Penais. Articulista do Jornal Estado de Direito, responsável pela coluna Direito como Resistência (.http://estadodedireito.com.br/o-jornal/). Pesquisador do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua – PUC-RS. http://lattes.cnpq.br/5217401632601710. Artigo originalmente publicado em http://estadodedireito.com.br/o-caotico-sistema-prisional-brasileiro/
SUMÁRIO: 1. Introdução 1.o sistema penal como
controle social; 2. Criminalização da pobreza; 3.o sistema penal brasileiro:
pobres como inimigos; 4. Conclusão 5. Referências bibliográficas;
RESUMO:
Neste artigo, se analisa a massiva onda
de encarceramento do país, através do fenômeno da criminalização da pobreza.
Procuramos dessa forma, apresentar os oprimidos como controlados pelo sistema penal brasileiro,
aqui rotulados de “inimigos”. Tal conclusão se dá a partir do perfil dos
aprisionados e aprisionadas da massa carcerária brasileira.
PALAVRAS-CHAVE:
Criminalização Da Pobreza, , Direito
Achado No Cárcere, Criminologia Crítica, Prisões. Abolicionismo Penal.
1.
INTRODUÇÃO
Neste
artigo partimos do pressuposto de que o sistema penal é um dos fatores
preponderantes para a afirmação e manutenção da organização de um estado, onde
é indiscutível seu papel de executor da tarefa de punir os vulneráveis e manter
o status a quo de um poder dominante.
Exacerba
o direito de punir de tal Estado, manifestando-o de forma violenta e às vezes
sanguinária, atacando direitos fundamentais do homem, como seu direito de ir e
vir e também a própria integridade física do cidadão.
Nesse
ponto é onde teorias ultra punitivas são o sustentáculo político criminal do
império político e econômico que se constata em nossos dias, o neoliberalismo,
a política criminal de tolerância zero e o direito penal do inimigo são a forma
de controlar a sociedade a partir do sistema penal, o modelo de punição do
neoliberalismo.
O encarceramento
em massa, especificamente de negros e pobres, é a política criminal efetivada
pelo projeto neoliberal. Mercado livre de um lado, mão de ferro do outro. Aos
inimigos do neoliberalismo, a prisão.
2. O SISTEMA PENAL COMO CONTROLE SOCIAL
É a partir da leitura da história do modo de produção
capitalista e de sua interferência na gestão do sistema penal que a
criminologia crítica pode perceber a utilização da pena como instrumento de
controle social.
Um dos principais estudos de Criminologia Crítica são
de Rusche e Kirchheimer[1]
(Punição e Controle Social), retirando de seus conhecimentos a ideia de que
desde o princípio do capitalismo o sistema penal foi utilizado como forma de
controle da sociedade. Além disso, os
autores demonstraram que as punições e o controle sempre voltaram-se a camadas
mais vulneráveis, alterando-se em si os métodos utilizados ao longo do tempo,
mas não efetivamente a utilização do sistema penal como instrumento de controle
social.
Por sua vez,
Michel Foucault em obra fundamental para o estudo em questão, ao compreender a
questão do sistema punitivo, demonstra ao longo de “Vigiar e Punir[2]”,
como a pena corporal (poder sobre o corpo), se transforma ao longo dos tempos
em pena sobre o espírito (controle social), de tal forma que a vigilância, o
poder psicológico, são utilizados progressivamente para controlar os oprimidos.
É também figura que procuramos compreender para detectar essa seletividade do
sistema.
Outros
autores de fundamental importância para a análise crítica do sistema prisional
são Melossi e Pavarini, onde fazem menção do surgimento da prisão com o início
do capitalismo, ou seja, nas sociedades feudais só era possível falar de
cárcere preventivo ou por dívidas, não havendo a pena de prisão por ela mesmo
como forma específica de punição.
É com o surgimento do poder econômico, com a troca de
economias, a força de trabalho, e a consequente imposição do valor e
necessidade do mesmo (e o surgimento do capitalismo) que a pena de reclusão,
propriamente dita, surgiu. As casas de
correção são criadas com o intuito de fazer com que mendigos, prostitutas e
vagabundos (os que se recusavam a trabalhar, valor máximo na época) se
tornassem força de trabalho, nesta casa eram obrigados a trabalhar[3].
