Lívia Gimenes Dias da Fonseca
Nos 90 anos de Paulo Freire, a Universidade de Brasília (UnB) dedica a Semana Universitária ao seu pensamento que ainda hoje é referência para as/os que sonham com uma educação a serviço da dignidade humana e do fim de todas as formas de opressão. O professor chileno Abraham Magendzo credita à educação Freiriana a inspiração da Educação em Direitos Humanos (EDH) na América Latina (Lima, 2001).
A EDH surgiu a partir dos movimentos de Educação Popular exercida com base nos princípios pedagógicos freirianos. Paulo Freire tinha em sua prática pedagógica a destituição da realidade injusta por meio de uma educação em que os/as envolvidos/as se descobrissem sujeitos históricos ativos para que os direitos pudessem começar a serem conquistados e não doados (FREIRE, 2001, p. 99).
A Educação em Direitos Humanos é entendida como uma experiência democrática de respeito à autonomia do indivíduo em que o diálogo problematizador é o instrumento de sensibilização em relação às ofensas à dignidade humana sofridas individualmente e/ou por outros/as, ao mesmo tempo, em que os/as participantes se descobrem sujeitos de direitos e se sentem solidários/as para atuar em direção à transformação da sociedade.
Este enfoque pedagógico garante que o direito à educação seja determinante para o cumprimento de outros direitos humanos já que, ao mesmo tempo, se cumpre com o direito à educação em si e se pratica este direito como uma forma de vivência e aprendizagem dos demais direitos humanos.
Neste sentido, a EDH tem sua prática reconhecida na Declaração dos Direitos Humanos, no artigo 26, § 2, onde está previsto que a educação deve atender aos objetivos de desenvolvimento da personalidade humana, de fortalecimento do respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, deve promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre os povos, e a paz. No mesmo sentido, a Constituição Federal brasileira, em seu art. 205, determina que a educação deve estar voltada à formação para a cidadania.
Nessa direção, compreende-se que a efetivação do direito à educação deve ser realizada dentro dos parâmetros dos Direitos Humanos. Dessa forma, está em discussão no Conselho Nacional de Educação (CNE) as Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos. O documento orientador ficará disponível no portal do Ministério da Educação(http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17036&Itemid=1098) até 10 de outubro de 2011 e já contou com a opinião e avaliação de várias entidades, inclusive da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), representada pelo Reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, na Audiência Pública ocorrida no auditório do CNE no último dia 22 de setembro.
A partir deste documento, a Educação em Direitos Humanos passará a ser incluída transversamente, e/ou a partir de disciplinas, nos currículos escolares de todos os níveis educacionais, ou seja, na educação básica (nas diferentes etapas e modalidades) e no ensino superior (graduação e pós-graduação).
No documento orientador das Diretrizes, seguindo diversas recomendações, convenções e tratados internacionais, estão previstas que as responsabilidades do Ensino Superior com a EDH estão ligadas aos processos de construção de uma sociedade mais justa, pautada no respeito e promoção dos Direitos Humanos (trecho texto orientador).
Assim, a Universidade de Brasília tem em seu plano original o pioneirismo de se forjar enquanto um espaço de realização de Direitos Humanos. A ideia de “Universidade Necessária” pensada por Darcy Ribeiro preconizava que a essencialidade do Ensino Superior estaria no encontro dos saberes acadêmicos com realidade social de modo a contribuir com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Entretanto, o próprio texto orientador das Diretrizes nos lembra que as Instituições de Ensino Superior não estão isentas de vivenciar violações de direitos humanos em seu espaço. Para citar alguns exemplos do que ocorre na UnB: as diversas denúncias de violações que ocorrem por meio do trote; as discriminações presentes por vezes nas relações estudantis e atitudes de funcionários/as, em especial, contra às mulheres e às pessoas LGBT; e do não reconhecimento por uma parcela do corpo docente do/a estudante como sujeito de fala.
Desse modo, a UnB se torna educadora em Direitos Humanos quando se propõe a ser uma Universidade Emancipatória e assume medidas de ampliação de fóruns democráticos de participação; garante ações afirmativas para o ingresso nos cursos; amplia a assistência estudantil e a localização dos campus; e cria ouvidoria e realiza campanhas educativas.
Por fim, o avanço da conquista de uma UnB voltada para o aprendizado e efetivação de Direitos Humanos só se dará quando esta temática estiver transversalizada no ensino, na pesquisa, na extensão, na gestão e no compromisso e preocupação de toda comunidade acadêmica com a conquista de uma sociedade livre de opressões.