O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Proibição da advocacia pro bono tem farsa e tragédia

Por Fabio de Sá e Silva
Publicado em Consultor Jurídico, 21/02/2013

Nesta sexta-feira (22/2), o Ministério Público Federal em São Paulo realizará uma audiência pública visando levantar informações, sugestões e críticas à normatização da Ordem dos Advogados do Brasil local que proíbe advogados de prestarem assistência jurídica e judiciária gratuita (pro bono) a pessoas físicas. Segundo essa normatização, advogados podem prestar serviços pro bono apenas a organizações sem fins lucrativos e, ainda assim, sob muitas restrições, como a de ingressar em juízo.

Estudos contemporâneos indicam que a institucionalização da advocacia pro bono em países periféricos é resultado da globalização, em seu sentido mais amplo, bem como da adoção de políticas de responsabilidade social no âmbito de grandes empresas. Acadêmicos e profissionais do direito com formação ou atuação nos Estados Unidos — onde as entidades equivalentes à OAB costumam emitir provimentos buscando induzir os advogados a pratica do pro bono, e não o contrário — têm servido como correias de transmissão para a ideia de que advogados, mesmo trabalhando no setor privado, têm responsabilidade direta na democratização dos serviços legais. Ao mesmo tempo, firmas jurídicas com perspectiva de atuação em um mercado cada vez mais internacionalizado começaram a adotar políticas de pro bono a fim de sinalizar aos seus potenciais clientes e correspondentes no estrangeiro que partilham de valores consolidados nesses outros contextos.

Em oposição a essas forças, a OAB-SP argumenta, principalmente, que a oferta de serviços pro bono por advogados particulares poderia se constituir em estratégia para a captação indevida de clientela e, consequentemente, em instrumento de concorrência desleal. A preocupação alegada é de que, aberta a possibilidade de atuação pro bono, advogados oferecerão serviços em caráter gratuito para conquistar a confiança de potenciais clientes e, a daí em diante, passarão a cobrar por novos serviços.

No 18 Brumário, livro em que analisa o golpe de Estado dado por Luis Bonaparte, sobrinho de Napoleão, na França, Marx ironiza a afirmação de Hegel de que fatos e personagens de grande importância histórica ocorrem, “por assim dizer, duas vezes”, indicando ter faltado ao seu interlocutor acrescentar: “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. O veto da OAB-SP à advocacia pro bono, que a esta altura já data de mais de uma década, parece ser uma exceção a essa visão de Marx sobre a história: tem, desde sua origem, um pouco de farsa e um pouco de tragédia.

A proibição da OAB-SP ao pro bono é antes de tudo farsesca porque pretende sustentar uma imagem idealizada de profissão liberal mesmo contra a realidade cotidiana da maioria dos advogados. Em um país com marcante histórico de desigualdade social e que até hoje não cumpriu plenamente a promessa constitucional de implantar um serviço estatal para a garantia universal do acesso à justiça, é bastante comum que advogados particulares aceitem patrocinar causas de pessoas carentes sem a cobrança de honorários. A permissão para a advocacia pro bono, nesse sentido, poderia ser uma oportunidade para regulamentar a gestão de um antigo “costume”, bem como para embasar sanções a quem, eventualmente, dele venha a se utilizar para finalidades propriamente comerciais.

Mas a proibição da OAB-SP à advocacia pro bono também tem uma faceta bastante trágica para a profissão pela qual, ao menos em tese, esta entidade tem a obrigação de velar. A Defensoria Pública vem se consolidando como um órgão central na promoção do acesso à justiça. Organizações da sociedade civil orientadas para a defesa de direitos humanos começam a ganhar força e deixar marcas importantes, ainda que em um grau bem menor que a verificada em países como a Argentina ou a Colômbia. Setores mais sensíveis do Ministério Público tem feito intensa mobilização dos instrumentos e da reputação de que dispõem em favor de indivíduos e grupos desfavorecidos. Conforme resulta da proibição da OAB-SP à advocacia pro bono, a advocacia privada parece querer se eximir de oferecer qualquer contribuição positiva a esse quadro.