No entanto, a Revolução Industrial tornou o trabalho
manufaturado dos aprisionados e aprisionadas obsoleto, fazendo com que sua
força produtiva não fosse mais competitiva, tornando esse trabalho não mais
necessário, o trabalho no cárcere se torna inútil e improdutivo, se torna um
instrumento de tortura, de caráter meramente punitivo, o posterior fato
significativo na história foi o surgimento das Penitenciárias, o sistema
filadelfiano, de isolamento absoluto, ou auburniano[4]
. Uma
leitura criminológica radical[5] e
dialética[6]
permite que certas premissas sejam estabelecidas, que o capitalismo e a
consequente luta de classes, gerando oprimidos e opressores, faz com que certas
figuras sejam necessariamente polos mais fracos no núcleo social, na análise
criminológica, partimos que as camadas sociais de espoliados estão vulneráveis
no sistema social, sendo cooptados pelo sistema penal com fins de controle
social, essas são regras preliminares para compreenderemos qualquer fenômenos
social rotulado como criminoso[7].
Assim, permite perceber que desde a seletividade dos
bens jurídicos a serem protegidos pelo direito penal capitalista, e a
consequente proporção das penas, até a seleção dos delitos a serem abordados
pelo ostensivo policial e posterior processo penal, com a sentença penal, maior
ou menor, fará parte da análise de uma criminologia dialética, que leva em
conta o processo histórico, a característica materialista, a luta de classes, o
contexto social que situa o fenômeno[8][9][10].
E assim, ao apresentar a síntese do materialismo
histórico dialético, Juarez Cirino dos Santos explica a distinção dos objetivos
ideológicos do sistema punitivo:
A Criminologia Radical distingue objetivos
ideológicos aparentes do sistema punitivo (repressão da criminalidade, controle
e redução do crime e ressocialização do criminoso) e objetivos reais ocultos do
sistema punitivo (reprodução das relações de produção e da massa
criminalizada), demonstrando que o fracasso histórico do sistema penal
limita-se aos objetivos ideológicos aparentes, porque os objetivos reais
ocultos do sistema punitivo representam êxito histórico absoluto desse aparelho
de reprodução do poder econômico e político da sociedade capitalista[11].
É
característico da metodologia marxista por apresentar tanto a leitura histórica
quanto a abordagem do desvendar o oculto, averiguar o que se encontra por trás
do discurso oficial, e como bem explicitado o sistema punitivo é um discurso
bem sucedido, tema que propomos averiguar ao longo da tese, utilizando desse
“desvelar” entre discurso oficial e “objetivo real”.
Procuramos sim,
abordar o sistema de justiça criminal, suas contradições, o trabalhador
marginalizado e cooptado pelo sistema punitivo, e focando em figuras como
criminalização e seletividade, a partir dos preconceitos sociais e captaremos
dos discursos sociais e dos operadores de justiça, hipoteticamente
transparecendo os “processos seletivos
fundados em estereótipos, preconceitos e outras idiossincrasias pessoais,
desencadeados por indicadores sociais negativos de marginalização, desemprego,
pobreza, moradia em favelas etc[12]”.
Outro ponto
de análise é esclarecer como o direito vigente pode convalidar um sistema
opressivo, voltando-se contra os vulneráveis, característica fundante dos
regimes autoritários.
Quando aborda
a violência, Walter Benjamim a explica como fim e meio, esclarecendo que quando
se dá como meio, ela cria ou protege direitos, porém quando ela se dá por um
fim, ela renuncia toda essa validade:
La policía es un poder
que funda -pues la función específica de este último no es la de promulgar
leyes, sino decretos emitidos con fuerza de ley- y es un poder que conserva el
derecho, dado que se pone a disposición de aquellos fines. La afirmación de que
los fines del poder de la policía son siempre idénticos o que se hallan
conectados con los del derecho remanente es profundamente falsa. Incluso
"el derecho" de la policía marca justamente el punto en que el
estado, sea por impotencia, sea por las conexiones inmanentes de todo
ordenamiento jurídico, no se halla ya en grado de garantizarse -mediante el
ordenamiento jurídico- los fines empíricos que pretende alcanzar a toda costa.
Por ello la policía interviene "por razones de seguridad" en casos
innumerables en los que no subsiste una clara situación jurídica cuando no
acompaña al ciudadano, como una vejación brutal, sin relación alguna con fines
jurídicos, a lo largo de una vida regulada por ordenanzas, o directamente no lo
vigila[13].
(BENJAMIN, 2010)
Propomos
expor a violência policial como instrumento para manutenção do poder, um plano
jurídico que tem por escopo preservar uma moral autoritária em consenso com os
planos dos detentores do poder, o Direito passa a ser instrumento político, ou
seja, deixa de fluir da relação entre os homens e serve somente para afirmar
aquele que domina. Esse tema é analisado por Albert Camus ao tratar de sistemas
autoritários, aqui o nazismo:
O Estado
identifica-se com o “aparelho”, isto é, com o conjunto de mecanismos de
conquista e repressão. A conquista dirigida para o interior do país chama-se
propaganda (“o primeiro passo em direção ao inferno disse Frank”) ou repressão.
