Entre o legal e o justo, esse sai frequentemente perdendo
Por Jacques Távora Alfonsin
Na edição do jornal Zero Hora de segunda-feira, 25 deste janeiro, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, fez críticas ao ativismo judicial, entendendo como duas das suas principais expressões os chamados direito alternativo e o direito achado na rua. Segundo o seu entendimento, aquelas duas iniciativas, a primeira, como se sabe, nascida entre juízes do próprio Rio Grande do Sul e a segunda uma filha de – Roberto Lyra Filho, foram motivadas como uma espécie de reação à ditadura imposta ao país pelos militares nas décadas anteriores ao da implantação da democracia. Se bem estamos interpretando o seu pensamento, elas pretendiam como que compensar os desmandos de um direito legal, à época, por um direito justo. Ele conclui o seu comentário, dando a entender mais do que perguntando, se os problemas explicativos daquele “ativismo”, então, ainda se justificam.
É claro que, nos limites de um simples comentário, não poderia ele nem nós – reconhecida desde logo, pelo menos de nossa parte, incapacidade para tanto – enfrentar uma questão filosófica de efeitos os mais importantes para a convivência humana como o do conflito histórico, presente em toda a lei, sobre as possibilidades de de ela, efetivamente, garantir justiça ou, pior, servir de instrumento hábil e oficial para preservar a injustiça.
Já é um ótimo sinal a favor do direito alternativo e do direito achado na rua, atestar o ex-ministro de que ambos se opunham à injustiça, o que impõe se concluir o “direito legal” de então pretender impor injustiça. Ao seu questionamento final, entretanto, perguntando se os problemas de então ainda exigem a mesma vigilância, já que se vive numa democracia, pode e deve ser oposto um outro e óbvio questionamento: a democracia, como a vigente no Brasil, impede que o “direto legal”, por si só, garanta a justiça?
Não garante, e não garante porque, pelo menos no âmbito da atuação do Poder Judiciário, por mais subjetiva que seja a concepção de cada juiz/a sobre a justiça, essa não leva a mínima chance de ser garantida sem o pressuposto de estar fundamentada na verdade e, por mais subjetiva que seja e concepção de cada um/a também, sobre a verdade, até o Código de Processo Civil tratou de reconhecer como objetiva aquela refletida no “fato notório”. Esse, aí até mesmo pelo chamado direito legal, nem pode ser desconsiderado como prova irrefutável.
Ora, o fato mais notório, a verdade mais evidente da realidade brasileira é a da injustiça social, inerente ao nosso sistema econômico, político e, por isso mesmo, também jurídico, senão na letra, na cultura, na ideologia e no “espírito” com que se impõe e reproduz, seja ele avaliado em seus perversos e injustos efeitos sociais no passado, durante a ditadura, seja ele avaliado agora, durante a democracia.
Daí a incômoda pergunta: qual é a/o juiz/a mais justo/a? o/a que se apóia exclusivamente na lei, no chamado direito legal, em conflitos nos quais a causa da sua eclosão se deve à injustiça social, ou aquele/a que, em situação semelhante ou idêntica, faz valer as duas alternativas comentadas pelo ex-ministro? Se a resposta a um tal questionamento tomar posição o em favor da/o primeira/o, como lamentavelmente ocorre na maioria dos casos, a lei estará traindo o povo, a verdadeira justiça, o verdadeiro direito, a verdadeira democracia, o verdadeiro Estado, mais não servindo do que para reproduzir a injustiça.
Isso tudo sem se falar no quanto é cômodo, para qualquer juiz/a, dispensar o trabalho de “se envolver” “sentir” os efeitos das suas sentenças, transferindo – escondendo seria melhor dizer – a sua responsabilidade para a lei. Toda a abstração desta tem capacidade para fingir que pode o que não pode; esgotar todo o direito e garantir toda a justiça. Ao ex-ministro faltou o -reconhecimento, também, dessa verdade.