Advogados e escritórios poderiam honrar a tradição de personagens como Luiz Gama ou Ruy Barbosa; e poderiam até mesmo ir além dela. Atuando em conjunto com aqueles outros atores e instituições, perante públicos ou nichos nos quais suas capacidades e expertises representem um diferencial, esses profissionais poderiam ajudar a articular um verdadeiro “sistema” de acesso à justiça no país, bem como a consolidar o papel do direito e das instituições jurídicas na democratização das nossas relações sociais. Isso, evidentemente, é apenas uma possibilidade. Mas nem com ela a OAB-SP nos tem deixado sonhar.
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Fabio de Sá e Silva é PhD em Direito, Política e Sociedade pela Northeastern University (EUA) e Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Foi dirigente no Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MJ) e consultor da Unesco e do PNUD em projetos voltados à melhoria do sistema de justiça criminal, do sistema penitenciário e da política pública de segurança.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Democracia y derechos

luis prieto sanchís - 14 de febrero de 2013

Democracia y derechos son seguramente conquistas históricas inseparables: allí donde la voluntad de la mayoría como criterio básico de gobierno cede ante modelos autoritarios tarde o temprano desfallecen las libertades y los derechos; pero también allí donde estos últimos son suprimidos o severamente cercenados, más bien pronto que tarde la democracia queda enmudecida. Tal vez por eso la crisis política que hoy tantas voces diagnostican pueda interpretarse como una enfermedad de la democracia, para muchos secuestrada por un partidismo corrupto y aquejada en todo caso por un creciente divorcio entre representantes y representados, pero también al mismo tiempo como una esclerosis en el ejercicio de las libertades y un debilitamiento de la fuerza de sus garantías y de las instituciones que han de hacerlas realidad, lo que propicia una sociedad de ciudadanos cada día más inermes y, dicho sea de paso, admirablemente sumisos.
Sin embargo y por paradójico que resulte, aunque esta simbiosis pueda considerarse confirmada por la historia, democracia y derechos encarnan valores y modelos de justificación tendencialmente conflictivos: el criterio fundamental de la democracia reside en la autonomía de los ciudadanos expresada a través de los votos. En cambio, los derechos y su sistema de garantías operan como un límite al poder de la mayoría, son siempre, en feliz expresión de Ferrajoli los derechos del más débil, más precisamente los derechos de la persona y del ciudadano frente al poder, y definen así la esfera de lo indecidible por las instituciones e incluso, cuando nos tomábamos en serio los derechos sociales, también en parte la esfera de lo indecidible que no. Por decirlo en pocas palabras, mientras que el poder, incluso si es democrático, siempre es susceptible de degenerar en despotismo y de sucumbir a la tentación de la vieja razón de Estado, los derechos encarnan su único límite jurídico y han de servir a la razón de la justicia aun en aquellos casos en que lo desaconseje la razón política; el fortalecimiento de los derechos representa, entonces, una limitación a lo que puede ser democráticamente decidido.