Dirigida para o exterior, cria o exército. Todos os problemas, são, dessa
forma, militarizados, colocados em termos de poderio e de eficácia[14].
(CAMUS, 2003)
O autor
argelino, explica o poder de polícia em regimes autoritários, pois especifica
que esses governos, em verdade, acabam militarizando todas as coisas da vida
pública. No mesmo
caminho Grossi:
O Estado,
enquanto entidade tendencialmente totalizante, realiza-se na mais rigorosa
compacidade, qualidade que obtém (que quer a todo custo obter) graças ao
instrumento unilateral da intolerância. O Estado, fechado na sua insalubridade,
dialoga somente com o exterior e somente com outras entidades estatais
similares; no seu interior limita-se simplesmente a ditar as condições em base
às quais uma regra deixa o confuso limbo das regras meramente sociais e se
torna jurídica; a inobservância das condições tem um contragolpe sem piedade: a
ilicitude e, se tudo andar bem, e se o Estado não considera muito turbada a
própria ordem pública, a irrelevância[15].
(GROSSI, 2006)
Quando
se analisa uma sociedade capitalista e desigual, onde são poucos os incluídos e
vencedores, ou seja, o individualismo monetário do “american way of life” temos
uma grande massa de pessoas que vivem o “american nightmare”. O que fazer com
os demais? O que fazer com os excluídos?
É
possível verificar, o desagrado dos excluídos e para manter essa aparente ordem
social, se convoca o Direito Penal, o uso do mesmo como forma de esconder tal realidade,
seja nos depósitos (ou presídios), seja com a intimidação, seja com a
violência, expandindo o direito de punir do estado.
O autor francês Loic Wacquant, explana que a prisão é uma
instituição fora da lei, que nasceu com o desígnio de reforçar a própria lei,
mas cuja própria organização opera fora do ordenamento jurídico. Foi vendida
como um remédio para a insegurança e a marginalidade, mas só faz incentivar e
segregar os vulneráveis[16].
Soluções
simples para problemas complexos, são o que buscam teorias de direito penal
máximo, é mais fácil colocar uma mascara de impuro, ou de inimigo em quem não
serve, do que repensar a questão e os porquês para os problemas.
.
3.
CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA
A pobreza é resultada
das espantosos índices de desigualdade social existente em uma nação, também
refletida pela negação da condição de cidadania de grupos populacionais
específicos que vivem em zonas vulneráveis[17].
Assim pode se dizer que pobreza se dá a partir da condição de vulnerabilidade
econômica e exclusão social que particulariza inúmeras comunidades carentes.
Essa população,
consiste em uma cifra abundante de trabalhadores desvanecidos economicamente,
de pouca qualificação profissional, de baixa ou nenhuma alfabetização e em sua
maioria afrodescendentes[18].
A segurança pública no
país se conecta com disputas econômicas e de poder, ou seja, aos conflitos de
classe que estão estritamente integrados ao estado como intermediário dos
assuntos referentes a criminalização da pobreza. Os índices de criminalidade aumentam conforme
os tempos avançam, e o sentimento de insegurança e medo, incentivados pelos
boletins policiais, impulsionam as divisões sociais umas contra as outras.
As altas classes culpam os moradores
dos bairros necessitados por essa situação violenta e o contrário também é
verdadeiro, os pobres culpam a perseguição e omissão do Estado pela sua
situação.
A questão da favela, ao longo das
décadas, foi se tornando um problema de segurança pública, o favelado
estigmatizado como criminoso, trata-se do período pesquisado por Boaventura de
Sousa Santos em Pasárgada, momento de inserções policiais violentas e
perseguição aos moradores das comunidades[19][20]
(SANTOS, 1977, 2014)
Ressalte-se que nem sempre a questão
dos bairros carentes foi tratada como caso de segurança pública, foi então com
o regime militar, que podemos visualizar a passagem da pobreza, de questão
urbana para “caso de polícia”, nesse período, as lideranças sociais das
comunidades foram perseguidas, desarticulando-se as organizações faveladas e a
ideia de reforma urbana, prevaleceu a lógica da remoção e combate.
A vitória da segurança pública à
questão de urbanização, direitos sociais e politização dos moradores de comunidades
carentes, gerou a separação e repressão. A perseguição as lideranças fragmentou
o espaço democrático e a emancipação, desarticulando um potencial de
autodesenvolvimento desses residentes como cidadãos “efetivos” de direitos, ao
oposto da lógica de formalização não efetivada.
Os
reflexos desse problema nos presídios, é analisada por Loic Wacquant, que
denuncia que particularmente minorias raciais (como negros, ciganos e
hispânicos), e pessoas de baixa renda, vem sendo efusivamente encarcerados nos
EUA. Essa seria a lógica de seu trabalho
intitulado “As prisões da Miséria”, onde demostra que a ampliação dos índices
de encarceramento na América são conectados com a diminuição de políticas
sociais e do contrário, um investimento em políticas de segurança pública com
escopo de segregar classes específicas da sociedade[21].
Analisando
as práticas policiais, inquéritos, bem como através de entrevistas, Duarte,
Lacerda, Muraro e Garcia, apuraram que o perfil vigiado pelo policial em suas
abordagens é um perfil estigmatizado, do negro/pobre. Na verdade, o policial
corresponde uma expectativa do sistema penal e da sociedade (abarcando,
legislativo, executivo e judiciário), na esperança que validem suas ações, ou
seja, que perseguem alguns perfis sociais com o propósito de atingirem “vontades”
de uma sociedade e um “perfil” institucional pré-determinado[22].
(DUARTE, MURARO, LACERDA, GARCIA, 2014).
Configura-se assim, a ausência do
Estado Social e a presença do Estado Penal, aprisionador, segregador,
perseguidor, dirigido a (não)cidadãos específicos, os pobres favelados. Esse
cerco, ajuntado da repressão gera um afastamento, mas também um enfraquecimento
das lideranças positivas, deixando um vazio a ser preenchido.
Dessa forma a violência do crime
organizado toma conta dos ambientes “sem Estado”, instalam-se e coagem os
cidadãos. Restando a esses uma posição de mediador entre traficantes e polícia.
Os moradores que não tem correlação com o varejo de drogas encontram-se
confinados nessa linha cruzada ao tempo que são rotulados e estigmatizados pela
segurança pública estatal[23].
O autor
Alessandro de Giorgi, ao desenvolver seu raciocínio sobre a relação entre a
efetividade das políticas sociais e sua influência nos índices de
encarceramento:
As taxas de encarceramento, que
desde a depressão de 1929 ao final dos anos 1960 foram mantidas em níveis
particularmente baixos, a partir dos primeiros anos da década de 1970 começam
novamente a crescer, inaugurando uma tendência que assumirá proporções cada vez
maiores nos anos subsequentes. (DE GIORGI, 2010)
A questão da omissão do estado
bem-feitor com a excessiva presença do estado punitivo, é referenciada pelos
habitantes. Estudos realizados em comunidades demonstram que o antigo problema
das incursões policiais violentas apenas aumenta. Ocorre, pois, que os cidadãos não reconhecem
nesse Estado um ente protetor, pois o mesmo não lhes conhece dignidade e
cidadania, tampouco protege seus direitos e condições de vida[24].
No mesmo sentido, outro problema relevante,
é a deficiência de representantes políticos, que transcrevam os problemas da
comunidade, em demanda jurídica, ou mesmo em reivindicação política, e que em
época anterior foi tarefa feita pela associação dos moradores. Hoje, algumas
ong´s tentam contribuir com essas tarefas mas não com a mesma ênfase que as
associações de outrora.
4.
O SISTEMA PENAL BRASILEIRO: A PUNIÇÃO
DA POBREZA
No
período de 1995 até 2010, período analisado, o Brasil registrou, a segunda maio
variação na taxa de aprisionamento entre 50 países do mundo, com um crescimento
na ordem de 136%[25],
nesse mesmo sentido, o texto do relatório apresenta outra taxa ainda mais
assustadora:
Número de pessoas privadas de liberdade
em 2014 é 6,7 vezes maior do que em 1990. Desde 2000, a população prisional cresceu,
em média, 7% ao ano, totalizando um crescimento de 161%, valor dez vezes maior
que o crescimento do total da população brasileira, que apresentou aumento de
apenas 16% no período, em uma média de 1,1% ao ano” (DEPEN, 2015).
No mesmo
sentido, o recente “Mapa do Encarceramento[26]”
realizado pelo Governo Federal, a partir da análise do sistema de dados do
Ministério da Justiça, IBGE e IPEA, apresenta o aumento de 74% da população
carcerária no país dos anos de 2005 até 2012.