El constitucionalismo de los derechos quiere ser una invitación a contemplar en sus variadas implicaciones esa otra fuente de legitimidad que incorpora el constitucionalismo contemporáneo; esa otra fuente que no es el principio mayoritario ─invocado por los políticos de manera constante y a veces como único argumento para justificar toda decisión y poner fin a toda deliberación en una democracia que gusta presumir de deliberativa─ sino que es precisamente su limitación y condicionamiento sustantivo. Porque el constitucionalismo de nuestros días no sólo diseña un sistema formalmente democrático de acceso y ejercicio del poder, sino que pretende asegurar asimismo un muy denso contenido material de principios y derechos fundamentales, rígido y judicialmente garantizado, cuya vocación consiste justamente en la protección del más débil. Las instituciones de garantía de los derechos, en especial las instituciones judiciales, se yerguen así como el necesario contrapunto a las instituciones de gobierno; y por eso nunca será bastante la independencia entre unas y otras, como al parecer nunca cesarán tampoco los intentos por desvirtuarla.
Son numerosas las implicaciones que presenta este modelo de legitimidad dual para nuestra comprensión del sistema jurídico, y algunas de ellas intentan ser examinadas en El constitucionalismo de los derechos: la crisis del legalismo ante la fuerza normativa de las constituciones, las nuevas exigencias de racionalidad argumentativa, la presencia y el papel de la moral en el Derecho, el llamado activismo judicial, la neutralidad de la ciencia jurídica o incluso la cuestión siempre abierta de la obediencia al Derecho son algunos de los escenarios teóricos en que se proyecta el modelo comentado. Hay sin embargo un aspecto que me parece capital y que precede a todos los demás; un aspecto que, recordando el título de un bello libro de Calamandrei, consiste en actuar la Constitución. El déficit de justificación o de aceptación social que hoy aqueja a nuestro sistema político posiblemente requiera medidas que operen sobre el modo de organizar la democracia, que depuren el sistema de representación y de formación de mayorías, pero a mi juicio exige sobre todo más derechos y mejor garantizados. En suma, actuar la Constitución equivale a hacer reales y efectivas unas promesas que cuentan con más de treinta años de existencia; sin duda, algunas de ellas pueden ser de difícil cumplimiento, máxime en las actuales circunstancias económicas, pero la mayor parte resultan perfectamente asumibles si se cumple el designio de fortalecer el ejercicio de los derechos y la independencia y efectividad de sus instituciones de garantía.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Presidente do Olodum diz que divisão desigual de recursos no carnaval empobrece a Bahia e que 'Afródromo' empurraria negros para gueto

NELSON BARROS NETODE SALVADOR
É Carnaval em Salvador, e João Jorge Rodrigues, 57, presidente do Olodum, crava: há um monopólio na divisão de recursos na folia da Bahia, que é "terra de uma artista só" -Ivete Sangalo.
Na força da cantora, o líder do "bloco mais aclamado e conhecido no planeta", em suas palavras, vê um caráter étnico: ela é branca.
A vinda a Salvador de atrações como o sul-coreano Psy, diz, é mais um retrato de uma Bahia que não valoriza seus artistas, sua negritude.
João Jorge falou à Folha na sede do Olodum, em um belo sobrado encravado no Pelourinho. Em seguida, tinha outra entrevista: com o americano Spike Lee, 55, que filma "Go Brazil Go!", documentário sobre a ascensão econômica do país, que também vai abordar o Brasil da perspectiva racial.
Sobre isso, ele sentencia: a capital baiana "é campeã mundial de apartheid". Sobretudo nos dias de folia.
Mestre em direito público pela Universidade de Brasília (UnB), João Jorge vai na contramão do discurso dominante entre os envolvidos no Carnaval de Salvador.
Folha - Enquanto cresce a participação popular em blocos de rua no Sudeste, o Carnaval é criticado na academia e por referências do samba e do próprio axé.
João Jorge - O Carnaval do país é um retrato do Brasil atual. Ele é um Carnaval discriminatório, segregado, com mecanismos que reproduzem o capitalismo brasileiro: a grande exclusão da maioria em beneficio de uma minoria.
Seria ingenuidade esperar que no Carnaval de Salvador, de São Paulo, do Recife ou do Rio nós tivéssemos democracia, oportunidade, igualdade. Você passa 359 dias no ano praticando toda forma de violência institucional, de racismo institucional, e você quer que em seis dias o Carnaval seja democrático?
A situação é pior na Bahia?
Aqui, ainda mais. Você tem um segmento que tem os melhores patrocínios, maior visibilidade, todos os recursos. Há cordas separando os blocos do povo.
Estamos falando da possibilidade de o Carnaval ser mais generoso. Além de ser uma festa da alegria, proporcionar também àqueles que fazem cultura ter apoios tão generosos quanto o de quatro grupos. Mas é ilusão achar que isso mudará em curto prazo. Os atores que podiam brigar por isso estão às vezes mais preocupados em fazer parte do jogo.
O chamado 'Afródromo' ajuda ou atrapalha o cenário? [a iniciativa de Carlinhos Brown e outras seis entidades de criar um novo circuito, exclusivo para os blocos afro, estrearia neste ano, mas foi adiada pela nova gestão na prefeitura]
O Olodum tem brigado muito para sair mais cedo e poder ser visto pela televisão. Para que empresas patrocinem de forma equitativa os blocos afros.
Ao mesmo tempo, eles resolveram fazer algo separado. O que a sociedade mais quer é que os negros escolham um gueto para ir e se afastem da disputa com eles. É como se soubéssemos o lugar em que deveríamos ficar, em vez de aparecermos na Barra, no Campo Grande.
Mais ainda: obriga o poder público a ter gastos com outro circuito, quando os recursos poderiam ser distribuídos de uma forma melhor.
Até que ponto o monopólio afeta a festa, a música local?
A diversidade, que antes era a riqueza do Carnaval, foi diminuindo, e hoje o Ilê Aiyê, o Filhos de Gandhy, a Timbalada e o Olodum correm um pouco no meio disso.
Mas nos demais lugares você não tem novidades. A Bahia virou a terra de uma artista só. Parece que os outros estão todos mortos.
Isso mata os artistas emergentes, mata os que estão trabalhando e, em vez de fortalecer essa própria artista, a fulmina, porque é a galinha dos ovos de ouro aberta para pegar ovos. A festa faz de conta que está enriquecendo uma pessoa, mas na verdade está empobrecendo uma cidade, um Estado.
A pessoa é Ivete Sangalo?
Sim, ela.
E como o senhor vê a vinda de celebridades como o sul-coreano Psy, para ações publicitárias, com o discurso de prestigiar o Carnaval?
Essa mudança, de a gente precisar de elementos como esses, é uma coisa recente, tem 20 anos. Antes, as pessoas vinham para participar, para conhecer o Carnaval de Salvador. Com o tempo, passou a ser: 'Eu quero que você venha para você ser importante para o Carnaval'. Inverteu. O Carnaval é que era importante para essas pessoas.