O
Relatório do Depen divulga uma marca de 231.062 mil déficit de vagas no Sistema
Penal. O percentual de presos provisórios é de 41%, o que confirma as
afirmativas sustentadas pelo Prof. Zaffaroni, e chegamos a um marco de 300 presos
por 100.000 mil habitantes, um número acima de México, África do Sul e
Argentina, por exemplo[27].
No que
toca o Ranking de maiores países com densidade populacional, o estudo do CNJ
divulga o Brasil na 4ª posição, apenas atrás de Estados Unido, China e Rússia,
computados presos domiciliares o Brasil ultrapassa a Rússia, ficando em 3º
colocado mundial[28].
O
Relatório do Depen de Junho de 2015 em sua análise do perfil do encarcerado no
Brasil, toma o devido cuidado de caracterizar que 67% dos aprisionados são de
etnia negra.
Ao considerar
a educação dos aprisionados se obtem os seguintes números: 12,2% tem o Ensino
Fundamental Completo, 45,3% tem o Ensino Fundamental Incompleto, 12,5% por
cento são Alfabetizados, 5,4% dos aprisionados são analfabetos. Apenas 18,7%
dos Encarcerados tem Ensino Médio e Somente 1,2% porcento o Ensino Superior.
Pode se aprontar
que 63% dos presos concluíram seus estudos antes da 8ª série e somados aos que
tem a instrução fundamental completa (8ª série), chegam ao expressivo numero de
75,43%.
Não há
dados quanto a renda dos encarcerados, porém cruzando tais dados com a Revista
Retratos da Desigualdades do IPEA (2011)[29],
se obtem as seguintes informações: 66,2% das residências localizadas em favelas
são chefiadas por homens ou mulheres negras.
Mais que
isso, em 2009, os negros recebiam 55% da renda referente aos brancos, e
representavam apenas 24% em referência aos brancos, no que toca a camada dos
10% mais ricos da população. Já em afinidade aos 10% mais pobres da população,
os negros representam 72% da população.
Conclui-se
então, que sendo a maioria dos encarcerados de etnia negra e que a maior parte
dos cidadãos dessa etnia encontra-se na camada mais pobre da população, os
dados levam a uma indireta constatação de que a massa carcerária é composta por
em sua maior parte por pessoas representantes da camada mais vulnerável
economicamente.
Ainda é
importante mencionar, no que toca os relatório governamentais, que da massa
carcerária brasileira, 35% dos encarcerados, respondem por delitos
patrimoniais, 27% por crimes de entorpecentes, o que é um fator a ser
considerado.
Importante mencionar, as questões que o autor
Eugenio Raul Zaffaroni define como autoritarismo cool[30],
segundo este a principal característica do aprisionamento latino americano é
que ¾ dos encarcerados são presos provisórios, mas já cumprem a pena definitiva
sem sequer terem sido sentenciados, explica:
Nos casos de delitos graves, a
prisão preventiva é seguida de reclusões perpétuas ou penas absurdamente
prolongadas, que em muitos casos superam a possibilidade de vida das pessoas:
os indesejáveis continuam sendo eliminados por meio de medidas administrativas,
penas desproporcionais (para reincidentes) e internação em cárceres marcados
por altíssimos índices de violência, de mortalidade hétero e auto agressiva e
de morbidade, ou seja, alta probabilidade de eliminação física, paralelamente
às execuções policiais e para-policiais sem processo. (ZAFFARONI, 2007)
A repressão das camadas trabalhadoras pelo que
Bourdieu chama de “mão esquerda” do estado, representada pela educação, saúde
pública, segurança pública, previdência social e moradia, hoje em dia é
substituída pela regulação da “mão direita” deste Estado, que é a polícia,
tribunais e sistema prisional, cada vez mais ativos e agressivos em sua atuação
frente as classes vulneráveis.[31] [32](WACQUANT
2003a,) BOURDIEU, 1998)
O Brasil se espelha no pensamento
americano sua política criminal autoritária, espelhada como superpotência
mundial, que vende esta como uma política criminal eficiente. Não obstante por
ser a própria fórmula apresentada como solução para os problemas sociais
gerados neoliberalismo, eão é de hoje que se denuncia o perigo desse tipo de
política[33]:
No Brasil, como em nações vizinhas, este empréstimo promete
produzir uma catástrofe social de proporções históricas porque a profundidade
ea escala da pobreza urbana são muito maiores, o crime violento é mais efusivo
e mais enraizada na história e na economia do país, e porque a polícia
brasileira não é um remédio contra a violência, mas uma importante fonte de
violência em seu próprio direito. (WACQUANT, 2003)
O autor denunciava também que este
país não possuia um sistema penal organizado capaz de assegurar a proteção dos
direitos dos cidadãos com condições prisionais indignas”[34]
Os
efeitos explicitados por Wacquant há pouco mais de dez anos atrás, são colhidos
nos atuais índices de encarceramento brasileiros atingiram números
significativos, um total de 607.731 brasileiros encontram-se sob tutela do
Estado, seja em estabelecimentos prisional ou mesmo sob tutela policial.