O pessoal pergunta: qual é a atração deste ano do Olodum? É a banda Olodum. A banda mais internacional da Bahia: 37 países, quatro Copas do Mundo, tocou com os últimos 30 grandes nomes da música mundial. Na visão de outros grupos, outros artistas, eles não são atrações no Carnaval de Salvador, atração é o coreano, é a atriz da Globo.
A novidade do Olodum é o samba-reggae, é a força biológica da música que a gente tem, a música de protesto...
E existem novas músicas do Olodum assim?
Tem, e atuais. Agora, qual rádio que toca pagode, sertanejo e funk vai tocar música de protesto? Vou dar um exemplo bem simples: ninguém consegue mudar a ordem do desfile de Salvador, porque foi imposta pelo capital. A ordem é: quem tem mais dinheiro.
Mas qual prefeito ou governador vai dizer: "A gente banca o Carnaval, dá segurança, saúde, infraestrutura, gasta R$ 84 milhões, e todos terão de cumprir a seguinte diretriz -será um desfile alternativo, com um bloco afro, depois um afoxé e um bloco de trio. Um bloco travestido e um trio independente. Em horários que todos possam aparecer na TV". Quero ver qual autoridade da Bahia vai fazer isso.
E Claudia Leitte? Parte do público e da crítica diz que ela tenta repetir Ivete, que não teria identidade...
Não posso falar disso, porque esse é um problema dessas cantoras, desse tipo de personalidade cuja força é o caráter étnico. A força delas é que são cantoras brancas. Se elas se imitam ou não, não posso dizer nada, é o mercado que elas escolheram. De serem cantoras brancas, que dominam todo o mercado de publicidade, todo o mercado de shows, e que uma compete com a outra.
Recentemente, uma delas colocou o filho para subir no palco, e a outra fez o mesmo.
E tem a gravidez de cada uma, tudo que é feito para gerar noticia. Estou preocupado inclusive com Spike Lee, para ele não engravidar ninguém aqui nesse período [risos], para criar notícia, entendeu?
Agora, um fato é importante: elas exercem um papel importante na música brasileira e souberam dar um ar profissional a isso que é uma resposta também às demandas da própria comunidade negra. Você, com ótimas cantoras negras aqui, numa cidade de maioria negra, não capitalizar isso é um erro estratégico. Para você ver a força do racismo e da alienação. As cantoras negras da Bahia seriam milionárias nos EUA.
E os desfiles das escolas de samba no Rio e em São Paulo?
Olha, eles foram importantes nos anos 10 e 20 do século passado para formar uma cultura do samba. Depois, foram engessados pelo modelo de desfile, pelo sambódromo e continuam sendo um espetáculo maravilhoso... De ver. Mas sem participação ampla, e isso difere do Recife, de Olinda e de Salvador.
Por isso o Rio está tendo essa explosão de blocos de rua, mostrando que as pessoas cansaram desse modelo da fantasia, das alas, da batida, de 90 minutos de desfile. Sem falar da guerra publicitária, dos enredos patrocinados.
Em algum momento o Carnaval foi uma festa popular?
Nunca, ainda não é e talvez não seja. É uma festa de multidões, mas que tem uma repressão muito grande sobre tudo. O Carnaval é extremamente limitado, onde se desfila, se bate foto, é preciso pagar taxas. E não é isso que é vendido para o mundo.
Veja, um dos fenômenos mais interessantes do Carnaval é a visibilidade da homossexualidade. Mas é também no Carnaval em que os homossexuais são mais agredidos. Ao mesmo tempo em que parece que a cidade fica liberal, receptiva ao outro, ela é extremamente conservadora.
O Carnaval está migrando para ter os bailes de novo, os camarotes, uma estrutura mais apartada ainda do que se conseguiu ter nos blocos de trio nos horários de desfile.
Mas o Olodum segue nela...
O Carnaval não é a salvação, não é o fim do mundo. É algo importante para a civilidade que precisa emergir, mas não se resolvem os problemas das cidades sem o confronto. O Carnaval é a cara da sociedade. Só em um momento o brasileiro se mostra como ele é. É no Carnaval.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Uma ordem judicial, capaz de torturar multidão de gente pobre, prova que a chamada justiça de transição pressupõe uma transição da justiça


jacquesalfonsin200 Jacques Távora Alfonsin (*)
Do vídeo publicado na internet, revelando a tragédia que vitimou milhares de pessoas pobres, no local conhecido como Pinheirinho, em São José dos Campos (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-excepcional-documentario-sobre-pinheirinho) podem ser retiradas muitas lições, mas, do ponto de vista estritamente jurídico, pelo menos três delas têm de ser lembradas com muita ênfase.

A primeira retrata a semelhança vergonhosa entre o tratamento dado às/os moradoras/es da região, ali residentes há quase 10 (dez) anos, com a tortura que o regime militar impôs a brasileiras/os defensoras/es da liberdade, da dignidade humana e da cidadania na época da ditadura. Violências, agressões e humilhações impostas a todo um povo, desconsiderada sua pobreza, condições de idade, saúde e gênero, constitui tortura, sim, ainda mais quando sacrificam um bem indispensável a vida como é a moradia. Não interessa se elas partem de uma ordem judicial, pois, como o vídeo também demonstra, alem de ilegal e injusta, era completamente desnecessária, pelas muitas tratativas de negociação ainda em curso, quando o mandado de execução da reintegração de posse foi cumprido.
A segunda está ligada as preferências que a juíza entendeu de impor, no caso. No conflito entre o direito patrimonial de uma empresa falida e seus credores e o direito humano fundamental de moradia, a ordem judicial preferiu sacrificar este em benefício daquele. Embora o primeiro esteja hierarquicamente em nível muito inferior ao segundo, embora o Direito Processual moderno consagre várias formas e oportunidades de negociação entre partes litigantes, câmaras de conciliação, arbitragem, audiência públicas e outras, muitas delas ainda em tramitação quando a execução desapossou as/os rés/réus da ação, prevaleceu a cultura da afirmação de autoridade, custasse o que custasse, até risco de vidas como o vídeo mostra.
A terceira está relacionada com o momento histórico que o país está vivendo em decorrência do trabalho que a Comissão Nacional da Verdade está procurando fazer juntamente com as estaduais. Bem ao contrário do que aconteceu no Pinheirinho, o que está em causa nesse trabalho é justamente evitar que as causas das prisões, das torturas, dos desaparecimentos e das mortes patrocinadas pelo próprio Estado, não sejam esquecidas e muito menos imitadas por preconceitos ideológicos arraigados especialmente contra populações pobres, os responsáveis por elas sejam identificados, a verdade daquele passado desumano e cruel revelada e a justiça, ainda que tardia, garantida. Se, no acórdão do Supremo Tribunal Federal sobre a lei de anistia e, em São José dos Campos, o Poder Judiciário desencoraja essa esperança, isso demonstra que a chamada justiça de transição pressupõe uma transição da própria Justiça, não só aquela de valores próprios, que parece ausente num e noutro caso, como na própria conduta daquele Poder, quando executa ações possessórias contra multidões pobres, como se ainda vivêssemos na época do Império, sujeitos às Ordenações Filipinas.
Menos mal que iniciativas do tipo da Procuradoria da República de São Paulo (caso Ustra) demonstra que a sociedade civil ainda encontra base sólida para agir e não se dobra à acomodação de quantas/os, dentro ou fora do Poder Judiciário, optam pela indiferença, essa outra forma de despiste da injustiça. Assim como aconteceu com as ONGs defensoras dos direitos humanos à alimentação e a moradia, os comitês de Memória, Verdade e Justiça que estão surgindo em todo o Brasil dão testemunho de que, sem memória da injustiça sofrida, não há como revelar a verdade histórica devida às vítimas da repressão passada, nem garantir uma justiça de transição devida à reparação desse mal, que gere, no presente, uma transição de justiça capaz de impedir os horrores como os revelados neste vídeo.
Seria de todo conveniente que as faculdades de direito do país incluíssem a visão deste filme em seus programas de ensino e as corregedorias de justiça, as associações de juízes, promotores e procuradores fizessem o mesmo. Quem sabe assim o Brasil todo não voltasse a se envergonhar com o massacre de um pinheirinho tão semelhante àquele vizinho do presépio, lembrado no natal.
(*) Procurador do Estado aposentado, mestre em Direito pela Unisinos, advogado e assessor jurídico de movimentos populares.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Formação para novas/os integrantes do PEAC Promotoras Legais Populares