A adoção de medidas de estilo
americano de “varrer as ruas” e encarceramento em massa do marginal, do
“inútil”, e aqueles resistentes à regra do mercado desregulamentado que se
estendem um verdadeiro '' direito penal do terror que recai sobre aqueles
desfalcados do capital econômico e cultural necessárias para proteger-se da
ilegalidade contruida dentro do Estado penal brasileiro.
Outro
fenômeno é o aprisionamento do favelado e favelização do encarcerado (the
prison was “ghettoized, the ghetto was “prisonized), a favela
" aprisionada " como a sua composição de classe se tornou extremamente
pobre, suas relações sociais internas desenvolveram-se através do medo, e as
suas organizações internas minguaram a ponto de serem substituídas pelas
instituições de controle social do Estado[35].
Por
outro lado, a prisão foi " favelizada " quando a cultura predatória
da rua suplantado o "código do condenado", que tradicionalmente
organizava a "sociedade do recluso” a reabilitação foi abandonada em favor
de neutralização; e o estigma da condenação penal foi aprofundada e difundido
de forma a torná -lo semelhante a desonra racial[36].
O
cárcere é uma instituição que normalmente viola varias leis e valores que deve
defender. Trata-se assim de uma instituição reprodutora de pobres e que seu
recente crescimento e reabilitação apenas trabalham para aprofundar e
consolidar a marginalidade urbana.
Em seu estado de colapso e catástrofe,
o sistema carcerário brasileiro serve para concentração e reprodução da
violência e para fomento da criminalidade. Tendo por prática reiterada a
violação da legislação e principalmente dos direitos fundamentais, promovendo
assim, um reflexo negativo nas pessoas negras e pobres, contaminando o
funcionamento do restante das instituições encarregadas de gestão da violência.
É uma fábrica de violência[37].
É perceptível que pelos dados
expostos no Brasil ocorre um genocídio de negros, e que pessoas pobres vem sendo
enclausuradas como forma de controle social, são os rotulados, estigmatizados e
perseguidos pelo sistema penal.
O Brasil negligencia seus números
prisionais, as autoridades omitem-se e empurram umas para as outras suas
responsabilidades, culpam a falta de orçamento ao ponto que aumentam as
políticas de encarceramento, como prisões preventivas, execuções sumárias,
repressões policiais e guerras contra drogas.
As esferas dos poderes brasileiras
efetivam um discurso contradito, talvez proposital, queixam-se dos altos
índices e do cárcere lotado, denunciam o sistema putrefado, com taxas de
mortalidade desumanas e condições de sobrevivência que não são dignas da pior
masmorra medieval, no entanto, na primeira oportunidade verborram que o país é
exemplo de impunidade e que as penas não são aplicadas, tornando assim os
órgãos estatais em esfera potencializadoras de discursos policialescos.
Mais que isso, pouco percebem que o
populismo penal midiático trazido para o executivo, legislativo e judiciário,
por meio dessa postura contraditória dos membros dos três poderes, fez com que
o Brasil esteja próximo de 1 milhão de pessoas encarceradas (711.463 pessoas[38]
), quando se faz necessário que àqueles que ocupam posição decisional
olvidem-se da demagogia e da omissão e percebam que somente uma postura
desencarceradora do judiciário, do executivo e do legislativo pode refletir em
penas mais humanas, mais justas e proporcionais.
As deciões populistas, midiáticas e demagócias,
sob a falsa alcunha de igualdade para o mal, reduzindo direito para todos,
piorando condições carcerárias e processuais para todos transformará o país no
mais alto índice prisional mundial.
Não há qualquer outro caminho que não sejam os
direitos e garantias fundamentais para todos os cidadãos e cidadãs do Brasil,
penas mais justas, menos presídios, tratamento humanitário para pessoas
apenadas, prisões provisórias somente para casos necessários, penas
proporcionais ao injusto, fim do subjetivismo judicial, das arbitrariedades,
dos casuísmos e uma política criminal que vise diminuir progressivamente com as
prisões no Brasil para que as mesmas apenas venham a atender casos extremos, possibilitando
uma condição digna para as pessoas que estiverem sob tutela e responsabilidade
do estado, possam se reintegrar em sociedade e ocupar uma posição social sem
voltar a delinquir.