Que tal fazer parte do Promotoras Legais Populares, um projeto de extensão que atua em prol dos direitos das mulheres?


Promotoras Legais Populares (PLP) é um projeto de extensão multidisciplinar, desenvolvido por mulheres e homens de diferentes áreas, que associa o(s) feminismo(s), a educação popular freireana e o direito achado na rua para, entre outras atividades, organizar cursos em conjunto com mulheres de diversas comunidades para o tratamento de vários temas sob o recorte de gênero a partir de suas frentes de atuação.

O projeto a/o convida para participar de suas próximas atividades de apresentação e de formação de novas/os integrantes, com a seguinte programação:

20/02/13 (quarta-feira):
- 13h-14h: Primeira apresentação do projeto (rampa do Udfinho) ou
- 18h-19h: Segunda apresentação do projeto (jardim da FD).
24/02/13 (domingo):
- 09h-12h: Discussão sobre a educação popular freireana e o direito achado na rua (sala AT-07 da FD, local sujeito a alteração),
13h-16h: Discussão sobre gênero e feminismo(s) (sala AT-07 da FD, local sujeito a alteração) e
- 18h: Sarau de luta feminista (local a definir).

Os dois textos-base para discussão nos encontros estão disponíveis na pasta 100 da Xérox do CADir na FD. As inscrições para as atividades de formação devem ser feitas até 22/02/13 (sexta-feira) por email contendo nome, curso, instituição e contato, enviado a plpunb@gmail.com, através do qual enviaremos maiores informações e, se necessário, os textos digitalizados e respostas a eventuais dúvidas. Não se esqueçam de levar suas canecas, contribuições para nosso lanche da tarde e materiais, instrumentos, poemas, criatividade e vigor para nosso sarau.
Nos vemos lá!

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Novo Vice-Reitor da Unila é ex-Diretor do CEAM da UnB

05.02.2013

Novo Vice-Reitor

“Quero contribuir com a construção desta universidade revolucionária, emancipadora”, declara

Publicado por Mayara Godoy Alunos, professores e servidores técnico-administrativos lotaram o Auditório César Lattes (Parque Tecnológico Itaipu), na manhã desta terça-feira (05), para prestigiar a passagem de cargo do ex-vice-reitor, Gerónimo de Sierra Neves, ao novo titular, Nielsen de Paula Pires. A mesa de autoridades foi composta, ainda, pelo reitor Hélgio Trindade; pela vice-prefeita de Foz do Iguaçu, Ivone Barofaldi; e pelo assessor da Diretoria-Geral Brasileira da Itaipu Binacional, Joel de Lima.
Auditório ficou lotado para a solenidade
Professor Nielsen de Paula Pires assumirá, de agora em diante, desafio de ajudar a construir a UNILAO novo vice-reitor, Nielsen de Paula Pires, iniciou sua fala agradecendo pela confiança para esta “honrosa e árdua missão”: a de contribuir com o projeto da UNILA, o qual considera “ousado; estratégico; pioneiro; histórico; único”.
Segundo ele, atualmente o mundo vive um momento em que a educação é vista como mercadoria de consumo – ou seja, é comprada e vendida –, e a UNILA vem justamente na contramão desta tendência. “Queremos transformar o mundo e torná-lo mais igual, justo, fraterno e democrático”, destacou.
O ex-vice-reitor, Gerónimo de Sierra, que ocupou o cargo desde abril de 2010 – e também integrou a Comissão de Implantação da UNILA desde janeiro de 2008 – destacou que a Universidade tem sido construída por “heróis”. “E não são só os professores, mas também servidores técnico-administrativos, professores e alunos. Todos fazem parte de uma comunidade rara”, ressaltou. Ele lembrou, ainda, fatos marcantes ocorridos desde a criação da UNILA, e reforçou que a instituição foi planejada minuciosamente. “Este projeto é uma aventura, mas é sólido”, constatou.

Para o reitor Hélgio Trindade, esta transmissão de cargo demonstra que a Universidade é consistente o suficiente para continuar avançando “para além daqueles que a pensaram e fundaram”. Na oportunidade, o reitor prestou uma homenagem ao professor Gerónimo de Sierra, ressaltando que “um reitor só consegue enfrentar os desafios cotidianos da universidade se dispuser de uma interlocução permanente e criativa com seu vice-reitor”.
Trindade ressaltou diversas qualidades do ex-vice-reitor, entre as quais a de possuir a visão autêntica de uma América Latina una e diversa, a de ter uma grande produção intelectual e um senso crítico permanente. “Cabe a mim, representando toda a comunidade da UNILA, manifestar o reconhecimento pelo seu desempenho apresentado”, destacou. “E com a saída do Gerónimo, colocou-se um desafio de encontrar um vice-reitor à sua altura”, observou, referindo-se ao currículo do professor Nielsen de Paula Pires, a quem deu as boas-vindas. O professor Nielsen Pires foi nomeado por portaria publicada no último dia 30 no Diário Oficial da União.
Para encerrar, alunos representantes da primeira turma da UNILA (2010) homenagearam o professor Gerónimo de Sierra com a entrega de uma placa comemorativa.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O legado da crise atual: rever e reinventar conceitos