5.
CONCLUSÃO
Neste
artigo, o que se buscou analisar foi a recente onda de encarceramento do país,
através do fenômeno da Criminalização da Pobreza. Procuramos dessa forma,
apresentar os desvanecidos economicamente como os “inimigos” do sistema penal
brasileiro da atualidade.
Descaracterizar
a condição humana ou cidadã de um grupo social é algo de extremo perigo,
caracterizar determinado tipo de pessoa como descartável é algo cruel e
meticuloso, utilizar do sistema penal para descartar tais grupos de uma
sociedade é algo desumano.
Quando
se analisa o hiperencarceramento, percebemos o liberalismo como raiz e o neo
liberalismo como atualidade, as bases que fundamentam o sistema são claras: o
contrato social, burguês, capitalista e excludente.
Por
trás desse processo de cidadãos e inimigos resta sempre o vulnerável, se na Europa
o imigrante africano e arábe são taxados de terrorista e não-cidadãos, na
América os latinos, os imigrantes árabes, bem com os afro-descendentes, são
considerados menos pessoas. Aqui no Brasil as taxas de encarceramento nos
mostram que 67% dos negros ,em sua maioria delinquentes por crimes patrimoniais
ou drogas, são o inimigo do sistema penal, ou seja, ocorre um genocídio do povo
negro e pobre que podem ser chamados de inimigos do sistema penal brasileiro.
As políticas intolerância e de
controle social nada mais fazem do que reproduzir os erros realizados em países
neoliberais, ou seja, a violação de direitos, a estigmatização de cidadãos e a
punição da pobreza.
O neoliberalismo
escolhe entre os seres humanos quais destes são merecedores da tutela do Estado
de Direito e quais são aqueles que devem ser excomungados, vez que são
amaldiçoados e “imperfeitos” para essa sociedade, fundamenta teoricamente
arbitrariedades a serem cometidas pelos agentes estatais.
De fato, os
inimigos, os desvanecidos e os indesejados no sistema neoliberal são aqueles
que representam o consumo mercadológico, porque estão em uma camada social onde
sequer o provimento da dignidade lhe é conferido, quanto mais o do
consumo/lucro.
Tais
cidadãos, como bem apresentado por Wacquant, foram esquecidos no sonho
americano e o estado social foi recolhido, dando mão ao estado de punição e ocasionando
um massivo enclausuramento de indesejados.
O American
Dream ao defrontar-se com a desigualdade social optou pelo extermínio, pelo
aprisionamento, por cercar e esconder esses cidadãos que não servem a sociedade
capitalista.
Ocorre,
pois, que tais fatos foram massivamente denunciados por muitos pensadores,
confrontando os resultados apresentados pelos reprodutores das políticas
criminais neoliberais, com essas consequências aqui apresentadas, o que parece
não ter surtido efeito.
Resta claro
que as políticas expansionistas da punição trouxeram efeitos nefastos no
sistema penal brasileiro, com um aumento considerável da massa de encarcerados
e um verdadeiro “estado de sítio” traçado a uma classe social.
A favela
brasileira e o cárcere no Brasil são conectados como unha e carne, um
verdadeiro círculo vicioso, onde o cidadão encontra-se cercado e vigiado pelo
estado, a fuga desse “American Nightmare” é muito difícil, é subverter a
tendência lógica do planejamento neoliberal
Resta claro
que toda vez que se adota uma política autoritária ela recai sobre as camadas
vulneráveis, mais fracas e que não tem
capacidade para protegerem-se, tornando-se vítimas do sistema penal.
Apresentamos
a história do sistema penal e do capitalismo, de como as penas recaíram e
recaem sobre o proletariado e de como os números do sistema penal brasileiro
definem o perfil do selecionado: negro, pobre, jovem, de baixa escolaridade e
que delitos patrimoniais são a maioria condenados no país.
É necessário, então, que passemos a
discutir novas estratégias para lidar com os problemas de segurança pública,
tomando por frente as garantias do cidadão, os princípios norteadores do
direito e processo penal, as experiências internacionais de minimização do
encarceramento que tiveram efeito positivo, tais como penas alternativas,
descarcerização, o fim da medieval prisão (pena) provisória.
Não
obstante, mais do que a mudança de um plano de política criminal, é necessário
um trabalho de aculturamento, onde a punição e o castigo sejam definitivamente
extinguidos dos interesses sociais e consequentemente do Estado, tendo por
escopo uma política educacional e integracionista, com a finalidade de
compreensão e resolução do conflito social a partir do entendimento do outro
como ser humano, mas de forma alguma como inimigo.