                  Leonardo Boff
Nutro a convicção, partilhada por outros analistas, de que a crise sistêmica atual nos deixarácomo legado e desafio a urgência de repensar a nossa relação para com a Terra, para com os modos de produção e consumo, reinventar uma forma de governançaglobal e uma convivência que inclua a todos na única e mesma Casa Comum. Para isso é forçoso rever conceitos-chaves, que como bússola nos possam apontar  um novo norte. Boa parte da crise atual se deriva de premissas falsas.
         O primeiro conceito a rever é o de desenvolvimento. Na prática ele se identifica com o crescimento material, expresso pelo PIB. Sua dinâmica é ser o maior possível, o que implica exploração desapiedada da natureza e a geração de grandes desigualdades nacionais e mundiais. Importa abandonar esta compreensão quantitativa e assumir a qualitativa, esta sim como desenvolvimento, bem definido por Amartya Sen (prêmio Nobel) como “o processo de expansão das liberdades substantivas”, vale dizer, a ampliação dasoportunidades de modelar a própria vida e dar-lhe um sentido que valha a pena. O crescimento é imprescindível pois é da lógica de todo ser vivo, mas só é bom a partir  das interdependências das redes da vida que garantem a biodiversidade. Em vez de crescimento/desenvolvimento deveríamos pensar numa redistribuição do que já foi acumulado.
         O segundo é o manipulado conceito de sustentabilidade que, no sistema vigente, é inalcançável. Em seu lugar deveríamos introduzir a temática, já aprovada pela ONU, dos direitos da Terra e da natureza. Se os respeitássemos, teríamos garantida a sustentabilidade, fruto da conformação à  lógica da vida.
         O terceiro é o de meio-ambiente. Este não existe. O que existe é o ambiente inteiro, no qual todos os seres convivem e se interconectam. Em vez de meio ambiente faríamos melhor usar a expressão da Carta da Terra: comunidade de vida. Todos os seres vivos possuem o mesmo  código genético de base, por isso todos são parentes entre si: uma real comunidade vital. Este olhar nos levaria a ter respeito por cada ser, pois tem valor em si mesmo para além do uso humano.
         O quarto conceito é o de Terra. Importa superar a visão pobre da modernidade que a vê apenas como realidade extensa e sem inteligência. A ciência contemporânea mostrou e isso já foi incorporado até nos manuais de ecologia, que a Terra não só tem vida sobre ela, mas é viva: um superorganismo, Gaia, que articula o físico, o químico e as energias terrenas e cósmicas para sempre produzir e reproduzir vida. Em 22 de abril de 2010 a ONU aprovou a denominação de Mãe Terra. Este novo olhar, nos levaria a redefinir nossa relação para com ela, não mais de exploração mas de uso racional e respeito. Nossa mãe a gente não vende nem compra; respeita e ama. Assim com a Mãe Terra.
         O quinto conceito é o de ser humano. Este foi na modernidade pensado como desligado, fora e acima da natureza, fazendo-o “mestre esenhor”dela (Descartes). Hoje o ser humano está se inserindo na natureza, no Universo e como aquela porção da Terra que sente, pensa, ama e venera. Essaperspectiva nos leva a assumir a responsabilidade pelo destino da Mãe Terra e de seus filhos e filhas, sentindo-nos cuidadores e guardiães desse belo, pequeno e ameaçado Planeta.
         O sexto conceito é o de espiritualidade. Esta foi acantonada nas religiões quando é a dimensão do profundo humano universal. Espiritualidade surge quando a consciência se apercebe como parte do Todo e intui cada ser e o inteiro Universo sustentados e penetrados por umaforça poderosa e amorosa: aquele Abismo de energia, gerador de todo o ser. É possível captar o elo misterioso que liga e re-liga todas as coisas, constituindo um cosmos e não um caos. A espiritualidade nos confere sentimento de veneração pela grandeur do universo e nos enche de autoestima por podermos admirar, gozar e celebrar todas as coisas.
         Temos que mudar muito ainda para que tudo isso se torne um dado da consciência coletiva! Mas é o que deve ser. E o que deve ser tem força de realização.


Leonardo Boff é autor de Opção-Terra:a solução para a Terra não cai do céu, Record 2010.