O
autoritarismo não tem limites, a lei protege o cidadão da tirania do soberano,
conquista lograda a partir de duras penas no processo civilizatório e através
de efusivos processos de luta pela liberdade, direitos e proteção ao homem, que
não podem ser simplesmente abandonados e esquecidos.
Podemos
afirmar que as recentes e bárbaras rebeliões que chocaram o país, bem como o
fortalecimento de facções criminosas, estão diretamente conectados com essa
política criminal que “varre as ruas”, infla os presídios e a partir da omissão
do Estado[39],
seja nas comunidades, seja no sistema prisional, fazem com que cada vez mais o
rancor dos excluídos seja acumulado, expandindo um sentimento violento que só
será posteriormente exorcisado em rebeliões que tendem a ser cada vez mais
violentas, pois nada mais são que um grito desesperado de socorro[40]
de cidadãos em altíssimo grau de opressão, que bem da verdade o Estado
Brasileiro apesar de tê-los “sob sua tutela”, finge que sequer existem,
tratando os presídios como um depósito de seres vivos (abaixo da linha da
dignidade, e portanto, da condição humana).
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[10] CIRINO DOS SANTOS, Juarez..
Instituto de Criminologia e Política Criminal. 2012; Tema: Crime, Política
Criminal e Direitos Humanos. (Site).
[11] SANTOS, Juarez Cirino dos.
Direito Penal, Criminologia Radical, 2006;. P.128
[12] SANTOS, Juarez Cirino dos. A
Criminologia Crítica e a Reforma da Legislação Penal. In: XIX Conferência
Nacional dos Advogados - República, Poder e Cidadania, 2005, Florianópolis.
XIX, 2005. v. 2. p. 809-815.
[13] BENJAMIM, Walter. Para una
Crítica de La Violência. Edición Eletrônica de Escuela de Filosofía Universidad
ARCIS. Recurso electrónico. 10 de Junho de 2010. p. 8-9.
[14] CAMUS, Albert. O homem
revoltado. 5.ed. São Paulo: Ed. Record, 2003.
[16] Wacquant, L. The Prison is an Outlaw
Institution, 2012.
[17] Leite, Marcia Pereira.
Pobreza y Exclusión en Las Favelas De Río De Janeiro, 2008.
[18] Ziccardi, Alicia. Procesos
de urbanización de la pobreza y nuevas formas de exclusión social. 2008.
[19]Santos, Boaventura de Souza.
O Direito do Oprimido, 2014.
[20] Santos, Boaventura de Souza.
The Law of the Opressed: The
Construction and Reproduction of Legality in Pasargada. 1977.
[21] WACQUANT, Loic. As prisões
da Miséria. Jorge Zahar. Rio de Janeiro. 2001.
[22] DUARTE, E. C. P.; MURARO,
M.; LACERDA, M.; DEUS GARCIA, Rafael de. Quem é o suspeito do crime de tráfico
de droga? Anotações sobre a dinâmica dos preconceitos raciais e sociais na
definição das condutas de usuário e traficantes pelos Policiais Militares nas
Cidades de Brasília, Curitiba e Salvador. 2014.
[23] Idem.
[24] Idem.
[25] Idem.
[26] Mapa
do: os jovens do Brasil/Secretaria-Geral da Presidência da República. Brasília.
2014.
[27] Idem.
[28] Idem.
[29] Retrato das desigualdades de
gênero e raça / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [et al.]. - 4ª ed. -
Brasília: Ipea, 2011.
[30] Segundo este, vem da onda
autoritária norte americana, principalmente midiática, porém que na América
Latina não se sustenta, vez que é meramente propagandista, sem conteúdo teórico
e decorre em penas preventivas em prisões superlotadas, sem estrutura, por isso
“cool”.
[31] Waqcuant, L. The
Penalization of Poverty and the Rise of Neo-Liberalism, 2003a.
[32] Bourdieu, Pierre,
Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neo-liberal, 1998.
[33] Waqcuant, L. (2003) 'Towards a Dictatorship over the Poor? Notes on the Penalization
of Poverty in Brazil', 2003.
[34] Idem.
[35] Wacquant, L. Class, race &
hyperincarceration in revanchist America, 2010.
[36] Idem.
[37] Wacquant, L. 2008.
[38]
http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/cidadania-nos-presidios
[39] LEMOS, Eduardo Xavier. O
Pluralismo Jurídico Na Omissão Estatal: O Direito Achado no Cárcere. Porto Alegre: Fabris, 2014.